quarta-feira, outubro 14, 2009

O BOITATÁ DE CAETÉS


Fábio Barreto é o Oliver Stone brasileiro. Quem é Fábio Barreto? É o diretor de Lula, o Filho do Brasil, hagiografia cinematográfica de Luiz Inácio Lula da Silva. Quem é Oliver Stone? É o diretor de South of the Border, filme-exaltação sobre Hugo Chávez, lançado algumas semanas atrás. Stone - que alguns chamam, maldosamente, de "Stoned" (chapado, em inglês) - fez questão de aparecer no último Festival de Veneza ao lado de seu ídolo bolivariano, enquanto este distribuía farpas contra as elites e os imperialistas e cantava as maravilhas do "socialismo do século XXI".

O filme sobre Lula, orçado em R$ 16 milhões, é o mais caro da história do cinema brasileiro. De acordo com algumas resenhas publicadas na imprensa, o filme não faz qualquer referência à política. Não fala dos bastidores das greves do ABC paulista, no final dos anos 70, nem nas disputas sindicais, nem na fundação do PT, nem na passagem apagada de Lula pelo Congresso, nem no mensalão, nem em José Dirceu, nem em Marcos Valério, nem em Delúbio Soares. Concentra-se, em vez disso, na "história de vida" de Lula, da infância pobre em Caetés até o chão de fábrica em São Bernardo do Campo, passando pela morte de Dona Lindu e pelos romances com Lurdes e Marisa Letícia. A idéia é arrancar a maior quantidade possível de lágrimas da platéia, faturar uma grana e, de quebra, colocar um pouco mais de açúcar no culto da personalidade lulista. No PT, já há quem sonhe que o filme poderá preparar o caminho para uma futura eleição de Lula para a secretaria-geral da ONU, ou para o Prêmio Nobel da Paz. Se Obama pôde, por que não Lula?

Um filme de R$ 16 milhões sobre Lula que não toca em política já é de se desconfiar. É algo assim como um filme sobre Hitler que não fala no Holocausto, ou sobre Stálin sem o Gulag, ou sobre Marlene sem Emilinha Borba. Mas isso não é o mais importante. A estréia do filme está marcada para o próximo dia 1 de janeiro. Em 2010 haverá eleições presidenciais no Brasil. A candidata de Lula é Dilma Rousseff. Quase ninguém no interior do Nordeste, de onde veio Lula, tem a menor idéia de quem é Dilma Rousseff. Nem mesmo a criação de uma sigla - o PAC -, especialmente para ela, parece capaz de fazer o povão ter alguma empatia por sua figura carrancuda de ex-guerrilheira Stela da VAR-Palmares. Mesmo assim, em alguns lugares, ela já começou a ser chamada de "a mulher do Lula". A estratégia de Lula é transferir sua popularidade a Dilma, fazendo-a sua sucessora. Dito de outro modo: ele quer não que o povo, mas que ele, Lula, eleja quem vai sucedê-lo. Um filme contando sua vida sofrida de retirante nordestino para São Paulo, ainda mais em ano eleitoral, vem bem a calhar para esse propósito. A idéia é que a campanha de Dilma Rousseff pegue carona no filme de Fábio Barreto. Se Lula é "o filho do Brasil", nada mais natural que Dilma seja "a mulher do Lula".
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Fábio Barreto nega que o filme sobre Lula tenha algum objetivo eleitoreiro. Cineastas, assim como atores, são mentirosos compulsivos. Oliver Stone também negou que seu filme sobre Chávez seja antiamericano. Benicio Del Toro, o ator que interpreta Che Guevara nos dois filmes de Steven Soderbergh, foi pego em entrevista gaguejando, tentando negar que seu personagem fuzilara pessoas inocentes. Do mesmo modo, Lula até hoje nega de pés juntos que sabia alguma coisa sobre o mensalão.
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Alguém poderia dizer que perco meu tempo falando mal de Lula. Que tenho uma obsessão por ele. Que servos discutem pessoas, e mestres discutem idéias etc. Também poderá afirmar, por causa do filme, que eu sou um insensível, sem coração. Não é nada disso. De fato, a pessoa Luiz Inácio não me interessa nem um pouco. Mas acontece que Lula não é uma pessoa. É uma idéia. É um mito. Uma lenda. Assim como o boitatá ou a mula-sem-cabeça. Assim como Hugo Chávez e Fidel Castro, seu grande ídolo, cujas glórias Oliver Stone também já cantou em um pseudo-documentário nas telas de cinema. Lula é parte do folclore da esquerda; sem esta, ele não existe.
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Oliver Stone já filmou as vidas de Richard Nixon e de George W. Bush - este último, um personagem fictício -, bem como de Alexandre, o Grande. Aguardo o dia em que ele fará um épico sobre Lula, com roteiro de Michael Moore e patrocínio da Petrobrás. Para quem acredita em boitatá e em mula-sem-cabeça, seria um prato cheio.

Um comentário:

Honório Salgado disse...

Gustavo,

você tocou num ponto fundamental: a inexistẽncia de Lula. Sim, Lula é apenas um personagem como Sancho Pança ou Macunaíma, personagem este representado pelo ator Luiz Inácio da Silva.