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sábado, maio 25, 2013

OS QUE SE ORGULHAM E OS QUE NEGAM


Quando foi criada, a assim chamada "Comissão da Verdade" foi bastante criticada por alguns jornalistas e historiadores não-alinhados com o projeto de poder lulopetista. Disseram, então, que a coisa seria uma inutilidade, um desperdício de dinheiro público. Mais que isso: seria uma tentativa de revanche, dirigida para rever a Lei de Anistia. Uma grande bobagem a serviço de interesses ideológicos, enfim.

Também compartilhei desse ponto de vista, e inclusive escrevi alguns textos a respeito. Neles, busquei mostrar que a Comissão - da qual, estranhamente, não faz parte nenhum historiador - não passaria de uma omissão da verdade, uma forma de escamotear os crimes da esquerda para impor a memória seletiva dos fatos e uma versão ideologicamente conveniente. Uma óbvia empulhação, destinada a reescrever cinicamente a História para que se adapte à propaganda esquerdista.  

Pois bem, faço aqui um mea culpa. Eu estava (parcialmente) enganado. Mais de um ano após sua criação, não é que a tal comissão mostrou que tem alguma utilidade? Vejamos.

Há alguns dias, falou perante a Comissão em Brasília o coronel reformado do Exército Carlos Alberto Brilhante Ustra. Na verdade, "falou" é maneira de dizer. Ele estava lá para depor, ou melhor, para ser massacrado por seus interrogadores, cumprindo o papel de homem mau, de rosto do porão da ditadura. Comandante do temido DOI-COI do II Exército em São Paulo entre 1970 e 1974, o período mais duro dos chamados "anos de chumbo" no Brasil, quando era então major, Ustra é acusado de ter ordenado e participado pessoalmente de torturas e assassinatos de vários militantes de esquerda. Um dos que passou por suas mãos, hoje vereador, estava presente em seu depoimento para apontar-lhe o dedo e chamá-lo de torturador, assassino etc.  Ustra, mesmo protegido por uma liminar que lhe dava o direito de permanecer calado, confrontou seus acusadores. Entregou-lhes, inclusive, um livro que escreveu, A Verdade Sufocada, no qual conta sua versão da História (o que inclui numerosos fatos que a esquerda gostaria que fossem esquecidos). Aproveitou para lembrar que a atual presidente da República participou de várias organizações terroristas (o que é, diga-se, um fato). Como esperado, houve bate-boca. Um verdadeiro circo, que logo desandou para o grotesco e o ridículo.

Se houve algo que o depoimento de Ustra comprovou é que a Comissão da Verdade, de "da Verdade", não tem nada. Desde o início, ficou clara sua finalidade revanchista: seus integrantes não perdem a chance de lembrar que querem rever a Lei de Anistia para punir os agentes da repressão - e somente estes. Além disso, o objetivo irrealista a que se propôs - investigar as violações dos direitos humanos ocorridas no Brasil de 1946 a 1988 - fez com que ela, previsivelmente, caísse na irrelevância, o que seus membros tentam compensar apelando para a criação de factóides. A "convocação" de Ustra para depor veio comprovar tal fato.

Paradoxalmente, isso já serviu para alguma coisa: desmascarar o caráter parcial e revanchista de tal iniciativa, que, a pretexto do repúdio a torturas passadas, visa, na verdade, a atender a interesses inconfessáveis do presente (José Dirceu e José Genoíno que o digam...). Mas os membros da comissão, ao convocar Ustra para depor, sem querer lhe deram ainda outra finalidade.    

Ustra é um torturador. Ou ex-torturador, como queiram. Seus crimes, que incluem, além de tortura, assassinatos e desaparecimentos, são por demais conhecidos e estão por demais documentados para serem ignorados. Mesmo assim - e aqui entro na questão central deste texto -, seu depoimento foi importante, principalmente por um detalhe: ele negou cada acusação que lhe foi feita. Negou que tenha torturado algum prisioneiro. Negou que tenha assassinado alguém. Negou, apesar da montanha de evidências em contrário, que o DOI-CODI era um centro de torturas. Negou que os militantes presos eram trucidados no pau-de-arara e na cadeira-do-dragão. Enfim, negou. Negou tudo.   

Chamo a atenção para esse fato - a recusa pertinaz de Ustra em admitir o que fez. Trata-se de algo da maior importância, que faz toda a diferença para o tema de que estamos tratando. Por quê? Porque, visto em comparação com o que dizem os remanescentes da esquerda armada, que praticaram atos de terrorismo como assassinatos ("justiçamentos"), sequestros e assaltos a banco, tal fato revela uma diferença fundamental entre os dois lados da disputa ideológica no Brasil de quarenta e tantos anos atrás. Ustra nega ter cometido qualquer delito. Já os ex-terroristas que ele combateu não somente não negam, como - notem bem! - se orgulham do que fizeram.   

Em outras palavras: Ustra, um ex-torturador, sabe que tortura, assassinato e ocultação de cadáver são crimes terríveis, e por isso nega tê-los cometido. Em seu íntimo, ele sente vergonha pelo que fez. Bem diferente de seus inimigos, que sentem não vergonha, mas orgulho de terem matado e ferido pessoas, muitas delas inocentes. Tanto que, não contentes em vangloriar-se por tais atos de barbárie, fazem questão de falsificar a História, tratando como "luta pela democracia" o que era, na verdade, a tentativa de instaurar, pela força das armas, uma ditadura marxista no Brasil. É isso o que faz, por exemplo, Dilma Vana Rousseff sempre que se pronuncia sobre o assunto.

Desse modo, os ex-militantes da esquerda armada (muitos dos quais, aliás, não abandonaram a militância) rejeitam qualquer sentimento de vergonha, emprestando ares heróicos a uma luta que foi, em essência, antidemocrática. Ao contrário dos ex-agentes da repressão, que ou se escondem ou, como Ustra, negam o que fizeram. Estes últimos, pelo menos, têm consciência de que tortura é algo moralmente errado e inaceitável. Os ex-terroristas, por sua vez, não demonstram qualquer sinal de arrependimento. Para eles, todos os meios - matar, sequestrar, jogar bombas, arrebentar a coronhadas o crânio de um prisioneiro - eram válidos para alcançar a revolução socialista. Mais que válidos, tais métodos eram louváveis. Revelam, assim, não possuírem qualquer senso moral. E ainda posam de democratas, exigindo ser - e são! - indenizados pelo Erário...

Essa diferença fica ainda mais marcante quando se compara a natureza dos regimes políticos pelos quais cada lado se batia. Como sabe qualquer pessoa que já leu algum documento de qualquer organização terrorista de esquerda atuante no Brasil de 1961 a 1979, o modelo da luta armada não era a Suécia ou a Dinamarca, mas países como Cuba, China ou a Coréia do Norte. Ou seja: ditaduras totalitárias, de partido único. Já a ditadura militar brasileira era um regime autoritário, que se auto-intitulava "de exceção", e chegou ao fim há mais de 25 anos. Bem diferente da ditadura comunista cubana, que já dura 54 anos, sem dar qualquer sinal de que vai acabar um dia (já tinha cinco anos de existência quando os militares derrubaram o governo de João Goulart, em 1964, e 26 quando o regime militar chegou ao fim, em 1985). Sem contar o número de mortos de cada lado: em Cuba, foram cerca de 17 mil fuzilados até agora (além de uma quantidade incontável de afogados ao tentar fugir da ilha-prisão, o que pode elevar o número de vítimas do castrismo para estratosféricos 100 mil cadáveres). No Brasil, foram 424 mortos pelos órgãos de segurança da ditadura militar (muitos deles, em tiroteios com agentes da repressão). Não são números que devem ser desprezados. Tampouco o objetivo dos militares de impedir que o Brasil se transformasse numa nova Cuba parece ter sido mero delírio ou paranóia (ao contrário do alegado caráter democrático da luta armada, na verdade um mito criado pela esquerda).

Ao negar fatos sobejamente conhecidos, Ustra certamente mentiu, mas demonstrou, pelo menos, algum resquício de vergonha. Colocou-se, assim, um degrau acima de seus acusadores na escala de valores da humanidade. Demonstrou, portanto, superioridade moral em relação aos ex-terroristas.  Com isso, a Comissão da Verdade, de forma involuntária, prestou um serviço ao esclarecimento da verdade histórica. Por vias tortas, já justificou sua existência.

sábado, setembro 22, 2012

MINHA PRÓPRIA COMISSÃO DA VERDADE


Agora que o Diário Oficial da União tornou público o que já era notório - que a tal comissão criada pelo governo para supostamente investigar as violações dos direitos humanos no Brasil nas últimas seis décadas não passa de um comitê para omitir os crimes da esquerda e reescrever a História nos moldes stalinistas -, resolvi eu mesmo fazer o que ninguém quer fazer e criar minha própria Comissão da Verdade. O que é melhor: sem nenhum ônus para o contribuinte. Faço-o de graça, por um dever de honestidade intelectual e por acreditar que a História é uma musa que deve ser tratada com respeito.

Por motivos óbvios, vou deixar de lado os casos que serão analisados pelos membros da dita comissão oficial. Além de já serem conhecidos à exaustão, sendo objeto de centenas de livros, reportagens e filmes, não quero criar nenhum problema de duplicidade de trabalho, concorrendo com Paulo Sérgio Pinheiro e Maria Rita Kehl. Vou, em vez disso, concentrar-me nos casos que não serão investigados, pois, conforme consta no DOU, não foram praticados por agentes públicos - logo, não se enquadram na definição de crimes contra a humanidade.

Antes de passar às vítimas fatais da luta armada no Brasil nos anos 60 e 70 - cerca de 120, inclusive militantes das organizações armadas de esquerda executados ("justiçados") pelos próprios companheiros (vejam aqui: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrissima/49213-o-lado-dark-da-resistencia.shtml)-, vou começar buscando mais informações sobre o seguinte caso, que até hoje permanece envolto em trevas: http://gustavo-livrexpressao.blogspot.gr/2011/11/alo-senhores-da-comissao-da-verdade.html.

Como se vê pelo exemplo acima - no qual não se sabe sequer o nome da vítima nem o ano de sua morte -, o trabalho de recontar os crimes cometidos pelos esquerdistas é uma tarefa bastante difícil. Isso porque a lista de mortos pela esquerda no Brasil é apenas tentativa, sendo bastante provável que haja mais mortos e, inclusive, desaparecidos dos que os que já se sabe que esta fez pelo caminho. Pelo menos enquanto os esquerdistas continuarem se recusando a abrir seus próprios arquivos, a relação de suas vítimas no Brasil estará incompleta. Ainda espero, por exemplo, saber exatamente o que Dilma Rousseff e José Dirceu fizeram nessa época. Quem sabe um dia...

Infelizmente, não será possível inclur na lista de crimes a serem pesquisados casos como o de Elza Fernandes, estrangulada aos 16 anos de idade a mando de Luiz Carlos Prestes, ou do jovem Tobias Warchavski, morto a tiros e decapitado no Rio de Janeiro (sua morte é até hoje motivo de controvérsia), ou do tenente do exército e participante da revolta de 35 Alberto Besouchet, ao que tudo indica eliminado pela política política da ex-URSS durante a guerra civil na Espanha, em 1936-39 (todas as vítimas, por sinal, militantes comunistas). Tampouco a tortura e assassinato do prefeito de Santo André, Celso Daniel, ocorridos em 2002, e as mortes suspeitas das testemunhas do caso (oito, até agora) serão investigadas. É que a comissão governamental vai tratar dos crimes acontecidos de 1946 a 1988, fora, portanto, do período em que tais delitos aconteceram. Também ficam de fora, por razões práticas, as vítimas inocentes que foram feridas e mutiladas em atentados cometidos pela esquerda armada, pelo simples motivo de estarem no lugar errado, na hora errada - e que, ao contrário de seus algozes terroristas, não receberam nenhuma indenização do Estado, sequer um pedido de desculpas daqueles que teimam em exigir que os militares se desculpem pelo regime de 64.

Também não vou analisar as mais de 100 mil mortes provocadas, direta ou indiretamente, pela ditadura comunista cubana e por movimentos terroristas de esquerda na América Latina, parte dos cerca de 100 milhões (e ainda contando) de cadáveres deixados pelo comunismo no mundo desde 1917: tal tarefa, além de impossível, seria redundante, pois está claro para qualquer ser vivente com um mínimo de inteligência que os esquerdistas brasileiros, hoje no poder, são no mínimo cúmplices morais desses crimes. Gente como Lula, Dilma Rousseff, José Dirceu, Franklin Martins, Frei Betto, Chico Buarque e Oscar Niemeyer, para citar alguns dos mais conhecidos, que jamais usaram sua fama e influência para dizer uma palavra de crítica ao que acontece em Cuba, por exemplo. Por suas palavras ou por seu silêncio, são co-responsáveis por essas mortes. Não é necessária nenhuma comissão para constatar esse fato óbvio.

Aí está, senhores. Se não gostaram do que vai acima, sugiro que reclamem não comigo, que não inventei nada do que está aí escrito, mas com os fatos.  Lamento se estes se mostrarem um tanto quanto teimosos e desobedientes. É da natureza dos fatos não se ajustarem a ideologias. Principalmente a uma ideologia que, a pretexto de investigar e reparar violações dos direitos humanos, quer fazer tábula rasa da História.

sábado, agosto 11, 2012

A FALSA MEMÓRIA DA DIREITA - UM TEXTO DE OLAVO DE CARVALHO

Como adendo a meu post anterior, reproduzo a seguir texto de Olavo de Carvalho. Trata-se da melhor análise disponível - na realidade, a única, até agora - sobre um fenômeno tipicamente brasileiro: a ausência, no Brasil, de uma direita que valha o nome. Tanto que os "direitistas" brasileiros (se é que existe algum) se resumem a alguns saudosistas do regime militar - a única "direita" que a maioria dos brasileiros conhece ou conheceu um dia.
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O texto confirma aquilo que venho dizendo neste blog há tempos: que o regime militar, apesar de alguns êxitos alcançados (particularmente na área econômica e no combate às guerrilhas), prestou um serviço inestimável à esquerda, ao decapitar toda uma geração de políticos de direita que fizeram o movimento de 64, substituindo o pensamento conservador pela tecnocracia e abrindo o caminho, assim, para a hegemonia cultural e ideológica da esquerda.  Os militares acabaram com partidos como a UDN de Carlos Lacerda, queimando as pontes que os uniam à sociedade civil, em nome de uma visão antipolítica e autoritária herdada do positivismo. O resultado foi um imenso vazio, logo preenchido pela esquerda. Estamos hoje colhendo os frutos desse erro histórico gigantesco.  
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É por essa razão que propostas como a da refundação da ARENA, o partido de sustentação política do regime militar, é um tiro na água. Pior: é um tiro no próprio pé. Se o objetivo é romper com o monopólio ideológico esquerdista e construir uma verdadeira alternativa conservadora de direita, o primeiro passo é se livrar do legado histórico do regime dos generais - e não reivindicá-lo, como querem alguns generais aposentados. É algo que deveria ser óbvio, mas em um país sem memória - ou melhor, com falsa memória, como diz o prof. Olavo -, afirmar o óbvio é a maior das heresias. (GB)  

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A FALSA MEMÓRIA DA DIREITA
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por Olavo de Carvalho

O positivismo nada tem de conservador: é, com o marxismo, uma das duas alas principais do movimento revolucionário.

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Dizem que o Brasil é um país sem memória, mas isso não é verdade: o Brasil é um país com falsa memória. Esquecer o passado é uma coisa, reinventá-lo conforme as ilusões do dia é bem outra. É desta doença que a memória do Brasil padece, e ela é bem mais grave que a amnésia pura e simples.
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Não, não estou falando da manipulação esquerdista do passado. Ela existe, mas é apenas um aspecto parcial da patologia geral a que me refiro. Esta infecta pessoas de todas as orientações ideológicas possíveis e algumas sem orientação ideológica nenhuma. Ela é um simples resultado da ojeriza nacional à busca do conhecimento, portanto à reflexão madura sobre o que quer que seja.
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Querem um exemplo de falsa visão do passado que não foi produzida por nenhum esquerdista? O País está cheio de almas conservadoras e cristãs que ainda idealizam o regime militar, como se ele fosse uma utopia retroativa, a encarnação extinta das suas esperanças.
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É verdade que os militares não roubavam, que eles fizeram o Brasil crescer à base de quinze por cento ao ano, que eles construíram praticamente todas as obras de infra-estrutura em que a economia nacional se apoia até hoje, que eles acabaram com as guerrilhas, que no tempo deles a criminalidade era ínfima e que os índices de aprovação do governo permaneceram bem altos pelo menos até a metade da gestão Figueiredo. Que tudo isso são méritos, ninguém com alguma idoneidade pode negar.
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Mas também é verdade que, tendo subido ao poder com a ajuda de uma rede enorme de instituições, partidos e grupos conservadores e religiosos, a primeira coisa que eles fizeram foi desmanchar essa rede, cortar as cabeças dos principais líderes políticos conservadores e privar-se de qualquer suporte ideológico na sociedade civil.
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Fizeram isso porque não eram conservadores de maneira alguma; eram indivíduos formados na tradição positivista – forte nos meios militares até hoje – que abomina o livre movimento das ideias na sociedade e acredita que o melhor governo possível é uma ditadura tecnocrática.
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Pois foi uma ditadura de militares e tecnocratas iluminados o que impuseram ao País por vinte anos, rebaixando a política à rotina servil de carimbar sem discussão os decretos governamentais. Suas mais altas realizações foram triunfos típicos de uma tecnocracia, seus crimes e fracassos o efeito incontornável do desejo de tudo controlar, de tudo reduzir a um problema tecnoburocrático, em que o debate político é reduzido a miudezas administrativas e a iniciativa espontânea da sociedade não conta para nada.
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O positivismo nada tem de conservador: é, com o marxismo, uma das duas alas principais do movimento revolucionário. Compartilha com a sua irmã inimiga a crença de que cabe à elite governante remoldar a sociedade de alto a baixo, falando em nome do povo para que o povo não possa falar em seu próprio nome.
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Tal foi a inspiração que acabou por predominar nos governos militares. Que dessem ao movimento de 1964 o nome de "Revolução" não foi mera coincidência, nem usurpação publicitária de um símbolo esquerdista, mas um sinal de que, por baixo da meta de derrubar um governo corrupto e devolver rapidamente o País à normalidade, tinham planos de longo prazo, ignorados da massa que os aplaudia e até de alguns dos líderes civis de cuja popularidade se serviram para depois jogá-los fora com a maior sem-cerimônia.
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Todas as organizações civis conservadoras e de direita que criaram a "Marcha da Família com Deus pela Liberdade", a maior manifestação popular da história brasileira até então, foram depois extintas, marginalizadas ou reduzidas a um papel decorativo.
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Como bons tecnocratas, os militares acreditavam piamente que podiam governar sem sustentação cultural e ideológica na sociedade civil, substituindo-a com vantagem pela pura propaganda oficial. Esta, por sua vez, era esvaziada de toda substância ideológica, reduzida ao triunfalismo econômico e à luta contra o "crime".
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Gramsci, no túmulo, se revirava, mas de satisfação: que mimo mais delicioso se poderia oferecer aos próceres da "revolução cultural" do que um governo de direita que abdicava de concorrer com eles no campo cujo domínio eles mais ambicionavam? Naqueles anos, e não por coincidência, o monopólio do debate ideológico foi transferido à esquerda, que ao mesmo tempo ia dominando a mídia, as universidades, o movimento editorial e todas as instituições de cultura, sob os olhos complacentes de um governo que se gabava de ser "pragmático" e "superior a ideologias".
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A esquerda, quando caiu do cavalo, em 1964, teve ao menos o mérito de se entregar a um longo processo de autocrítica e até de mea culpa, de onde emergiu a dupla e concorrente estratégia das guerrilhas e do gramscismo, calculada para usar os guerrilheiros como bois-de-piranha e abrir caminho para a "esquerda pacífica", na qual o governo militar não viu periculosidade alguma – até que ela, por sua vez, o derrubou do cavalo com o escândalo do Riocentro e a enxurrada de protestos que se lhe seguiu.
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Aqueles que, na "direita", ou no que resta dela, se apegam ao regime militar como um símbolo aglutinador, em vez de examinar criticamente os erros que o levaram ao fracasso, estão produzindo um falso passado. Não o fazem por esperteza, como a esquerda, mas por ingenuidade legítima, com base na qual a única coisa que se pode construir é um futuro ilusório.


terça-feira, julho 31, 2012

BOM MOTIVO, MÁ IDÉIA

Para muita gente, isso aí em cima é a única "direita" que conhecem

Li que uma estudante de Direito de 22 anos iniciou um movimento no Sul para ressuscitar a ARENA, o partido de sustentação política do regime militar de 1964. Inicialmente achei a idéia curiosa, para dizer o mínimo, ainda mais por surgir de pessoa com tão pouca idade, nascida depois do fim do regime dos generais – o simples fato de alguém tão jovem se interessar por Política com P maiúsculo, nos dias que correm, é uma grata surpresa. Principalmente por se tratar de uma proposta que destoa tão radicalmente do que se tornou habitual ver nas escolas e universidades brasileiras, que já se tornaram verdadeiras madraçais do pensamento único esquerdista, baseado num marxismo pé-de-chinelo que, de tão primário, encheria de vergonha o próprio Marx. Dizer-se de direita ou anticomunista no Brasil ainda é um tabu, um anátema, uma mácula para quem o faz. Por aqui, Stálin e Fidel Castro ainda têm mais admiradores do que Churchill ou Margaret Thatcher.

Pelo que li, acredito que a motivação da moça é boa. Palmas pra ela. Mas bons motivos e coragem para dar a cara à tapa não são garantia de boas idéias. Nesse caso, sinto dizer, a proposta de ressuscitar a ARENA, ainda que seja para provocar um debate, não é nada boa. É péssima.

É tão grande e tão sufocante a hegemonia da ideologia esquerdista no Brasil que qualquer tentativa de romper essa camisa-de-força é bem-vinda. O simples fato de alguém se insurgir contra essa lavagem cerebral coletiva, que já dura décadas, deve ser comemorado. Como já escrevi em varios posts (principalmente aqui: http://gustavo-livrexpressao.blogspot.gr/2011/04/por-que-nao-existe-direita-no-brasil-e.html), a inexistência no Brasil de um partido de direita, conservador ou liberal, é uma aberração, e constitui certamente o maior problema político do país na atualidade, a explicação para o fato de não termos oposição. A idéia de reconstruir um partido de direita é, assim, uma provocação, no bom sentido da palavra. Mas é preciso ter cuidado. As boas intenções, somadas à falta de conhecimento histórico, costumam gerar resultados contrários ao que se espera. No caso em questão, é quase certo que tal iniciativa vai levar mais água para o moinho da esquerda.

A autora da iniciativa, talvez pela pouca idade, comete uma série de erros. O primeiro e mais óbvio deles é considerar a ARENA um paradigma de política ideológica. Ora, ideologicamente, a ARENA (que virou PDS, PPR, PPB e PP) tinha a firmeza de princípios e a consistência de um pudim, não se distinguia da geléia geral da política brasileira. Criada após a extinção dos partidos políticos pré-64, era formada, principalmente, por áulicos do regime e pelos oportunistas de sempre, que enxergam na política uma profissão. Gente como Paulo Maluf, nomeado prefeito e depois governador de São Paulo pelo partido dos militares e que hoje está na base alugada do lulopetismo, dizendo-se mais comunista do que o Lula. Se é para ressuscitar um partido, que se ressuscite a UDN, que tinha lá seus defeitos (Roberto Campos dizia que era um "partido burro de homens inteligentes"), mas contava em suas fileiras com grandes oradores e polemistas como Carlos Lacerda – cassado pelo regime de 64, que criou a ARENA. A extinção de partidos como a UDN, aliás, foi um dos grandes erros dos militares, servindo apenas para decapitar uma geração inteira de políticos de direita e criar um vazio ideológico que a esquerda apressou-se a preencher depois. Tampouco um autêntico partido de direita, conservador ou liberal, teria espaço para integralistas – até porque havia muito mais em comum entre estes e os comunistas do que os últimos gostariam de admitir. Sem falar que o nacionalismo, pelo menos no Brasil, é uma ideologia mais afeita à esquerda do que à direita.

Além disso, convenhamos: a proposta de ressuscitar um partido, ainda mais um criado para dar apoio à ditadura dos generais, remete ao passado. Reforça, assim, simbolicamente, o estereótipo de direita como coisa ultrapassada e, pior, "reacionária", enquanto a esquerda se apresenta como "progressista". Acaba servindo, portanto, aos atuais donos do poder político e cultural.

Enfim, a idéia da jovem gaúcha é provavelmente bem-intencionada, mas é uma bobagem. Infelizmente. Apenas demonstra aquilo que venho tentando mostrar aqui há anos: que no Brasil ainda se desconhece o que seja direita. Ao tomar a velha ARENA de Maluf como referência, apenas serve aos propósitos mistificadores da esquerda.

segunda-feira, julho 16, 2012

UM ASSASSINO CHAMADO "CLEMENTE"

Um dos "justiçamentos" cometidos pela ALN: era assim que os "guerrilheiros" lutavam pela democracia...

O vídeo que pode ser assistido no link http://globotv.globo.com/globo-news/globo-news-dossie/v/ex-guerrilheiro-da-luta-armada-confessa-participacao-na-morte-de-um-companheiro/2020170/ é um documento importante para a História. É uma entrevista ao repórter da Globonews Geneton Moraes Neto, conhecido por suas reportagens investigativas (algo infelizmente cada vez mais raro na imprensa brasileira). O entrevistado é um senhor de 61 anos de idade chamado Carlos Eugênio Sarmento Coelho da Paz, professor de música. É aterrador.
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Carlos Eugênio é um ex-terrorista (ou ex-"guerrilheiro", como queiram). Ele foi membro do grupo Ação Libertadora Nacional (ALN), fundado pelo ex-deputado comunista Carlos Mariguella em 1967 e dizimado em 1973 pelos órgãos da repressão político-militar do regime ditatorial de 1964. Recrutado por Mariguella aos 18 anos, primeiro como membro de um grupo de fogo e depois como último comandante militar da organização, Carlos Eugênio, ou "Clemente" – o codinome que usava na clandestinidade – participou diretamente de algumas das ações mais sangrentas da chamada luta armada contra a ditadura militar no Brasil. Entre as ações armadas em que tomou parte e que narra em detalhes, esteve a execução do empresário dinamarquês Henning Albert Boilesen, acusado pelos grupos armados de esquerda de colaborar com a repressão. Boilesen foi assassinado numa emboscada no centro de São Paulo em 1971. Teve o corpo varado a tiros de fuzil e rajadas de metralhadora, sem chance de defesa. Saiu da arma de Carlos Eugênio o tiro de misericórdia. Ele justifica a ação afirmando simplesmente: "era um inimigo".
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Outra ação narrada por Carlos Eugênio, já relatada parcialmente em dois livros seus de memórias, é a tentativa frustrada de sequestro do comandante do II Exercito, general Humberto de Souza Melo, que por pouco não acabou num banho de sangue. Ele apresenta inclusive uma lista de "sequestráveis" pelas organizações armadas de esquerda, que incluía empresários e o embaixador do Reino Unido no Brasil, David Hunt (que jamais soube que estava cotado para ser sequestrado). Revela ainda um plano mirabolante do general cubano Arnaldo Ochoa Sánchez (fuzilado a mando de Fidel Castro em 1989) de invasão do Brasil por um grupo de 100 guerrilheiros cubanos, que se embrenhariam na floresta amazônica.
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Mas a parte mais estarrecedora da entrevista é quando Carlos Eugênio confessa um dos tabus da luta armada: o assassinato ("justiçamento", como ele diz) de um companheiro da ALN, Márcio Leite de Toledo, morto com oito tiros em São Paulo em 1971.
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O que estarrece não é o fato em si – a morte de Márcio Leite de Toledo pelos próprios militantes já era conhecida (os assassinos fizeram questão de deixar um panfleto no local “justificando” o homicídio). O que choca e causa perplexidade é a frieza com que Carlos Eugênio confessa ter participado da execução. Mais: sua insistência em justificar – isso mesmo: justificar – o crime. Márcio Leite de Toledo foi assassinado porque teria "vacilado" – era essa a expressão usada na época –, tendo proposto o fim da luta armada. Por isso, foi considerado "pouco confiável" pela direção da ALN, que decidiu exterminá-lo. Quando indagado sobre o fato, Carlos Eugênio respira fundo e diz: "isso eu nunca tinha falado antes" e "vou responder porque você está perguntando, né?". Depois de tentar justificar o injustificável, ele confessa ter sido um dos que dispararam, afirmando burocraticamente: "cumprimos a tarefa".
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"Cumprimos a tarefa"... É assim que a morte brutal de um ser humano, além do mais um membro da própria organização, é encarada: como uma "tarefa", nada mais. Como se fosse uma pichação ou algo do tipo. Aliás, Carlos Eugênio faz questão de frisar: foi uma decisão "da organização" (buscando, assim, eximir-se de qualquer responsabilidade). Foi o "coletivo", entenderam? Ele, Carlos Eugênio, só puxou o gatilho...
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Em nenhum momento, Carlos Eugênio se mostra arrependido do que fez. Pelo contrário: faz questão de justificar e enaltecer suas ações, citando até mesmo Clausewitz ("guerra é guerra" etc.). Ao ser lembrado que os ex-agentes do regime militar costumam usar a mesma frase para justificar a repressão, ele se enche de brios: "tortura não é combate". Tampouco o é assaltar bancos, sequestrar pessoas e assassinar os próprios companheiros. Mas Carlos Eugênio não se abala. "Sou um humanista", afirma a certa altura, com convicção.
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A partir de certo momento, a entrevista de Carlos Eugênio vira um pequeno comício, mostrando a luta armada do período como uma forma de "resistência democrática". "Foram eles que começaram", ele afirma, com veemência, referindo-se aos militares, aparentemente tomado de amnésia histórica: o projeto guerrilheiro da esquerda radical no Brasil, influenciado pela Revolução Cubana, é anterior ao golpe de 1964; além disso, os documentos de todas as organizações clandestinas de esquerda que pegaram em armas (todas, sem exceção) deixam claro que estas não visavam a restaurar a democracia representativa, que desprezavam, mas a substituir a ditadura dos generais por uma forma de ditadura comunista (como a de Cuba e da Coréia do Norte). Sem falar que, ao dizer que "todos os nossos atos foram esclarecidos", Carlos Eugênio parece também ter sido acometido de um surto de esquecimento. Basta dizer que até hoje não se sabe, exatamente, quantas pessoas foram mortas pela esquerda no período (o número gira em torno de 120). Existem casos, por exemplo, como o do guerrilheiro da ALN Ari Rocha Miranda, morto em circunstâncias misteriosas pela arma de um companheiro de organização, e cujo corpo permanece até hoje desaparecido. Se querem saber onde está o cadaver, perguntem a Carlos Eugênio Paz. Ele provavelmente sabe.
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Ao final da entrevista, quando perguntado se daria seu testemunho perante a recém-criada “comissão da verdade”, Carlos Eugênio afirma que sim, mas impõe uma condição: "aceito dar meu testemunho, mas não ser julgado pelo que fiz". Nem poderia. Pela Lei de Anistia de 1979 – a mesma que os revanchistas querem revogar – ele não pode ser julgado e condenado, tendo sido, aliás, indenizado como "perseguido político" e reintegrado ao Exército, do qual desertou em 1968, com a patente de sargento. De que julgamento ele está falando, então? Do julgamento da História. Para ele, assim como para alguns integrantes da tal comissão, os atos da esquerda armada estão acima do bem e do mal. Não devem ser discutidos – e ponto final.
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Agora vamos fazer, leitor, um pequeno exercício de imaginação: imagine que um ex-torturador do DOPS ou do DOI-CODI viesse a público confessar seus crimes. Imagine que ele buscasse justificá-los, afirmando que as vítimas eram inimigos e mereciam morrer, pois afinal "guerra é guerra". Imagine que ele buscasse se safar dizendo que era parte de uma máquina e que apenas seguia ordens. Imagine que confessasse ainda ter recebido assessoramento, nessa tarefa macabra, de agentes da CIA ou do FBI. E que não mostrasse, ao descrever essas atrocidades, nenhum sinal de arrependimento, exigindo de todos aplausos pelo que fez. E que, ainda por cima, se diga um democrata e um humanista. Preciso dizer mais?
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A entrevista de Carlos Eugênio Paz é um pilar a mais no edifício monstruoso de mistificação da História brasileira recente erguido pela esquerda. Não satisfeito em desumanizar as vítimas do terrrorismo e em edulcorar a luta armada, cobrindo-a com a aura heróica de "resistência democrática", o entrevistado ainda exige reverência por ter cometido atos como o assassinato de um companheiro de luta. Assim como uma certa presidente da República que até hoje não disse claramente o que fez quando militou em três organizações armadas de extrema-esquerda, ele quer que todos acreditem que lhe devemos o fato de vivermos hoje numa democracia, quando é ele que lhe deve a vida. Não se arrepende. Não pede desculpas. Vangloria-se.
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Nesse ponto, gente como Carlos Eugênio Paz se distingue moralmente dos torturadores e militares que participaram do combate à luta armada. Com efeito, estes até hoje se escondem, envergonhados. Os ex-terroristas, não. Pelo contrário: orgulham-se do que fizeram. E não aceitam que seus atos sejam colocados em questão. Em outras palavras: mataram, assaltaram e sequestraram, mas o fizeram por amor à humanidade, é o que estão dizendo. E não aceitam ser julgados – ou seja, criticados.
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O ex-terrorista Carlos Eugênio Paz, que jamais foi preso, mostrou-se impiedoso ao fuzilar inimigos e companheiros de luta em nome de uma causa totalitária. Agora, revela-se igualmente impiedoso ao massacrar a História. Nisso, ele não foi – não é – nada "clemente".

sábado, julho 14, 2012

A BATATADA DE CHICO BUARQUE



Alguns dias atrás, a Folha de S. Paulo divulgou alguns documentos secretos da repressão militar no Brasil. O título da matéria - deve estar por aí na internet - era mais ou menos assim: "Documentos comprovam como a ditadura perseguia artistas e intelectuais", ou coisa parecida.

Até aí, nenhuma novidade. A censura e perseguição que artistas como Chico Buarque e Gilberto Gil sofreram durante os anos 60 e 70 são de todos conhecidas. Mesmo assim, interessado que sou pelo assunto, resolvi ler a matéria. Eu já estava pronto a me indignar com a revelação de mais uma arbitrariedade dos milicos quando deparei com a história a seguir.

O ano era 1978 e a repressão política estava em seus estertores. Chico Buarque voltava de Havana, aonde fora participar do júri de um concurso literário. À época viajar para Cuba estava proibido - as relações diplomáticas estavam rompidas desde 1964 -, e o cantor carioca foi detido pela Polícia Federal no aeroporto e interrogado. À certa altura, irritado por aquela detenção arbitrária, o autor de "Carolina" disparou o seguinte projétil para  seus interrogadores. Cito a Folha:

Chico, no Dops, afirmou que não estava "realizado politicamente" no Brasil, onde "falta liberdade". "Em Cuba sim", disse à época, "há liberdade".
"Lá todos pensam da mesma maneira, pois todo o povo está integrado ao processo revolucionário. O Brasil, para atingir o socialismo, deveria passar por um processo revolucionário idêntico ao cubano. O mundo todo caminha para o socialismo. Inevitavelmente, mais cedo ou mais tarde, todos os países serão socialistas."

É isso mesmo que vocês leram: para Chico Buarque, deus e ícone da música e da cultura brasileiras, em Cuba havia liberdade. E isso - vejam só - porque todos pensam da mesma maneira, como na ex-URSS e na Coréia do Norte... Mais: o mundo todo caminhava para o socialismo. Pois é.

O país em que Chico Buarque dizia que faltava liberdade lhe permitia fazer proselitismo do regime comunista cubano até para os policiais que o interrogavam. Já a ilha em que ele estava realizado politicamente dava um tratamento bem diverso aos artistas que ousassem não cantar conforme a música ditada pelos irmãos Castro, como faz ainda hoje.

Contrariando a profecia do bardo, o mundo não se tornou socialista. O regime militar, felizmente, também não existe mais. A ditadura cubana, porém, permanece, já tendo entrado em sua quinta década de existência, sem nenhum sinal de que irá dar lugar, um dia, à democracia. Lá não há liberdade.

É por essas e outras que defendo a divulgação irrestrita de tudo que se refira  à época do regime militar no Brasil. Assim ficamos sabendo muita coisa sobre muita gente. Principalmente sobre quem sempre posou de defensor da liberdade mas estava se lixando para a democracia e os direitos humanos. E que nunca se retratou.

No Brasil, a ditadura pertence ao passado. Em Cuba, ela é o presente. Mas sou otimista. Um dia a ilha-cárcere será um país livre. Apesar de você, Chico Buarque.  

sexta-feira, abril 06, 2012

OS FALSOS TOLERANTES

Na foto acima, o momento em que um grupo de democratas e progressistas da esquerda argumenta com militares aposentados sobre o movimento de 1964, em frente ao Clube Militar no Rio de Janeiro: notem o alto nível do debate, o amor à democracia, a tolerância...

Há alguns dias, dois tarados foram presos no Sul por usarem a internet para incitar o ódio - racial, sexual, ideológico etc. - contra estudantes da UnB. Em mensagens explícitas, pregavam (e, parece, planejavam) um massacre no local. A polícia investiga, inclusive, se eles tinham algum tipo de relação com o assassino de 12 crianças no ano passado numa escola em Realengo, no Rio de Janeiro.

Nem precisa ir muito longe para perceber que se trata de dois imbecis, dois débeis mentais, que merecem mofar na cadeia ou numa instituição psiquiátrica. Mas a esquerda - sempre ela! - insiste em faturar em cima desse tipo de coisa. Aqui e ali aparece algum espertinho afirmando que os dois malucos seriam representantes da "direita", seja lá o que isso signifique no Brasil - país onde, como se sabe, todos são esquerdistas (é o mesmo tipo de gente que chama quem discorda deles de "proto-fascista", por aí se vê...).

Não é a primeira vez, e - podem anotar - não será a última, que casos como esse serão usados e abusados pelo pessoal da sinistra para promover uma empulhação. Basta lembrar, para citar um exemplo recente, de Anders B. Breivik, o assassino serial da Noruega apresentado como "extremista de direita" que, em seus delírios megalômanos, misturava Cavaleiros Templários com militância pró-gay (e que, descobriu-se depois, tinha feito treinamento militar na Rússia, mas isso também foi abafado). Outro caso, este mais recente, foi o do soldado americano que, num surto de loucura, chacinou 16 civis no Afeganistão. Ninguém parece se importar muito com o fato de que ele está preso e corre sério risco de ser sentenciado à morte - o importante, para fins propagandísticos, é que era um "imperialista ianque" matando mulheres e crianças indefesas. E a verdade? Ora, a verdade...

Em todos esses casos, o que menos importa para os esquerdóides e arautos do politicamente correto (o novo nome para a velha "linha justa" dos partidos comunistas) são os fatos. O importante, o que realmente os leva a escrever o que escrevem e a dizer o que dizem, é o "gancho" para destilar sua idiotia ideológica, ora tácita, ora escancarada.  E nisso eles são insuperáveis.

Para que os intelectualóides que, num laivo provavelmente masoquista, gostam de fustigar o capitalismo e o Ocidente, fossem considerados tolerantes seria necessário, em primeiro lugar, que viessem a público renegar o marxismo, uma ideologia genocida por natureza. Seria preciso que condenassem, de forma clara e sem meias palavras, o comunismo - o regime mais assassino da História, perto do qual o Terceiro Reich era uma confraria de amadores. 

Apresentam a realidade como se houvesse um bando de skinheads ou de tropas das SA espreitando em cada esquina, falando em "renascimento do fascismo" etc. e tal, mas se esquecem (será que é esquecimento mesmo?) que nazismo e comunismo foram ALIADOS antes de serem inimigos (já ouviram falar no pacto Molotov-Ribbentrop de 1939?).

Além disso, como considerar tolerante quem se recusa a dizer uma palavra sobre os presos políticos na ilha-prisão de Cuba? Ou sobre os enforcamentos de opositores no Irã? 

E quanto ao terrorismo islamita: quando vão parar de atacar Israel e de se colocar, na prática, ao lado dos genocidas do Hamas e do Hezbollah, verdadeiros - aqui sim o termo se aplica - fascistas islâmicos?  

Quando vão parar de tentar achar desculpas e "explicações" para atentados terroristas como os cometidos por Mohammed Merah na França (que já está sendo considerado uma "vítima", vejam só...)?  

Eis a verdade inconveniente, que os esquerdistas fazem de tudo para esconder: eles e seus simpatizantes não têm o direito de abrir a boca para falar em tolerância. Não enquanto continuarem silenciando sobre regimes totalitários e criminosos genocidas.

Para que tivessem esse direito, deveriam primeiro se livrar do ranço ideológico que os faz bater palmas ou ficar indiferentes à falta de liberdade em países como Cuba. Deveriam, antes de mais nada, adotar uma postura clara de defesa da democracia e dos direitos humanos como valores universais e inegociáveis. Em vez disso, enchem-se de indignação contra ditaduras passadas, como a dos militares brasileiros ou a de Pinochet no Chile, mas não dizem uma palavra sobre a ditadura presente dos irmãos Castro (a não ser para pedir "equilíbrio" aos que a criticam...). 

Ainda por cima, aplaudem uma "comissão da verdade" feita por revanchistas que querem rasgar a Lei de Anistia e punir os que os perseguiram, enquanto escondem deliberadamente os crimes da esquerda armada, repetindo a mentira de que os "guerrilheiros" não eram terroristas e lutavam por democracia. Não contentes, não vêem nenhum problema em um bando de fascistas de esquerda impedir, na base do sopapo e da cusparada, um debate - sim, um debate! - de militares reformados sobre 1964. E ainda falam em democracia!

Enquanto os "intelequituais" da esquerda aguada e pró-dilmista não tiverem a hombridade de admitirem o que está aí em cima, qualquer palavra deles sobre tolerância terá tanto valor quanto uma nota de 25 reais. São tão tolerantes quanto os que veneram e sobre os quais silenciam.
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E o pior é que esses mesmos adoradores do ódio e da morte, que NEGAM A PLURALIDADE, ainda fazem pose de "progressistas" e de "humanistas". É muita cara de pau!
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Tão nocivo quanto o militante esquerdopata e raivoso é o intelequitual da esquerda aguada e nenhumladista. Aliás, este último é pior, porque mais dissimulado e, portanto, mais desonesto. Para esse tipo de charlatão, assim como para todos os inimigos da democracia, não se deve ter nenhuma tolerância.

segunda-feira, dezembro 12, 2011

A FOTO E A FARSA (OU: POR QUE NÃO SOU CONSPIRACIONISTA)

Vai um pouco de fogo amigo aí?

A foto divulgada alguns dias atrás pela revista Época, mostrando a jovem Dilma Vana Rousseff depondo perante um tribunal militar aos 22 anos de idade, em 1970, está dando o que falar. Dediquei meu último texto ao assunto, tentando deixar claro que se trata de mais uma formidável empulhação esquerdista para alimentar o mito da "guerrilheira heróica" – uma mentira que a própria Dilma faz questão de alimentar, recusando-se a dizer exatamente o que fez nessa época (é o único caso na História, repito, em que alguém se orgulha de um passado que tenta esconder). Não me refiro à foto em si, que – faço questão de frisar – considero verdadeira (pelo menos assim parece), mas ao embuste histórico que os esquerdistas querem vender junto com a mesma.

Pois bem. Já chego lá. Antes, porém, quero lembrar um fato.

Dois anos atrás, surgiu na internet o boato de que a blogueira cubana Yoani Sánchez, uma das maiores vozes de oposição à ditadura dos irmãos Castro em Cuba, seria agente do próprio regime (ou coisa que o valha). O rumor partiu de um grupo de exilados cubanos de Miami, anticastristas ferrenhos. Por algum motivo, eles não gostam de Yoani, ou a consideram uma concorrente, ou não a acham anticastrista o suficiente, sei lá eu. Alguns blogueiros no Brasil, por ingenuidade ou não, compraram a idéia, e passaram a divulgá-la. Muito bem. Que prova havia para balizar essa afirmação? Nenhuma. Nenhuma? Nenhuma mesmo. Nada? Nadica de nada. Enquanto isso, Raúl e Fidel Castro devem ter dado boas gargalhadas com a coisa toda, vendo seus opositores se digladiando sobre essa questão. Escrevi sobre o assunto, sobre o qual fiz até um desafio, que permanece, aliás, sem resposta: (http://gustavo-livrexpressao.blogspot.com/2009/11/ainda-yoani-sanchez-ou-irracionalidade.html).

Citei o exemplo acima porque vejo algo parecido repetir-se agora, guardadas as devidas proporções, no caso da "foto da Dilma". Aqui e ali, vejo alguém levantar a hipótese de que a foto seja uma montagem. Levantar a hipótese, não: afirmar, taxativamente e sem sombra de dúvida, que a imagem é uma grosseira falsificação. Alguém teria retocado a foto, do mesmo modo que Stálin costumava mexer em antigas fotografias, delas apagando seus desafetos depois de mandar fuzilá-los.

É uma grande bobagem. Os "argumentos" apresentados pelos que dizem que a foto é falsa são de uma fragilidade constrangedora. Um deles seria o de que não haveria motivo para os militares na foto estarem cobrindo os rostos. De fato, motivo não há, assim como não havia motivo algum para posarem para a fotografia. É provavel que eles estivessem ocupados lendo o processo à sua frente, ou simplesmente cansados. É provavel que o momento e o ângulo da fotografia não os tenham favorecido. Já vi fotos minhas em que apareço com cara de raiva, quando estava rindo, e vice-versa. Enfim, há várias probabilidades.

Outro "indício" de que a imagem teria sido manipulada: tais fotos não eram tiradas durante esse tipo de interrogatório judicial, afirma-se. Aqui, nem preciso dizer nada. Basta mostrar:



A foto acima mostra o jovem Fernando Gabeira, de bigode e então militante do MR-8, sendo julgado por sua participação no sequestro do embaixador dos EUA, Charles B. Elbrick, ocorrido em 1969. A foto é mais ou menos da mesma época da foto em que Dilma estava sendo interrogada pelos militares. Nem precisa dizer, mas cada um nela vê o que quer. (A propósito: Gabeira fez a autocrítica dos anos de luta armada, ao contrário de Dilma.)


Eu não sei se a foto de Dilma depondo na Justiça Militar é autêntica ou não. Faltam-me os instrumentos técnicos necessários para fazer qualquer afirmação a respeito. Pessoalmente, acredito que sim, pois não vejo motivos para que seja falsa, embora esta seja uma opinião minha, pessoal, que pode ou não ser confirmada. Uma coisa, porém, não posso, nem devo, fazer: sair por aí gritando que a foto foi manipulada. Simplesmente digo que não sei, e pronto. Afinal, não sou especialista em fotografia.


Além do mais, se a foto é verdadeira ou retocada, é algo que não tem a menor importância. A mistificação não está na foto em si, mas na história (ou melhor: estória) que estão querendo colar nela. O photoshop não está na foto, mas no mito que estão tentando criar.


Para ficar mais claro: ainda que mostrem uma foto de Dilma sendo pendurada no pau-de-arara, ou recebendo choques elétricos na cadeira do dragão, a versão de que ela foi presa e torturada porque era uma lutadora pela democracia continuará sendo mentirosa, uma verdadeira afronta à verdade histórica. Isso porque democracia jamais esteve nos planos da luta armada.


Não é preciso exagerar os fatos para mostrar que os esquerdopatas desvirtuam a História para que se encaixe em seus próprios interesses. Do mesmo modo que não é preciso bater palmas para a repressão policial-militar, ou justificar a tortura, para condenar o que a esquerda armada fez como terrorismo. Os fatos bastam. E os fatos são os seguintes: a luta armada de esquerda, da qual a jovem Dilma fez parte, não queria democracia. Assim como os militares que a combateram, diga-se. Ambos os lados – terroristas e torturadores – eram inimigos entre si, mas partilhavam o mesmo ódio e o mesmo desprezo pela liberdade. E mataram pessoas. Os que foram mortos pela repressão são hoje homenageados e suas famílias recebem indenizações do Estado. Os que morreram sob os tiros e bombas da esquerda não são sequer lembrados.


É uma atitude saudável manter-se cético em relação ao que a esquerda diz a respeito de si mesma, ainda mais quando se trata de História. É preciso desconfiar, sempre. Mas uma coisa é um ceticismo racional, baseado em provas; outra coisa, totalmente diferente, é a negação pela negação, baseada tão-só na antipatia ideológica. Não raro, esse tipo de atitude irracional e ideológica (no pior sentido) acaba servindo aos propósitos de quem visa combater. O maior aliado da esquerda mitômana é uma direita burra e despreparada. O exemplo acima mostra por quê.


Tudo que a esquerda mais quer é um pretexto para desqualificar seus adversários como um bando de malucos e conspiracionistas. Com isso, espera alimentar os próprios mitos e deturpar a verdade histórica, apresentando-se como um paradigma de equilíbrio e racionalidade (ou, no caso em questão, como heróicos lutadores pela liberdade e pela democracia, o que é uma ofensa à inteligência). É uma pena que alguns, movidos por justa indignação pelas lorotas dos esquerdistas, acabem caindo no jogo deles.

sábado, dezembro 10, 2011

MORTOS SEM PEDIGREE (OU: O REVISIONISMO HISTÓRICO ESQUERDISTA EM AÇÃO)

Dilma depondo em 1970, aos 22 anos: a foto pode até ser autêntica, mas a História está cheia de photoshop

De todas as manobras ideológicas destinadas a falsear a realidade empregadas pelos militantes de esquerda, a revisão da História é, certamente, a mais desonesta. A mais deplorável. A mais canalha.

Recentemente, dois fatos deram um impulso adicional a esse processo revisionista em curso no Brasil.

O primeiro foi a criação de uma "comissão da verdade" teoricamente encarregada de investigar casos de violações dos direitos humanos ocorridos no país de 1946 a 1988.

Ao que tudo indica, porém, a tal comissão vai se dedicar somente a expor um lado da moeda, omitindo deliberadamente os crimes cometidos pela esquerda, como sequestros, assassinatos, explosões de bombas etc.

Seguirá, assim, o caminho trilhado por outra comissão - a da anistia - que se dedica, há anos, a contemplar com gordas indenizações famílias de guerrilheiros e ex-presos políticos, muitos dos quais autores de atentados cujas vítimas jamais receberam um centavo, ou mesmo um pedido de desculpas, da mesma comissão.

Nesse sentido, a tal "comissão da verdade" parece espelhar-se naquela criada recentemente pela presidente argentina Cristina Kirchner, com a missão de reescrever o passado da Argentina em termos peronistas, e cujo nome já diz tudo: "comissão de revisionismo histórico"...

Outro fato é uma fotografia, que permanecia até agora inédita, em que a futura presidente Dilma Vana Rousseff aparece sendo interrogada num tribunal militar em 1970, aos 22 anos de idade.

Aparentemente autêntica - pessoalmente, acredito que a foto é verdadeira, sem intervenção de photoshop -, a imagem certamente será usada à exaustão pela propaganda oficial para reforçar o mito da guerrilheira que enfrentou a ditadura etc.

O contraste, em preto-e-branco, da então camarada Stela, de cabeça erguida, e os militares que a interrogam cobrindo o rosto, como que envergonhados, cai como um luva para uma campanha de mistificação, mostrando Dilma como uma heroína da luta pela democracia, perante um tribunal de cruéis inquisidores fardados etc. etc. A versão, até agora unilateral, portanto impossível de ser confirmada, de que ela foi torturada (ainda mais por 22 dias, o que é improvável) reforça a imagem de Joana D'Arc revolucionária.

Assim como aconteceu com o mito do ex-operário "formado na escola da vida" que não trabalha desde 1975 e que só não estudou porque não quis, está em andamento o mito da guerrilheira heróica que ninguém sabe ao certo o que fez.

Quase ninguém se lembrará do motivo por que Dilma, afinal, foi presa e condenada a três anos de prisão: sua participação (que ela chama de "crime de organização") em três grupos terroristas de extrema-esquerda - COLINA, VPR e VAR-Palmares - que praticavam assaltos a bancos ("expropriações", na novilíngua criada pela esquerda radical), atentados à bomba ("avisos"), seqüestros ("capturas"), e assassinatos ("justiçamentos"), entre outros crimes que configuram terrorismo ("guerrilha", segundo o vocabulário politicamente correto).

Também quase ninguém recordará que, de democrática, a luta dessas organizações armadas não tinha nada: pelo contrário, como deixam claro os documentos da época produzidos pelas próprias organizações armadas de esquerda (e reunidos por Daniel Aarão Reis Filho e Jair Ferreira de Sá no livro Imagens da Revolução), o que as guiava não era o desejo de restaurar as liberdades democráticas, que desprezavam como "burguesas", mas, na verdade, a revolução socialista.

Era, enfim, o desejo de transformar o Brasil, então dominado por uma ditadura militar de direita, em uma ditadura de esquerda. Tal como em Cuba ou na Coréia do Norte, países dos quais a luta armada no Brasil recebeu, aliás, auxílio material, em dinheiro e treinamento.

A propósito: precisa dizer qual seria pior - a ditadura autoritária dos generais (que já acabou há anos) ou a ditadura totalitária do partido (que permanece nesses países)?

(Um parêntese: no ano passado, o historiador Carlos Fico tentou na Justiça a liberação de documentos do antigo DOPS sobre a então guerrilheira Dilma Rousseff. Por força de mandado judicial, o STM impediu a divulgação dos documentos.

Eis a oportunidade de ouro para a presidente Dilma mostrar seu compromisso com a transparência e com o resgate da verdade. Se seu passado é assim tão glorioso, por que ela se empenha tanto em impedir que ele venha à tona? Fecha parêntese.)

Lembrar esses fatos, como já escrevi aqui, tem sido um tabu no Brasil. Graças a décadas de hegemonia ideológica esquerdista, a versão da História que se tornou oficial e corrente contempla um lado apenas, o dos "vencidos".

Trata-se de um processo de apagamento seletivo da memória, à moda stalinista. Como tal, é um dos maiores exemplos de seqüestro da História e de desonestidade intelectual de que já se teve notícia.

É o mesmo processo que está por trás do fato de que simplesmente lembrar, por exemplo, os mais de 100 milhões de vítimas fatais do comunismo no século XX seja visto como uma forma de minimizar ou mesmo de justificar as atrocidades "de direita", nazistas ou militares. Como se criticar o Gulag e o paredón significasse enaltecer Auschwitz!

De maneira semelhante, recordar que houve crimes de morte também por parte dos que pegaram em armas contra o regime de 1964 é considerado uma justificativa ou um elogio da repressão policial-militar do período. Como se condenar o terrorismo fosse o mesmo que aprovar ou aplaudir a tortura de presos políticos...

O resultado dessa manipulação histórica, além da óbvia mistificação, é que qualquer comparação entre regimes e ideologias passa a ser proibida. Assim, afirmar que o comunismo matou mais, e com muito mais requintes de sadismo, do que todos os regimes de direita juntos, e mesmo que exterminou mais comunistas do que seus inimigos de classe - vejam os expurgos stalinistas, ou a "revolução cultural" maoísta -, é visto não como simples enumeração de um fato histórico objetivo, mas como ofensa e propaganda, como sinônimo de "reacionarismo".

Subjacente a isso está, obviamente, o aniquilamento de qualquer senso de proporcionalidade. Mal passa pelo cérebro dos que se opõem a qualquer comparação que comparar não é o mesmo que desculpar ou absolver. Se fosse assim, o Direito Penal, que pune com penas diferentes crimes diferentes, de acordo com a gravidade do crime e com o número de vítimas, deveria ser, portanto, extinto. É algo que, de tão óbvio, chega a me dar certo constragimento em mencionar.

Claro, sempre haverá quem se recuse a comparar os crimes de parte a parte, negando-se a fazer "contabilidade macabra" pois afinal "uma vida é uma vida" etc. Quem assim procede só pode fazê-lo por cinismo ou por ingenuidade, eivada de sentimentalismo barato.

O mesmo argumento - "uma vida é uma vida" - é brandido pelos que não se cansam de recordar os cerca de 3 mil mortos pela ditadura de Pinochet no Chile, ou os 30 mil desaparecidos políticos na Argentina, mas não dizem uma palavra sobre os cerca de 100 mil mortos em decorrência da ditadura dos irmãos Castro em Cuba.

São os mesmos que repetem, como se fosse um troféu, o número de 424 mortos pela repressão política no Brasil em 21 anos de regime militar, mas insistem em ignorar as 120 vítimas fatais (muitas das quais, inocentes civis) das ações terroristas de esquerda no mesmo período.

É verdade que uma vida é uma vida. Mas, no mundo mental da esquerda, algumas valem mais do que outras. Trocando em miúdos: mortos são mortos, mas alguns têm pedigree. Os da esquerda, claro.

Estes, assim como os ex-terroristas, têm direito a indenizações e homenagens. Já as vítimas do terrorismo esquerdista não têm direito sequer a um nome.
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P.S.: O nome do livro do qual foi retirada a foto que mostra a então jovem Dilma sendo julgada em 1970 é A vida quer é coragem, do petista Ricardo Amaral. Um título mais do que apropriado. Quando será que a heróica guerrilheira vai mostrar essa coragem, revelando, finalmente, o que fez nesse período? Afinal, quem tem coragem não teme a verdade - toda a verdade, não é mesmo?

sexta-feira, julho 01, 2011

A CULPA DA VÍTIMA. OU: O TERRORISMO "CAVALHEIRESCO" DA ESQUERDA

O norte-americano Curtis Carly Cutler era cônsul dos EUA em Porto Alegre (RS) quando, em 4 de abril de 1970, sua caminhonete Plymouth foi fechada por um Fusca. Dele, sairam vários homens fortemente armados com revólveres e metralhadoras. Era uma tentativa de seqüestro. Não somente de seqüestro, mas de assassinato: depois de manobrar o automóvel para fugir dos seqüestradores, Cutler sentiu um forte impacto - um dos bandidos, frustrado pelo fracasso da operação, disparou contra ele um balaço de pistola .45, ferindo-o nas costas. Por pouco ele não morreu.

Em entrevista à revista Época (número 679, 23/05/2011), Cutler não mostrou qualquer ressentimento contra os agressores. Pelo contrário: defendeu - isso mesmo, defendeu - o que fizeram, e afirmou que, se estivesse no lugar deles, nas mesmas circunstâncias, talvez faria o mesmo. Disse ainda que, quando viu os criminosos presos, ficou "triste". Cutler declarou à revista que achou "muito cavalheiresco" da parte de seus frustrados captores não terem metralhado o carro em que estava (havia uma mulher e uma criança com ele no automóvel), e que considera "apropriado" terem lhe metido uma bala que transfixou seu ombro direito e passou raspando pelo pulmão... Em toda a entrevista, Cutler deixa transparecer certa culpa pelo ocorrido. Ele pede mesmo desculpas por ter jogado o carro contra os atacantes e fugido. Só faltou agradecer por ter levado um tiro.

Cutler é doido? É masoquista? Por que tamanha condescendência com quem tentou raptá-lo e, ainda por cima, abatê-lo a tiros? O que leva alguém que quase morreu numa tentativa de seqüestro a praticamente se desculpar por não se ter deixado capturar, e ainda por cima tecer tão calorosos elogios a seus atacantes?

A resposta Cutler dá na frase que é o próprio título da entrevista: "Nunca fui anticomunista".

O bando que tentou seqüestrar Cutler mais de quarenta anos atrás era de militantes da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), um dos vários grupos terroristas de extrema-esquerda que atuavam na época no Brasil. Um dos seqüestradores foi o ex-prefeito de Belo Horizonte e hoje ministro do Desenvolvimento do governo Dilma Rousseff (ela também, ex-participante de grupos armados esquerdistas), Fernando Pimentel.

Segundo a lenda cor-de-rosa polida pela esquerda hoje no poder, a VPR era uma organização de jovens idealistas que lutavam heroicamente contra a ditadura militar então vigente no Brasil, e em favor da democracia e da liberdade. Segundo os próprios documentos das organizações terroristas de esquerda, a VPR, assim como todos os demais grupos armados qua atuaram nos anos 60 e 70 no Brasil, opunha-se com armas à ditadura militar não porque desejasse a democracia, mas porque queria substituí-la por uma ditadura comunista - a qual, visto o retrospecto do comunismo no século XX, faria os militares brasileiros parecerem, em comparação, um grupo de escoteiros em férias.

Entre a realidade dos fatos e a mitologia esquerdista, Cutler preferiu esta última, a ponto de não se ver sequer como vítima de seqüestro e tentativa de homicídio. Pelo que se lê na entrevista, ele parece muito mais preocupado em se livrar da "pecha" (é assim que chama a revista) de anticomunista que teria recebido depois do seqüestro, explicando: "Ser anticomunista era ser como o senador Joseph McCarthy" (referindo-se ao presidente do Comitê para Assuntos Não-Americanos durante a "caça às bruxas" nos EUA nos anos 50). Ele diz mesmo que os terroristas "foram heróis" e chega a compará-los aos militares alemães que tentaram matar Hitler. Para ele, a VPR era uma organização que lutava pela democracia e os terroristas que a compunham, como Fernando Pimentel, eram freedom fighters, lutadores da liberdade.

Que os brasileiros, entorpecidos por décadas de propaganda ideológica esquerdista nas escolas, reforçada pela ignorância histórica, tenham-se deixado enganar pela falácia da luta armada como uma forma de "resistência democrática" contra a ditadura militar, vá lá, ainda dá para entender. Mas que uma vítima de um ato terrorista, perpetrado por um grupo que desejava implantar o comunismo no Brasil, ainda mais funcionário diplomático do governo dos EUA, venha a público aplaudir os que o atacaram - e que planejavam assassiná-lo como "espião da CIA", como comprova um comunicado apreendido na época pelas forças de repressão -, é algo que desafia qualquer compreensão. É algo que só pode ser explicado como manifestação da Síndrome de Estocolmo, ou da mais pura idiotia política.

Não é preciso ser defensor da censura e do pau-do-arara para constatar que Curtis Carly Cutler foi vítima de uma ação terrorista, um crime considerado hediondo e inafiançável. Também não é preciso ser a favor do regime militar para perceber que os que praticaram tal ato estavam se lixando para a democracia. Mas o mais importante: não é necessário ser antidemocrático - ou partidário do macarthismo - para ser anticomunista. De fato, é o inverso que é verdade: comunistas não defendem a democracia. Jamais defenderam. Pelo contrário: desprezam-na e combatem-na, aberta ou dissimuladamente.

Assim como não percebe essa verdade óbvia, Cutler demonstra total falta de senso de proporções. Por mais que se abominem as torturas praticadas pelos agentes do regime militar, comparar os generais brasileiros aos nazistas é o mesmo que comparar uma pulga a um elefante. Do mesmo modo, igualar os terroristas que assaltavam bancos e seqüestravam diplomatas estrangeiros como Cutler aos militares que se sacrificaram tentando livrar a humanidade de Hitler é uma afronta a esses últimos. Nem o general Médici era Hitler, nem Fernando Pimentel é um conde von Stauffenberg.

Fico me perguntando: se, em vez de comunistas, os terroristas que tentaram raptar Cutler fossem membros de um grupo neofascista, as palavras de Cutler seriam as mesmas? Alguém já viu um sobrevivente da tortura chamar de "cavalheiresco" o torturador que, podendo tê-lo matado, poupou-lhe a vida? (E o autor do disparo que atingiu Cutler provavelmente nem essa intenção teve.) Imaginem o escândalo se alguém na esquerda viesse dizer que a tortura foi "apropriada"... No mínimo, internariam o autor da declaração em alguma instituição psiquiátrica - e com toda razão.

A ânsia de Cutler em agradar os terroristas de esquerda, garantindo para si um atestado de simpatia ideológica, revela a persistência do tabu que os norte-americanos chamam de anti-anticomunismo. Trata-se da proibição tácita de se condenar os crimes dessa ideologia intrinsecamente criminosa e genocida, pois isso seria fazer o "jogo da direita". O comunismo matou mais de 100 milhões de pessoas, mas ainda assim possui uma aura moral que o fascismo, por exemplo, não tem. É o totalitarismo "do bem". Em nome dele, do comunismo, tudo, absolutamente tudo, é permitido; os crimes que se cometem em seu altar são inimputáveis. Em nome dessa causa sagrada, vale até mesmo ser baleado numa tentativa de seqüestro. Isso mostra a que ponto chegou a lavagem cerebral comunista: provavelmente, se soubesse que o grupo que tentou seqüestrá-lo era de "guerrilheiros", Cutler não teria oferecido qualquer resistência. Teria sido sua contribuição à "causa"...

Na ex-URSS, durante o grande terror dos expurgos stalinistas, era comum as vítimas dos fuzilamentos morrerem gritando vivas a Stálin e ao comunismo. Muitos até se reconheciam culpados de crimes imaginários, e passavam mesmo a acreditar que os tinham cometido, pois o Partido assim o dizia (e o Partido estava sempre certo). A se julgar pela entrevista do ex-cônsul Curtis C. Cutler à Época, a culpabilização da vítima e a glorificação dos carrascos, fenômeno típico do stalinismo, continuam mais fortes do que nunca. Pelo menos enquanto persistir o monopólio esquerdista da História dos "anos de chumbo" no Brasil.

quarta-feira, maio 12, 2010

ANOS DE CHUMBO: DESMASCARANDO UMA IMPOSTURA HISTÓRICA




O texto a seguir é bem longo. Mas não poderia ser diferente. Conto com a paciência do leitor.

A propósito: desafio qualquer intelectual de esquerda, inclusive o autor do texto que analiso, a provar que o que digo em seguida não é verdade. Está lançado o desafio.


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Tenho o costume – alguns diriam o mau hábito – de ler o que os esquerdistas escrevem. A tarefa é árdua, sei bem, mas pode ser bem instrutiva. Um dos textos que li e que me chamou a atenção nesses dias foi do Professor Vladimir Safatle, do Departamento de Filosofia da USP. O título do artigo é “Do uso da violência contra o Estado ilegal”, e está numa coletânea organizada por Edson Teles e pelo próprio Vladimir Safatle, O que resta da ditadura (São Paulo: Boitempo, 2010, páginas 237-252). Resolvi analisar o texto, pois percebi que muitos dos, digamos, argumentos utilizados pela esquerda brasileira para justificar uma certa visão – infelizmente, bastante difundida – sobre a História brasileira recente encontram-se lá.
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O autor inicia o texto com uma epígrafe retirada do romance 1984, de George Orwell – “Ele expulsou a cena da memória. Era uma lembrança falsa” –, que não poderia ser mais inadequada. A citação de Orwell faz referência à prática costumeira nos regimes totalitários de apagar fatos considerados inconvenientes ao poder. E é exatamente isso que o texto faz, ao criticar o “apagamento da História” pelos militares brasileiros, apenas para apagar, ele mesmo, a parte da História que não convém lembrar à esquerda.
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Já no começo, Safatle usa um exemplo que remete à Lei de Godwin – aquela que diz que, quando se acusa alguém de nazista, é porque já não é mais possível qualquer debate. Ele menciona Auschwitz e os nazistas para condenar aquilo que chama de “desejo de desaparecimento” que estaria presente na Lei de Anistia de 1979, que perdoou ambos os lados dos “anos de chumbo” no Brasil. Ele considera que esse processo de manipulação dos fatos está no cerne “de todo totalitarismo” etc.


À parte o uso equivocado, para dizer o mínimo, do conceito de totalitarismo aplicado à realidade política do regime militar brasileiro – regime que pode ser considerado autoritário, mas não totalitário, como pode constatar facilmente qualquer estudante de Ciência Política ainda não contaminado pelo vírus do marxismo vulgar –, Safatle ignora, em todo o texto, as ações praticadas pela esquerda terrorista no período. Ele nega mesmo essa definição, “terrorismo”, atribuindo-a a uma designação dos militares, e não aos fatos. Os termos “subversivo” e “terrorista”, longe de se referirem a atos concretos, seriam apenas o produto da manipulação semântica daqueles que detêm a soberania (ou seja, o poder). Assim, citando autores como Carl Schmitt, ele considera um uso extensivo e pouco rigoroso do termo em um contexto inacreditável chamar-se, por exemplo, de terroristas os integrantes do MST, ignorando as ações e o culto à violência revolucionária desse movimento pretensamente social, que recebe dinheiro do Estado para invadir e depredar propriedades e intimidar pessoas. .

A idéia central do texto de Safatle é que o Estado surgido após 1964 no Brasil, e que perdurou até 1985, era ilegal e, portanto, a luta contra ele era necessariamente legal e uma forma de resistência democrática. É nesse sentido que ele aborda a questão dos desaparecidos políticos, cujo não-reconhecimento pelo Estado, ou a não punição dos torturadores e assassinos, equivaleria a uma segunda morte: “o Estado deixa de ter qualquer legitimidade quando mata pela segunda vez aqueles que foram mortos fisicamente”, diz ele, esquecendo-se, aparentemente, de que tal processo de assassinato/desaparecimento/esquecimento foi levado às últimas conseqüências nos países socialistas como a ex-URSS e também pelos militantes da luta armada no Brasil.

Após criticar o que seria o pouco rigor conceitual no trato de termos como “terrorista” aplicado aos revolucionários do MST, Safatle não revela qualquer pejo em associar a ditadura militar brasileira ao nazismo, afirmando que “algo de fundamental do projeto nazista e de todo e qualquer totalitarismo alcançou sua realização plena na América do Sul”. Tal associação, se pode ter algum sentido no caso da Argentina, perde completamente a razão de ser no caso brasileiro. Não somente pelo fato – ignorado por Safatle – de que o conceito de totalitarismo (e, por extensão, de nazismo, uma de suas variantes) é inseparável da idéia do Partido-Estado (o regime de 64, ao contrário, extinguiu os partidos políticos), mas sobretudo porque os militares agiram para impedir a transformação do Brasil num Estado totalitário de corte socialista ou soviético. Algo que nem mesmo historiadores marxistas, como Jacob Gorender, ousam negar.

Depois de identificar o regime de 64 com o totalitarismo nazista, Safatle lança suas baterias contra a Lei de Anistia, comparando a situação brasileira ao que aconteceu na Argentina e no Chile, onde os generais foram julgados e condenados. Ele parece se esquecer de que, nesses países, terroristas de esquerda que lutaram contra o regime também tiveram o mesmo destino que os militares. É aqui aonde ele quer chegar: o que ele quer é que somente os crimes de um lado, “da direita”, sejam condenados.

Para ele, “o único país que realizou de maneira bem-sucedida as palavras dos carrascos nazistas foi o Brasil”. E isso porque, no Brasil, houve anistia, que beneficiou igualmente quem torturou e quem pegou em armas contra o regime. Em outras palavras: para Safatle, a anistia, uma conquista da sociedade brasileira, resultado de longa negociação política para viabilizar a redemocratização do País, é uma causa... nazista!

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Rejeitando categoricamente a idéia de que “toda violência se equivale”, Safatle rejeita a tese de que o esquecimento dos “excessos” do passado é o preço a ser pago para garantir a estabilidade democrática. O problema é que os “excessos” que ele não quer que sejam esquecidos são os praticados pelos agentes do regime militar, e somente esses, como se a violência política tivesse vindo de uma única fonte. É como se a luta armada contra o regime militar simplesmente não tivesse existido. O que revela um forte traço de esquecimento de sua própria parte – no caso, dos “excessos” e violências da esquerda armada. Ao se referir unicamente à “amnésia sistemática em relação a crimes de um Estado ilegal”, ele acaba incorrendo na amnésia sistemática em relação aos crimes cometidos pela esquerda armada. Ele é, enfim, um membro do “Partido da Amnésia” que ele critica, apenas com o sinal ideológico invertido.

Ao analisar dois argumentos contraditórios utilizados por alguns defensores do regime militar – “não houve tortura” e “houve tortura e assassinato, mas era uma guerra” – Safatle acaba caindo, ele mesmo, numa série de contradições, resultantes, em parte, de desconhecimento dos fatos históricos. Primeiro, ele agride a verdade quando diz que a idéia de que os militares tomaram o poder de forma preventiva contra um Estado comunista que estava sendo posto em marcha com a complacência de João Goulart é “um claro revisionismo histórico delirante”. (Os próprios comunistas, como o já citado Jacob Gorender, deveriam, portanto, ser acusados de revisionistas históricos delirantes[1].) Em seguida, envereda num debate jurídico com o Supremo Tribunal Federal, que recentemente decidiu pela não revisão (ou não “modificação de interpretação”, como diz Safatle) da Lei de Anistia. Ele se refere à Lei n. 6.683, em que se lê: “Excetuam-se dos benefícios da anistia os que foram condenados pela prática de crimes de terrorismo, assalto, seqüestro e atentado pessoal”, concluindo que, como esses crimes nunca foram objeto de anistia, os militares que os cometeram não podem ser anistiados, sequer na lei que eles mesmos se “autoconcederam” (o que é errado: a Anistia foi negociada com a sociedade). A conclusão é a seguinte: somente os delitos praticados pelos militares e agentes da repressão configuram “terrorismo, assalto, seqüestro e atentado pessoal”. Quanto aos que a esquerda cometeu, nenhuma palavra.

Em sua crítica ao STF, Safatle ataca um dos expoentes da “ala conservadora” do tribunal, que, a fim de justificar que, caso militares fossem julgados, antigos membros da luta armada deveriam ter o mesmo destino (como se não fosse, precisamente, o caso), “chegou ao limite”, afirma ele, de invocar o artigo 5, inciso 44, da Constituição Federal, que diz o seguinte: “Constitui crime inafiançável e imprescritível a ação de grupos armados, civis e militares, contra a ordem constitucional e o Estado democrático”. Seu argumento é que o regime de 64 era um Estado ilegal, logo a luta armada contra ele não pode ser colocada no mesmo patamar do terrorismo contra um Estado democrático. Aparentemente, ele tem razão, mas se esquece de um detalhe: a luta armada dos anos 60 e 70 não era uma luta pelo restabelecimento da ordem constitucional e democrática (veremos isso mais adiante). Também esquece que já existia guerrilha no Brasil antes de 1964 (retomarei esse ponto).

Safatle afirma que o Brasil é o único país onde a Anistia serve para acobertar “crimes contra a humanidade, como o terrorismo de Estado [e o terrorismo de esquerda não é terrorismo?], a tortura [militantes de esquerda também torturaram prisioneiros] e a ocultação de cadáveres [idem], o único país onde as Forças Armadas não fizeram um mea-culpa sobre o regime militar [e por que deveriam? os militares deixaram o poder muito bem avaliados pela população em geral; além disso, somente uma parcela ínfima dos militares esteve diretamente envolvida na repressão política], onde os corpos de desaparecidos ainda não foram identificados porque o Exército teima em não dar informações [o Exército está subordinado ao Presidente da República; logo, se informações não são divulgadas sobre onde estão os restos mortais dos desaparecidos – os “arquivos da ditadura” –, isso se deve à incapacidade, ou à má vontade, do governo]”. Isso explica por que ele acha absurdo o STF decidir que, caso a anistia a um lado seja suspensa, o outro lado – os militantes da luta armada – deveriam também ser condenados. É que, para Safatle, terrorismo de esquerda não é terrorismo, e tortura de esquerda não é tortura.

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Não contente em tentar “reinterpretar” a Lei a seu talante, por um critério ideológico, Safatle avança sobre a História. Ao tentar rebater o que até as paredes do STF já sabem – que “os dois lados têm crimes contra a humanidade” –, ele pergunta: “qual o caso de tortura feito por ‘terroristas’?” Eu poderia citar os seqüestros de diplomatas estrangeiros, ou as ameaças a inocentes civis em filas de banco durante “expropriações revolucionárias”, ou o adolescente retalhado pelos guerrilheiros do PCdoB no Araguaia, mas acho que isso não iria fazer diferença para Safatle. Para ele, chamar os seqüestros de crimes contra a humanidade é um “argumento de circunstância”, pois crimes contra a humanidade são aqueles “praticados pelo Estado contra seus cidadãos”. (Segundo esse raciocínio, os assassinatos de judeus poloneses ou bielorrussos por alemães durante a Segunda Guerra não foram crimes contra a humanidade, pois afinal não se tratava de cidadãos alemães assassinados pelo Estado alemão...) Sem falar que sua afirmação de que o seqüestro do embaixador norte-americano no Brasil, Charles B. Elbrick, em 1969, não caracterizou tortura porque, ao ser solto, Elbrick “não procurou um hospital por algum tipo de seqüela”, tendo-se resumido a dizer: “Ser embaixador nem sempre é um mar de rosas”, prova tanto seu ponto de vista quanto afirmar que não houve tortura contra guerrilheiros porque eles, ao serem soltos, também não procuraram um hospital – alguns deles, mesmo, passaram-se para o lado da repressão após terem sido capturados. Isso prova que não houve tortura? (A propósito: não consta que ser guerrilheiro também fosse algum mar de rosas.) .

Safatle não economiza sofismas e meias-verdades para tentar convencer de seu argumento de que somente um lado cometeu crimes e que, portanto, a reciprocidade não vale no caso brasileiro. Após agredir a História do Brasil, ele investe sobre a de outros países. No caso, a França do regime colaboracionista de Vichy (1940-1944). Ele pergunta: “por que o Tribunal de Nuremberg não condenou os resistentes franceses contra o governo de Vichy?” Eu poderia responder: pelo mesmo motivo por que os pilotos de bombardeiros aliados que destruíram as cidades alemãs ou japonesas não foram condenados após a guerra. Mas prefiro essa outra explicação: porque os maquis franceses, ao contrário dos “guerrilheiros” brasileiros, argentinos ou chilenos (assim como as FARC colombianas hoje) não lutaram para implantar uma ditadura comunista na França (embora houvesse comunistas em suas fileiras), mas para libertar o país da ocupação nazista e restaurar, numa frente com outras forças políticas, o regime democrático. (Aliás, vale lembrar: os comunistas franceses só se engajaram na resistência após 1941, quando Hitler invadiu a URSS - até então, eram aliados dos nazistas.) Mas isso para Safatle não tem importância: o que vale para ele é que o princípio jurídico adotado no caso de Vichy consistiu em dizer que “a violência sistemática do Estado contra o cidadão em hipótese alguma equivale à violência do cidadão [sic] contra um Estado ilegal e seus aliados”. Como se 1) a violência do regime de 64 no Brasil tivesse sido “contra o cidadão”, e não contra grupos organizados que se opunham ao regime com armas na mão; e 2) como se a violência terrorista, que visava a derrubar o regime vigente para substituí-lo por uma forma de ditadura socialista, fosse a “do cidadão” contra um “Estado ilegal”. Não foi.

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Como se não bastassem a má utilização dos conceitos e os erros e omissões históricas, Safatle insiste num argumento que só pode ser interpretado como má-fé ideológica: a fim de justificar o terrorismo de esquerda dos anos 60 e 70, ele menciona o “direito de resistência” presente na tradição política liberal, desde John Locke. Trata-se da mais pura impostura intelectual. Ele afirma que “essa [a luta armada dos anos 60/70 no Brasil] é uma batalha que não separa esquerda e liberais, mas que se fundamenta no reconhecimento de uma espécie de campo comum entre as duas posições”. E arremata: “toda ação contra um governo ilegal é uma ação legal”. (grifo dele)

O argumento é falacioso, por duas razões. Primeiro, pela instrumentalização da tradição liberal para justificar uma luta que visava, em última instância, à implantação de um regime totalitário, de perfil socialista ou comunista – o exato oposto do liberalismo. Segundo, porque os terroristas brasileiros não buscaram, em momento algum, formar uma frente única com setores liberais de oposição legal ao regime militar. Pelo contrário: como demonstra Elio Gaspari, a luta armada desprezava o apoio dos setores moderados da oposição, como o MDB de Tancredo Neves e Ulysses Guimarães(2). Isso mostra, por si só, como os objetivos da luta armada e da oposição legal ao regime militar eram diferentes (eu diria mesmo incompatíveis).

Safatle afirma ainda que, “do ponto de vista estritamente jurídico-normativo, o regime militar brasileiro era mais ilegal que o Estado nazista alemão”. Ele tem certa razão nesse ponto: afinal, Hitler foi eleito democraticamente, ao contrário dos militares. Mas isso não muda a essência da questão. Afinal, Fidel Castro também não foi eleito por ninguém, e nesse sentido o regime cubano também é mais ilegal do que o de Hitler. Hugo Chávez, por sua vez, foi eleito democraticamente, e no entanto comanda um regime que caminha gradativamente para tornar-se uma ditadura. Além do mais, desde quando a luta armada no Brasil se orientou por considerações jurídico-normativas?

Safatle afirma uma grande verdade quando diz que “um governo só é legítimo quando se funda sobre a vontade soberana de um povo livre para fazer valer a multiplicidade de interpretações a respeito da própria noção de ‘liberdade’. Um governo marcado por eliminação de partidos, atemorização sistemática de setores organizados da sociedade civil, censura, eleições de fachada marcadas por casuísmos infinitos, além de assassinato e exílio de adversários como política de Estado certamente não cabe neste caso”. Poucas vezes li definição mais precisa do que é e como funciona um regime totalitário, como o nazismo e o comunismo (que a esquerda armada pretendia emular no Brasil – o que demonstra a inexistência de qualquer compromisso democrático por parte dos “guerrilheiros”). Praticamente, Safatle corrobora o que certa vez disse Roberto Campos, refletindo sobre o que ocorreria caso a luta armada fosse vitoriosa no Brasil: “Em vez de anos de chumbo, teríamos rios de sangue”. Provavelmente por isso, ele tem a precaução de ressalvar o seguinte: “diga-se de passagem, isto vale tanto para ditaduras de direita quanto para revoluções populares em estado de degenerescência, regimes totalitários burocráticos ou despotismo oriental travestido de esquerda”. Se você trocar o que está acima por “ditaduras comunistas”, acertará na mosca. Mas Safatle não pode dizer isso: em vez de chamar as coisas pelo nome, ele prefere fórmulas evasivas como "revolucões populares em estado de degenerescência", "regimes totalitários burocráticos" ou "despotismo oriental travestido [sic] de esquerda". Ele faz parte da legião de marxistas acadêmicos que ainda insistem, contra a própria História, que o “ideal socialista” é puro e imaculado; apenas os homens não estão à altura dele...

Insistindo na identificação do direito de resistência do cidadão com a luta armada para implantar o comunismo no Brasil, o que o leva até mesmo a invocar a Declaração de Independência dos EUA (!) para justificar a violência terrorista de esquerda, Safatle escreve: “o direito fundamental de todo cidadão é o direito à rebelião [para acabar com as liberdades e implantar o comunismo?]. Quando o Estado se transforma em Estado ilegal, a resistência por todos os meios é um direito [por todos os meios? assassinato de inocentes, inclusive?]. Neste sentido, eliminar o direito à violência contra uma situação ilegal gerida pelo Estado significa retirar o fundamento substantivo da democracia” [e por acaso os terroristas queriam democracia? qual documento de organização armada de esquerda fala em restaurar as liberdades democráticas? Lamarca e Mariguella, democratas?].

Em uma nota de rodapé, Safatle admite que o caso brasileiro não pode ser colocado no mesmo nível do terrorismo de grupos como Brigadas Vermelhas, Baader-Meinhof, PAC etc., que ensangüentou a Alemanha e a Itália nos anos 70 (e que tiveram no Minimanual do guerrilheiro urbano escrito por Carlos Mariguella sua obra de referência). Seu argumento é que as ações no Brasil foram contra um Estado ilegal, enquanto a Alemanha e a Itália eram países democráticos. Ele está certo nesse último ponto, no qual se distancia da posição oficial do governo brasileiro, via Tarso Genro (caso Cesare Battisti). Mas, como sempre, comete uma meia-verdade, quando nega que os terroristas brasileiros, embora lutassem contra um “Estado ilegal”, desejavam implantar outro Estado ilegal. Sem perder o cacoete esquerdista, ele atribui à tentativa de confundir as duas lutas, a dos terroristas brasileiros e a dos terroristas europeus, a “setores conservadores”. Ele chega a cometer erros factuais crassos, que só podem ser creditados à ignorância em relação à História. É somente isso que explica sua afirmação de que “nenhum grupo armado brasileiro sequestrou aviões, implementou política de atemorização sistemática da população civil ou absurdos do gênero”.

A afirmação é totalmente falsa. Eis os fatos:

- De 1968 a 1972, houve oito seqüestros de aviões comerciais no Brasil por terroristas de esquerda – dois deles, em julho de 1970 e em maio de 1972, terminaram com a morte e/ou prisão dos seqüestradores em operações de resgate das Forças Armadas.

- Quanto à implementação de uma política de atemorização sistemática da população civil, basta folhear o Minimanual de Mariguella para constatar que esse era um objetivo da luta armada de esquerda: mediante ações ousadas, como explosão de bombas, seqüestros e assassinatos, os terroristas visavam a provocar uma reação autoritária do regime, que se abateria sobre toda a população, a qual, então, se colocaria do lado dos “guerrilheiros”. E isso através do clima de caos e de insegurança generalizada que as ações terroristas provocariam.

- Essa política de intimidação pelo terror foi implementada não somente contra a população civil – como no Araguaia, onde os guerrilheiros do PCdoB estabeleceram uma “zona liberada” maoísta, com suas próprias leis (inclusive pena de morte) –, mas contra os próprios militantes da luta armada suspeitos de traição ou que, por qualquer motivo, discordavam dos demais companheiros ou pretendiam abandonar a luta – os chamados “justiçamentos”, que Safatle prudentemente se omite de comentar.

Em um trecho, Safatle quase deixa transparecer o verdadeiro objetivo da luta armada que defende: “não devemos compreender a idéia fundamental deste direito à resistência simplesmente como o núcleo de defesa contra a dissolução dos conjuntos liberais de valores (direito à propriedade, afirmação do individualismo etc.)”. Ou seja: o “direito à resistência” invocado por Safatle, embora beba na fonte da tradição liberal, deve orientar-se para sua superação, isto é: para o socialismo ou o comunismo. Usa-se, assim, o liberalismo para negá-lo. Uma prática recorrente da esquerda, diga-se de passagem.

O mito da luta armada “pela democracia” está presente em trechos como este: “os jovens que entraram na luta armada aplicaram o direito mais elementar: o direito de levantar armas contra um Estado ilegal, fundado por meio da usurpação pura e simples do poder graças a um golpe de Estado e ao uso sistemático da violência estatal. Desconhecer este direito é, este sim, o ato totalitário por excelência”. Como se a finalidade da luta armada não fosse o estabelecimento de outro Estado ilegal, mil vezes mais autocrático do que a ditadura militar... E como se esse Estado sonhado pelos terroristas de esquerda não fosse a quintessência do totalitarismo(3).

Mas o essencial do texto de Safatle, de sua tese da legalidade intrínseca do terror contra um “Estado ilegal”, encontra-se no seguinte parágrafo:

“Neste sentido, não devemos tolerar o argumento de que nos países socialistas também havia terrorismo de Estado e era isto que a luta armada procurava implantar no Brasil. Os nazistas tentaram desqualificar seus oponentes como serviçais da ordem bolchevique. Galtieri, Videla, Contreras também tentaram. No entanto todos eles foram ou estão presos. O que mostra como o Brasil deve ser o único país no mundo [sic] onde este argumento vale. Pois o resto do mundo sabe que aqueles que lutam contra um Estado ilegal são vistos inicialmente como exercendo um direito maior que é o fundamento de toda democracia real: o direito de dizer ‘não’, nem que seja por meio das armas. Não é por outra razão que países como a França tratam comunistas que participaram da resistência, como Jean Cavaillès e Guy Moquet, como heróis nacionais”.

Primeiro: a existência de terrorismo de Estado nos países socialistas, assim como a intenção da luta armada de implantar isso no Brasil, não é um “argumento”: é um fato. Está abundamentemente comprovado por milhares de depoimentos, assim como por dezenas de documentos das organizações clandestinas de esquerda do período, bem como por suas ações.

Segundo: assim como os nazistas, os comunistas tentaram desqualificar seus oponentes – na verdade, ainda o fazem –, chamando-os de "fascistas", e isso não faz qualquer diferença para a questão em pauta.

Terceiro: assim como Galtieri, Videla e outros generais latino-americanos foram presos, terroristas de esquerda na Argentina e no Chile, como os Montoneros e os membros do MIR, também foram encarcerados, o que mostra a validade do princípio da reciprocidade.

Quarto: a que “resto do mundo” o autor se refere? Certamente, não a parte da humanidade que condena o terrorismo, seja que roupagem tiver – sobretudo se vier disfarçado de “resistência democrática” contra um Estado ilegal para instaurar, em lugar deste, o comunismo.

Quinto: É por esse motivo que a resistência francesa é louvada, mas os terroristas de esquerda latino-americanos, não (pelo menos pelos que têm a democracia em alta conta). Os comunistas franceses só são tratados como heróis porque participaram da resistência em frente com outras forças políticas, como os liberais e inclusive conservadores. Se não fosse o anticomunista general De Gaulle, que tomou a frente do movimento de resistência e impediu o Partido Comunista Francês de tomar o poder, a História seria diferente.

Em seguida, Safatle incorre em mais uma desinformação histórica:

“Devemos lembrar aqui de um dado claro e fundamental. Não havia luta armada de esquerda antes do golpe militar de 1964. Não há nenhum caso registrado de grupo guerrilheiro atuante antes do golpe”. (grifo dele)

E mais: “nenhum historiador até hoje indicou o registro de alguma forma qualquer de ação armada antes do golpe militar”.

Não sei por qual livro de História Safatle estudou o período pré-64 no Brasil. Certamente, ele jamais ouviu falar de Jacob Gorender, Daniel Aarão Reis Filho e Denise Rollemberg, além de Elio Gaspari, todos autores que esmiúçam o projeto guerrilheiro da esquerda anterior à tomada do poder pelos militares, como é comprovado pela existência de focos guerrilheiros das Ligas Camponesas de Francisco Julião, anos antes do golpe de 64. Ele provavelmente desconhece os Grupos dos Onze de Leonel Brizola, que tinham em A Guerra de Guerrilhas, pequeno manual subversivo de Che Guevara, sua obra de referência. Desconhece também o fato, amplamente conhecido, de que, já em 1961 – no governo de Jânio Quadros! –, militantes das Ligas Camponesas (organização antecessora do MST) tinham ido treinar guerrilha em Cuba, sob os auspícios de Fidel Castro. Assim como ignora, ou finge ignorar, que a luta armada jamais esteve ausente dos planos e da ação do Partido Comunista, mesmo em seu período semi-legal, como demonstra a eclosão de guerrilhas camponesas na região de Porecatu, no Paraná, na década de 50. Sem falar, obviamente, na quartelada de 1935, a chamada intentona comunista(4). Enfim, ele, Safatle, não sabe nada de História. Ou sabe, e por isso tenta reescrevê-la, como fazia Stálin.
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É o desconhecimento dos fatos relacionados acima, assim como uma boa dose de desonestidade intelectual, o que explica o mito da luta armada como “resistência democrática”, que perpassa todo o texto de Safatle, e é retomado nesse trecho: “a luta armada esteve vinculada primeiramente à recusa legítima ao regime militar, ao caráter insuportável que ele adquiriu para vários setores da população nacional” (grifo dele). Mentira. A luta armada, como vimos, já surge em embrião antes de 1964, nas Ligas Camponesas e nos Grupos de Onze. O projeto guerrilheiro é anterior à ruptura constitucional de 64. As primeiras ações terroristas ocorrem em 1966 (atentado à bomba no aeroporto dos Guararapes, Recife), mais de dois anos antes do fechamento autoritário do AI-5, quando o regime militar ainda mantinha intactas várias liberdades políticas. Mesmo quando a repressão atingiu o auge, em 1969-1974, o conjunto da população nacional esteve muito longe de simpatizar com os guerrilheiros, que sempre estiveram isolados da sociedade (ao contrário, a popularidade do governo era altíssima). O que levou, primeiramente, à luta armada não foi a recusa legítima a um regime discricionário, nem a reação à falta de liberdades, mas a idéia da revolução socialista, presente na esquerda brasileira desde 1922, e que tomou impulso, no começo dos anos 60, após a Revolução Cubana.

Prossegue Safatle: “De toda forma, a multiplicidade política de trajetórias de ex-membros da luta armada (encontramos vários deles em partidos cujo espectro vai do Psol ao PSDB) mostra retrospectivamente como eles eram unidos principalmente pela recusa, e não pela partilha, de um projeto positivo claramente delimitado. Vale a pena insistir nesse ponto: o que unia todos os que entraram na luta armada não era um projeto comum, mas uma recusa comum”. O que o fato de alguns ex-militantes da luta armada terem aderido ao PSDB prova? Nada! Mostra apenas que alguns trocaram a revolução socialista pela social-democracia, enquanto outros (PSOL), nem isso (Aliás, Safatle fala como se o PSDB fosse um partido "de direita"...) Ora, na Alemanha, alguns terroristas do Baader-Meinhof ingressaram, depois, no Partido Verde. Outros, por sua vez, cerraram fileiras com os social-democratas. Isso torna menos terroristas suas ações do passado? A “recusa comum” de que fala Safatle era a recusa da democracia, o projeto socialista. Nada mais que isso.

Safatle cita os casos de pessoas “que absolutamente nada tinham a ver com grupos comunistas”, como Rubens Paiva e Vladimir Herzog, para tentar mostrar que o argumento central dos militares (“era uma guerra”) não tem validade, logo não há por que eles terem sido anistiados. Nesse caso, ele seria obrigado a reconhecer que os crimes da esquerda também não podem ficar impunes, pois afinal esta também assassinou inocentes, muitos deles simples transeuntes, sem qualquer vinculação político-partidária (o que não era o caso de Paiva e Herzog – este último, aliás, militava no Partido Comunista). O fato de haver vítimas inocentes de um lado não elimina a existência de vítimas inocentes de outro. Mais uma vez: ou se punem todos, ou não se pune ninguém.

(Aliás, é bom lembrar: as famílias das vítimas da repressão política no Brasil - e alguns nem tão vítimas assim - já foram regiamente indenizadas pelo Estado. E os que tombaram sob as balas e bombas da esquerda armada, quando receberão o mesmo tratamento de seus algozes?)

Ao final, Safatle faz uma análise meio lírica do governo João Goulart, que ele nega, contra todas as evidências históricas, ter sido um governo que caminhava para alguma forma de golpismo esquerdista, pois ele “demonstraria a viabilidade de uma esquerda, ao mesmo tempo, profundamente transformadora e capaz de assumir processos próprios às democracias parlamentares, modificando seu sentido ‘por dentro’” etc. Como se o estímulo oficial à quebra da disciplina e da hierarquia nas Forças Armadas, sem falar no apoio a um movimento revolucionário no campo, com o avanço de setores descompromissados com as liberdades em diversas áreas, fossem sinais de uma “verdadeira democracia”... Algo, aliás, em que muita gente no governo Lula acredita.
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Textos como o de Vladimir Safatle demonstram que a luta pela memória dos “anos de chumbo” do regime militar ainda não acabou. Pelo contrário, a visão de esquerda, parcial e mistificadora, teima em se impor aos fatos, insistindo na revogação – ou na “reinterpretação”, como queiram – da Lei de Anistia, inclusive apelando para argumentos pseudo-humanitários e pseudo-humanistas.

Não cabe dúvida de que o regime político instalado no Brasil após 1964 era um Estado autoritário baseado na coação e na força. Era, portanto, um Estado ilegal. Também não se discute que a repressão político-militar foi selvagem e empregou sistematicamente a tortura e o assassinato, e que isso é condenável sob qualquer ponto de vista. Mas nada disso elimina o fato de que a luta armada de esquerda contra esse Estado era, ela também, ilegal e contrária aos princípios universais da democracia e da civilização. Seu objetivo, claro está pelos documentos e proclamações das organizações de esquerda atuantes no período, não era o retorno da ordem liberal-democrática anterior ao golpe, nem tampouco a instalação de uma forma de estado de direito constitucional, mas a substituição do regime provisório e excepcional dos generais por outro regime, permanente, de força, provavelmente socialista e certamente autoritário, quando não totalitário, como bem demonstrou Elio Gaspari. Não há qualquer razão para considerar as ações da guerrilha urbana e rural – assassinatos, seqüestros, assaltos a bancos etc. – como formas de luta democrática ou como expressões do direito legítimo à resistência nos moldes liberais, assim como não há qualquer razão em não considerar tais ações como terrorismo, a não ser a ânsia em falsificar a História para preservar antigos mitos políticos.

Nem toda ação contra um Estado ilegal é necessariamente legal. Do contrário, toda ação – explodir prédios cheios de gente e assassinar inocentes, por exemplo – estaria justificada, em nome da luta pela “liberdade”. No caso brasileiro, a luta armada nasceu não da resistência à repressão, ou do endurecimento do regime autoritário, mas de uma opção política feita por setores radicais de esquerda pela revolução violenta e pelo socialismo, opção esta que é anterior à tomada do poder pelos militares. Não reconhecer essa realidade é falsear a História, em nome de uma visão mistificadora com objetivos partidários.

A Lei de Anistia de 1979 perdoou a todos, torturadores e guerrilheiros, tendo surgido de um pacto entre o governo militar, já sem os instrumentos autoritários do AI-5, e a sociedade civil, que começava a reorganizar-se depois de anos de arbítrio. Tratou-se de uma solução negociada, certamente não a ideal, mas a que foi possível alcançar naquelas circunstâncias. O fato de torturadores e assassinos terem sido anistiados não significa que a anistia foi “autoconcedida” pelos militares, visto que os que praticaram crimes de sangue do lado da esquerda também foram agraciados com o benefício do perdão e do esquecimento. Foi isso, bem ou mal, o que permitiu a reconciliação nacional e a redemocratização do País, em última instância.

Isso significa que a redemocratização, no Brasil, foi “extorquida” pelos militares? Não. Novamente: houve um pacto político, um acordo em que ambas as partes concordaram em deixar de lado as feridas do passado e em anular os crimes de cada um. A anistia seria extorquida se tivesse sido unilateral, ou seja, se não tivesse sido concedida também aos opositores do regime. Criada essa situação, porém, qualquer tentativa de rever ou “reinterpretar” a Lei de Anistia para que puna apenas um dos lados só pode ser entendida como revanchismo e levaria, inevitavelmente, a uma situação de anomia jurídica, que teria, certamente, sérias implicações para a ordem democrática. Não há outra solução: ou se mantém a Anistia tal como está, ou ela é revogada e, nesse caso, todos – torturadores e guerrilheiros – devem parar na cadeia.

Todas essas considerações, obviamente, não farão calar o coro dos que, sob a alegação de que tortura é crime contra a humanidade, logo imprescritível, desejam ver a Lei de Anistia revogada ou modificada para punir apenas um dos lados dos “anos de chumbo” – em geral, generais octogenários e nonagenários, já sem nenhuma influência política. Para essas pessoas, o único acerto de contas possível com o passado é o que resulte de uma ruptura revolucionária da ordem política e social - situação em que costuma vigorar não a anistia, mas o paredón. Ruptura esta que foi perseguida pelos que pegaram em armas contra o regime de 64, sob inspiração de regimes políticos em que os opositores jamais tiveram o benefício de qualquer anistia, como o de Cuba. Ao contrário dos militares brasileiros que os combateram, os revolucionários marxistas não conhecem o perdão.

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(1) "Nos primeiros meses de 1964, esboçou-se uma situação pré-revolucionária e o golpe direitista se definiu, por isso mesmo, pelo caráter contra-revolucionário preventivo. A classe dominante e o imperialismo tinham sobradas razões para agir antes que o caldo entornasse." GORENDER, Jacob, Combate nas trevas (5a edição São Paulo: Ática, 1998, p. 73).

(2) "Ao contrário do que sucedeu nas resistências francesa e italiana ao nazismo e mesmo na Revolução Cubana, onde conservadores e anticomunistas se integraram na luta contra a tirania, as organizações armadas brasileiras não tiveram, nem buscaram, adesões fora da esquerda. A sociedade podia não estar interessada em sustentar a ditadura militar, mas interessava-se muito menos pela chegada à ditadura do proletariado ou de qualquer grupo político ou social que se auto-intitulasse sua vanguarda. A natureza intrinsecamente revolucionária das organizações armadas retirou-lhes o apoio, ainda que tênue, do grosso das forças que se opunham ao regime. Eles viam na estrutura da Igreja católica e na militância oposicionista de civis como Tancredo Neves e Ulysses Guimarães um estorvo no caminho da revolução. Eles, por seu lado, viam na luta armada um estorvo para a redemocratização." GASPARI, Elio, A ditadura escancarada (São Paulo: Companhia das Letras, 2002, p. 194).

(3) "A luta armada fracassou porque o objetivo final das organizações que a promoveram era transformar o Brasil numa ditadura, talvez socialista, certamente revolucionária. Seu projeto não passava pelo restabelecimento das liberdades democráticas. Como informou o PCBR: 'Ao lutarmos contra a ditadura devemos colocar como objetivo a conquista de um Governo Popular Revolucionário e não a chamada ´redemocratização´'. Documentos de dez organizações armadas, coletados por Daniel Aarão Reis Filho e Jair Ferreira de Sá, mostram que quatro propunham a substituição da ditadura militar por um 'governo popular revolucionário' (PCdoB, Colina, PCBR e ALN). Outras quatro (Ala Vermelha, PCR, VAR e Polop) usavam sinônimos ou demarcavam etapas para chegar àquilo que, em última instância, seria uma ditadura da vanguarda revolucionária. Variavam nas propostas intermediárias, mas, no final, de seu projeto resultaria um 'Cubão'." Ibid., pp. 193-4.

(4) "Os grupos armados não pretendiam opor, só e fundamentalmente, uma resistência à ditadura. O projeto de guerra de guerrilhas no Brasil era anterior ao golpe de 64; vinha, desde o princípio daquela década, estimulado pelo exemplo da revolução em Cuba. Para não falar nas propostas de revolução armada que vinham de muito antes, na tradição bolchevique, como o levante comunista de 1935, como a linha política do PCB no início dos anos 50 ou, ainda, como os projetos revolucionários comunistas de tendência trotskista." RIDENTI, Marcelo, O fantasma da revolução brasileira (São Paulo: Unesp, 1993, pp. 63-4).