terça-feira, outubro 27, 2009

OS REIS DO PALCO


Ao comentar a escolha do Rio de Janeiro para sede das Olimpíadas de 2016, o cineasta Fernando Meirelles - diretor de Cidade de Deus e de O Jardineiro Fiel -, disse que considera Lula um dos maiores atores, senão o maior ator, do Brasil. A patuléia entendeu a coisa como mais uma rasgação de seda, mais uma ode ao Guia Genial e Pai da Pátria. Eu entendi exatamente o contrário. Trata-se de uma das críticas mais acertadas que alguém já fez ao Apedeuta.

Chamar um político de ator está longe de ser um elogio. Pelo contrário. O ator, assim como o poeta - já dizia Fernando Pessoa -, é, antes de tudo, um fingidor. Atuar, já disse um mestre dos palcos, é fingir, é mentir. Coisa que políticos - e Lula, assim como Obama, é um político, antes de qualquer outra coisa - sabem fazer como ninguém. Eles vivem disso. E, quanto mais falam em nome do "povo", ou dos "pobres" etc., mais capricham na atuação e na maquilagem.

Lula é, de fato, um grande ator. Talvez o maior ator que já apareceu por estas bandas, digno de receber um Oscar. Toda sua vida pública, desde o sindicato dos metalúrgicos de São Bernardo do Campo, tem sido uma performance constante para a platéia. Ele é capaz de convencer os empresários que é o mais capacitado para presidir um governo que defenderá seus interesses, e, ao mesmo tempo, de manter acesa a chama da "mudança social" tão cara às esquerdas. É capaz de, no mesmo discurso na ONU, condenar o "golpe" em Honduras e elogiar a ditadura cubana, falar em democracia e se encontrar, minutos depois, com Mahmoud Ahmadinejad. E muitos vêem nisso uma qualidade, uma hábil demonstração de "realismo". Enfim, um verdadeiro Laurence Olivier da política, contracenando para uma platéia ávida por acreditar no espetáculo.

Já comentei aqui, alguns posts atrás, o tal filme do Lula que está para ser lançado. No trailer, que já está sendo exibido nos cinemas, o narrador afirma que o espectador conhece o nome, mas não o homem. Que irá conhecer, a partir de então, o homem, não a figura pública. Nada mais falso. O filme apenas reforça o mito lulista. Ninguém sabe quem é Lula, ou melhor, ninguém sabe quem é Luiz Inácio da Silva. Ele está escondido, há uns trinta anos, debaixo de toneladas de slogans e propaganda político-ideológica, que trataram de apresentá-lo como um messias ou um herói da classe trabalhadora. Em 2002, Lula apareceu reciclado, posando de bom-moço. Seu partido, o PT, desesperado para apagar a imagem de radical, divulgou um documento, a "Carta aos Brasileiros", na qual jurava defender o livre mercado e renunciava, pelo menos no papel, à qualquer tentação dirigista. Lula e o PT, em suma, disseram estar convertidos ao capitalismo. Convertidos, mas não arrependidos de duas décadas de militância socialista. E conversão sem arrependimento, ou sem confissão, de acordo com os manuais católicos, é puro fingimento, é mais uma artimanha do tinhoso para levar as almas ao inferno.

Hoje, do alto de seus 120% de popularidade, Lula pode se dar ao luxo de se livrar desses disfarces. Aqui e ali, já começam a aparecer no governo alguns corvos defendendo idéias estatistas. Essas tendências, que pareciam adormecidas, reapareceram sobretudo nas cobranças de Lula à Vale (uma empresa privada, além de tudo), e por causa do pré-sal. Já vão longe os tempos da "Carta aos Brasileiros"... Esta foi importante, em sua época. Agora não serve mais.

Assim como Lula, os bolivarianos são grandes atores. É mais um traço que Lula tem em comum com eles. Hugo Chávez, quando foi eleito pela primeira vez, em 1998, para a presidência da Venezuela, também estava desesperadamente tentando apagar da mente de todos sua fama de militar truculento e golpista, adquirida na sangrenta tentativa de golpe que liderou em 1992. Fez questão de conversar com empresários, com a Igreja católica e demais representantes da sociedade civil, para mostrar que era um outro homem, mais maduro e moderado. Em sua campanha política - cujo material, como panfletos, eu guardo até hoje -, ele falava em democracia e em estabilidade econômica. Em momento algum falou em "revolução bolivariana" ou em "socialismo do século XXI". Assim como não falou nada sobre fechar canais de televisão que lhe desagradam e em mudar as regras para permanecer no poder até o túmulo, ou em fornecer armas pesadas às FARC.

Os dois últimos membros da confraria bolivariana, Manuel Zelaya e Daniel Ortega, corroboram a vocação dos bolivarianos para a teatralidade. Zelaya foi eleito por um partido conservador, com um discurso convencional. No meio do caminho, porém, mudou de idéia: da noite para o dia, converteu-se num revolucionário chavista, um Che Guevara de botas e chapéu de caubói. Botou na cachola que um mandato não é suficiente e tentou rasgar a Constituição para convocar um referendo declarado ilegal pela Justiça. Acabou sendo deposto pelos mesmos setores que haviam sido enganados por ele nas eleições, e que devem estar arrependidos por terem-no expulsado para a Costa Rica, em vez de tê-lo levado algemado para responder na Justiça por seus crimes. Não contavam que ele voltaria e que um governo estrangeiro permitiria que sua embaixada em Tegucigalpa fosse transformada em palco da pantomima zelaysta.

Ortega, por sua vez, foi mais esperto: tendo chegado à presidência depois de uma longa semi-aposentadoria, ele foi eleito jurando estar arrependido dos "erros do passado", e dizendo-se um convertido à democracia. Queria que todos esquecessem o período em que fora presidente, nos anos 80. Dizia-se, enfim, um novo homem. Pura fachada. Tendo garantido o apoio da maioria dos juízes da Suprema Corte, ele logo deixou cair a máscara de bom-moço, manobrando para que estes mudassem, de uma penada, um Artigo da Constituição que impede sua reeleição. Se você pensou em "conto do vigário", achou o termo certo para definir o que Ortega está fazendo na Nicarágua, e o que Zelaya tentou - e continua a tentar, com o apoio de Lula - em Honduras.

Dizem que Lula, quando estava no sindicato, certa vez participou de um curso de motivação profissional. O instrutor propõs que cada um expussesse o que considerava a melhor maneira de dirimir conflitos e motivar a união de todos. Quando chegou a vez de Lula, ele pediu que todos fizessem um círculo e se dessem as mãos... Esse é Lula. Um rei dos palcos.

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