terça-feira, setembro 29, 2009

UMA ANÁLISE PURAMENTE JURÍDICA SOBRE A CRISE EM HONDURAS


Sei que muita gente já não agüenta mais ouvir falar na crise em Honduras, ainda mais agora, quando o governo brasileiro se converteu em porta-voz do golpismo bolivariano. Mas insisto no assunto. Sua importância transcende, como disse no último post, os limites do país. Também estou ciente que, por mais que eu exponha argumentos provando, por A mais B, que não houve golpe de Estado, muito menos "golpe militar", coisíssima nenhuma, e que o único golpista no caso é Manuel Zelaya, ainda haverá quem pense que só estou dizendo isso porque sou um, como é mesmo?, "conservador", "direitista", "reacionário" - enfim, um "lacaio do imperialismo ianque" (embora o imperialismo ianque, nesse caso, esteja mais pro lado de Zelaya...). Ou, para ser mais sutil, porque tenho uma visão demasiadamente parcial, turvada por uma opção ideológica etc. etc.

Então, para essas pessoas, preparei um texto diferente. Para que não me chamem de "radical", "parcial", "tendencioso", ou outro adjetivo semelhante, não vou apresentar, aqui, nenhum argumento contra Manuel Zelaya e seus apoiadores Lula e Hugo Chávez. Não vou expressar nenhuma opinião. Vou me limitar a reproduzir o que diz a Lei - de Honduras e internacional -, e compará-la com os fatos. Somente isso. Nada mais. As conclusões ficam por conta de quem ler.

Comecemos com a Constituição da República de Honduras. Lá está escrito, no Artigo 42:

ARTICULO 42.

- La calidad de ciudadano se pierde:
(...)
2. Por prestar ayuda en contra del Estado de Honduras, a un extranjero o a un gobierno extranjero en cualquier reclamación diplomática o ante un tribunal internacional;
3. Por desempeñar en el país, sin licencia del Congreso Nacional, empleo de nación extranjera, del ramo militar o de carácter político;
4. Por coartar la libertad de sufragio, adulterar documentos electorales o emplear medios fraudulentos para burlar la voluntad popular;
5. Por incitar, promover o apoyar el continuismo o la reelección del Presidente de la República; (...)


Lembremos os fatos: em 28 de junho passado, Manuel Zelaya, então presidente de Honduras, convocou um plebiscito para decidir sobre sua reeleição ao governo. Com isso, incitou, promoveu e apoiou o continuísmo e a sua reeleição como presidente da República. A Constituição diz: quem fizer isso perde a qualidade de cidadão. Ou seja: deixa de ser cidadão hondurenho. Mais claro, impossível.

O Artigo 237 estabelece qual é a duração do período do mandato presidencial:

ARTICULO 237.

- El período presidencial será de cuatro años y empezará el veintisiete de enero siguiente a la fecha en que se realizó la elección.

Lembrando: Manuel Zelaya afrontou o Artigo 42, que pune com a perda da cidadania hondurenha quem incitar ou promover a reeleição presidencial. O Artigo 237 reforça essa idéia, deixando claro que o mandato é de quatro anos. Novamente: claro, claríssimo.

Agora, leiam o que diz o Artigo 239 da Constituição da República de Honduras:

ARTICULO 239.

- El ciudadano que haya desempeñado la titularidad del Poder Ejecutivo no podrá ser Presidente o Designado.

El que quebrante esta disposición o proponga su reforma, así como aquellos que lo apoyen directa o indirectamente, cesarán de inmediato en el desempeño de sus respectivos cargos, y quedarán inhabilitados por diez años para el ejercicio de toda función pública.

A redação é um pouco abilolada, e pode até causar uma certa confusão sobre quem seria "presidente" ou "designado". Mas o que está dito aí em cima não dá margem à dúvida: quem propor a mudança do que está na Lei perde de imediato o cargo que exerce. Ou seja: quando houve o tal "golpe" contra Zelaya, quando ele foi preso e expulso do país de pijamas, segundo foi dito ad nauseam nos últimos meses, ele já havia perdido o mandato, já não era mais presidente da República. A Lei deixa claro que o mandato presidencial é de quatro anos e que quem incitar o continuísmo ou a reeleição do presidente da República - o que Zelaya fez - perde até a cidadania. Quem diz isso não sou eu: é a Constituição do país.

Zelaya, diante do que está acima, alega que o disposto nos Artigos 42 e 239 se aplica a outros funcionários, menos ao presidente da República. Em outras palavras: a Lei vale para todos, menos para ele, Zelaya. Ou seja: o bigodudo acredita que está acima da Lei. Acho que isso diz tudo.

Dito de outro modo: Zelaya cometeu uma falta absoluta contra a Carta Magna de seu país, inabilitando-se, portanto, para continuar na presidência. Quem deve, nesse caso, assumir a presidência? A Constituição também prevê isso:

ARTICULO 242.

- Si la falta del Presidente fuere absoluta, el Designado que elija al efecto el Congreso Nacional ejercerá el Poder Ejecutivo por el tiempo que falte para terminar el período constitucional. Pero si también faltaren de modo absoluto los tres designados, el Poder Ejecutivo será ejercido por el Presidente del Congreso Nacional, y a falta de este último, por el Presidente de la Corte Suprema de Justicia por el tiempo que faltare para terminar el período constitucional.

Quem é o presidente atual de Honduras? Chama-se Roberto Micheletti, que antes ocupava o cargo de presidente do Congresso. Diante do afastamento do titular por violar a Lei, ele assumiu as rédeas do governo, para completar o mandato presidencial, conforme diz a Carta Magna. Também se comprometeu a realizar as eleições presidenciais, tal como está previsto no calendário eleitoral, inclusive com candidatos ligados a Zelaya. Tudo conforme a Constituição hondurenha. Mas, para grande parte da imprensa internacional, Zelaya foi vítima de "golpe" e Micheletti é o chefe de um governo "golpista". Será que os redatores dos jornais leram a Constituição de Honduras antes de dizer isso? Pelo visto, não.

E assim continua a Constituição de Honduras, que parece que ninguém leu. O Artigo 245 afirma, por exemplo:

ARTICULO 245.

- El Presidente de la República tiene la administración general del Estado: son sus atribuciones:
1. Cumplir y hacer cumplir la Constitución, los tratados y convenciones, leyes y demás disposiciones legales; (...)
37. Velar porque el Ejército se apolítico, esencialmente profesional y obediente; (...)

Mais uma vez, vamos recordar os fatos: ao convocar o plebiscito declarado ilegal e inconstitucional pela Suprema Corte do país, Zelaya deixou de cumprir os Artigos 42, 237, 239 e 242 da Constituição de seu país. Também violou abertamente o que está no Artigo 245, primeiro porque rasgou a Lei e segundo, porque ordenou ao comandante do Exército que levasse adiante o tal plebiscito, contra determinação legal do Judiciário e do Congresso, tentando usar as Forças Armadas do país como sua milícia particular. Creio que também não há o que se discutir aqui.

Já vimos que o que ocorreu em Honduras em 28/06 não foi golpe, não foi quartelada: foi um movimento para preservar a Lei. Agora, vejamos o que diz a Lei internacional sobre o "abrigo" concedido pelo governo brasileiro a Zelaya.

O governo brasileiro, em conluio com Hugo Chávez e Daniel Ortega, deu guarida a Zelaya e a mais uns 300 militantes seus, que ocuparam o prédio da embaixada brasileira em Tegucigalpa. Desde então, Zelaya transformou a embaixada em seu escritório político, insuflando a insurreição no país. Não é um asilado político, condição em que não poderia abrir a boca para falar de política, mas um, como disseram Lula e o ministro da Defesa, Nelson Jobim, "hóspede oficial" do governo brasileiro. Tendo a embaixada virado um QG de Zelaya, de onde ele coordena a ação de seus partidários no país, está caracterizada a intervenção brasileira num assunto interno de Honduras, o que contraria frontalmente todas as convenções internacionais vigentes. Vejamos o que diz a respeito a Carta da OEA, a mesma OEA cujo secretário-geral, o socialista chileno José Miguel Insulza, condenou duramente o "golpe" que derrubou Zelaya e exige seu "imediato retorno" ao poder em Honduras.

Artigo 19:

Nenhum Estado ou grupo de Estados tem o direito de intervir, direta ou indiretamente, seja qual for o motivo, nos assuntos internos ou externos de qualquer outro. Este princípio exclui não somente a força armada, mas também qualquer outra forma de interferência ou de tendência atentatória à personalidade do Estado e dos elementos políticos, econômicos e culturais que o constituem.

Esse Artigo foi citado infinitas vezes, nas últimas cinco décadas, para condenar o "imperialismo" norte-americano no caso de Cuba. Estranhamente, não vi ninguém no governo brasileiro, ou em qualquer governo, mencionar esse artigo, ou o princípio da não-intervenção, no caso de Honduras.

Já falei da Constituição hondurenha e da Carta da OEA. Agora vamos ao Artigo 4 da Constituição brasileira de 1988:

Art. 4. A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios:
I – independência nacional;
IV – não-intervenção;
V – igualdade entre os Estados;
VII – solução pacífica dos conflitos.


O que está aí em cima, eu nem precisaria dizer, não fui eu que inventei: não é fofoca, não é opinião, não é propaganda. É o que está na Lei. Ponto.
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Então, ainda crêem que Lula e Celso Amorim estão certos e agindo, no caso de Honduras, em conformidade com o Direito Internacional? Ainda têm alguma dúvida sobre quem é golpista e quem agiu para defender e preservar a Lei? Sobre quem rasgou a Lei e quem agiu para que ela fosse cumprida?

Pouco a pouco, o rosário de mentiras sobre a crise em Honduras vai se desfazendo. Pouco a pouco, a verdade vem à tona, embora ainda timidamente, abrindo caminho em meio a um oceano de propaganda e desinformação. Até o representante do governo Obama na OEA parece ter percebido que o apoio escancarado a Zelaya já está dando muito na vista, e começou a criticar a irresponsabilidade dos governos brasileiro e venezuelano em patrocinarem a volta do bigodudo. Falta reconhecer o óbvio, porém: que golpista é ele, Zelaya, e não Micheletti, como os artigos acima - todos violados por Zelaya e seus cúmplices internacionais - deixam claro.

Um jurista baiano do começo do século passado disse certa vez que, fora do Direito, não há saída; que, fora do Direito, só há a barbárie. Nunca essas palavras foram tão verdadeiras.

segunda-feira, setembro 28, 2009

RESPOSTA AO LEITOR - SOBRE HONDURAS, ZELAYA, OBAMA, ESQUERDA, DIREITA ETC...

Um leitor, o Zan, me escreve solicitando que eu esclareça alguns pontos confusos na confusa e, ao mesmo tempo, claríssima situação em que o governo Lula se envolveu em Honduras. Respondo com prazer, pois percebo que suas dúvidas são pertinentes e ele parece estar sinceramente em busca de respostas que o permitam pensar com a própria cabeça e ver a realidade, turvada pela lavagem cerebral sistematicamente realizada pela imprensa dita "séria" sobre a questão nos últimos meses. Creio que suas dúvidas são as de muitas pessoas, nesses dias sombrios.
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Zan me pergunta por que Obama está a favor da retomada do poder pelo golpista bolivariano Manuel Zelaya em Honduras. Que interesse, enfim, teria o governo dos EUA em apoiar um sujeito que é aliado de Chávez etc.
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Caro Zan, suas dúvidas já foram por mim respondidas. Escrevi um texto aqui no dia 7 de julho, pouco mais de uma semana após o "golpe" que expulsou Zelaya do poder em Honduras, que acredito as respondem plenamente. Basta acessar o link: http://gustavo-livrexpressao.blogspot.com/2009/07/nova-doutrina-monroe-segundo-barack.html. Você perceberá, ao ler o post, que o antiamericanismo, essa doença infantil do esquerdismo, chegou à Casa Branca.
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Zan também diz estar confuso, pois não sabe dizer onde fica a direita e onde fica a esquerda no imbróglio hondurenho. Quanto a isso, tenho a dizer o seguinte: se você considera ser de "esquerda" defender o solapamento das instituições democráticas por meio de plebiscitos, mudando a seu bel-prazer cláusulas pétreas da Constituição a fim de se perpetuar no poder e instaurar uma ditadura caudilhesca e personalista, com um discurso vigarista de "justiça social" e um antiamericanismo tosco, então Manuel Zelaya, assim como Hugo Chávez e Barack Obama, que apóia essa palhaçada, são inegavelmente de esquerda. Se, ao contrário, você considera ser "de direita" colocar-se intransigentemente em defesa da Democracia e das liberdades públicas e individuais, a favor da Constituição e do governo das leis, e não dos homens, contra a maré chavista-bolivariana que quer transformar a América Latina numa fazendona de Hugo Chávez, então, não há dúvida, você é de direita. Eu já fiz minha escolha.
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Zan tem a mesma dúvida em relação ao apoio do esquerdista Lula ao "direitista" José Sarney. Ele me pergunta: se Sarney era da ARENA e do PDS, partidos de sustentação do regime militar, como pode hoje ser um dos principais aliados de Lula da Silva, o herói da classe operária?
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Também já respondi a essa questão em vários outros posts. Mas a retomo, para fins didáticos. A primeira coisa a ter em mente é que Lula e o PT - a esquerda, portanto - têm um único compromisso, um único, digamos, ideal: o PODER, custe o que custar, da maneira como for. Durante umas duas décadas, o caminho para o poder foi construído com um discurso ideológico, contra a "direita". Depois, a partir dos anos 90, assumiu outra forma: a defesa da "ética", antes desprezada como um discurso "moralista burguês". Com isso, enganaram muita gente, conquistando eleitores. Finalmente, hoje, Lula e o PT, uma vez no poder, deixaram cair a máscara, admitindo que tudo que disseram antes era apenas bravata, governando com base em alianças com quem antes chamavam de ladrão e outras coisas mais, como Sarney e Collor. Ou seja: era tudo - a defesa da democracia e da ética etc. - um discurso puramente instrumental, importante porque útil, não porque acreditavam nele.
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Trocando em miúdos: não importa, para os lulistas, se o sujeito foi aliado dos militares, se é coronel, bandido, bispo da Igreja Universal do Reino de Deus, bicheiro ou traficante de drogas: o importante é o "pudê", e só. O único critério para definir o caráter de alguém, para essa gente, é o seguinte: é meu aliado? então pode tudo; não é meu aliado? então, tome porrada!... Ou seja: se antes Lula e o PT jogavam lama em seus adversários, apresentando-se como os únicos "puros" em meio a tantos políticos safados, hoje fazem questão de dizer que são iguais a todos, redimindo quem antes esculhambavam. Desse modo, garantem a maior base de apoio possível ao governo, ao mesmo tempo em que podem dizer que fazem isso "pelo bem de todos". Não foi por acaso que alguém disse que o PT é a maior lavanderia de reputações já surgida no Brasil.
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À primeira vista, isso parece simples desonestidade e cafajestagem, mero oportunismo e falta de princípios políticos. Desonestidade, além de cafajestagem e oportunismo (os lulistas preferem dizer "pragmatismo"), é claro que é, mas não devemos nos deixar levar pelas aparências. Há, na verdade, uma coerência lógica e diabólica nessas idas-e-vindas todas. É a mesma coerência que fez Zelaya, um latifundiário e "direitista", aderir ao discurso bolivarianiano, tido como de esquerda. É, na verdade, uma tática: não se trata tão-somente de mentir e enganar o público, mas de mentir e enganar tendo em visto um supremo ideal - o poder. É por esse motivo que Lula se identifica tanto com Chávez e Fidel Castro, assim como com Collor e Renan Calheiros.
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Finalmente, Zan: é claro que, quando eu disse que Lula deveria entregar Zelaya à Justiça hondurenha, fiz isso apenas para ilustrar a situação. É óbvio que o Apedeuta não fará isso. Lula e Zelaya fazem parte do mesmo plano, assim como Chávez e, me convenço cada vez, Obama. Ele entregaria Zelaya, ou pelo menos lhe concederia o status de asilado político (nem isso ele é), se tivesse algum compromisso com a Democracia e com a vergonha na cara. Em vez disso, prefere transformar a embaixada do Brasil em Honduras em escritório político de Zelaya, para que o bigodudo insufle a guerra civil no país. Espera, na verdade, que o governo hondurenho invada a embaixada, para ter assim uma desculpa e gritar contra esse "ataque à soberania" brasileira - fazendo todos esquecerem a agressão brasileira à soberania de Honduras. (Aliás, é engraçado: se o Brasil não reconhece o governo hondurenho, por que "exige" que ele não invada a embaixada?)
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É isso. Espero que tenha ajudado a esclarecer essas questões.

sábado, setembro 26, 2009

O QUE ESTÁ EM JOGO EM HONDURAS


Desculpem se o texto a seguir parecer muito sério e mal-humorado. Mas o assunto exige. Trata-se de algo sério, muito sério mesmo. Sério demais para ser tratado com uma linguagem amena ou em tom de blague ou de ironia.

Há mais coisas em jogo na atual crise política em que o Brasil se meteu em Honduras do que supõem nossas vãs diplomacia e filosofia de botequim.

A coisa é grave. Muito grave. Gravíssima. Eu diria mesmo que é a situação mais grave e perigosa envolvendo o Brasil em décadas.

O que está verdadeiramente em jogo não é somente o destino da pequenina e pobre Honduras. É o destino de toda a América Latina. Melhor dizendo: é se o continente deve sucumbir à maré chavista-bolivariana ou se deve resistir e preservar as instituições e a forma democrática de governo. Mais: é o próprio conceito de democracia como governo das leis, e não dos homens, que está sendo colocado em questão.

Se Manuel Zelaya retomar o poder em Honduras, tal como querem Lula e Hugo Chávez, isso significará o seguinte:

- um presidente da República - em Honduras ou em qualquer país -, a pretexto de que foi eleito pelo povo e de forma democrática, terá carta-branca para convocar um plebiscito declarado ilegal e inconstitucional pelos demais poderes do país para reeleger-se e substituir a vontade de povo pela sua própria, rasgando, assim, a Constituição e desfechando, portanto, um golpe civil;

- um movimento cívico para deter essa tentativa de violar a ordem constitucional e preservar a Carta Magna, que proíbe terminantemente qualquer tentativa de reeleição, levado adiante pelo Legislativo e pelo Judiciário, com o apoio da maioria da população, será considerado não uma mobilização a favor da democracia, mas um "golpe de Estado";

- para reinstalar no poder o presidente golpista deposto, declarado traidor da pátria segundo a Constituição, um governo estrangeiro poderá intervir abertamente nos assuntos internos do país, mediante ameaças de uso da força militar, e inclusive planejando um banho de sangue, violando seu espaço aéreo e enviando militantes armados para promover a insurreição;

- um governo estrangeiro também poderá patrocinar a volta clandestina do golpista deposto, abrigá-lo junto com uma multidão de militantes em sua embaixada, e permitir a transformação desta em quartel-general de onde ele possa insuflar a guerra civil no país - uma clara violação da soberania nacional e da não-intervenção, princípios que devem reger as relações entre os Estados e que ficarão reduzidos, assim, a palavras vazias;

e, finalmente,

- estará provado que violar a Lei Máxima do país, em nome da "revolução bolivariana" ou do que seja, NÃO é golpe, e que defender a Constituição (e, portanto, a democracia) é "golpismo" e "extremismo de direita".

Entenderam a gravidade da situação? Ou será que fui muito sutil?

O bolivarianismo já se apoderou de Venezuela, Bolívia, Equador, Cuba, Paraguai, Argentina, Nicarágua e El Salvador. E também do Brasil, onde a máscara de bom-mocismo de esquerda light ou "vegetariana" do governo Lula caiu por terra diante da militância ativa pró-Chávez e, agora, pró-Zelaya, do Itamaraty. Essa onda populista e autoritária ameaça vários outros países da região, como Peru e Colômbia (onde está representada pelos narcoterroristas das FARC, que contam com o apoio de Chávez e Correa e com a "neutralidade" de Lula), e tentou apossar-se de Honduras. Mas lá os bolivarianos esbarraram num problema: Zelaya tem o apoio de menos de 30% da população e, ao contrário do que ocorreu em outros países, não conseguiu botar no bolso o Congresso e a Suprema Corte, além dos militares, que mantiveram sua independência em relação ao Executivo. Daí que o país tenha podido se mobilizar e expulsá-lo do poder, onde pretendia - e pretende, com a ajuda do Brasil - eternizar-se. E isso os governos da região aliados de Chávez, como o de Lula, simplesmente não podem perdoar: daí porque trataram imediatamente de tentar esmagar Honduras, não reconhecendo o novo governo e cortando qualquer ajuda ao país. Mas Honduras resiste bravamente, tal qual aldeia gaulesa, a esse ataque à sua soberania.

Enquanto isso, enquanto Lula e Chávez intervêm abertamente e violam a soberania de Honduras, com o apoio de Barack Hussein Obama (parece que o bolivarianismo chegou ao "império", finalmente), esses mesmos governantes, em nome dos mesmos princípios de "respeito à soberania" e "não-intervenção", são capazes de juntar no mesmo parágrafo num discurso na ONU, como fez Lula, a "volta à democracia" em Honduras e a defesa do fim do embargo norte-americano a Cuba, onde vigora há cinqüenta anos uma das tiranias mais opressivas do planeta. Fazem mais, e preparam o caminho para o retorno da ditadura castrista à Organização dos Estados Americanos. Alguém aí pensou em duplo padrão moral e em hipocrisia?

Na crise de Honduras, a diplomacia brasileira está desempenhando um dos papéis mais vergonhosos de sua História, papel este que macula a tradição de Rio Branco. Como se não bastasse ter dado abrigo a um gólpista, ao que tudo indica tendo participado do plano secreto que o reintroduziu no país, o governo Lula permitiu que sua representação diplomática em Tegucigalpa se convertesse num escritório político e num palanque para que Zelaya incite a rebelião e o confronto no país. Desse modo, interveio diretamente na realidade política de um Estado soberano, um delito seríissimo à luz do Direito Internacional, além de ter colocado em risco a integridade física da comunidade brasileira residente naquele país, que se tornou alvo de hostilidade por causa disso. Mais: o governo brasileiro tornou-se responsável por todo o sangue que for derramado em Honduras.

Apesar disso, e como sempre resta uma esperança, ainda há uma chance de o Brasil se redimir e sair com alguma dignidade do imbróglio que ajudou a agravar em Honduras: basta entregar ao governo constitucional hondurenho - o governo de Roberto Micheletti - o golpista Manuel Zelaya, para que ele responda perante a Justiça pelos crimes que cometeu, conforme a Lei que ele tão despudoradamente tentou violar, ao convocar uma consulta ilegal e inconstitucional. Mais precisamente, Zelaya deve responder pela violação dos Artigos 42, 237 e 239 da Constituição da República de Honduras, que punem com a perda automática do mandato e da própria cidadania hondurenha qualquer um que tente mexer na Lei para mudar as regras das eleilções e propor a reeleição. Até o Jornal Nacional parece ter acordado para esse detalhe, que passou até aqui praticamente despercebido, tendo mudado, aparentemente, o tratamento dispensado ao "governo de fato" de Roberto Micheletti (de "governo golpista", este passou a ser chamado de "governo interino"; menos mal, mas não é o bastante: trata-se do governo de facto e de jure de Honduras). Feito isso, ou seja, uma vez entregue Zelaya para julgamento, Lula e Celso Amorim deveriam humildemente pedir desculpas ao povo hondurenho por terem se imuscuído num assunto interno de seu país, além do mais apoiando um golpista como se este fosse um democrata.

Essa é a única maneira de o Brasil preservar um mínimo de respeitabilidade na questão, perante o povo de Honduras e perante a História. Mas sei que, infelizmente, isso não vai acontecer. Lula está comprometido demais com os bolivarianos para realizar esse gesto de grandeza. Quem já inventou a desculpa de que não sabia de nada nos casos do mensalão e dos aloprados, para não falar dos mais recentes (Sarney etc.), certamente não vai se dar ao trabalho de desculpar-se por mentir também no plano internacional.

Tenho uma aversão quase instintiva à linguagem panfletária, tão apreciada pelos esquerdistas. Considero o estilo dos manifestos políticos, além de estilisticamente pobre, um insulto à inteligência. Mas, acredito, não há método mais adequado para reverter a lavagem cerebral que se fez nos últimos meses sobre a questão de Honduras senão repetir alguns slogans. Creio que essa é a melhor maneira de fixar em algumas mentes alguns fatos básicos, sistematicamente ignorados ou distorcidos. Por isso, sugiro as seguintes palavras de ordem, caso alguém esteja pensando em fazer alguma manifestação:

- NÃO HOUVE GOLPE DE ESTADO EM HONDURAS!

- EM DEFESA DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA DE HONDURAS!

- VIVA A RESISTÊNCIA DEMOCRÁTICA HONDURENHA!

- PELO FIM DO BLOQUEIO E DO CERCO INTERNACIONAIS A HONDURAS!

- LULA, CHÁVEZ, ORTEGA, OBAMA, ONU, OEA ETC.: RESPEITEM A SOBERANIA DO POVO HONDURENHO!

- ABAIXO O GOLPISMO BOLIVARIANO!

- NÃO AO CAUDILHISMO! NÃO AO TOTALITARISMO!

- VIVA A DEMOCRACIA! VIVA O GOVERNO DA LEI, E NÃO DOS HOMENS!

- TIREM AS MÃOS DE HONDURAS!
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- FORA ZELAYA! FORA CHÁVEZ! FORA LULA!

quinta-feira, setembro 24, 2009

HONDURAS: O BRASIL A SERVIÇO DO GOLPISMO BOLIVARIANO




Vou logo avisando: se você é uma Poliana lesa, do tipo que acha que os governos só querem o nosso bem e que avisos contra as intenções totalitárias de certos políticos não passam de "rumores de internet", ou de devaneios de alguns doidos solitários de extrema-direita, então não leia este texto. Não perca seu tempo, nem o meu. Você não vai gostar do que vou dizer. Pior: poderá concordar com o que está escrito aqui e, nesse caso, seu mundo cor-de-rosa virá abaixo.
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Está feita a advertência. Vamos lá.
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Se ainda restava alguma dúvida de que o governo Lula está comprometido até o último fio de barba com a corriola bolivariana que quer destruir a democracia na América Latina, os acontecimentos em Honduras a enterraram para sempre. Se havia ainda alguma ilusão no lulismo como uma alternativa "moderada" e "vegetariana" ao radicalismo carnívoro chavista, os fatos desta semana demonstraram com didatismo que ambos estão do mesmo lado, fazem parte do mesmo plano totalitário para subverter as instituições e instalar regimes antidemocráticos no continente.
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O abrigo ao golpista bolivariano Manuel Zelaya - subitamente promovido a "vítima de golpe" e a democrata - na embaixada do Brasil em Tegucigalpa vem demonstrar aquilo que venho afirmando há tempos neste blog: que Lula, Chávez, Castro, Morales, Correa, Ortega, Lugo, Kirchner, Funes, a OEA, a ONU (com o Secretário-Geral Miguel d'Escoto) e Babaca Obama estão todos irmanados, fazem todos parte do mesmo time. Em que pesem diferenças pontuais ou cosméticas, todos esses senhores têm um único e mesmo objetivo final: a substituição de governos democráticos por ditaduras personalistas e caudilhescas, regidas pelos princípios emanados do Foro de São Paulo.
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Ao conceder o refúgio a Zelaya, o governo brasileiro rasgou o último véu que lhe dava alguma respeitabilidade e que encobria sua cumplicidade com o projeto bolivariano. Zelaya, o próprio chanceler Celso Amorim admitiu, não está na embaixada do Brasil - para onde se mudou com a mulher e mais uma penca de militantes - na condição de asilado político. Não lhe foi concedido asilo, em primeiro lugar, porque ele não está sendo vítima de perseguição política, ocasião em que o asilo é previsto segundo a lei internacional, e desde que o asilado se comprometa a não se envolver em atividades políticas. Pelo contrário, Zelaya entrou no país, clandestinamente e com o apoio de Hugo Chávez, para retomar o poder - na porrada, se preciso. Para tanto, ele transformou a embaixada do Brasil em seu escritório político, de onde está insuflando a insurreição e a guerra civil no país. Além disso, há fortes indícios de que a entrada de Zelaya em Honduras foi planejada durante visita dele ao Brasil, há cerca de um mês. Em outras palavras: a embaixada do Brasil virou um QG do golpismo bolivariano, e o Brasil está interferindo, juntamente com Chávez e Daniel Ortega, nos assuntos internos de Honduras. Pergunto: onde foram parar os princípios da não-interferência e do respeito à soberania?
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As evidências de que o aparecimento de Zelaya na embaixada do Brasil não ocorreu por acaso se acumulam a cada dia, assim como as desculpas esfarrapadas para encobrir a participação do Brasil no deflagrar da crise. Ontem vi o senador Aloízio Mercadante dizer com a cara mais séria do mundo (a mesma com a qual "revogou o irrevogável" no caso Sarney, há apenas alguns dias), que Zelaya escolheu a embaixada brasileira por causa do "papel de relevância e da respeitabilidade do Brasil no cenário internacional". Sei... O que o excelentíssimo senador não explicou é a estranha coincidência do fato com a ida de Lula às Nações Unidas. No dia seguinte, lá estava Lula, discursando na Assembléia-Geral da ONU, no seu elemento. Sobre o que ele falou? Além de vociferar contra os "golpistas" que expulsaram o companheiro Zelaya e pedir seu "imediato retorno" ao poder, ele aproveitou para defender, pela enésima vez, o fim do embargo norte-americano a Cuba... Se eu acreditasse em gnomos, diria que foi mera coincidência. Como não acredito, digo que foi uma manobra orquestrada.
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Lula deixou claro, ao falar para a imprensa, que "não podemos mais aceitar golpes" (menos os bolivarianos, claro). Justificou o abrigo a Zelaya na embaixada como se fosse a coisa mais natural do mundo. O Brasil de fato assumiu a vanguarda no cerco a Honduras. Desde que Zelaya foi deposto e expulso do país, em 28/06, o governo brasileiro cancelou a emissão de vistos a cidadãos hondurenhos e, há alguns dias, encabeçou uma manobra para expulsar o representante do "governo de fato" hondurenho do Conselho de Direitos Humanos da ONU (onde, aliás, o Brasil faz boa figura, defendendo governos democráticos como os de Cuba e do Sudão...). Para mostrar que está mesmo comprometido com os valores democráticos, nosso Líder Iluminado encontrou-se com o iraniano Mahmoud Ahmadinejad em Nova York. Coroando uma semana cheia de glórias para a diplomacia brasileira, o candidato apoiado pelo Brasil para a direção da UNESCO, o egípcio Farouk Hosni - o mesmo que disse que queimaria livros israelenses - foi derrotado (vejam como a política externa do governo Lula é um sucesso: entre a desonra e a derrota, escolheu a desonra - e teve a derrota...). Lula já está questionando a legitimidade do resultado que sair das eleições previstas para acontecerem em novembro em Honduras, por serem organizadas pelo "governo de fato". Logo ele, Lula, que reconheceu a vitória fraudulenta de Ahmadinejad nas eleições no Irã, antes mesmo dos aiatolás daquele país, e que comparou as mortes de manifestantes pró-democracia pela polícia iraniana a um arranca-rabo entre vascaínos e flamenguistas... Decisão típica de democratas, sem dúvida.
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Agora, com a embaixada em Tegucigalpa cercada por militares, os bolivarianos brasileiros tentam transformar o fato em motivo de patriotada, advertindo contra qualquer ataque ao prédio da representação brasileira. Deveriam ter pensado nisso antes de terem dado abrigo a um golpista, metendo-se na realidade interna do país e jogando a não-intervenção na lata de lixo. É certo que o prédio da embaixada, assim como a integridade física do pessoal brasileiro ali instalado, é inviolável. Assim como é a soberania de Honduras, que o governo Lula, ao permitir que Zelaya use a embaixada para fazer comício e instigar seus militantes, violou abertamente. De fato, a embaixada, por ser território brasileiro no exterior, deve ser preservada e protegida - de ser usada como base para um político golpista atiçar a guerra civil no país, em primeiro lugar. Já começou a correr sangue em Honduras, e a conta dos mortos e feridos deve ser entregue a Lula (e a Chávez, e a Ortega, e a Obama etc.).
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É preciso que fique claro, até que todos entendam: golpista é Zelaya, não Roberto Micheletti. O "golpe" foi defechado para impedir que Zelaya levasse adiante um referendo declarado ilegal e inconstitucional pelo Judiciário e pelo Legislativo do país. A Constituição de Honduras, embora vaga em alguns pontos importantes, deixa claro que quem insistir em mudar a lei para reeleger-se perderá automaticamente o mandato e será considerado traidor da pátria. Foi por isso que Zelaya caiu. Quem é golpista?
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Realmente, estranho "golpe" esse, desfechado pelas Forças Armadas com o apoio total do Congresso e do Judiciário para preservar a Constituição do país, ameaçada por um referendo ilegal e inconstitucional... Até onde eu sei, golpes de Estado são seguidos, quase sempre, do fechamento do Congresso e da instauração de alguma forma de ditadura militar, com censura permanente à imprensa, prisões arbitrárias de opositores políticos e, em alguns casos, tortura e fuzilamentos. Nada disso se verificou, até agora, em Honduras. E isso mesmo com todo o cerco internacional e midiático ao país. Também deve ser o primeiro golpe em toda a História que manteve o calendário eleitoral - eleições presidenciais estão previstas para ocorrer em 29 de novembro, e o governo provisório promete entregar o poder ao vitorioso nas urnas. O mesmo não pode ser dito de países tratados com carinho devocional por Lula e outros governantes esquerdistas, como Cuba. Foram as instituições de Honduras - o Congresso, o Judiciário, e, sim, as Forças Armadas, que também fazem parte da sociedade -, com o apoio da maioria da população, que se mobilizaram e destituíram Zelaya. Este foi deposto para que a lei fosse cumprida. Se um dia houve, na História da América Latina, um movimento verdadeiramente popular e democrático, foi esse.
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De fato, os "golpistas" cometeram um erro grave: deveriam ter prendido Zelaya, levando-o a julgamento, em vez de tè-lo expulsado do país. Com isso, deram ensejo a que os bolivarianos de todos os matizes explorassem ao máximo a estória de que Zelaya foi "seqüestrado e expulso no meio da noite, de pijamas etc." - como se isso, e não a ruptura da legalidade constitucional, caracterizasse golpe de Estado. Subestimaram o alcance e a capacidade de mobilização da maré chavista-bolivariana, que já controla nove governos na América Latina, e conta com o apoio, ou com a leniência covarde, de Lula e de Obama. Desse modo, permitiram que Zelaya, do exterior e com o apoio confesso de Chávez e oculto de Lula, preparasse o caminho para o retorno ao país e promovesse, pela propaganda sistemática, uma inversão da realidade, apresentando-se e sendo apresentado como líder democrata, enquanto a defesa das instituições e da Constituição em Honduras era transformada em "golpismo".
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Esse tipo de charlatanismo chegou ao ponto do absurdo, com Lula e seus asseclas falando em "volta à democracia", como se o que Zelaya tentou fazer antes de ser expelido do poder - rasgar a Constituição - correspondesse a um comportamento democrático. O mesmo fizeram os deputados do PSOL e do PCdoB que leram um manifesto de "solidariedade ao povo hondurenho" em frente à embaixada de Honduras em Brasília, exigindo o retorno de Zelaya ao poder - o que ele tenta fazer na marra. Se os bolivarianos brasileiros se dessem ao trabalho de ler a Constituição hondurenha, aprenderiam que esta deixa claro, nos artigos 237 e 239, que o presidente que tentar mudar as regras do país para reeleger-se perde automaticamente o mandato e até a cidadania. A propósito, onde estavam Lula e Celso Amorim, bem como os parlamentares do PSOL e do PCdoB, quando Zelaya estava afrontando acintosamente as instituições do país?
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Para os gorilas de esquerda, a democracia se encerra no ato de votar. Daí porque acham que o "governante eleito pela vontade do povo" tem carta-branca para fazer o que quiser - inclusive acabar com a democracia, se assim lhe der na telha. Acreditam que esta é um simples instrumento para tomar o poder, ou para fazer a "revolução", depois da qual, encerrada sua utilidade, não hesitarão em dela se desfazer, como um trapo velho. Era assim que pensava Hitler. E é assim que pensam os Chávez, Zelayas e Lulas de hoje.
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Resumindo, em negrito e em letra de fôrma, no caso de alguém ainda não ter entendido:
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PELA PRIMEIRA VEZ NA AMÉRICA LATINA, UM PAÍS SE LEVANTOU CONTRA O SOLAPAMENTO DA DEMOCRACIA PELO POPULISMO CHAVISTA. PELA PRIMEIRA VEZ, HOUVE UMA MOBILIZAÇÃO BEM-SUCEDIDA PARA EXPULSAR UM CAUDILHO BOLIVARIANO QUE TENTOU ESTUPRAR A CONSTITUIÇÃO VISANDO A ETERNIZAR-SE NO PODER. PELA PRIMEIRA VEZ, O CHAVISMO FOI RECHAÇADO EM UM PAÍS, DE FORMA LEGAL E CONSTITUCIONAL. E ESSE PAÍS, QUE LUTA A DURAS PENAS PARA CONSOLIDAR SUA FRÁGIL DEMOCRACIA, É ALVO DA HOSTILIDADE E DO ISOLAMENTO INTERNACIONAIS POR ESSE MOTIVO. ENQUANTO ISSO, A TIRANIA TOTALITÁRIA DE CUBA, UMA DAS DITADURAS MAIS ODIENTAS DO PLANETA, É TRATADA A PÃO-DE-LÓ NA ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS, E LULA TROCA AFAGOS COM O ANTISSEMITA E NEGADOR DO HOLOCAUSTO AHMADINEJAD NAS NAÇÕES UNIDAS.
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O que está aí em cima, desnecessário dizer, não é nenhum segredo; é algo fácil de constatar. Não é opinião, é algo que pode ser verificado com uma simples pesquisa de notícias na internet. Parte da imprensa brasileira sabe que o que está acima é verdade, mas, por covardia, prefere se calar. Para não ser tachada de "reacionária" ou "direitista", cede à patrulha e prefere ignorar os fatos.
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O governo Lula se orgulha da "ousadia" de sua política externa, da qual a transformação da representaçao diplomática brasileira na capital hondurenha em escritório de agitação política de Manuel Zelaya seria um exemplo. Pena que isso se expresse no apoio a ditadores e a aprendizes de ditador, bem como à destruição da democracia em outros países. Quando é para fazer coro contra os "países ricos" em reuniões internacionais, o Brasil se mostra muito valente. Quando se trata de condenar tiranias como a cubana e a iraniana e firmar posição em defesa da democracia, porém, a diplomacia brasileira é, para dizer o mínimo, bastante tímida. De leão, o Brasil vira um gatinho. Defender a liberdade e os direitos humanos em Cuba, na Venezuela e no Irã - isso, sim, seria a maior prova de ousadia que se poderia dar.
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Há algumas semanas, a The Economist publicou matéria de capa em que perguntava: "De que lado está o Brasil?" Creio que a crise em Honduras responde essa pergunta.

quinta-feira, setembro 17, 2009

O DOM DE ENGANAR: UM VERMELHO-E-PRETO COM UM RACIALISTA


Ah, como é tedioso escrever sobre certas coisas... A tal política de cotas raciais nas universidades, por exemplo. Como se diz lá em minha terra: pense num assunto chato. Mas alguém tem que fazer, infelizmente. Ainda mais diante de um texto como o que vem a seguir, de autoria de José Jorge de Carvalho, professor da UnB e coordenador de um certo INCT (Instituto de Inclusão no Ensino Superior e na Pesquisa do CNPq).

O leitor verá que os, por assim dizer, "argumentos" do professor Carvalho são mesmo de tirar o chapéu... e lamentar, balançando a cabeça, como se faz num enterro. Nesse caso, os defuntos são a lógica, o bom senso e a honestidade intelectual, impiedosamente assassinados pelo emérito professor no altar da política de cotas racistas, digo raciais, nas universidades.

Vamos lá. O texto foi publicado na Folha de S. Paulo de hoje, 17/09, com o título "Cotas: uma nova consciência acadêmica". Ele vai em vermelho, eu vou em preto (sem trocadilho).

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ENQUANTO cresce o número de universidades que aprovam autonomamente as cotas, a reação a esse movimento de dimensão nacional pela inclusão de negros e indígenas vai se tornando cada vez mais ideológica, exasperada e descolada da realidade concreta do ensino superior brasileiro.
Note-se que o texto já começa com uma afirmação peremptória: o sistema de cotas, aprovado autonomamente e de dimensão nacional (logo, só pode ser coisa boa, né?, é o que está implícito na frase), é "pela inclusão de negros e indígenas". A dedução é a seguinte: como as cotas são "pela inclusão", quem se opõe a tal sistema só pode ser contra a inclusão, esse é o raciocínio. Portanto, só pode ser um racista, um troglodita elitista, um canalha abjeto... ou seja: já se começa delimitando qual é o lado "do bem" e o lado "do mal", sem espaço para qualquer nuance. Além disso, o leitor verá que o autor sabe o que está dizendo quando fala em reação ideológica, exasperada e descolada da "realidade concreta" (existe uma realidade abstrata? eu não sabia...). Adiante.

Em um artigo recente ("O dom de iludir", "Tendências/Debates", 9/9), Demétrio Magnoli citou fragmento de um parágrafo de conferência que proferi na Universidade Federal de Goiás em 2001. Mas ele suprimiu a frase seguinte às que citou -justamente o que daria sentido ao meu argumento, que, da forma como foi utilizado, pareceu absurdo.
Magnoli, para quem não sabe, é autor de um livro excelente, recém publicado, Uma gota de sangue: história do pensamento racial, uma resposta bem escrita e solidamente embasada às falácias dos racialistas. Recomendo-o a quem quiser saber mais sobre o assunto. Vejamos que frase ele suprimiu na palestra do ilustre professor.

Sua transcrição truncada fez desaparecer a crítica irônica que eu fazia ao tipo de ação afirmativa de uma faculdade do Estado de Maine, nos EUA. O tema da conferência era acusar a carência, naquele ano de 2001, de políticas de inclusão no ensino superior brasileiro, fossem de corte liberal ou socialista.
Hmmm... Uma palestra acadêmica que tem por tema "acusar a carência de políticas de inclusão" no ensino superior já é de se estranhar. Mas, políticas de inclusão de corte liberal? Confesso que nunca tinha ouvido falar disso. Até onde eu sei, as políticas liberais têm por finalidade eliminar qualquer forma de distinção, seja racial ou qualquer outra, com base no princípio de que todos são iguais e merecem, portanto, iguais oportunidades. O contrário do que está por trás de qualquer política de "inclusão", como a defendida pelo professor Carvalho e pelos militantes racialistas.

Magnoli ocultou dos leitores o que eu disse em seguida: "Quero contrastar isso com o que acontece no Brasil.Como estamos nós? A Universidade de Brasília tem 1.400 professores e apenas 14 são negros". É 1% de professores negros na UnB.

E quantos são os docentes negros da USP? Dados recentes indicam que, de 5.434 docentes, os negros não passam de 40. Pelo censo de identificação que fiz em 2005, a porcentagem média de docentes negros no conjunto das seis mais poderosas universidades públicas brasileiras (USP, Unicamp, UFRJ, UFRGS, UFMG, UnB) é 0,6%.
Ah, então foi isso que Magnoli "ocultou dos leitores"? Nesse caso, tenho de dizer: ele fez mal, muito mal mesmo. Porque, se tivesse mencionado a frase inteira, teria muito mais argumentos para derrubar de vez a militância racialista.

Em primeiro lugar, como o professor Carvalho chegou à conclusão de que 1% dos professores da UnB são negros? Teria ele usado o mesmo critério extremamente científico do sistema de cotas já vigente naquela universidade, e perguntado, um por um, aos professores: "você se declara negro?". Essa é uma questão fundamental, que está, aliás, na essência do debate sobre as cotas.

Mas OK, confiemos nos "dados recentes" mencionados pelo professor (que não diz de onde os tirou... hmmm). Digamos que 1%, ou menos, do corpo discente das universidades é formado por legítimos exemplares da raça de ébano. Seria preciso perguntar, nesse caso, se os 99% restantes seriam todos brancos. Não é possível haver, no meio de todos esses, alguns mulatos, ou cafuzos, ou asiáticos, ou, sei lá, "moreninhos", ou de cor indefinida? Melhor dizendo: no conjunto da população brasileira, que é essencialmente mestiça, como identificar quem é negro, e quem não é? E, mesmo que os números estejam corretos - vejam como estou sendo bonzinho... -, como dizer que essa disparidade se deve a alguma forma de discriminação, ou preconceito, RACIAL? A resposta cabe aos militantes racialistas e cotistas.

Essa porcentagem pode ser considerada insignificante do ponto de vista estatístico e não deverá mudar muito, pois é crônica e menor que a flutuação probabilística da composição racial dos que entram e saem no interior do contingente de 18 mil docentes dessas instituições. Para contrastar, a África do Sul, ainda nos dias do apartheid, já tinha mais professores universitários negros do que nós temos hoje. Se não interviermos nos mecanismos de ingresso, nossas universidades mais importantes poderão atravessar todo o século 21 praticando um apartheid racial na docência praticamente irreversível.

É esta a questão central das cotas no ensino superior: a desigualdade racial existente na graduação, na pós-graduação, na docência e na pesquisa.
Primeiro, uma exclamação: Nossa! Eu não sabia que, na África do Sul da epoca do apartheid, havia mais professores negros do que no Brasil. Passada a supresa, vem a pergunta: será que isso ocorria porque a população da África do Sul, tanto hoje quanto nos dias do apartheid, é majoritariamente negra, ao passo que, no Brasil, definir o grau de negritude de alguém é uma questão, para dizer o mínimo, complicada? Será que o professor levou em conta essa variável?

Já sabemos que, segundo o professor Carvalho, há racismo no Brasil. Aprendemos também que o Brasil é pior, no quesito "inclusão racial", do que a África do Sul dos tempos do apartheid. Agora ele nos brinda com a afirmação de que, "se não interviermos nos mecanismos de ingresso" (ou seja: se não instituirmos um sistema de carteira de identidade racial, oficializando o racismo), as universidades brasileiras continuarão sendo um ambiente onde impera a discriminação e o racismo (ele fala em "apartheid racial")... Raciocínio genial, não acham?

Pensar na docência descortina um horizonte para a luta atual pelas cotas na graduação.Enquanto lutamos para mudar essa realidade, um grupo de acadêmicos e jornalistas brancos, concentrado no eixo Rio-São Paulo, reage contra esse movimento apontando para cenários catastróficos, como se, por causa das cotas, as universidades brasileiras pudessem ser palco de genocídios como o do nazismo e o de Ruanda!
Viram como são malvados os que criticam o racialismo? Agora qualquer um que se opuser ao sistema de cotas raciais, apontando a incongruência inerente a esse sistema, é um "branco" do "eixo Rio-São Paulo"... (só faltou dizer que é um "reacionário", um "elitista", ou - meu xingamento predileto - "de direita"). Também pudera: para se opor a coisa tão maravilhosa, a idéia tão genial, só sendo mesmo alguém da "elite branca sulista" etc. Pois é... Se havia alguma dúvida de que os racialistas iriam acabar levando a uma forma de separação da sociedade com base em raça, etnia ou o que seja, não existe mais. Aí está: é a divisão racial em ação.

Mas a forçação de barra a favor das cotas não pára por aí. Não, não é "por causa" das cotas que as universidades se tornarão um palco de genocídios como o nazista e o ruandês (pelo menos, espero que não). A questão é: se não fosse por sistemas de classificação racial, como o existente na Alemanha nazista e em Ruanda, os massacres ocorridos nesses países muito provavelmente não ocorreriam. Ou, colocando de forma mais didática: como seria possível matar um judeu, ou um tutsi, sem um sistema que os identificasse? (Por exemplo:a estrela amarela, no caso dos judeus). Se a pessoa tem, em sua carteira de identidade, o adjetivo "negro" (ou branco, ou amarelo, ou cor-de-jambo-maduro), e se, por causa dessa classificação, ela se distingue das demais, obtendo privilégios na seleção para o vestibular ou para um emprego público, convenhamos, a probabilidade de surgirem ressentimentos por conta disso é bem maior. Em Ruanda, começou assim.

Como não podem negar a necessidade de alguma política de inclusão racial, passam a repetir tediosamente aquilo que todos sabem e do que ninguém discorda: não existem raças no sentido biológico do termo. Primeiro: quem exatamente "não pode negar a necessidade de alguma política de inclusão racial"? Eu, pelo menos, a rejeito categoricamente, acho um contra-senso e uma estupidez num país mestiço. Para mim, a única política de "inclusão" aceitável é aquela que leva em consideração o mérito pessoal, e não a cor da pele (ainda mais autodeclaratória). Segundo: vejam que o próprio autor reconhece que raças não existem. Mais adiante, porém, ele fala outra coisa completamente diferente.

E, contrariando inclusive todos os dados oficiais sobre a desigualdade racial produzidos pelo IBGE e pelo Ipea, começam a negar a própria existência de racismo no Brasil.
Vejamos: segundo dados do IBGE de setembro de 2006, a população declaradamente - atentem para o "declaradamente" - "preta" e "parda" tem menos escolaridade e um rendimento médio equivalente à metade do recebido pela população "branca". Já a taxa de desocupação dos "pretos" e "pardos" (11,8%) é superior à dos "brancos" (8,6%). Segundo o IPEA, os números não são muito diferentes.
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Visto assim, parece que o Brasil é mesmo um país racista, onde impera a desigualdade racial. Mas olhemos mais de perto os números. Eles apontam a existência de um problema crônico brasileiro: a desigualdade de renda e o desemprego, que é maior nas camadas mais pobres da sociedade. Estas, em sua maioria, são constituídas do que o IBGE chama de "pretos" e "pardos". Mas o que os números dizem sobre a existência ou não de RACISMO no Brasil? Que número oficial ou dado estatístico afirma, categoricamente, que os negros são mais pobres e têm menos acesso ao emprego não por serem POBRES, mas porque são NEGROS (ou "pretos" e "pardos")? Em vão se achará qualquer estimativa, oficial ou não, sobre isso. Por um motivo simples: é IMPOSSÍVEL chegar a qualquer conclusão, com base em estatísticas, sobre a existência ou não de racismo na sociedade brasileira. Há apenas uma maneira de se constatar isso: mediante a introdução de um sistema de classificação racial, como se pretende com as cotas nas universidades.

Fugindo do debate substantivo, os anticotas optam pela desinformação e pelo negacionismo: raça não existe, logo, não há negros no Brasil; se existem por causa das cotas, não há como identificá-los; logo, não pode haver cotas.
Exemplo claro de sofisma, de raciocínio completamente sem pé nem cabeça. O fato de não existirem raças no sentido biológico não quer dizer que não existam negros no Brasil. Isso é falso. O que se está dizendo é que raça é um conceito ideológico, não biológico, e que, no Brasil, houve miscigenação; logo, é difícil definir quem é negro e quem não é, em primeiro lugar. A maior prova disso é o próprio sistema de cotas, baseado em critérios subjetivos e autodeclaratórios: negro é quem "se diz" negro etc. A associação entre as cotas e a existência ou não de negros no Brasil só pode ser entendida como desonestidade pura e simples.

Em suma, o que os cotistas e racialistas estão dizendo é: raça não existe, logo, precisamos criá-la; negando a miscigenação que torna difícil, senão impossível, qualquer sistema de identificação racial no País - instituindo o racismo oficial, em outras palavras.

Raças não existem, mas os negros existem, sofrem racismo e a maioria deles está excluída do ensino superior. Felizmente, a consciência de que é preciso incluir, ainda que emergencialmente, só vem crescendo -por isso, a presente década pode ser descrita como a década das cotas no ensino superior no Brasil. Começando com três universidades em 2002, em 2009 já são 94 universidades com ações afirmativas, em 68 das quais com recorte étnico-racial.

Vivemos um rico e criativo processo histórico, resultado de grande mobilização nacional de negros, indígenas e brancos, gerando juntos intensos debates, dentro e fora de universidades. Os modelos aprovados são inúmeros, cada um deles tentando refletir realidades regionais e dinâmicas específicas de cada universidade.
O que quer dizer a frase "raças não existem, mas os negros existem"? Ora, não é preciso ser gênio para saber que "negro" (ou branco, ou amarelo etc.) é uma definição racial - logo, ideológica, não sociológica. Dizer que existem negros, em contraposição a brancos, é, quer queiram quer não, traçar um corte na sociedade, separando-a por raça, o que já foi desmoralizado pela biologia. É o mesmo raciocínio que levou ao apartheid e as leis "Jim Crow" no sul dos EUA até os anos 60. A isso soma-se a vitimização, que tem por objetivo consolidar a idéia de "raça (mais uma vez) oprimida" - "vítima de racismo", "excluída do ensino superior" etc. O discurso que vem depois, de caráter triunfalista, nem merece comentário: não passa de propaganda mais vulgar, de proselitismo mais vagabundo e vigarista. E daí que são 94, e não três, as universidades que adotam hoje o sistema de cotas? Isso não mostra o acerto do sistema; pelo contrário: só mostra a gravidade do problema.
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Essa nova consciência acadêmica refletiu positivamente no CNPq, que acaba de reservar 600 bolsas de iniciação científica para cotistas. Se o século 20 no Brasil foi o século da desigualdade racial, surge uma nova consciência de que o século 21 será o século da igualdade étnica e racial no ensino superior e na pesquisa.
Errado! Se depender dos militantes racialistas, o século XXI será o século da desigualdade étnica e racial. Não somente no ensino superior e na pesquisa, mas em todos os setores da sociedade.

Os racialistas não têm somente o dom de iludir, como diz Demétrio Magnoli: têm também o dom de distorcer, de falsear, de enganar. Eles não vão sossegar enquanto não instituírem um sistema de classificação racial semelhante ao que existiu na África do Sul ou que existe na Índia, onde perdura a divisão por castas. Querem porque querem dividir a população brasileira em raças. O nome disso é racismo. Ponto.

Não lembro o nome do autor da frase seguinte, mas nunca ela foi tão verdadeira: "A melhor maneira de combater a desigualdade racial é combater... a desigualdade racial!"

segunda-feira, setembro 14, 2009

O FALSO LAICISMO A SERVIÇO DA INTOLERÂNCIA (OU: O COMANDO DE CAÇA AOS CATÓLICOS)

Pastor da Universal chuta imagem católica na TV:
"Em nome do 'Estado laico': xô satanás!"
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Ontem à noite, parei o olho no programa Domingo Espetacular, da Rede Record de televisão. Em geral não perco meu tempo assistindo a esse tipo de atração (?) domingueira - ainda mais uma da emissora do "bispo" Edir Macedo, dono da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD), e apresentada pelo "independente" Paulo Henrique Amorim. Mas abri uma exceção, pois o assunto me chamou a atenção. O programa apresentou extensa reportagem - chamemos assim - sobre um tema, digamos, polêmico: a Concordata que está para ser assinada no Senado entre o Brasil e a Santa Sé - de forma totalmente manipulada e distorcida, visando a desinformar e induzir o espectador.

Raras vezes vi exemplo tão claro de propaganda ideológico-religiosa travestida de jornalismo - e jornalismo, se é para dizer assim, da pior qualidade. Até para os padrões da Record a, digamos, reportagem passou de todos os limites da empulhação e da desonestidade. Quem assistiu ficou com a nítida impressão de que a tal Concordata é um acordo "para beneficiar e privilegiar a Igreja católica", um "atentado contra a diversidade religiosa", uma "ameaça contra o Estado laico", até mesmo um "retrocesso rumo à Idade Média".

Já escrevi aqui antes, e não custa repetir, que não tenho qualquer simpatia especial pela Igreja católica, assim como por qualquer religião. Mas nem por isso vou me calar diante de uma farsa grotesca, uma clara tentativa de manipulação. Quando a emissora dos "bispos" da IURD - comprada com o dinheiro dos fiéis, segundo denúncia do Ministério Público - fala em "tolerância" e em "defesa do Estado laico", é bom desconfiar. A campanha da IURD/Record contra a Concordata Brasil-Santa Sé não tem nada a ver com a defesa do laicismo e da diversidade religiosa. Tampouco o acordo a ser celebrado com o Vaticano constitui qualquer ameaça à separação entre religião e Estado. Toda a gritaria contra o acordo não passa de óbvio exagero, fruto de colossal ignorância ou de deliberada má-fé. Digo por quê.

Alem do fato de que, em momento algum a Concordata foi apresentada como um tratado entre dois Estados (e não entre o Estado brasileiro e uma religião, como foi sistematicamente repetido), a, vá lá, "reportagem" - é preciso inventar palavras novas para fenômenos como esse - cita os Artigos 6 e 7 do Acordo, como uma das "provas" do alegado "tratamento privilegiado" que seria concedido à Igreja católica no Brasil. O que dizem os Artigos? Dizem o seguinte:

Artigo 6:

As Altas Partes reconhecem que o patrimônio histórico, artístico e cultural da Igreja Católica, assim como os documentos custodiados nos seus arquivos e bibliotecas, constituem parte relevante do patrimônio cultural brasileiro, e continuarão a cooperar para salvaguardar, valorizar e promover a fruição dos bens, móveis e imóveis, de propriedade da Igreja Católica ou de outras pessoas jurídicas eclesiásticas, que sejam considerados pelo Brasil como parte de seu patrimônio cultural e artístico.

Artigo 7:

A República Federativa do Brasil assegura, nos termos do seu ordenamento jurídico, as medidas necessárias para garantir a proteção dos lugares de culto da Igreja Católica e de suas liturgias, imagens e objetos cultuais, contra toda forma de violação, desrespeito e uso ilegítimo.

& 1: Nenhum edifício, dependência ou objeto do culto católico, observada a função social da propriedade e a legislação, pode ser demolido, ocupado, transportado, sujeito a obras ou destinado pelo Estado e entidades públicas a outro fim, salvo por necessidade ou utilidade pública, ou interesse social, nos termos da Constituição brasileira.

O que há de contrário à liberdade de culto e de crença e à separação entre religião e Estado nos dois Artigos reproduzidos acima? O seguinte, segundo a IURD/Record: o patrimônio da Igreja católica (igrejas, mosteiros, conventos, peças sacras etc.) não faz parte do patrimônio cultural e artístico brasileiro. Logo, não tem nada que ser protegido pelo Estado.

Ora, até mesmo o mais ateu dos historiadores (e eu, como ateu e formado em História, sou insuspeito para falar) é obrigado a reconhecer que a Igreja católica teve um papel preponderante na formação histórica e cultural brasileira. Basta ir a qualquer cidade do País que essa influência saltará aos olhos, revelando-se no próprio nome dos lugares (São Paulo, São Sebastião do Rio de Janeiro, São Salvador, Baía de Todos os Santos, Belém etc.). A arte do período colonial, sem o substrato católico, perderia completamente qualquer sentido: as esculturas de Aleijadinho, por exemplo, assim como toda a arte do barroco mineiro do século XVIII, que constituem inegavelmente patrimônio artístico e cultural do Brasil, são inseparáveis do patrimônio da Igreja católica. Sem falar no fator demográfico - a maioria esmagadora da população no Brasil é cristã, tendo a herança católica incorporada a seu referencial cultural. O catolicismo teve um papel fundamental na formação cultural e histórica do povo brasileiro - isso, queiramos ou não, é inegável. Daí porque nos tribunais e repartições públicas se costuma pendurar um crucifixo nas paredes, e não uma estátua de Buda ou um verso do Corão (embora isso não seja proibido, nem deveria).

Portanto, não é absurdo nenhum querer que o Estado proteja o patrimônio artístico e cultural da Igreja como parte da cultura brasileira. E isso não tem nada a ver com qualquer tentativa de "privilegiar" o catolicismo: fosse o Brasil um país majoritariamente muçulmano, ou budista, e o patrimônio a ser protegido pelo Estado seriam mesquitas e pagodes. Trata-se, na verdade, de regularizar uma situação já existente de fato: cabe sim ao Estado, através de suas instituições artísticas e culturais, proteger o patrimônio artístico e cultural do País, seja ele uma igreja ou mosteiro do século XVI, seja um terreiro de candomblé - até mesmo os horrendos templos da IURD, com seu estilo arquitetônico "greco-goiano", podem, um dia, entrar na lista.

Mas entende-se: para quem já chutou ao vivo uma imagem de santa na televisão, o Artigo 7 da Concordata Brasil-Santa Sé, que fala em proteger os lugares de culto e objetos católicos de qualquer tentativa de violação ou desrespeito, é mesmo inaceitável; é mesmo de uma "intolerância" sem tamanho com outros credos...

Em seguida, a reportagem encasqueta com o Artigo 11 da Concordata. Este seria o mais perigoso, segundo a IURD/Record, à preservação da laicidade estatal e à liberdade de culto e de crença no Brasil. Aqui os, digamos, "repórteres" a serviço do "bispo" foram um pouco mais além: usando os recursos típicos da linguagem televisiva, como destacar partes de um texto em detrimento de outras, eles tentaram mostrar que o Artigo, ao estabelecer o "ensino religioso" (= católico) nas escolas públicas, é uma clara violação da Constituição brasileira. De fato, quem tiver lido somente o que foi mostrado na TV saiu convencido que, com a Concordata, todas as crianças serão obrigadas, no horário de aula, a rezar o pai-nosso e ir à missa. Por isso, faço questão de reproduzir, aqui, o texto integral do referido Artigo. Ei-lo:

Artigo 11

A República Federativa do Brasil, em observância ao direito de liberdade religiosa, da diversidade cultural e da pluralidade confessional do País, respeita a importância do ensino religioso em vista da formação integral da pessoa.

§1º. O ensino religioso, católico e de outras confissões religiosas, de matrícula facultativa, constitui disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental, assegurado o respeito à diversidade cultural religiosa do Brasil, em conformidade com a Constituição e as outras leis vigentes, sem qualquer forma de discriminação.

Atentem para as partes em negrito. Fiz questão de grifá-las para deixar claro que, nesse caso, a emissora do empresário da fé Edir Macedo não se limitou a mentir de forma descarada: ela OMITIU, proposital e deliberadamente, parte essencial da questão, de forma a mostrar o Artigo 11 da Concordata como uma ameaça à liberdade de culto e de crença. Por meio de manipulação, a reportagem tentou induzir os espectadores a acreditarem que o Brasil está para assinar um acordo que irá privilegiar uma religião, instituindo, de forma obrigatória, o ensino católico nas escolas. Quem ler o texto, porém, verá que não é nada disso: não só o ensino não será necessariamente católico, como será facultativo (ou seja: estuda quem quiser, sem qualquer forma de discriminação). A Record enganou o público. Mais uma vez, diga-se.

Mas a mentira não parou por aí. A fim de reforçar, na mente do público-alvo, que a Concordata será a versão moderna da Inquisição medieval, os "jornalistas" da IURD/Record fizeram comparações com o vigente em outros países. Quando se referiram a Israel, um país ameaçado diariamente pelo fanatismo islâmico, a forçação de barra chegou ao ridículo: a reportagem mostrou cenas de escolas religiosas islâmicas, as madrassas, de onde saem muitos homens-bomba, tentando fazer uma associação entre o terrorismo islamita e a proposta de ensino religioso da Concordata. Sem comentários...

Para dar um verniz de "imparcialidade" ao que estava sendo dito, foram colhidos depoimentos, além do presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (que disse que a Concordata era um "retorno ao século XVIII"), de alguns líderes religiosos: um pastor da Assembléia de Deus (colocar alguém da IURD seria dar muito na vista), um mulá muçulmano (que falou em árabe) e uma representante da ONG "católicas pelo direito de decidir". Todos foram unânimes em sua condenação à Concordata, mostrada sempre como uma ameaça ao Estado laico. Durante toda a reportagem, não se viu nenhum padre ou bispo católico falando a respeito.

Ao longo de toda a matéria, a condenação à Concordata foi apresentada como a defesa intransigente da laicidade e da liberdade de culto e de crença, contra uma tentativa de "privilegiar" uma religião em detrimento de outras. Mas o que ficou claro é que, por trás da resistência ao Acordo, está um falso laicismo, um preconceito anticatólico. Na verdade, é mais que isso: trata-se de, em nome da diversidade religiosa, opor-se à livre concorrência entre as religiões, do mesmo modo que muitos se opõem à livre concorrência no mercado. Ou seja: a oposição à própria noção de diversidade e pluralismo religiosos. O oposto exato da idéia de laicidade. .Ou se

Se tem algo que a atual campanha contra a Concordata Brasil-Santa Sé demonstra com clareza é que, para atacar a Igreja católica, vale qualquer arma, até mesmo fingir-se de laico. Muita gente inteligente, em nome de supostos ideais iluministas, está se deixando enganar por essa conversa mole, aderindo ao CCC - Comando de Caça aos Católicos.

A IURD tem o direito a se opor à Concordata com a Santa Sé. Tem o direito, inclusive, de fazer lobby no Congresso para que esta não seja aprovada, o que fazem os deputados e senadores a ela ligados. Pode-se, inclusive, questionar o ensino religioso nas escolas públicas, tendo em vista até mesmo questões práticas e sua inaplicabilidade (haverá um professor para cada religião? etc.). Mas isso não dá a ninguém o direito de mentir e enganar o público. Que a neopentecostal IURD, conhecida por suas "fogueiras santas de Israel" e por seus "exorcismos" feitos com sal grosso, sem falar nos chutes a imagens de santas e na maneira, digamos, empresarial como encara a fé, se arvore em defensora da "tolerância" contra o "obscurantismo" católico é mesmo um sinal dos tempos. É algo que só vem provar que religião e política - e religião e jornalismo - realmente não combinam.

sexta-feira, setembro 11, 2009

O DIA EM QUE O MUNDO ACORDOU


Se tem uma imagem do 11 de setembro que não me sai da retina, não é a dos aviões atingindo o World Trade Center em Manhattan, nem a das pessoas se atirando das janelas em desespero para a morte, nem a das Torres Gêmeas desabando em meio a um inferno de fogo, poeira e escombros. Todas essas imagens, terríveis e espetaculares como são, não superam outra, bem mais prosaica. É a foto de um grupo de jovens modernosos, provavelmente americanos ou europeus, assistindo a tudo de camarote, do outro lado do Rio Hudson, como se estivessem vendo um show de TV, com ar blasé. Despreocupados. Impassíveis. Indiferentes.

Essa imagem, realmente surreal, me marcou profundamente. A meu ver, ela sintetiza e define com precisão a maneira como muita gente, dentro e fora dos EUA, encarou e encara até hoje o que ocorreu em Nova York e Washington, naquela manhã ensolarada, oito anos atrás. Como se estivessem falando sobre a balada da noite anterior, o grupo moderninho, muito à vontade, conversa despreocupadamente. O país está sendo atacado, diante de seus olhos, mas parece que eles não estão nem aí: é como se o que estivesse ocorrendo há apenas alguns quilômetros de distância não lhes dissesse respeito em absoluto. Creio que um deles, olhando-se bem a foto, parece até estar sorrindo, fazendo graça com o ocorrido. É a imagem perfeita da acomodação em meio à catástrofe, do tédio em meio ao caos. A indiferença em relação à dor dos outros, como dizia Susan Sontag - ironicamente, uma das estrelas do esquerdismo chique nova-iorquino. Indiferença ainda mais absurda e surrealista, pelo fato de o "outro", no caso, ser americano.

Centenas de livros foram escritos e dezenas de filmes foram feitos sobre o maior atentado terrorista da História, mas pouco se falou, até agora, sobre aquilo que considero um dos motores, senão o principal motor, da tragédia. Refiro-me à maneira absolutamente negligente - eu diria mesmo criminosa - como o tema do terrorismo foi tratado durante anos, e que deu ensejo ao que os terroristas fizeram naquela terça-feira. A foto do grupinho conversando despreocupadamente enquanto, do outro lado do rio, milhares de pessoas morriam uma morte horrível ilustra isso perfeitamente.

Pouca gente se dá conta, mas o ovo da serpente terrorista contra os EUA - contra a civilização, na verdade - foi chocado bem antes, durante anos. O governo de Bill Clinton (1992-2000), enrolado em charutos eróticos e estagiárias fogosas, desprezou a ameaça que se gestava no Oriente Médio, na forma da Al-Qaeda e de Bin Laden. Quando os aviões se espatifaram contra as Torres Gêmeas, Bin Laden já havia declarado guerra contra "os judeus e os cruzados" havia cinco anos, e sua rede terrorista já havia atacado alvos norte-americanos antes (as embaixadas no Quênia e na Tanzânia, em 1998, e o navio USS Cole, em 2000), com centenas de vítimas fatais. Mas a resposta do governo democrata se limitara a algumas declarações inócuas e a alguns mísseis atirados contra alvos no deserto no Afeganistão e no Sudão - no caso deste último, até isso foi bastante condenado à época, pois os mísseis americanos teriam atingido supostamente uma fábrica de remédios mantida pelo governo islamita de Cartum. O FBI e a CIA, ao que consta, já haviam tido a oportunidade de capturar Bin Laden, mas o plano fora abortado, ao que parece, porque as autoridades norte-americanas consideravam o milionário saudita uma figura menor, um peixe pequeno no mar do terrorismo internacional. Não era, enfim, politicamente correto, nem conveniente, caçar e eliminar fanáticos muçulmanos escondidos em algum cafundó do Afeganistão. Era mais importante, para Clinton e a quinta-coluna democrata infiltrada na Casa Branca, prosseguir na autoflagelação simpática aos outros países do que enfrentar para valer assassinos de turbante. Ao mesmo tempo, Clinton e sua secretária de Estado, Madeleine Albright, esforçavam-se para reaproximar-se de governos como o da Coréia do Norte.

Por isso, não fiquei exatamente surpreendido quando os EUA foram, finalmente, atacados - pela dimensão e método do ataque, certamente, mas não pelo atentado em si. Do mesmo modo, não me surpreendi quando vi as manifestações de júbilo na internet - inclusive por e-mail - pelo sucedido nos EUA naquele dia fatídico. Não estranhei, principalmente, as inúmeras teorias conspiratórias que pulularam naqueles dias, sempre na mesma toada - os ataques teriam sido forjados pelos próprios EUA, para deflagar uma guerra contra o Islã e se apoderar do petróleo do Oriente Médio etc. etc. -, que tinham em comum o fato de apresentarem os EUA sempre como o lado agressor, jamais como vítima (é incrível o que o antiamericanismo faz na cabeça das pessoas). Nada disso me surpreendeu, embora me cause asco até hoje lembrar a forma calhorda como muita gente considerada inteligente comemorou (sem aspas) a morte de quase três mil pessoas. Durante oito anos, pelo menos, o governo dos EUA fez vista grossa ao avanço do terrorismo islamita, baixando a guarda para seus inimigos. Era questão de tempo até que um ataque daqueles fosse lançado contra a maior potência do mundo. Quando finalmente ocorreu, todos foram pegos desprevenidos, e, desconhecendo o inimigo, apontaram o dedo para os próprios EUA.

O 11 de setembro demonstrou da pior maneira possível que a negligência em relação ao terrorismo islamita e o antiamericanismo andam lado a lado. Uma nota insistentemente tocada naqueles dias dizia que, com os atentados, os EUA estavam "colhendo o que plantaram", isto é, estavam sendo alvos de uma reação legítima por causa da política de Washington no Oriente Médio etc. Ninguém pareceu muito preocupado com a fragilidade intrínseca a esse tipo de argumento (o que tem a ver a política exterior norte-americana com a recompensa de 72 virgens no paraíso, por exemplo?), nem com o fato de que isso significa justificar o terrorismo, colocar-se no mesmo patamar moral de Bin Laden. Mas uma coisa é preciso admitir: tendo em vista a omissão escandalosa do governo Clinton no tocante ao combate ao terrorismo, assim como o primado da visão politicamente correta, os EUA realmente "colheram o que plantaram" em 11 de setembro de 2001.

Durante algum tempo, após os ataques nos EUA, pareceu que o mundo havia finalmente acordado para o perigo do terrorismo islamita, a maior ameaça à civilização desde a queda do comunismo. A forma como todo o povo norte-americano se uniu, deixando de lado diferenças e picuinhas partidárias (inclusive esquecendo-se, momentaneamente, da leviandade democrata, que propiciou os atentados), foi algo que, até hoje, me causa arrepios de admiração. (A escritora italiana Oriana Fallacci escreveu que, se os atentados tivessem ocorrido na Itália, os políticos de lá teriam aproveitado a ocasião para se devorarem entre si - acredito que no Brasil não seria diferente). Mas isso, infelizmente, durou pouco. Logo o velho antiamericanismo deu o ar de sua graça (ou desgraça), manifestando-se já no momento em que os EUA decidiram caçar Bin Laden e derrubar os fanáticos do Talibã no Afeganistão. A partir daí, a união e a solidariedade demonstradas nos primeiros dias após os ataques deram lugar, cada vez mais, à demonização de Jorjibúxi, algo que a invasão do Iraque e a derrubada de Saddam Hussein em 2003, em vez de ajudarem a diminuir, só atiçaram. E isso malgrado o fato de que nunca mais os EUA sofreram nenhum atentado terrorista semelhante, embora tentativas não tenham faltado. É que solidariedade com o gigante atacado, tudo bem. Já punir os responsáveis pelo ataque... Isso, não: isso é "imperialismo".

Desde então, os dias de reação enérgica contra o terrorismo parecem cada vez mais distantes. A luta contra o terrorismo islamita deixou de ser uma prioridade, voltando aos níveis do governo Clinton. A "guerra ao terror de Bush" - sempre entre aspas, sempre acrescida do nome do ex-presidente norte-americano, como se de uma causa da civilização não se tratasse - passou a ser vista com cada vez mais descrença e sarcasmo, e hoje questões como o status de Guantánamo ou a prática do waterboarding para arrancar informações dos terroristas presos tomaram o lugar da luta contra o terrorismo islamita nas manchetes. De certa forma, voltou-se aos tempos pré-11 de setembro, com o ressurgimento do mais nefasto antiamericanismo, que agora se apresenta com o rótulo de "respeito às diferenças", com o qual se tenta disfarçar a tolerância com o terror islamita, visto como uma forma de "resistência" contra a "opressão do imperialismo ocidental". Com a ascensão de Babaca Obama e de Hillary Clinton ao poder, esse retrocesso se completou.

Quase nada se sabe sobre as pessoas na foto que ilustra esse texto. Mas uma coisa é certa: poucas imagens simbolizam melhor a falta de consciência do perigo, a negligência e a indiferença em relação à ameaça terrorista. Isso custou milhares de vidas em 11 de setembro de 2001. Custará muitas outras vidas mais, se depender de quem está atualmente na Casa Branca.

quinta-feira, setembro 10, 2009

O COROA DO RIO (OU: "VOU APERTAR, MAS NÃO VOU ACENDER AGORA"...)


Um video que já está circulando no Youtube - é uma pena que eu não o tenha aqui para mostrar (ainda não aprendi como colocar no blog) - mostra o ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, em seu melhor estilo. Com aquele seu coletezinho esperto (ou "ixxxpééérrrrto", em bom carioquês) ele, muito à vontade (bastante à vontade, de fato...), aparece, todo serelepe, dando um "recado pra rapaziada".

Em um show de reggae da banda Tribo de Jah na Chapada dos Veadeiros - que melhor lugar haveria? -, o Coroa do Rio, bastante animado, aproveita para fazer um de seus discursos mais eloqüentes a favor do meio ambiente ("Viva a Amazônia", "Viva Bob Marley", Viva Chico Mendes"). Em seguida, ao lembrar de recente decisão judicial na Argentina que descriminaliza o porte e consumo pessoal de canabis, Minc, sabe-se lá por conta de qual estranho mecanismo mental (ou não), emenda o discurso ecológico com a defesa entusiasmada da "descriminalização do usuário" (!), enquanto alguém na platéia grita "Maconha! Maconha! Pré-Sal! Pré-Sal!" (!?). Conclama a todos, então, a fazerem um momento "paz e amor", abraçando e beijando quem estiver ao lado, o amigo, a namorada, o namorado... No final, com a fala engrolada, Minc termina o discurso bamboleando, todo pimpão, ensaiando uns passinhos de reggae geriátrico.

No palco - lugar onde ele se sente melhor do que em qualquer outro, sem dúvida -, Minc ainda exortou a platéia juvenil: "Não vamos deixar queimarem a Amazônia!" Queimar a Amazônia, não. Queimar a Amazônia, não pode, diz Minc. Só a Amazônia.

De todos os ministros do governo Lula, Carlos Minc é, certamente, o mais divertido. O mais lúdico, digamos assim. E não quero dizer com isso algo necessariamente bom. Muito pelo contrário. É certo que um ministro não deve se isolar em seu gabinete, mas um mínimo de compostura, um mínimo de decência, é esperado. Não é o caso de Minc, que prefere dar show para as câmeras - e um show de péssima qualidade.

Não nego as credenciais de Minc para falar de ecologia, embora o tema não me entusiasme nem um pouco. Aliás, sempre desconfiei que essa é uma daquelas causas feitas sob medida para os esquerdistas fazerem proselitismo barato contra o "cruel sistema capitalista" (e o fato de ele, Minc, ter chamado os produtores rurais de "vigaristas" parece corroborar essa impressão). Que ele, Minc, também tenha em seu currículo o fato de ter sido militante da mesma organização terrorista de esquerda a que pertenceu Dilma Rousseff nos anos 60 também não é algo, como direi?, particularmente abonador. Assim como não é o fato de ele já ter dado pitaco até sobre a proibição católica do aborto, investindo-se, assim, da condição de especialista em teologia. Tudo isso é bastante revelador sobre a pessoa e - principalmente - o personagem. O Coroa do Posto Seis (ou "Posssto Seixxx") já participou da "marcha da maconha" no Rio, e não esconde de ninguém que acha que a "descriminalização do usuário" (sic) é o melhor caminho para "acabar com essa hipocrisia que está aí". Penso que, nesse assunto, ele está sendo, pelo menos, sincero. Acredito mesmo que ele pratica o que prega. O que explica, diga-se, muitas de suas opiniões.

A descriminalização das drogas é uma dessas idéias que, aparentemente, dizem uma coisa, mas cujo efeito na prática é exatamente outro. Seus defensores a justificam como uma questão de liberdade individual, e alguns deles, mais intelectualizados, não raro apelam mesmo, de boa ou má fé, para alguns pensadores liberais do século XIX, como John Stuart Mill. Ocorre que tal idéia é exatamente o oposto da liberdade, cujo corolário inseparável é a responsabilidade individual - o que é freqüentemente esquecido. Com efeito, nada mais contrário à noção de responsabilidade - e, portanto, de liberdade - do que o vício em maconha ou em cocaína. Principalmente quando se sabe que é esse vício, queiram ou não os defensores da "descriminalização" como Carlos Minc, que alimenta o narcotráfico nas favelas. Sem falar no tráfico internacional. Ainda espero algum especialista no assunto, fã ou não de Bob Marley, me convencer como tal medida, se aplicada no Brasil, irá contribuir para diminuir o tráfico e a violência, quando se sabe que a questão não depende de um único país. Pelo contrário: é um tema realmente mundial. Ou se libera em todos os países, ou não se libera em nenhum. (Basta olhar para o paraíso dos maconheiros, a Jamaica, que tem alguns dos piores índices de criminalidade do continente.) Até lá, o consumo de maconha e outras substâncias ilícitas é mais do que um assunto privado: é conivência e cumplicidade com o crime, ponto final. Falta de responsabilidade, se é para ser menos duro.

Minc, aliás, dá um exemplo claro dessa falta de responsabilidade. Se tivesse guardado suas opiniões para si, ou mesmo dito o que disse em casa, num ambiente particular, perante uma platéia de amigos, poder-se-ia afirmar que se trata de um ponto de vista pessoal dele, Minc, sem maiores consequências. Mas não. Ele fez uma declaração pública, em cima de um palco, em um show de reggae, deixando clara sua posição sobre o assunto. Posição, vale lembrar, não dele unicamente, mas de um ministro de Estado. Era, enfim, o Ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, fazendo a apologia das drogas, crime previsto em Lei. A pena é de 5 a 15 anos de prisão.

O hábito de fumar maconha ou de ingerir outras substâncias alucinógenas caminha lado a lado com a falta de responsabilidade. Quem diz isso não é um "reaça", um "careta": é alguém que preferiu colocar a coerência acima de qualquer outra consideração. Basta atentar para o seguinte fato: na hora de defender a "descriminalização", os apreciadores do fumacê rotulam qualquer crítica que lhes for dirigida como direitista, reacionária etc. Quando, porém, estão estrebuchando por causa dos efeitos da droga, fazem questão de exigir que o Estado cuide deles. Isso, aliás, já ocorre, pois a mesma Lei que eles tanto gostam de atacar como "conservadora", lhes garante a assistência médica gratuita em caso de algum problema decorrente do que é, na verdade, uma escolha pessoal, uma opção de cada um. E isso com o seu, o meu, o nosso suado dinheirinho. A questão é: se fumar um beque é uma questão de liberdade individual, como dizem, por que fazer a sociedade pagar por esse vício? Se tivessem um mínimo de coerência, deveriam abdicar de qualquer tratamento ou assistência médica estatal, em troca da "liberdade" de curtir um baseado.
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Ainda que fosse só Carlos Minc, mas o problema é maior do este ou aquele membro do governo. Há algumas semanas, Lula esteve na Bolívia, onde manteve reunião com o cocaleiro Evo Morales, seu companheiro. Na ocasião, o presidente brasileiro deixou-se fotografar ao lado de Morales, com um enorme colar em volta do pescoço, feito com folhas de coca. Desde que Morales assumiu a presidência, a produção de cocaína no país, e sua exportação para o Brasil, só vêm aumentando. Agora entendi por que Lula chamou Carlos Minc para ser ministro.
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O Coroa do Rio deve ter fumado todo o Código Penal antes de fazer seu discurso e sua dancinha. E não fez efeito algum. É isso aí, rapaziada.