terça-feira, março 31, 2009

FALÁCIAS SOBRE 1964

Hoje, dia 31 de março, há exatos 45 anos, um movimento político civil-militar - chamado de golpe de Estado, por seus detratores, e de revolução ou contra-golpe, por seus apoiadores - depôs, pela força das armas e com rapidez surpreendente, sem quase nenhum derramamento de sangue, o presidente João Goulart. Começava aí um período que até hoje, quase cinco décadas depois, lança sua sombra e divide opiniões no Brasil - e permanece, paradoxalmente, desconhecido, no sentido de que as versões (ou melhor, uma versão, a dos "vencidos") se sobrepuseram aos próprios fatos, a ponto de se confundirem com eles.

O golpe/revolução/contra-golpe de 64 - não há consenso sequer sobre que denominação lhe dar - é, certamente, o momento definidor da vida política e cultural brasileira na segunda metade do século XX. E, no entanto, o conhecimento que temos sobre o que de fato aconteceu, sobre as circunstâncias e os personagens que levaram à derrubada do governo Jango e à instauração de um governo militar, permanece turvado, resvalando quase sempre para a propaganda ideológica pura e simples. Este é um campo em que, ainda hoje, as falácias proliferam.

Em um processo curioso de inversão, a "História dos vencidos" conquistou a hegemonia quase inconstrastável dos estudos sobre o período. Isso resultou no predomínio, durante décadas e gerações, de uma visão histórica contaminada de proselitismo esquerdista, gestada durante o próprio período militar. Paralelamente, a visão "oficial", militar, dos acontecimentos de 64, transmitida na mesma época em insípidos textos ufanistas e intragáveis lições de educação moral e cívica, era cada vez mais desmoralizada e se tornava motivo de chacota.

Tendo nascido dez anos depois da "Redentora", em 1974, passei praticamente toda a infância sob o signo dessa visão histórico-ideológica, que me foi passada nas aulas de História e OSPB - o sucessor das aulas de educação moral e cívica - por professores admiradores do socialismo cubano e da teologia da libertação. Aprendi desde cedo, portanto, que ter "senso crítico" era contestar as "injustiças socais" e o governo do general de plantão - João Figueiredo -, o que significava, quase sempre e sem que eu tivesse a menor consciência disso, endossar as teses de esquerda.

Assim, aprendi desde cedo, a exemplo de milhões de crianças iguais a mim, que o golpe - era sempre chamado de golpe, jamais de "revolução" - fora desfechado por um bando de generais truculentos ("gorilas") com o apoio (ou mesmo a participação direta) dos EUA e da CIA contra um governo democrático e popular - eram as palavras exatas que se diziam na sala de aula -, o único governo, dizia-se, que teve coragem de "fazer alguma coisa" pelos pobres do país etc. e tal. Segundo essa visão míope, o golpe fora o resultado de uma conspiração das elites (diríamos hoje "brancas e de olhos azuis"), latifundiários, empresários, banqueiros, especuladores, donos de jornais e, por fim, dos militares, que nada mais foram do que seus agentes a soldo. Enfim, uma quartelada contra a democracia etc. e tal. Já os "vencidos", os que haviam sido derrubados e lutavam naquele momento (1982, 83) pelas eleições diretas - inclusive um certo sindicalista barbudo de língua presa, que aliás disse em depoimento ter apoiado o golpe de 64 -, eram, eles sim, os verdadeiros defensores da liberdade. Ao mesmo tempo, de forma esquizôfrenica, éramos obrigados, crianças de sete ou oito anos de idade, a cantar todas as quintas-feiras o hino nacional no pátio da escola.

É impressionante como, após tanto tempo, os mesmos mitos e meias-verdades que nos eram passados na terceira série ainda são repetidos ad nauseam nas salas de aula de todo o País. A ponto de não haver praticamente nenhuma "História alternativa" de 1964 - é sempre a visão da esquerda, dos que foram "derrotados", que prevalece.

Vejamos alguns desses mitos, e como eles estão presentes, de forma quase inconsciente, em nossa forma de pensar.

Uma das principais lendas criadas sobre 1964 diz que o governo João Goulart era um governo democrático, que foi derrubado exatamente por isso. Ou seja: os militares que o depuseram o fizeram com o único objetivo de acabar com a democracia e impor um regime tirânico - por pura maldade, só falta dizer. Na minha mente infantil, carregada de estereótipos do tipo bem contra o mal, decorrente da leitura voraz de revistas em quadrinhos, não foi difícil para mim engolir essa tese. Desconfio que é esse mesmo mecanismo mental que leva tantos adolescentes a venerarem, ainda hoje, os ícones da esquerda do período, como Che Guevara.

Pois bem. Hoje, no distanciamento histórico, não há motivo para ter essa visão maniqueísta e simplista. O golpe - e foi golpe mesmo - de fato marcou uma ruptura com a ordem constitucional, abrindo o caminho para o que veio depois. Mas, pode-se dizer que o governo deposto, o governo de João Goulart, era um modelo de respeito às normas da vida democrática? Melhor: pode-se dizer que ele foi derrubado exatamente porque era democrático? A tese é falsa e é absurda.

Vamos aos fatos: em março de 1964, precisamente após o famoso comício da Central do Brasil, no dia 13 de março, o presidente João Goulart e seu governo já haviam dado claras demonstrações de que estavam se colocando, quando não já haviam se colocado, fora da ordem democrática. Desde que retomara plenamente os poderes presidenciais, em janeiro de 63, João Goulart não fez outra coisa senão minar as bases da legalidade constitucional - mesma legalidade em nome da qual fora empossado presidente, após a renúncia de Jânio Quadros, em 1961. Cercado de elementos esquerdistas e ultra-esquerdistas, como seu cunhado Leonel Brizola, Goulart passara a chefiar, ou se tornara prisioneiro, de um gigantesco esquema de subversão política - a palavra é feia, eu sei, é mais uma que ficou desgastada e desmoralizada pelo uso posterior pelos militares, mas é correta -, que visava, em última instância, à instalação, no Brasil, de uma república socialista, ou sindicalista, nos moldes do peronismo argentino. Para tanto, sua base de sustentação política se transferira do Congresso e de outro órgãos legais para os partidos de esquerda como o PCB (então ilegal, mas bastante ativo), os sindicatos (CGT, PUA etc.) e, finalmente, os setores subalternos das Forças Armadas, especialmente os sargentos e os marinheiros - decisão esta que foi, aliás, a gota d'água para sua deposição.

Os fatos não mentem. Em outubro de 1963, logo após uma rebelião de sargentos que deixou dois mortos em Brasília - e cujos líderes foram tratados com benevolência pelo governo -, Goulart tentou fazer aprovar, no Congresso, a decretação do estado de sítio no Brasil. A medida não foi aprovada, em parte, pela oposição da própria esquerda, que temia um golpe... do próprio Goulart! Era quase um consenso, no começo de 1964, de que haveria um golpe - só não se saberia se da esquerda ou da direita. O PCB, então sob a chefia de Luiz Carlos Prestes, acreditava piamente que as condições estavam maduras para tomar o poder e transformar o Brasil num país comunista ("já estamos no governo; falta apenas tomarmos o poder", chegou a dizer Prestes às vésperas da queda de Goulart).

Entre os setores que apoiavam o governo, era quase unanimidade que o golpe viria não dos militares, mas do próprio governo - convicção compartilhada pelo embaixador dos EUA no Brasil, Lincoln Gordon, que não cansava de repetir, em seus telegramas a Washington, que Goulart estava preparando o caminho para instalar uma espécie de ditadura, mediante um auto-golpe semelhante ao desfechado por Getúlio Vargas em 1937.

Diante de tudo isso, com a radicalização política avançando a níveis galopantes, juntamente com a inflação de 80% ao ano (um record para a época), Goulart - por ambição desmedida, por inabilidade política, por ingenuidade, ou por tudo isso junto -, apostou todas as fichas não na contenção, mas no apoio da esquerda radical, trocando a hierarquia e a disciplina militares pelo patrocínio às sublevações de sargentos e marinheiros - no dia 30 de março, ele discursou, no Automóvel Clube do Rio de Janeiro, para sargentos e marinheiros que se haviam amotinado apenas uma semana antes, inclusive o famoso Cabo Anselmo. Para os comandos militares e para a parcela da opinião pública que não compartilhava dos objetivos esquerdistas, a opção de Goulart pela ilegalidade revolucionária era um fato irreversível e inquestionável.

Não surpreende, portanto, que o movimento para derrubar Goulart tenha mobilizado e contado com o apoio entusiasmado de camadas significativas da população - a classe média, a Igreja católica, a imprensa - com exceção da Última Hora, jornal do getulista Samuel Wainer, toda a grande imprensa brasileira apoiou entusiasticamente o golpe -, bem como dos principais governadores de estado e políticos que, posteriormente, passariam à oposição, como Carlos Lacerda e Juscelino Kubitschek - e inclusive de um então relativamente desconhecido deputado chamado Ulysses Guimarães.

Tais fatos hoje em dia são pouco lembrados, uma vez que é muito dificil para a historiografia de esquerda reconhecer que o movimento que depõs Goulart contou com amplo apoio popular - e não apenas de meia dúzia de beatas de rosário na mão, como passaram a ser caricaturados os milhares de manifestantes que saíram às ruas de São Paulo na "Marcha com Deus pela Família e pela Liberdade". Do mesmo modo, os historiadores esquerdistas jamais irão admitir que, quando os militares deram o golpe, a democracia já estava morta: eles apenas trataram de enterrá-la. Simplesmente ninguém estava interessado em defender a democracia: o conflito passou a ser entre golpistas de direita e golpistas de esquerda. Ganharam os de direita.

Um outro grande mal-entendido sobre 1964 diz respeito à suposta participação dos EUA no golpe. A versão de esquerda sobre o papel que a Casa Branca teria tido na deposição de Goulart foi de tal modo propagandeada por autores como Moniz Bandeira e outros, que já se tornou uma espécie de dogma da História nacional. Não adiantou sequer ter sido revelado, em fins dos anos 70, que os americanos não tiveram qualquer participação na queda de Jango, tendo-se limitado a acompanhar os acontecimentos, para desmentir essa versão, que se tornou corrente. Nem mesmo a observação unânime entre os conspiradores civis e militares de que o golpe foi 100% nacional, e que pegou até os próprios americanos de surpresa, foi capaz de retirar essa impressão. O fato de que os EUA tinham um plano de ação militar para intervir no Brasil em caso de revolta militar contra Goulart - a Operação Brother Sam -, e que no final se mostrou desnecessário, apenas reforçou a ideia de que o golpe, como disse um escritor da época, "nasceu em Washington".

Nem em Washington, nem mesmo em algum lugar específico do Brasil. Um fato que passa despercebido até hoje é que os militares e civis golpistas de 64 não contavam, sequer, com uma liderança única, nem tampouco sabiam o que fariam ao tomar o poder. Unia-os, única e simplesmente, o desejo comum de tirar Goulart do poder e acabar com a baderna. Daí porque, deposto Goulart, passaram-se dias sem que houvesse um consenso sobre quem assumiria o governo em nome da "revolução". Até que se chegou ao nome do marechal Humberto Castello Branco - que fora, aliás, inicialmente contra o golpe no dia 31 de março. A ideia - algo também esquecido hoje em dia - era não instaurar uma ditadura que durou 21 anos, mas expurgar a vida política dos elementos "subversivos" e "corruptos" e então devolver o poder ao civis. A falta completa de um programa político e a divisão entre militares "duros" e "moderados" - além do aparecimento do terrorismo de esquerda após 1966 - foi o que levou, mais tarde, ao adiamento da prometida redemocratização, resultando na marginalização dos próprios líderes civis do golpe de 64, como Carlos Lacerda. Não por acaso, já em 1965, o jornalista da revista O Cruzeiro, David Nasser - um dos mais ardorosos apoiadores da queda de Goulart - escreve um livro atacando duramente os novos governantes militares, chamado "A Revolução que se Perdeu a Si Mesma".

E os militares, foram realmente os agentes do imperialismo e do capital estrangeiro, como são pintados ainda hoje? Difícil endossar essa tese. A própria marginalização da direita civil que apoiou o golpe de 64 depõe contra a afirmação, repetida ainda hoje por muitos professores, de que os generais brasileiros agiram em nome da Shell ou da Coca-Cola. Pelo contrário: um dos fatos mais embaraçosos para os esquerdistas hoje no poder é que o regime militar brasileiro, sobretudo quando se inicia seu período mais duro, a partir de 1967, se afasta cada vez mais da influência norte-americana e adota, na prática, uma política nacionalista de forte presença e intervenção estatal na economia. Lembremos do governo Ernesto Geisel (1974-1979), no qual as relações entre o Brasil e os EUA estiveram estremecidas devido a uma política externa terceiro-mundista e antiamericana, demonstrada por fatos como o reconhecimento do governo marxista de Angola e o Acordo Nuclear Brasil-Alemanha. No mesmo período, assistiu-se a um processo de criação de estatais jamais visto antes, nem depois, na História brasileira. O aumento do intervencionismo e do dirigismo estatal, aliás, é um dos maiores legados do regime militar para o Brasil de hoje. Não é à toa que Lula fez recentemente tantos elogios à política nacionalista de Geisel e considera Delfim Netto um de seus gurus na área econômica.

Outra questão: é possível chamar o período 1964-1968 (da queda de Goulart à decretação do AI-5) de ditadura? Penso que não, se formos levar em conta a intensa efervescência cultural desses anos, que deixaram sua marca profunda na vida artística e intelectual do país (é a época do Tropicalismo e dos Festivais da Canção). Sem falar que, nesse período, a censura ainda não se instalara nos meios de comunicação, e o número de prisões políticas, passada a onda de cassações e punições em 1964, não chega a algumas dezenas, se tanto. O golpe, ao contrário do que se convencionou dizer, não instaurou a ditadura; esta veio aos poucos, à medida que ia se acentuando a divisão entre as facções militares e se instalava aquilo que Elio Gaspari chamou de "anarquia militar" - a permanência indefinida dos militares no poder não era um dos objetivos do movimento que depôs Goulart. Não é violentar a verdade classificar esse regime, portanto, de ditabranda - principalmente se o compararmos às ditaDURAS de esquerda, como em Cuba ou na Coreia do Norte.
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Mas a falácia mais recorrente, e, em minha opinião, a mais inimiga da verdade histórica, é a que classifica o regime militar de "fascista". "Golpe fascista", "ditadura fascista" - para se referir indiscriminadamente ao movimento que derrubou Jango e aos 21 anos de regime militar - são expressões que, de tão usadas por motivos de propaganda, já se incorporaram, de certo modo, a nosso vocabulário político. Isso porque "fascista", como xingamento, permanece uma expressão extremamente eficaz, portanto útil - mais do que, por exemplo, "comunista", que em nossas mentes impregnadas de vulgata esquerdóide não remete ainda aos 100 milhões de mortos na URSS e na China no século XX. Não se trata, porém, de simples semântica ou jogo de palavras: rotular o regime de 64 de "fascista" ou "totalitário" demonstra não apenas desconhecimento do que vem a ser o fascismo e o totalitarismo, mas até mesmo manipulação ideológica e má-fé.
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O regime de 64, para começo de conversa, não foi totalitário - totalitarismo é um regime político baseado, entre outras coisas, na existência de um partido único no poder e na mobilização constante das massas, duas coisas que estiveram ausentes no Brasil pós-64. Além do mais, no fascismo, além de haver as características apontadas acima, as Forças Armadas estão submetidas ao controle ideológico do Partido. Desnecessário dizer que nada disso também existiu no Brasil. O regime militar brasileiro, sobretudo durante o período de vigência do AI-5 (dezembro de 1968 a dezembro de 1978) foi, na verdade, um regime autoritário, como foram as ditaduras militares latino-americanas, desprovido de ideologia dominante de partido único, e com forte presença de tecnocratas (os militares extinguiram os partidos e desmobilizaram a sociedade, exatamente o contrário que se espera de um regime fascista e totalitário). Curiosamente, muito mais próximos do fascismo, por totalitários, eram os regimes com os quais a esquerda brasileira se identificava, e se identifica até hoje, como a ex-URSS, a China de Mao Tsé-tung e a Cuba de Fidel Castro.
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Ditaduras fascistas, ao contrário de regimes como o de 64 no Brasil, não se contentam em eliminar a oposição: fazem questão de impor, por meio de uma poderosa máquina de propaganda governamental e terror policial, a ideologia do Partido, transformando cada indivíduo em militante devotado e intervindo inclusive na vida privada dos cidadãos, em questões como a religião, por exemplo. No Brasil, não houve nada sequer parecido com isso: a repressão foi dura contra os que se opunham ao governo, com armas ou não, e houve tortura e assassinatos de adversários políticos, mas, via de regra, o cidadão médio não foi atingido pela repressão política, e suas crenças individuais e religiosas foram mantidas intactas. Tratou-se de um regime que, mesmo em seus piores momentos, percebia-se como de emergência, ao contrário das ditaduras totalitárias, que ou são derrubadas ou se perpetuam.
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A censura à imprensa, por exemplo, não tinha por finalidade criar uma imprensa que servisse de instrumento de propaganda do Estado - como é o caso em Cuba -, mas unicamente impedir a divulgação de notícias consideradas inapropriadas ou embaraçosas para os governantes (coisa que jornais como O Estado de S. Paulo e revistas como Veja conseguiram driblar brilhantemente, colocando receitas de bolo ou versos de Camões no lugar das notícias censuradas - algo impensável em verdadeiros regimes totalitários). Aliás, mesmo no período de mais dura repressão, durante o governo Médici, havia oposição - fraca, temerosa, acuada, mas havia. E hoje, com exceção de algumas vozes isoladas e logo abafadas, como a de Jarbas Vasconcelos, pode-se dizer a mesma coisa?

Um outro exemplo bastante ilustrativo é o da educação e da cultura em geral. Não obstante os atritos com os estudantes em 1968 - motivados muito mais pela presença de radicais de esquerda em seu meio do que de descontentamento genuíno contra o regime militar -, houve uma extraordinária expansão do ensino universitário no Brasil. Além disso, o regime não buscou, ao contrário do que ocorre em ditaduras totalitárias, tutelar o que era ensinado nas salas de aula. O máximo que os generais-presidentes tentaram foi enxertar nos currículos escolares a matéria de educação moral e cívica, já mencionada, que logo se voltou contra o próprio regime, tendo sido cooptada pela esquerda. Provavelmente, nunca se leu tanto Marx e Gramsci nas universidades brasileiras quanto nos anos 60 e 70 - o resultado, basta ir a uma sala de aula de uma unversidade pública ou particular hoje em dia para constatar. Na cultura, em plena época de porralouquice generalizada dos anos 60, com toda sua psicodelia e liberação sexual, e mesmo com censura, o governo investia milhões na realização de filmes nacionais, a maioria intragáveis, muitos dos quais de forte crítica política e social ao próprio regime. Foi um tipo muito estranho de ditadura, convenhamos: uma que renunciou totalmente à hegemonia cultural e ao controle mental sobre os estudantes, dando plena liberdade aos professores para fazer proselitismo ideológico esquerdista em sala de aula, e abrindo generosamente os cofres do Estado para que cineastas comunistas falassem mal do governo.

Tudo isso que está aí em cima, eu nem precisaria dizer, não visa a justificar o que ocorreu após 1964 no Brasil. Nada disso. Trata-se apenas de repor as coisas no seu devido lugar histórico. Os generais que deram o golpe e afastaram Goulart do poder não estavam lutando contra fantasmas - o risco de o Brasil se tornar uma ditadura de esquerda era real, como admite Jacob Gorender -: isso é um FATO, não uma conclusão resultante de qualquer simpatia minha pelos militares - aliás, inexistente.

O leitor inteligente e sem preconceitos ideológicos - aquele a quem este texto se dirige - já deve ter percebido, se chegou até aqui, que não estou me posicionando a favor do regime militar, nem da censura ou da tortura. O que não significa que eu não me coloque frontalmente contra as tentativas de manipulação e mistificação da História, que no caso em questão vêm principalmente da esquerda. Há, na verdade, mais continuidade do que ruptura entre 1964 e o Brasil de hoje. Um bom exemplo disso é que o mesmo argumento usado até hoje por alguns nostálgicos da ditadura, de que o País crescia e havia desenvolvimento econômico, é usado pelos defensores do governo Lula para justificar ou desviar a atenção de mensalões e corrupções afins (pelo menos era assim até alguns meses atrás, quando a "marolinha" não tinha virado ainda um maremoto...).

O regime militar inaugurado em 1964 não foi nem tão sanguinário quanto o pinta a propaganda esquerdista, nem tão benéfico quanto defendem seus saudosistas. Nem o governo de João Goulart foi uma espécie de éden democrático, interrompido pelos demônios de farda. A História, felizmente, é feita de fatos, não de conveniências.

segunda-feira, março 30, 2009

Sobre o caso Battisti - resposta a um leitor que se acha muito justo

E ele ainda ri...
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Um leitor, de nome Marcos Cunha, que se acha dono de um sentido muito particular de justiça, escreveu um comentário curioso sobre meu texto "Brasil, paraíso de assassinos". Diz ele (comento em seguida):

A questão é quem é mais criminoso?

Um terrorista que matou 4 e feriu outros tantos, ou um educado empresário que desviou 1,5 bilhão de um país tão carente como o Brasil e depois fugiu para Itália onde encontrou abrigo seguro e liberdade?

Mesmo considerando as ineficiências, esse 1,5 bilhão roubados poderiam salvar centenas ou milhares de pessoas carentes que dependem dos serviços públicos de saúde.

Portanto, se a civilizada Itália se recusou a nos devolver quem nos fez mal, devemos mostrar para eles que podemos responder na mesma moeda.

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Sabem o que me deixa mais fulo da vida? Não é quando me escrevem para justificar, ou até mesmo louvar, o que é injustificável, como a corrupção dos petralhas e o terrorismo - o que tem, pelo menos, o mérito da sinceridade. É quando acham que, porque o "outro" também fez, então tudo passa a ser permitido.

Lembro que, quando eu era criança, se eu fizesse uma arte qualquer e se, para escapar de uma palmada ou do cinto de meu pai, eu dissesse "o Juquinha fez pior", era mais um motivo para levar uns cascudos. E ainda recebia lição de moral: "Do Juquinha cuida a mãe dele! Dois erros não fazem um acerto, seu moleque!".

Parece que, hoje ainda, há pessoas adultas que precisam dessa lição. A questão, meu senhor, não é "quem é mais criminoso". A questão é: CRIME É CRIME, NÃO IMPORTA QUEM OU POR QUÊ TENHA SIDO COMETIDO. Um roubo de um rico e educado empresário não justifica a morte de 4 (ou 100 milhões) pelo terrorismo de esquerda. Ponto final.

Já seria desonestidade intelectual suficiente querer que um erro justificasse o outro se o caso do "educado empresário que roubou 1,5 bilhão de reais de um país carente como o Brasil" não tivesse absolutamente nada a ver com o do facínora Battisti. O empresário de que fala o leitor, presumo, é o ex-dono do falido Banco Marka, Salvatore Cacciola, preso pela Interpol em Mônaco e extraditado para o Brasil, onde cumpre pena por fraude. Pois bem. Não conheço os detalhes do caso, mas sei que Cacciola, ao contrário de Battisti, tem dupla cidadania (brasileira e italiana). Logo, pela Lei, não poderia ter sido extraditado da Itália, para onde fugiu para escapar à prisão no Brasil. Battisti, ao contrário, foi presenteado por Tarso Genro com o status de refugiado político! Por ter matado 4 pessoas! E por ser de esquerda!

Isso mostra que Cacciola é inocente, ao contrário de Battisti? NÃO! Mostra apenas que ambos são criminosos, mas cada caso é um caso. No de Cacciola, havia uma questão legal que impedia sua extradição da Itália. No de Battisti, nem isso. Em um caso, seguiu-se estritamente o que está na Lei, tanto de cada país quanto internacional. No outro, o que houve foi um critério simplesmente ideológico para conceder refúgio político a um assassino de esquerda.

Dizer - ou insinuar que -, ao não nos devolver Cacciola, a civilizada Itália estaria nos dando motivos para "responder a eles na mesma moeda" demonstra, além da óbvia visão deturpada típica dos ressentidos (afinal, é a Itália, um país rico, de gente branca, muitos de olhos azuis, como diria o Apedeuta), um senso de justiça completamente torto. A Itália cumpriu a Lei, ao contrário de Tarso Genro.

Em resumo, segundo o leitor, se a Itália cumpriu a Lei e não extraditou um ex-banqueiro corrupto, o Brasil, para dar o troco, deveria fazer o mesmo com um terrorista e virar um valhacouto de bandidos e assassinos. Ora, tenham santa paciência!

A propósito: também acho que o 1,5 bilhão que Cacciola roubou do Brasil fez falta à saúde etc., assim como os milhões roubados pela quadrilha petralha no poder, com seus esquemas de mensalões e sanguessugas. Quando será que estes irão ver o sol nascer quadrado?

CRIME É CRIME. LEI É LEI. Por que é tão difícil para algumas pessoas perceber - e aceitar - algo que deveria ser tão óbvio, até para crianças de cinco anos de idade?

OS "BRANCOS DE OLHOS AZUIS" DE LULA












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"Essa crise foi causada por gente branca de olhos azuis".
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"Nunca vi um banqueiro negro ou índio".
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As duas frases acima foram ditas pelo presidente Lula, durante encontro no dia 26/03 com o primeiro-ministro britânico Gordon Brown (que não é exatamente um moreninho). Lula estava mais uma vez praticando seu esporte favorito, depois de ter visto ir por água abaixo sua tentativa de tachar de "marolinha" o que todos sabem ser um tsunami: culpar os "países ricos" pela crise. No caso, os "brancos, loiros de olhos azuis".

E os dois senhores mostrados acima, quem são? O da esquerda é Stanley O'Neal, até recentemente CEO do banco de investimentos Merryl Lynch, um das maiores dos EUA e que faliu ano passado. O outro é Vikram Pandit, indiano, Presidente da Citi. Não são casos isolados. Como eles, há inúmeros outros altos executivos de empresas norte-americanas que não têm exatamente o tipo nórdico de olhos claros. A começar pelo supremo mandatário da Nação, um tal de Barack Hussein Obama.

Nada a comentar.
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P.S.: Na realidade, um comentário apenas: se o ex-presidente FHC, no auge da crise de 1999, tivesse colocado a culpa pela crise asiática na "gente de pele amarela e olhos puxados", o que seria dito disso? Racismo boçal, sem dúvida.

quinta-feira, março 26, 2009

UM LEITOR ME MANDA UM ARTIGO - E ME DÁ MAIS MOTIVOS PARA DEFENDER ISRAEL


Um leitor me mandou um comentário muito interessante. Ele diz que lê constantemente meu blog e tem aprendido um pouco sobre a questão palestino-israelense (ou seja: sobre a luta de Israel contra quem quer destruí-lo, como o Hamas e o Hezbollah, pois a questão palestino-israelense, na prática, deixou de existir com os Acordos de Oslo, em 1993). Ele se diz horrorizado perante as ações do Hamas e toda a barbárie terrorista etc.

Até aí, maravilha. O problema começa com o artigo que ele transcreveu parcialmente, o qual apresenta uma visão totalmente diferente da que venho expondo neste blog, visão esta que seria (ao contrário da minha, presumo), "baseada em fatos". Já vou falar do artigo. Primeiro, vou dizer algumas palavras sobre o autor do mesmo, Norman Finkelstein.

Sem querer cair na armadilha de uma argumentação ad hominen, tão ao gosto das esquerdas ("você é um direitista, logo está errado"), creio que é preciso chamar a atenção, aqui, para o autor do artigo. Ao contrário do que um leitor distraído ou incauto poderia imaginar, Norman Finkelstein está longe, muito longe, de ser um observador "neutro" ou "imparcial" da questão (eu também não sou; aliás, rejeito esse rótulo, como escrevi aqui antes: a diferença é que não finjo sê-lo para não ser acusado de "direitista", ao contrário dos "isentistas" que pregam a neutralidade entre o fuzil e o peito). Pelo contrário: ele é, ao lado de medalhões da esquerda-caviar como Noam Chomsky e Tariq Ali, um dos mais ativos propagandistas anti-Israel no cenário acadêmico e intelectual norte-americano e mundial.

Toda a argumentação de Finkelstein sobre a questão israelo-palestino pode ser sintetizada em duas ideias muito simples: 1) a violência terrorista de grupos como o Hamas e a ação militar israelense se equivalem moralmente; e 2) Israel não tem o direito de se defender (nem de existir).

Finkelstein ficou famoso mundialmente por causa de um pequeno livro, A indústria do Holocausto, no qual, sob o pretexto de criticar a "instrumentalização" do genocídio de 6 milhões de judeus nas mãos dos nazistas com objetivos políticos ("justificar a política de Israel") e mercantis ("obter reparações da Alemanha e da Suiça"), ataca a própria memória do Holocausto. Em outras palavras: confunde propositalmente as duas coisas, aproximando-se bastante de opiniões antissionistas e mesmo antissemitas (não chega ao ponto de negar o Holocausto, mas não está muito longe disso). O fato de ser judeu e, além disso, filho de sobreviventes de campos de concentração nazistas, lhe confere, na opinião de muitos, uma "autoridade" especial para falar do assunto - como se, para falar mal do Brasil, por exemplo, a única coisa necessária fosse ser brasileiro. Por suas opiniões, Finkelstein já perdeu vários empregos universitários (é que lá, ao contrário daqui, eles dão importância ao que é ensinado nas salas de aula). Isso, aliás, pode ser uma vantagem para ele, afinal lhe dá um ar assim, como direi?, de "rebelde", de "mártir" - mesma pose que ele tanto condena nos sobreviventes do Holocausto. Enfim, mais uma "vítima do sistema" - e um perfeito delinquente intelectual.

Já falamos do homem. Falemos agora da obra. No tal trecho de artigo transcrito pelo leitor, Finkelstein afirma o seguinte: “Os registros existem e são muito claros. Qualquer pessoa encontra na Internet, na página do governo de Israel e, também, na página do seu ministério das Relações Exteriores. Israel desrespeitou o cessar-fogo, invadiu Gaza e matou seis ou sete (há controvérsias quanto ao número de assassinados, não quanto ao crime de assassinato) militantes palestinos, dia 4/11/2008. Depois, o Hamas respondeu ou, como se lê nas páginas do governo de Israel, ‘o Hamas retaliou contra Israel e lançou mísseis’".

Resumindo: para Finkelstein, foi Israel, e não o Hamas, o responsável pelo fim da trégua e pela recente guerra em Gaza. O mesmo pode ser dito, por dedução, de todos os conflitos ocorridos entre Israel e os palestinos: são os israelenses que dão o primeiro tiro, mediante uma provocação, e o outro lado apenas reage.

Eu poderia dizer que essa visão é desonesta porque o cessar-fogo entre Israel e o Hamas, acordado no ano passado, não significou, infelizmente, o fim das hostilidades, sobretudo do Hamas contra Israel. Mas tudo bem: admitamos, por um momento, que Finkelstein está certo, e que foi o lado israelense que deu o primeiro tiro. Isso significa que a culpa pelas mortes e tudo o mais é de Israel, certo? Nada disso. Para o grupo terrorista palestino, qualquer trégua com Israel é apenas temporária, uma oportunidade de reagrupar-se e preparar novos ataques contra Israel. Em outras palavras, o objetivo do grupo é EXTERMINAR ISRAEL E INSTALAR, EM SEU LUGAR, UM ESTADO ISLÂMICO. Parafraseando Finkelstein, os registros são muitos e são claros. Basta pesquisar na Internet.

Prossegue Finkelstein, em sua arenga contra Israel:

Quanto aos motivos, os documentos oficiais também são claros. O jornal Haaretz já informou que Barak, ministro da Defesa de Israel, começou a planejar o massacre de Gaza muito antes.

Vou deixar de lado a conversa de que Barak planejou a ofensiva "antes". Vamos supor - mais uma vez - que isso seja verdade. Nesse caso, o ministro da Defesa de Israel teria planejado com antecipação uma ação militar contra uma força que tem como objetivo último a destruição total de seu país. Estaria, portanto, cumprindo sua função, não acham? Mas essa não é a questão. Vamos nos concentrar nos números do "massacre": durante os dois meses que durou a ofensiva israelense contra o Hamas em Gaza, morreram 1.300 pessoas, muitas delas escudos humanos usados pelo Hamas - principal fonte de indignação da opinião pública (contra o Hamas? Não, contra Israel...). Isso numa área urbana reduzida e densamente povoada.
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É muito? É pouco? Não sei, nem sei se é moral raciocinar nesses termos. Sei apenas que, se a situação fosse inversa, a quantidade de mortos seria certamente multiplicada por dez, ou por mil. Não sei quanto a vocês, mas para mim os números da guerra revelam não um massacre indiscriminado contra a população palestina, mas uma alta dose de precisão e eficiência militares por parte de Israel - que não foi maior, infelizmente, devido ao costume dos islamofascistas do Hamas de usar suas próprias crianças e mulheres como escudos... Mesmo assim, Finkelstein chama o que Israel (e não o Hamas) fez de "massacre" - mesma denominação que ele acha ser "instrumentalizada" pelos judeus atualmente para extrair dividendos políticos ou monetários do Holocausto.
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Finkelstein:
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Quanto às principais razões do massacre [sic], acho, há duas. Número um: restaurar o que Israel chama de ‘capacidade de contenção do exército’, o que, em linguagem de leigo, significa a capacidade de Israel para semear pânico e morte em toda a região e submete-la mediante a pressão das armas, da chantagem, do medo.

Pois é... A capacidade de contenção de Israel é tão-somente - diz Finkelstein - a "capacidade de semear pânico e morte em toda a região e submetê-la mediante a pressão das armas, da chantagem, do medo". Trocando em miúdos: o uso da força por parte de Israel tem como finalidade não caçar e eliminar terroristas que explodem ônibus cheios de gente e disparam foguetes indiscriminadamente contra sua população, mas única e simplesmente levar medo e terror a todo mundo... Assim, por pura maldade. Gente má, esses israelenses, sem dúvida. Nem precisa dizer, mas eu digo assim mesmo: onde está, no texto de Finkelstein, alguma menção ao terrorismo do Hamas e ao objetivo declarado desse grupo de transformar Israel numa pilha de ossos fumegantes? Tudo se resume ao seguinte: Israel é mau, e ponto.

Mas o pior ainda está por vir, caro leitor. Vejam só o que Finkelstein diz:

A segunda razão pela qual Israel atacou Gaza é culpa do Hamas: o Hamas começou a dar sinais muito claros de que deseja construir um novo acordo diplomático a respeito das fronteiras demarcadas desde junho de 1967 e jamais respeitadas por Israel. Em outras palavras, Hamas sinalizou que está interessado em fazer respeitar exatamente os mesmos termos e conceitos que toda a comunidade internacional respeita e que, em vez de resolver os problemas a canhão e com campanhas de mentiras por jornais e televisão, estaria interessado em construir um acordo diplomático.

Creio que, depois disso que está aí em cima, fica faltando muito pouco sobre o que argumentar. É exatamente isso que vocês leram, minha gente: o Hamas, esse agrupamento de almas doces e gentis, queria "construir um acordo diplomático"... São amantes da paz e da diplomacia, uns verdadeiros anjos. Mas aí vieram os israelenses cruéis, com sua sede de sangue, e estragaram tudo... Que coisa, não?

Eu poderia repetir aqui pela enésima vez quais são os objetivos, nada secretos, do Hamas, mas aí eu estaria apenas repetindo a mim mesmo. Dou a palavra, portanto, ao próprio Hamas:

O Hamas quer “trabalhar para impor a palavra de Alá sobre cada centímetro da Palestina” (Artigo 6º) (detalhe: “Palestina” aqui, é a histórica: ou seja, o território que hoje inclui Israel, Gaza e Cisjordânia.) Essa formulação prega a destruição de Israel e a criação de um Estado islâmico, governado pela sharia (a lei muçulmana).

(Citando Maomé): “A hora do julgamento não chegará até que os muçulmanos combatam os judeus e terminem por mata-los e mesmo que os judeus se abriguem por detrás de árvores e pedras, cada árvore e cada pedra gritará: Oh! Muçulmanos, Oh! Servos de Alá, há um judeu por detrás de mim, venha e mate-o [...].” (Artigo 7º).

"Alá é a finalidade, o Profeta o modelo a ser seguido, o Alcorão a Constituição, a Jihad é o caminho e a morte por Alá é a sublime aspiração". (Artigo 8º)

O Hamas declara que a Palestina é um “Waqf”: terra sagrada e inalienável para os muçulmanos até o Dia da Ressurreição e que, pela origem religiosa, não pode, no todo ou em parte, ser negociada ou devolvida a ninguém (Artigo 11).

De onde eu tirei o que vai acima? Da CARTA DE FUNDAÇÃO DO HAMAS, de 1988, que é até hoje o principal documento do grupo, sem ter passado por nenhuma revisão. Ela é facilmente encontrada na Internet.

Que coisa meiga, não acham? E é esse o grupo que quer "construir um acordo diplomático..."

Na conclusão, o leitor que me mandou o artigo, impressionado pela argumentação persuasiva de Finkelstein, afirma o seguinte:

O artigo continua, mas creio já ter posto uma boa parte, para demonstrar uma opinião (baseada em fatos) bem diferente da tua, o que me fez colocar em dúvida boa parte do que você vem dizendo. Afinal, descobri que o Hamas foi eleito. Sim, eleito! Isso muda tudo. Há democracia entre os palestinos. Não são um bando de fanáticos terroristas como você vem dizendo. Depois também descobri que Israel promovia e, depois que Hamas foi eleito, aumentou ainda mais o bloqueio econômico aos palestinos. Isto é grave! E por último, descobri que Israel insatisfeito com a vitória democrática do Hamas, vem tentando derrubar este governo. Como explicar estes fatos???

São três as afirmações feitas no parágrafo acima. Vamos a cada uma delas (comento em seguida):

1) O Hamas foi eleito democraticamente; logo, existe democracia entre os palestinos;

2) Logo, o Hamas não é um grupo de fanáticos terroristas; e

3) Israel impôs o bloqueio econômico à Faixa de Gaza porque está insatisfeito com o resultado das eleições e a "vitória democrática do Hamas".

Vamos lá:

1) Sim, o Hamas foi eleito. Mas isso, ao contrário do que conclui o leitor, não muda nada. Por quê? Porque não basta chegar ao poder pelo voto, é preciso governar democraticamente. É isso, mais do que a simples eleição direta, o que caracteriza a democracia (essa é uma verdade tão elementar que me dá até uma certa vergonha ter de repeti-la aqui).
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Eu poderia citar o exemplo de Hitler, que chegou ao poder na Alemanha também pelas urnas, ou de Hugo Chávez, que está usando a democracia para destruí-la na Venezuela, mas acho esses exemplos históricos bastante manjados. Vou me limitar a lembrar o que o próprio Hamas vem fazendo, desde que foi democraticamente conduzido ao poder na Faixa de Gaza: intensificou seus ataques com foguetes contra Israel (só em 2006, ano em que tomou o poder, foram 4.000) e passou a fio de espada centenas de militantes da facção rival Fatah, no que foi, na prática, um golpe de Estado. Além disso, impôs um regime de absoluto terror sobre a população palestina da Faixa de Gaza, baseado na lei islâmica. Do mesmo modo, seus pistoleiros fuzilaram dezenas de palestinos acusados de "traição" logo após a saída das tropas israelenses, e continuam a fazê-lo. Democraticamente.
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Tudo isso, nem precisa dizer, são fatos, não opiniões. É só pesquisar (aliás, pergunto: por que nada disso mereceu o mesmo destaque e o mesmo tratamento das notícias sobre os bombardeios - fictícios, revelou-se depois - de Israel a escolas da ONU em Gaza? Por que não se viu nenhum protesto?). Portanto, dizer que "há democracia entre os palestinos" é concorrer ao prêmio Lorota do Ano. Há tanta democracia na Faixa de Gaza quanto há no Irã.

2) Dizer que a vitória do Hamas nas eleições torna legítimo seu governo - e os ataques contra Israel - já é demais. Afirmar que, por causa disso, o Hamas não é uma organização terrorista é simplesmente cometer um atentado contra a inteligência. É o mesmo que dizer que Hitler e os nazistas - a inspiração dessa gente - não eram racistas e genocidas. Afinal, eles foram eleitos democraticamente...

3) Israel não impôs o bloqueio a Gaza e não quer derrubar o Hamas porque está "insatisfeito com a vitória democrática do Hamas". Impôs o bloqueio e quer acabar com o Hamas porque este jurou varrer Israel do mapa. Fale-se o que se quiser de Israel, mas por favor não digam que Israel quer exterminar os palestinos (até porque, se o quisesse, já o teria feito) ou, então, convertê-los à força ao judaísmo. Não ver essa diferença é fechar os olhos para as diferenças entre os nazistas (e seus êmulos, os islamofascistas) e suas vítimas.

Resumindo, a situação é a seguinte:

- Há um país, Israel, que luta para garantir sua sobrevivência;

- Seus inimigos, como o Hamas, querem riscá-lo do mapa e usar as cinzas de sua população como fertilizante;

- Diante dessa ameaça clara e iminente, não resta outra coisa a Israel senão se defender, tentando prevenir ataques terroristas;

- Há uma legião de idiotas úteis e militontos que não levam nada disso em conta e acham que Israel é a encarnação do mal. Um deles é Norman Finkelstein.

Presumo que o leitor pretendia me convencer que estou errado ao defender Israel de quem quer aniquilá-lo, e que a razão está com o Hamas. Se foi esse o caso, sinto informar, mas o efeito foi exatamente o contrário: ele só me deu mais motivos para reforçar minha opinião. Israel tem o direito de existir e se defender. O resto é justificação da barbárie.

terça-feira, março 24, 2009

POR QUE DEFENDO ISRAEL

Como esperado, Israel está novamente sob fogo cerrado. Desta vez, não dos homens-bomba e dos mísseis do Hamas ou do Hezbollah - seus imimigos jurados que, com o apoio do Irã, querem riscar o país do mapa e sua população desta vida -, mas da ONU e de parte da imprensa mundial, para quem Israel, e não seus inimigos, representa o lado mau e perverso da humanidade. São duas formas de guerra: uma pelas armas, outra pelas palavras, mas com o mesmo efeito sobre os cérebros incautos - o ataque implacável contra Israel, a seu direito de existir e se defender.

Comecemos pela ONU, aquela organização que um dia existiu para defender a paz e a democracia no mundo e que hoje se dedica a ser uma mega-ONG e um clube de ditadores, na qual Israel e seu principal aliado, os EUA, estão sempre na berlinda, enquanto governos mimosos como o do Sudão obtêm apoio incondicional.

A nóticia de ontem, dia 23, diz que o relator especial da ONU para os direitos humanos (!), Richard Falk, apresentou um relatório no qual afirma que há razões suficientes para concluir que a recente ofensiva israelense na faixa de Gaza é "um crime de guerra de grande magnitude". Segundo Falk, a operação militar "não poderia ser realizada se não era possível distinguir os objetivos civis dos militares". A notícia informa que, segundo Falk, "é necessária uma investigação de especialistas para determinar se os israelenses podiam distinguir esses objetivos. Se não era possível, nesse caso a ofensiva foi, por natureza, ilegal e constitui um crime de guerra de grande magnitude segundo a legislação internacional".

Vocês entenderam? O que está aí em cima é o seguinte: como, segundo o relatório da ONU, não era possível distinguir entre civis e militares - PORQUE O HAMAS USA A POPULAÇÃO CIVIL PALESTINA COMO ESCUDOS HUMANOS, faltou dizer -, a ação militar israelense foi, portanto, ilegal, um crime de guerra etc. etc. Ou seja: não resta nada a fazer aos israelenses, a não ser permitir que o Hamas, USANDO OS PALESTINOS COMO ESCUDOS, continuem atacando Israel a seu bel-prazer. Desse modo, Israel continuará a mercê do terrorismo, mas pelo menos ficará de bem com a opinião pública internacional...

Em outras palavras: se os terroristas se infiltram entre a população civil, se usam velhos, mulheres e crianças como escudos humanos, isso é motivo não para que o país agredido reaja à altura e puna os responsáveis por atentados, mas não faça nada e desista de qualquer ação retaliatória. Guardadas as devidas proporções, é o mesmo que dizer que, como os traficantes cariocas se homiziam nas favelas, é ilegal e um crime a polícia ir atrás deles nesses lugares (aliás, durante muito tempo se pensou desse jeito - o resultado está aí para quem quiser ver). Incrível...

Fico pensando que "especialistas" seriam esses de que fala o relator da ONU. Seriam os mesmos que se "esqueceram" de admitir que o bombardeio de uma escola da ONU durante a ofensiva na Faixa de Gaza por tropas israelenses, que foi divulgado com estardalhaço em 6 de janeiro, causando uma onda mundial de indignação e furor anti-Israel ("Israel bombardeia escola da ONU em Gaza", diziam as manchetes de todos os jornais do mundo), simplesmente NÃO EXISTIU? Seriam os mesmos especialistas que se calaram diante do fato, revelado QUASE UM MÊS DEPOIS por funcionários da própria ONU, de que as bombas caíram fora do prédio, e não dentro, como foi amplamente noticiado? Alguém pensou em viés antiisraelense?
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Por falar em especialistas, gostaria de saber por que, até o momento, ninguém - ninguém mesmo! - falou em abrir uma investigação sobre o uso das instalações da ONU pelos terroristas do Hamas durante a ofensiva de dezembro/janeiro. Por que será?

Mas isso não foi ainda o que mais me chamou a atenção na notícia. Vejam o que segue: "Segundo Falk, o uso da força por Israel para acabar com os disparos de foguetes palestinos contra seu território --o motivo oficial das autoridades israelenses -- não é justificado do ponto de vista legal em função da existência de alternativas diplomáticas disponíveis."

É isso mesmo que vocês leram. Segundo o relator da ONU, há a possibilidade de negociações diplomáticas entre Israel e o Hamas... A ofensiva foi criminosa, segundo ele, porque, afinal, existem "alternativas diplomáticas disponíveis". Quais? Ele não fala. Assim como não diz uma palavra sobre com quem seriam realizadas as tais negociações - com o Hamas, que REJEITA QUALQUER NEGOCIAÇÃO E QUER DESTRUIR ISRAEL, vejam bem. É fora de questão que a diplomacia é preferível à guerra, em qualquer circunstância. Mas, para que seja praticada, uma condição básica é que os dois lados se reconheçam um ao outro e aceitem negociar. Israel aceita e defende a criação de um Estado palestino. E o Hamas, aceita a existência do Estado de Israel?

Agora, vejamos essa manchete de hoje, retirada, novamente, do site da Folha de S. Paulo: "General israelense admite que tática usada em Gaza provocou morte de civis".

Ao ler o que está acima, sem ler o que vem depois, um frio percorre a espinha. Fica-se pensando imediatamente que esses israelenses são mesmo uns assassinos frios e sujos, maus como pica-paus. A conclusão inevitável é que a ofensiva de alguns meses atrás não teve outro objetivo senão provocar um massacre, matar o maior número possível de velhos e crianças palestinos.

Quem ler apenas a manchete, e não o corpo de texto que a acompanha - a maioria das pessoas -, ficará com essa impressão, e sentirá vontade de aplaudir os homens-bomba palestinos. Mas basta ler a primeira frase do texto para perceber que as coisas não são tão bem-definidas assim: "Os esforços do Exército israelense para proteger seus soldados de fogo palestino na recente ofensiva militar israelense contra alvos do movimento islâmico radical Hamas, na faixa de Gaza, pode ter contribuído para mortes de civis inocentes." A frase é do General Tzika Fogel, segundo a FSP.
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Convenhamos, entre o pretérito perfeito ("provocou"), que expressa certeza de um fato ocorrido no passado, e o "pode ter contribuído para", que expressa possibilidade (pode ou não ter ocorrido), há uma grande diferença. A manchete está claramente fora de sintonia com a primeira frase do texto. Isso dá o tom da notícia, como se vê:

"Após enfrentar a condenação mundial devido ao número elevado de mortes no conflito de janeiro --ao menos 900 delas, civis-- Israel agora está sob pressão para justificar sua conduta, depois da série de reportagens do jornal israelense "Haaretz" com relatos de veteranos do conflito sobre assassinato de civis inocentes, vandalismo, além de um bilhete que ordena ataques a equipes médicas e a campanha dos rabinos do Exército para transformar a operação em uma "guerra santa"."

Já vou falar sobre os relatos de veteranos citados. Vou me concentrar, por ora, na "denúncia" de que haveria uma ordem superior para que os soldados israelenses atacassem equipes médicas. A própria notícia informa, e quem ler o Haaretz também irá perceber, que a "prova" existente desse crime de guerra é um bilhete encontrado numa casa palestina após o conflito. Isso mesmo: um bilhete, escrito em hebraico, segundo o qual os soldados de Israel deveriam mirar intencionalmente em médicos e enfermeiras... Acredito que nem mesmo os nazistas - para usar uma comparação tão ao gosto dos inimigos de Israel, para horror de quem ainda leva a História a sério - foram assim tão estúpidos, a ponto de deixarem registradas, por escrito, sua intenções homicidas. "Ordem do Dia: mandar bala nas ambulâncias" - somos levados a pensar que teria sido uma das determinações do alto comando israelense a seus soldados. E tudo por quê? Porque alguém encontrou um "bilhete" que insinua isso, ora!

Provavelmente - anotem o que eu estou dizendo -, daqui a alguns meses, será revelado que o bilhete foi forjado e que foi tudo uma farsa. Mas não vai adiantar nada: a essa altura, todos já estarão convencidos de que Israel é um Estado terrorista que manda seus soldados metralharem médicos e enfermeiros, assim como bombardear sem dó escolas da ONU apinhadas de gente. É a máquina de propaganda antiisraelense em ação.

Nada mais compreensível: afinal, é Israel, e não o Hamas, que está, segundo essa máquina de propaganda, em "guerra santa" contra seus inimigos. São eles, os israelenses - é a conclusão lógica decorrente -, os verdadeiros fundamentalistas (e também os verdadeiros terroristas). Quanto ao outro lado - o Hamas, o Hezbollah, o Irã -, todos sabemos, está aberto ao diálogo e à "negociação diplomática". É...

Tem mais. A mesma notícia da FSP repete a informação de que, segundo depoimentos de palestinos ao jornal britânico "The Guardian", existiriam "provas concretas" de que Israel cometeu crimes de guerra, "como o uso de crianças palestinas como escudo humano."

Deixemos de lado a fonte da informação ("segundo palestinos", hummmm...) e admitamos, por um momento, que ela é correta, e que os israelenses realmente tenham copiado a tática do Hamas, usando crianças como escudos humanos. Seria necessário admitir, nesse caso, que o Hamas estaria, portanto, preocupado com a vida das crianças palestinas. Sim, porque, se os cruéis e malvados israelenses usaram criancinhas como escudos, amarrando-as, por exemplo, aos tanques ou enfileiradas na frente de patrulhas, era porque sabiam que os militantes do Hamas, diante de tao covarde chantagem, iriam hesitar antes de abrir fogo. Em outras palavras: o Hamas, ao contrário daquela frase de Shimon Peres, se importa com suas crianças... A pergunta que fica é: se isso é verdade, porque o Hamas usou e abusou da tática de usar os civis palestinos, inclusive crianças, como escudos humanos, de modo a que fossem mortas no fogo cruzado, levando a opinião pública do mundo inteiro a se revoltar contra Israel (no que foram, aliás, muito bem-sucedidos)? Se os terroristas não têm escrúpulos em fazer isso, por que pensariam duas vezes antes de atirar contra um pelotão israelense com crianças à frente? A tática não faria sentido.

Poucas vezes vi cinismo maior do que esse: inverter os fatos de modo a mostrar os israelenses como terroristas e assassinos de crianças, e o Hamas como vítima dessa tática covarde. Aliás, se o Hamas se preocupa tanto com a vida das crianças, por que continua a lançar indiscriminadamente foguetes contra Israel, matando inclusive crianças do outro lado? Eu não sabia que eles eram tão humanistas, a ponto de perderam a chance de matar alguns soldados israelenses para não ferir crianças...

Volto ao tal general israelense, que segundo a FSP teria admitido excessos por parte dos seus comandados. De acordo com o jornal, ele descreveu como de praxe "considerar como potencial guerrilheiro do Hamas qualquer um que desobedecesse às ordens dos militares para deixar a zona de combate." A meu ver, um procedimento militar padrão em qualquer exército do mundo, numa zona urbana conflagrada: se o exército avisa que está entrando numa determinada área para caçar terroristas, e dá ordens à população civil para que deixem o local, avisando que quem não o fizer dentro de um determinado prazo será considerado um potencial inimigo, isso significa qualquer coisa, menos uma ação militar indiscriminada contra civis. Pode-se dizer muita coisa sobre a ofensiva israelense em Gaza, menos que foi um "genocídio", como cansei de ler na imprensa. O general afirmou ainda o seguinte: "os soldados israelenses ainda deveriam refletir antes de atirar e ter uma visão "razoável" de que a pessoa diante deles seria uma ameaça". Um verdadeiro massacre, não é mesmo?

O general acrescentou: "Se você quer saber se eu acho que ao fazê-lo matamos inocentes, a resposta é inequivocamente sim". Isso porque "Seria muito desonesto da minha parte se eu lhe dissesse que isso era impossível", disse ele à agência de notícias Reuters. A essa altura, o militante anti-Israel deve estar exultando: "Viram só? O próprio general reconheceu que morreram inocentes. Isso prova que a ofensiva israelense foi ilegal e um crime de guerra" etc.

Tem certeza? Prossegue o general:
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"Mas, se houve tais incidentes, eles foram excepcionais. Não era o clima geral nem a política [oficial]."
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E ainda:

"A lista de prioridades dos soldados israelenses [...] é primeiro levar os soldados seguros de volta para casa. Segundo, estamos determinados a ganhar. Terceiro, não somos assassinos. Nós não podemos criar uma situação na qual lutaremos sem princípios".
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A lista de prioridades do exército israelense é idêntica a de qualquer outro exército, de qualquer país. Já a lista de prioridades do Hamas, sabemos bem qual é. E ela não inclui nem a primeira ("levar os soldados seguros de volta para casa"), nem a terceira ("não somos assassinos"). Seu único princípio? Destruir Israel.
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Falando sobre qual será a reação do Exército de Israel daqui para a frente, disse o general Fogel: "Se tivermos um testemunho que mostra muito claramente que alguém se comportou de maneira inadequada e não fez a coisa certa, eu não tenho dúvidas de que haverá procedimentos legais".
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Ainda a notícia:

"O chefe das Forças Armadas de Israel, tenente-general Gabi Ashkenazi, também prometeu nesta segunda-feira (23) responsabilizar os soldados por qualquer ação anti-ética."

Trocando em miúdos: as autoridades militares israelenses vêm a público reconhecer a possibilidade de que seus subordinados tenham cometido abusos e se comprometem a investigá-los e a punir os responsáveis. Pergunto: quando veremos os líderes do Hamas fazerem o mesmo? Nunca!
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Não sei se, durante a ofensiva militar contra o Hamas em Gaza, os soldados israelenses cometeram excessos e mataram civis inocentes. Também não sei se, aqui e ali, algum deles perdeu o controle e, no calor da batalha, cruzou a linha que separa homens de feras. Acredito que sim, pois essa é uma possibilidade que aflige qualquer exército, em qualquer guerra. Só quem já esteve numa situação de combate, ou é suficientemente honesto para admitir que se trata de uma situação-limite, sabe que a probabilidade de atingir civis, por maiores que sejam os cuidados para que isso não ocorra, é uma constante, sobretudo se a zona de guerra é uma região densamente povoada e o inimigo não tem escrúpulos em usar a população como escudos humanos. Nessas circunstâncias, a expressão "crime de guerra" é algo até difícil de definir. É triste e doloroso, mas é uma realidade. Sei apenas que a morte deliberada de civis, se de fato ocorreu, está longe de ser uma política oficial israelense - ao contrário do Hamas, cuja política para Israel consiste em simplesmente tentar exterminar toda sua população. Sei também que, caso tenha havido abusos da parte de Israel, estes serão - na verdade, já estão sendo - investigados, e serão punidos. Diferentemente dos crimes de seus inimigos do Hamas, que são não investigados ou condenados, mas louvados por seus perpetradores. Para estes, as expressões "efeito colateral" ou "crime de guerra" não existem.

Há sessenta anos, Israel luta contra inimigos que não têm qualquer escrúpulo em usar o terrorismo para destruí-lo e exterminar sua população. E tem conseguido sobreviver graças a sua tenacidade, de forma quase isolada, contra a opinião de praticamente a unanimidade da opinião pública mundial. Nesse caminho, tem enfrentado não poucas calúnias e tentativas de manipulação por parte de grande parte da mídia, tanto árabe quanto ocidental, que fecha os olhos ou justifica descaradamente o terrorismo de grupos como o Hamas e o Hezbollah. E tem conseguido isso, buscando poupar a população civil palestina de maiores danos no fogo cruzado contra seus inimigos, muitas vezes ao custo da própria segurança, e embora nem sempre isso seja possível. E isso tudo sendo - na verdade, porque é - a única democracia do Oriente Médio.
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A capacidade da máquina de propaganda anti-Israel de distorcer os fatos e inverter a realidade, apresentando agressores como vítimas e vice-versa, é realmente infinita. Assim como infinita é a propensão de muitas pessoas a tomar como verdade qualquer coisa de ruim sobre Israel, colocando-se automaticamente do lado dos que querem varrê-lo do mapa, ou então, declarando-se candidamente neutros na questão, como se fosse possível ser imparcial diante de quem se defende e de quem quer reeditar o Holocausto. Ao contrário dessas pessoas, eu acredito que é legítimo se proteger de quem quer lhe despachar para o túmulo, e que não há neutralidade possível entre o pescoço e a forca. É por isso que defendo Israel.

sexta-feira, março 20, 2009

Uma notícia


Apenas uma notícia. Só isso. Ao lado dela, estava outra: "Obama envia mensagem de paz ao Irã". Nada a comentar (nem precisa).
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Blogueiro iraniano preso por ofender aiatolá morre na prisão

20 de março de 2009 • 10h54 • atualizado às 10h54

Um blogueiro iraniano acusado de insultar os líderes religiosos do país morreu na prisão após tomar uma overdose de medicamentos. Ele havia sido condenado, no mês passado, a 2 anos e meio de prisão, informou nesta sexta-feira o The Guardian.

Omidreza Mirsayafi, 29 anos, morreu na prisão de Evin, na quarta-feira. Ele foi condenado por publicar comentários ofensivos contra o líder supremo do país, Ayatollah Ali Khamenei.

Organizações de direitos humanos pediram que os oficiais da prisão sejam processados pela morte do blogueiro. Mirsayafi teria tomado doses elevadas de tranqüilizantes receitados por médicos da prisão. De acordo com um companheiro de cela, ele estava deprimido e havia tentado o suicídio anteriormente.

"Os líderes iranianos deixaram a administração do sistema carcerário para um grupo de oficiais incompetentes e cruéis", disse um membro da Campanha Internacional por Direitos Humanos no Irã.

Redação Terra

terça-feira, março 17, 2009

LULA, LOBISTA DE DITADORES

Todas as manhãs, ao chegar ao trabalho, abro minha caixa de e-mail. Por razões profissionais, sou obrigado a fazê-lo. Uma das mensagens, recebida diariamente, é uma página editada pela Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República (leia-se Franklin Martins), que canta as maravilhas do governo Lula.

Em geral, nem me dou ao trabalho de ler esse tipo de propaganda governista, de tão previsível e maçante que é. Mas acabei abrindo uma exceção. O assunto de hoje, dia 17, era a viagem de Lula a Washington, onde se encontrou com seu colega americano, Barack Obama. Sob o título "Presidente defende um novo olhar para [a] América Latina", a newsletter chapa-branca enumerou os diversos pontos discutidos entre Lula e Obama. No último ponto, intitulado "Cuba", o filho de Dona Lindu afirma o seguinte:

"Do ponto de vista da racionalidade humana, [não há] nada mais que impeça o restabelecimento das relações dos Estados Unidos com Cuba. Não é possível que a gente continue fazendo no século 21 políticas com o olhar do que aconteceu no século 20."

Uma das coisas que mais irritam no discurso do Apedeuta, além dos erros de português e das metáforas futebolísticas, é sua mania de revestir tudo o que diz, mesmo os maiores absurdos, com ares de absoluto ineditismo histórico ("nunca antes neztepaís") ou de suprema manifestação de bom-senso e de racionalidade iluminista ("Do ponto de vista da racionalidade humana"...). Apesar de tosca, reconheçamos, é uma tática eficiente. É uma maneira de desqualificar qualquer objeção, por mais bem fundamentada que seja, como inerentemente irracional - se o ponto de vista da racionalidade humana é que não há nada que impeça o reatamento entre Washington e Havana, então o ponto de vista contrário, isto é, contra essa aproximação, só pode ser, portanto, o da irracionalidade animal... Além do mais, é um jeito de dizer: "olha como somos modernos, ao contrário deles, que insistem em enxergar as coisas com as lentes da Guerra Fria; nós, sim, vivemos no século 21..." etc. etc.

Analisemos a afirmação do Apedeuta. Há nela duas ideias subjacentes: 1) Cuba só é o que é hoje por causa da intransigência da política dos EUA - ou seja, por causa do embargo econômico norte-americano à ilha (o tal "bloqueio"); e 2) logo, o fim do embargo e o reatamento de relações são as condições necessárias para a democracia na ilha.

Ambas as ideias, é claro, são falsas como quase todas as declarações do Apedeuta. Já tratei, aliás, desse assunto, como se pode ver aqui:
Vou apenas tentar resumir o que já disse a respeito.
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Em primeiro lugar, não foi por falta de diálogo por parte de Washington que Cuba se voltou para o lado da antiga URSS e se transformou numa ditadura comunista. Sabe aquele seu livro de História da oitava série que dizia que foi a política "agressiva" e "imperialista" dos EUA que "empurrou" o governo de Fidel Castro para o lado da ex-URSS e do comunismo? Pois é: pode jogar no lixo.

A ideia de que a ditadura castrista em Cuba é, de algum modo, o produto da ação dos EUA é uma daquelas mentiras que, de tão repetidas, acabam virando verdade, como dizia o Dr. Goebbels. Quando Fidel Castro tomou o poder, em 1959, foi com o apoio dos EUA e da CIA - que o viam, e ele se apresentava como, um líder democrata e anticomunista. Ao contrário do que diz a lenda esquerdista, o barbudo foi saudado pelo governo norte-americano, que lhe ofereceu inclusive ajuda econômica. Mas isso para Fidel não era suficiente: para ele, era o poder absoluto, ou nada. E qual melhor caminho para assegurar sua ditadura pessoal senão traindo os ideais democráticos pelos quais jurara lutar e se aliando aos comunistas? O próprio Fidel Castro, em entrevista a um jornalista brasileiro em 1985, admitiu, com toda a candura, que os EUA não tiveram nada a ver com a implantação do socialismo em Cuba, "pois do contrário teríamos que agradecer a eles", disse o Coma Andante, com aquele seu jeito meigo. Em resumo: A transformação de Cuba num Estado marxista e num satélite da ex-URSS teve a ver, isso sim, com a ambição política e a megalomania de Fidel Castro, que não hesitou em mandar seus ex-companheiros de luta contra Batista para o exílio ou o paredón e em instaurar sua própria ditadura pessoal, aliando-se à URSS. Isso tudo é História; se quiserem, estudem (mas não os livros de Emir Sader e Frei Betto, por favor...).
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Finalmente, por esse mesmo motivo, é uma balela dizer que Cuba é uma ditadura por causa do embargo. Ninguém é ditador por vontade alheia. A situação de penúria em que padece a população da ilha também não tem nada a ver com qualquer embargo - é o resultado, única e tão-somente, da falência do regime. Cuba já era um desastre econômico na época da mesada soviética.
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Já disse antes o que vai em seguida, mas não custa nada repetir: imaginem que Obama aceite acabar com o embargo e entregar a base de Guantánamo, cujo fechamento ele já anunciou, a Cuba. Em troca, o governo de Raúl Castro se comprometeria a liberar os presos políticos e realizar eleições livres, com vários partidos. Alguém consegue vislumbrar essa possibilidade?

Ao contrário do que ainda pensam muitas boas almas empedernidamente otimistas, não há qualquer sinal de que a ditadura cubana está avançando rumo à democracia e ao respeito aos direitos humanos. Desde que assumiu o controle do Estado no lugar do irmão, Raúl Castro vem implementando algumas pequenas reformas cosméticas - os cubanos já podem frequentar hotéis antes reservados aos turistas estrangeiros e já podem comprar celulares -, mas, no plano das liberdades políticas, a situação não se moveu um só milímetro. Pelo contrário: há alguns dias, Raúl Castro promoveu um expurgo nas altas fileiras do regime cubano, destituindo algumas figuras políticas que certamente representavam uma ameaça a seu poder pessoal, como o ex-presidente do Conselho de Ministros, Carlos Lage, e o ex-ministro das relações exteriores, Felipe Pérez Roque, apontados por muitos como prováveis sucessores de Fidel e vistos por alguns como uma esperança de abertura do regime. Lage e Roque foram obrigados a se degradarem em público, em sessões humilhantes de "autocrítica", no pior estilo stalinista. É com esse mesmo tipo de regime político que Lula acha que não há nada na racionalidade humana que impeça os EUA de se reconciliarem.

O fim do embargo dos EUA a Cuba é uma ideia cara a Lula. Foi a primeira coisa que ele pediu a Obama, assim que este foi eleito. O mesmo não pode ser dito de qualquer pedido por democracia na ilha. Se Lula se empenhasse em pedir o fim da censura e a liberdade para os presos políticos na ilha com o mesmo entusiasmo com que pede a Obama para levantar o embargo norte-americano à ilha, podem ter certeza: Cuba hoje já seria uma democracia.

Se depender de Lula, porém, isso não irá acontecer. Também, pudera: Lula e os irmãos Castro são velhos companheiros, participando juntos da mesma organização semiclandestina, semilegal, o FORO DE SÃO PAULO. Ambos os governos demonstraram toda sua sintonia em dezembro passado, na Costa do Sauípe, quando o governo Lula patrocinou a entrada de Cuba no Grupo do Rio sem mencionar, em momento algum, a palavra democracia. Daí a conclusão: as gestões de Lula junto a Obama em favor do restabelecimento EUA-Cuba não têm outra finalidade senão garantir a sobrevivência da tirania mais antiga do Hemisfério Ocidental. Nada mais do que isso.

É curioso como Lula adora falar contra o embargo dos EUA a Cuba e a favor do reatamento entre os dois países, mas nunca disse uma palavra sobre democracia ou direitos humanos na ilha caribenha. Talvez porque ele saiba, lá no íntimo, que enquanto os irmãos Castro estiverem dando as cartas na ilha-presídio, as esperanças de que Cuba se torne um dia uma democracia são mais do que remotas. Do ponto de vista da racionalidade humana, a probabilidade de isso acontecer é a mesma de um elefante voar tocando trombone.

segunda-feira, março 16, 2009

OS CRIMES DOS COMUNISTAS


É, lá vou eu de novo. Mais um texto sobre o comunismo e os comunistas? Mais um. Fazer o quê? Ao contrário da maioria das pessoas, que preferem assistir ao BBB, eu me interesso por História.

Está para ser lançado um livro que, espero, vai dar o que falar. É Elza, a garota, do jornalista e escritor mineiro Sérgio Rodrigues (Nova Fronteira). Por trás do título singelo, até juvenil, está uma das histórias mais escabrosas e, estranhamente, menos conhecidas da História do Brasil. Uma história que encerra importantes lições.

O livro, metade romance, metade reportagem, conta a trajetória de Elza Fernandes, codinome de Elvira Cupelo Colônio, jovem analfabeta do interior de São Paulo, com idade registrada de 21 anos (na verdade, tinha 16), que aderiu ao então ilegal Partido Comunista do Brasil em meados da década de 30. Elza era a companheira do então secretário-geral do PCB, Antônio Maciel Bonfim, codinome "Miranda". Como tal, ela foi presa junto com o amante pouco depois do fracassado levante comunista de novembro de 1935, a chamada Intentona Comunista, que eclodiu inicialmente em Natal e em Recife e foi decretada no Rio de Janeiro por ordem de Luiz Carlos Prestes e da Internacional Comunista, que enviara vários agentes para o Brasil com a missão de desfechar o golpe para a tomada do poder. Na violenta repressão que se seguiu, muitos comunistas e simpatizantes foram presos, como o próprio Prestes, e vários mortos. Elza Fernandes, talvez por ser menor de idade, foi logo solta.

Para a direção do PCB, era urgente achar um bode expiatório para o fracasso da revolta. Este foi encontrado na figura de Miranda, durante décadas apresentado pela versão oficial do Partido como o único responsável pela débâcle. Mas isso não era o suficiente para "lavar a honra" do Partido.

As sucessivas prisões dos militantes só poderiam ser o resultado de algum trabalho de infiltração, de alguma traição interna, acreditavam os comunistas. E quem se ajustava melhor a esse papel do que a companheira de Miranda, a jovem e ingênua Elza? Afinal, ela passara pouco tempo na prisão, tendo sido liberada logo em seguida... Em liberdade, ela visitou Miranda na cadeia várias vezes, e levara e trouxera mensagens do companheiro. Não demorou para que a direção do PCB, com Luiz Carlos Prestes à frente, chegasse à conclusão: Elza era uma traidora. Escondido na clandestinidade, Prestes deu o veredicto: Elza precisava morrer.

A sentença foi cumprida pouco depois: aos 16 anos de idade, a perigosíssima Elza Fernandes foi atraída a um encontro com membros do Partido, sendo então estrangulada e enterrada no quintal de uma casa de subúrbio no Rio de Janeiro. Não faltou sequer o detalhe macabro: antes de enterrá-la, os assassinos quebraram sua espinha, dobrando seu corpo em dois, para que coubesse no saco de aniagem com o qual a enterraram. Preso pouco depois do crime, em março de 1936, Prestes, o festejado "Cavaleiro da Esperança", cantado em verso e prosa, negou até morrer, em 1990, contra todas as evidências, que partira dele a ordem para matar Elza. Assim como negou até a morte que a intentona de 35 fora planejada na URSS, e que recebera dinheiro de Moscou para desfechá-la - fatos que se revelaram verdadeiros há alguns anos, como demonstra o livro de William Waack, Camaradas (Companhia das Letras, 1993).

A morte de Elza Fernandes é considerada a maior mancha na história do PCB. Mas não foi a única. Houve vários outros assassinatos - "justiçamentos", como prefere chamá-los essa turma - cometidos por militantes comunistas no Brasil, tanto de agentes da repressão (militares, policiais) como de outros militantes, acusados vagamente de traição. Quantos? Não se sabe. Há casos em que até a data e o nome da vítima permanecem desconhecidos. O militante Hércules Corrêa, que foi por anos do Comitê Central do PCB, narra em livro (Memórias de um stalinista, Ed. Ópera Nostra, 1994, página 73) um caso particularmente escabroso, de um membro do partido assassinado e cujo corpo foi derretido com ácido em uma banheira... Durante o regime militar, como se sabe, houve também vários casos de militantes de organizações armadas de esquerda que foram "justiçados" por seus próprios companheiros, como Márcio Leite de Toledo, fuzilado à queima-roupa em 1971, em pleno centro de São Paulo, por outros membros da ALN (Ação Libertadora Nacional). Como esse, houve vários outros casos, narrados por Jacob Gorender em seu livro Combate nas Trevas (Ed. Ática, 1987). Em todos eles - todos - não se comprovou absolutamente nada de concreto contra as vítimas; elas foram mortas com base não em provas, mas em meras suspeitas de traição, ou, como no caso de Márcio, de divergências com outros militantes. No mais absurdo deles, revelado recentemente em outro livro, um membro do PCdoB foi morto a tiros, na chamada guerrilha do Araguaia, após ter sido condenado à morte pelo "tribunal revolucionário" pelo terrível crime contrarrevolucionário de... ter um caso com outra companheira, casada com outro membro do Partido!

Por que nenhum desses casos, embora conhecidos em detalhes como o de Elza Fernandes - quem quiser saber mais, é só procurar na internet -, causa tanta indignação e tanto furor quanto os de comunistas ou seus simpatizantes mortos no Brasil? Por que o caso de Elza não teve, por exemplo, a mesma repercussão do de Olga Benario, a agente alemã da Internacional Comunista que teve uma filha com Prestes e que foi entregue por Getúlio Vargas para morrer num campo de concentração nazista na Alemanha, e que já virou até filme? (Aliás, o assassinato de Elza é até citado no filme que saiu recentemente sobre Olga Benario - bem en passant, claro, sem mencionar a responsabilidade direta de Prestes no episódio, como convém -, mas sem querer suscitar a mesma reação emocional na plateia. Pior: o filme, baseado no livro do quercista Fernando Morais, chega mesmo a flertar com a tese de que Elza era mesmo uma espiã infiltrada no Partido...). Enfim, por que o caso de Elza, apesar da abundância de provas, permanece até hoje relativamente pouco conhecido, visto mais como um embaraço do que um crime nefando?

A resposta, pelo menos para quem tiver um mínimo de interesse na História, não é muito difícil de encontrar. Os crimes cometidos pela esquerda, entre nós, sempre foram vistos com muito mais indulgência do que os de seus adversários de direita por um motivo muito simples: ao contrário da direita, a esquerda brasileira detém a hegemonia da vida cultural e intelectual do Brasil. Isso foi o resultado de um processo de décadas, que começou com o antigo PCB, e atingiu o ápice com o PT de Lula et caterva. Nem é preciso citar nomes aqui: todos os conhecem. Basta perguntar a você mesmo, que lê estas linhas, que autor você leu em sua aula de História ou de Ciências Sociais, ou que professor você teve no segundo grau ou na faculdade, que não era, ou não se declarava, um inimigo jurado das "elites" e do "imperialismo"... Compare-os agora com quantos autores você leu que eram abertamente "de direita".

Segundo a visão incutida em gerações pela intelligentsia esquerdista, ditaduras sempre são de direita, jamais de esquerda. Alguns dias atrás, dois professores da USP (portanto, de esquerda) causaram uma polêmica ao criticarem asperamente um artigo na Folha de S. Paulo que chamava de "ditabranda" o regime militar de 64 - os mesmos professores, curiosamente, não têm peias em negar a mesma classificação de ditadura a regimes como o de Cuba. Até hoje, aliás, há quem se recuse a chamar Fidel Castro, por exemplo, de ditador, a despeito do meio século de ausência total de liberdade na ilha de Cuba e dos quase cem mil cubanos que ele mandou para o túmulo. Sem falar, claro, em ícones da esquerda tupiniquim como Oscar Niemeyer, para quem Stálin era uma flor de pessoa, sempre a cantar a e dançar alegremente com seus amigos...

Logo, é natural que os crimes perpetrados pela esquerda, como o assassinato frio de Elza Fernandes, sejam considerados não como crimes, mas ora como "erros", um simples embaraço, ora como algo necessário. Jamais como o que de fato foram - assassinatos frios e covardes. Isso faz parte de um processo de desumanização do inimigo, que os comunistas são pródigos em identificar em seus adversários ideológicos, jamais neles próprios. Em outras palavras, segundo a visão esquerdista, as vítimas do PCB ou do paredón em Cuba não eram sequer seres humanos: eram inimigos de classe, e pronto. A morte deles, portanto, era uma "necessidade"; já a de qualquer comunista, ao contrário, é uma tragédia. Recentemente, o governo federal deu seu respaldo oficial a essa perversão moral: um livro publicado com estardalhaço pelo governo Lula apresenta, caso a caso, uma relação de todos os mortos por motivos políticos no Brasil nas mãos de agentes da repressão política do regime militar de 1964, e cujas famílias receberam fartas indenizações do governo por causa disso. Quanto às pessoas "justiçadas" pela esquerda no mesmo período, o livro não menciona nenhuma delas. É que os cadáveres escolheram o lado errado.

Assim como se manipula a História, manipula-se a linguagem. Em um processo semelhante à novilíngua de George Orwell, em seu livro 1984, assassinatos, quando praticados pela esquerda, não são assassinatos, mas "justiçamentos"; do mesmo modo, assaltos a banco, como os praticados pela esquerda radical nos anos 60 e 70, nos quais morriam inclusive inocentes transeuntes, não são assaltos, são "expropriações"... E assim por diante, quase ninguém discute esses termos. Já os crimes cometidos contra a esquerda são crimes mesmo. A questão é: por que somente eles?

Por tudo que está escrito aí em cima, um livro sobre um obscuro assassinato de uma pobre adolescente cometido a mando do maior ícone do comunismo no Brasil, mais de setenta anos atrás, é certamente muito bem-vindo. Demonstra que o mundo não é assim tão preto-e-branco quanto nos acostumamos a pensar que é, desde nossa mais tenra infância - ou talvez seja, mas com o sinal invertido.