segunda-feira, agosto 31, 2009

"CABO" ANSELMO, A MORTE DE UM MITO


Anselmo em 1964, na revolta dos marinheiros:
não, ele não era agente da CIA...
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Quase caí pra trás quando vi. Ontem à noite, eu já me preparava para dormir, zapeando à toa na televisão, quando acabei me fixando em um programa de entrevistas, o Canal Livre, da TV Bandeirantes. O entrevistado, para minha surpresa, era ninguém mais, ninguém menos, do que o "Cabo" Anselmo!
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Se você chegou agora, eu vou dizer de quem se trata: o "Cabo" Anselmo, ou José Anselmo dos Santos, é um dos personagens mais polêmicos e misteriosos dos chamados "anos de chumbo" da ditadura militar no Brasil. Basta dizer que é a figura mais deplorada e odiada pelos remanescentes da esquerda armada brasileira, que o acusam de delator e de agente duplo, imputando-lhe a responsabilidade por não sei quantas mortes de militantes. Ele se tornou famoso anos antes, quando foi o líder da chamada revolta dos marinheiros, a quebra da disciplina e da hierarquia militar que serviu de estopim ao golpe de 64 e à queda do governo populista de João Goulart. Preso pela primeira vez, fugiu da cadeia para juntar-se aos exilados brasileiros que orbitavam em torno de Leonel Brizola no Uruguai. De lá, foi para Cuba, onde treinou para ser guerrilheiro e voltar ao Brasil, onde pretendia derrubar pelas armas os militares que haviam tomado o poder. Parece que foi no período em que esteve na ilha que ele começou a se desencantar com o ideal comunista, que antes abraçara com fervor. Ao constatar a realidade da ditadura de Fidel e Raúl Castro, bem diferente do que prega até hoje a propaganda esquerdista, Anselmo começou um processo de autocrítica, que de certa forma se prolonga nos dias atuais. De volta ao Brasil, na clandestinidade, é preso em maio de 1971, em São Paulo, pelo famoso delegado do DOPS paulista Sérgio Paranhos Fleury. É aqui que começa a fase mais obscura de sua trajetória. Torturado, é colocado diante da seguinte opção: ou aceita colaborar com a repressão, tornando-se um delator, ou terá o mesmo destino de alguns de seus companheiros: a cova. Anselmo aceita a primeira opção. "Ofereceram-me a oportunidade de ficar vivo", contou ele em 1999 ao repórter Percival de Souza, em seu ultimo depoimento antes do de domingo.
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Rebatizado como "Jônatas", Anselmo passou então, por medo de morrer (mas também por desilusão ideológica), a entregar seus ex-companheiros da organização a que pertencia, a VPR (Vanguarda Popular Revolucionária), formada basicamente da fusão de ex-militares cassados com militantes trotskistas ultra-radicais. Durante três anos, de 1971 a 1973, vários caíram por sua causa. Até que, em janeiro de 1973, a direção da VPR, exilada no Chile, descobre que ele era um traidor e ordena seu imediato "justiçamento". A revelação chega aos militantes da VPR em Recife (PE), onde a organização pretendia instalar um foco guerrilheiro: Anselmo estava trabalhando para a repressão e deveria morrer. A decisão é tomada. Mas antes de ser cumprida, os agentes do DOPS, que vinham monitorando o grupo com a ajuda de Anselmo, agem a tempo: seis membros da VPR, inclusive a companheira de Anselmo, uma paraguaia chamada Soledad Barret Viedma - que estaria grávida dele, segundo se diz, mas ele nega - são emboscados e mortos a tiros de metralhadora. Seus corpos aparecem em uma chácara no município de Abreu e Lima, na Grande Recife, crivados de balas. Quanto a Anselmo, sumiu no mundo, após uma operação plástica que lhe mudou as feições. Começava aí o mito do famigerado "Cabo" Anselmo, o traidor, o infiltrado, o bandido.
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A entrevista de Anselmo na TV é histórica por várias razões. Em primeiro lugar, até onde eu sei, é a primeira vez que o "cabo" - na verdade, marinheiro de primeira classe -, hoje com 67 anos, mostrou a cara na televisão, depois de quase quarenta anos de fuga. Ali estava, perante uma bancada de jornalistas encabeçada por Bóris Casoy e Fernando Mitre, um senhor de barbas e cabelos grisalhos, quase totalmente brancos, tentando desesperadamente limpar seu nome. Infelizmente, não vi toda a entrevista, peguei-a no meio do caminho. Mas deu para perceber que Anselmo está de volta. Desta vez, não mais à luta armada, mas a uma luta pessoal, pelo restabelecimento do próprio nome.
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Mais do que uma entrevista, o que se viu na noite de domingo, na verdade, foi a morte de um mito, talvez o último mito engendrado pela ditadura militar. O mito do "Cabo" traidor, "agente da CIA" e responsável pela aniquilação de inúmeros guerrilheiros, transformado mesmo no principal culpado, segundo a vasta historiografia esquerdista sobre o regime de 64, pela destruição da guerrilha urbana no Brasil. Quem estava ali, respondendo às perguntas dos jornalistas, era o homem José Anselmo dos Santos, o esquerdista desiludido, usado pelas forças da repressão para capturar companheiros de luta, e desde então obrigado a viver escondido, como um fugitivo, aos deus-dará, sem direito sequer a uma carteira de identidade com seu verdadeiro nome.
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A mitificação do "Cabo" Anselmo, o maior bicho-papão das esquerdas brasileiras nos últimos tempos, é uma invenção de derrotados e ressentidos. Como todo mito, esse cumpre também uma função política e psicológica. Após a aniquilação da luta armada, no começo dos anos 70, era preciso achar um bode expiatório, de forma a desviar a atenção dos erros que conduziram à derrota. A figura de Anselmo - na verdade, um soldado raso da guerrilha - caía a esse papel como uma luva. Logo começaram a circular as estórias mais delirantes envolvendo seu nome, que buscaram inflar seu papel no massacre de militantes, como se ele tivesse sido o principal responsável pelas mortes - como se, não fosse por ele, o projeto guerrilheiro tivesse alguma chance de ser vitorioso. Não demorou até que começassem a dizer que ele era espião e "agente da CIA" antes mesmo do golpe de 64 - tese defendida, sem qualquer base factual, por historiadores de esquerda, como Moniz Bandeira. Tudo isso com um único propósito: isentar de culpa os esquerdistas e colocar a responsabilidade inteiramente sobre os ombros de um único homem, o "traidor". Era uma forma, além disso, de a esquerda justificar os próprios crimes cometidos em nome da "revolução", como os "justiçamentos" de militantes suspeitos de traição ou vacilação ideológica. Anselmo, o traidor, seria o único culpado por tudo, a prova da infinita perfídia dos inimigos do povo, contra a qual são necessários o máximo rigor e a máxima vigilância.
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O próprio Anselmo é o primeiro a desmitificar seu papel na História. Não, ele não era "agente provocador", muito menos a soldo da agência de espionagem norte-americana, antes ou depois de 1964. Não, não foi ele o maior responsável pelo fim do delírio guerrilheiro no Brasil e pela destruição da VPR. Foi, sim, mais um personagem do drama humano que foi a luta armada dos anos 60 e 70. Um personagem que destoa dos demais, em primeiro lugar, por ter passado para o outro lado, invertendo assim a trajetória do maior ícone da esquerda radical do período, Carlos Lamarca - a quem ninguém na esquerda chama de traidor das Forças Armadas -, e, em segundo lugar, por ter feito também uma escolha ideológica, baseada no desencantamento com as teses de esquerda. Anselmo percebeu, talvez já em Cuba, que a causa pela qual ele estava lutando, o comunismo, não era melhor que a ditadura dos militares, e leva um choque. Ele rejeita categoricamente a versão heróica e mitificada da luta armada, tendo percebido que, se o regime militar era autoritário e antidemocrático, o regime que os guerrilheiros pretendiam instalar no Brasil não era preferível àquele, muito pelo contrário. Era em nome do objetivo de transformar o Brasil em uma nova Cuba que os guerrilheiros praticavam o terrorismo, matando inclusive pessoas inocentes. Quando percebe isso, porém, Anselmo estava num beco sem saída. Uma vez militante de uma organização armada de esquerda, simplesmente não havia como voltar atrás e se desligar da luta - alguns tentaram fazê-lo, como Márcio Leite de Toledo, e foram sumariamente assassinados por seus próprios companheiros. Também não havia como não colaborar com a polícia: ou Anselmo colaborava com a repressão, ou se tornava mais uma vítima de uma guerra suja. Tratou-se de uma das escolhas mais difíceis e perigosas que alguém poderia fazer. Anselmo escolheu o lado da repressão, acreditando que, ao tirar de circulação aqueles jovens fanatizados, estava fazendo também um favor a eles.
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Anselmo nega que tenha matado ou torturado quem quer que seja e, ao que consta, está falando a verdade. Também rejeita enfaticamente ter sido o culpado pelas mortes de militantes, o que é discutível. Para ele, os companheiros de luta que caíram fizeram uma escolha consciente, sabiam dos perigos em que estavam envolvidos. Em vez de botar a culpa na repressão, única e simplesmente, ele prefere responsabilizar as esquerdas, em especial os dirigentes das organizações armadas, que arrastaram centenas de jovens idealistas para a morte em uma luta sem possibilidade de sucesso. Sente-se um injustiçado, e, de certa forma, realmente é. Afinal, todos foram anistiados - terroristas, torturadores, assaltantes de bancos, sequestradores -; todos, menos ele. Agora ele reivindica seus direitos de cidadão, como o de ter uma carteira de identidade. O direito a ter um nome e um rosto, em primeiro lugar.
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Muita gente na esquerda certamente se morde de raiva e indignação ao ver Anselmo requerer, junto à Comissão de Anistia do Ministério da Justiça, o direito a ser anistiado. Consideram isso o cúmulo do cinismo etc. Gostariam mesmo que ele fosse "justiçado", se não pelas armas, pelo menos com palavras. Mas o fato é que ele tem tanto direito a esse requerimento quanto qualquer pessoa que teve os direitos políticos cassados e que foi torturada nos órgãos de segurança do regime militar. A Anistia, apesar do que afirmam Tarso Genro e Paulo Vanucchi, foi para os dois lados, não somente para os que queriam seguir os passos de Che Guevara ou Mariguella. E não adianta dizer que tortura é um crime imprescritível - terrorismo também é. Ressalte-se ainda que Anselmo não pleiteia nenhuma indenização milionária, como as que foram regiamente concedidas a muitos que mataram, sequestraram e explodiram bombas, mas, até onde eu sei, deseja que lhe sejam restituídos os proventos que perdeu, como ex-marinheiro cassado pelo golpe de 64. Além disso, ele quer que o outro lado da História seja ouvido. Creio que ele está no seu direito ao fazer isso.
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Anselmo não foi herói, nem vilão. Foi, isto sim, mais uma vítima dos anos de chumbo, que arrastaram consigo muitas pessoas fanatizadas por um ideal totalitário. É fácil condená-lo, de um ponto de vista simplista, como um delator ou traidor, um sujeito execrável, um canalha. Mas não se pode negar que sua opção ideológica foi menos nefasta do que a adotada pela esquerda radical do período, e que, a seu modo, ele acreditava estar agindo da melhor forma possível para combater um mal maior. Muitos remanescentes da esquerda armada ainda hoje não têm essa consciência, ou falsificam a História para apresentar-se como democratas. É fácil também discordar das opiniões de Anselmo sobre o Brasil atual, descartando-as como teses "de direita" etc. - sua visão ideológica, hoje, aproxima-se bastante do que pensam os militares nacionalistas (perguntado sobre o que acha do governo Lula, ele falou várias vezes sobre as concessões aos "banqueiros internacionais" etc.). Mas não é esse o ponto. A questão é um homem que quer recuperar sua dignidade, quando tantos que fizeram até pior que ele são hoje aclamados como heróis pelas hostes esquerdistas.
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Nas considerações finais da entrevista, Anselmo conclamou a "juventude desinformada" do Brasil a não se deixar levar apenas por um lado da História. Ao final, constatando a futilidade de sua opção ideológica de juventude, ele desabafa: "fui um otário". Alguém pode dizer que ele está errado?

sexta-feira, agosto 28, 2009

SOU IDEOLÓGICO, SIM. E DAÍ?


Outro dia, debatendo na internet - sou daqueles que ainda crêem que a internet também serve, ou deveria servir, para o debate de idéias -, recebi de meu interlocutor o seguinte conselho, ou sugestão: eu deveria deixar de lado minha visão ideológica, pois esta "muitas vezes acaba atrapalhando e condicionando nossa capacidade de interpretar e entender as coisas". Afirmou ainda: "Acho que se você fosse menos entusiasta das próprias visões ideológicas poderia ler meu texto de um outro modo." etc.

O tema em debate não vem muito ao caso agora - digamos apenas que era um assunto de política internacional do Oriente Médio, e girava em torno do uso que se faz de palavras como "nazismo" e "genocídio" aplicadas a certos contextos. O que realmente importa, e que me ficou gravado na retina, foi a seguinte observação: ideologias políticas atrapalham etc. e tal. É sobre isso que falarei aqui.

Já escrevi várias vezes, de modo que não é segredo para ninguém, que não tenho nenhuma pretensão a ser "neutro", "imparcial" ou "não-ideológico". Não posso ter essa atitude. Não quero tê-la. Explico por quê.

Em geral, a recusa a tomar posição sobre um determinado assunto vem de quem tem em alta conta a visão relativista, segundo a qual a verdade objetiva é uma quimera. Sobraria, assim, apenas uma atitude: o juste milieu, a adoção da posição que eu chamo de "nem-nem" ("nem isso, nem aquilo"), ou nenhumladista, que muitos preferem chamar de "isenta". É o que eu já chamei, em outro texto, de falácia relativista: ninguém pode dizer que o copo está meio cheio ou meio vazio, logo não se pode afirmar nada a respeito, é tudo uma questão de ponto de vista etc. etc. Mostrei que tal forma de pensar é uma fraude, visto que, não importa se está meio cheio ou meio vazio, um copo ainda é um copo. Mais: na maioria dos casos, essa falácia é apenas um álibi para encobrir o medo de ter uma opinião (ou de expressá-la em público).

Assim, quanto ao fato de a ideologia política atrapalhar e condicionar a capacidade de interpretação sobre um tema, seja o conflito entre Israel e o Hamas, seja o governo Lula, confesso que esses temas me entusiasmam, e pode ser que eu tenha uma visão apaixonada. Mas isso não quer dizer que eu necessariamente tenha uma visão turvada e seja incapaz de um julgamento honesto. Uma visão ideológica, se pode cegar para alguns aspectos, também nos abre os olhos para outros, que de outro modo passariam despercebidos. Se você adota como paradigma o princípio da liberdade individual - uma visão rotulada como "de direita" -, você está obviamente perdendo de vista certos aspectos, digamos, "positivos" de um regime totalitário (a alfabetização em massa, por exemplo), concentrando-se "apenas" nos negativos - o terror policial, a falta de liberdades, o esmagamento do indivíduo, a censura etc. Logo, pode-se dizer que sua visão é limitada e condicionada ideologicamente. Isso significa, portanto, que a visão supostamente não-ideológica, "neutra", é superior e mais próxima da verdade? Francamente, acredito que não. O regime nazista, por exemplo, poderia ser visto, segundo essa ótica imparcial, como algo bom e positivo, pois acabou com o desemprego na Alemanha. Mas não é por isso, claro, que ele é lembrado, nem deveria.

É um erro achar que uma visão “neutra” ou “imparcial” corresponde sempre à verdade. A verdade (e ainda acho que a verdade não é uma fantasia de alguns filósofos) nem sempre está "no meio". Entre Israel e o Hamas, por exemplo, eu me coloco do lado de Israel, e não escondo isso de ninguém. Do mesmo modo, entre os judeus e Hitler, eu fico do lado dos judeus contra Hitler. Entre a corda e o pescoço, eu torço contra a corda. Isso faz de mim um fanático?

Tenho outras razões para adotar essa atitude. Ao contrário de nove em cada dez pessoas, não compartilho do mantra segundo o qual, após a queda do Muro de Berlim e o fim da URSS, vivemos em uma era "pós-ideológica". Para mim, isso não passa de balela pós-moderna ou, no caso dos órfãos do Muro, de racionalização da derrota. Basta passar os olhos por algum jornal ou revista para perceber que, pelo menos por estas bandas, muito do que passa por jornalismo ou por visão "imparcial" é pura ideologia esquerdista disfarçada, eivada do marxismo ou do antiamericanismo mais vulgar. Vou repetir aqui um exemplo que já dei várias vezes: quando se trata de países como os EUA ou Israel, ou a Colômbia - para não falar de ditaduras passadas como a de Pinochet no Chile -, a única atitude considerada justa e decente adotada por muita gente "neutra" e "equilibrada" na imprensa e na academia é uma só: condenação total, denúncia apaixonada etc. Quando se trata, por seu turno, de ditaduras presentes como a de Cuba, a atitude costuma mudar radicalmente: em vez de condenação, pede-se "moderação" e "equilíbrio" no tratamento desses regimes. O mesmo se aplica ao terrorismo islamita, jamais condenado com a mesma veemência que a "reação desproporcional" de Israel ou a "guerra ao terror" dos EUA.

Aliás, é curioso: muitos que preconizam uma atitude "neutra" ou "imparcial" em diversos temas polêmicos, bancando a Suiça, são os mesmos que rejeitam categoricamente uma opinião porque quem a emite é "de direita" - é que não se opõem às opiniões em geral, mas somente àquelas que não sejam... de esquerda. Estranha imparcialidade essa, como se vê. A essas pessoas, digo apenas que, ao contrário delas, não tenho qualquer preconceito ideológico, pelo contrário: tenho por hábito concordar com quem concordo, e discordar de quem discordo, sem olhar antes para que time ele ou ela torce. Coincidentemente, a maior parte das opiniões de que discordo estão vinculadas à esquerda. Isso só mostra que quem deve rever seus conceitos é a esquerda, não eu.

É evidente, para quem tem um mínimo de discernimento, que as tão faladas "imparcialidade" e "equilíbrio" cobradas sempre que o tema em questão é espinhoso não passam, na maioria dos casos, de uma desculpa para que se exercite um duplo padrão moral. Disso, pelo menos, não poderão me acusar. Quando se trata de ditadores, como Fidel e Pinochet, adoto uma postura, sim, ideológica: condeno a ambos, por serem ditadores, com o agravante de que o cubano matou muito mais e que a tirania que instalou é mil vezes mais nefasta. E os que pregam a neutralidade como suprema virtude política, será que podem dizer o mesmo?
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Uma música idiota dos anos 80 - talvez a época mais idiota de todos os tempos, pelo menos em música - tem o seguinte refrão: "Ideologia/Eu quero uma pra viver". Durante décadas, os esquerdistas - e o cantor era um deles - ostentou sem pudores sua posição ideológica, exigindo que os demais abraçassem sua visão de mundo totalitária. Agora, quando vivemos uma época pós-Muro, afirmam que as ideologias estão mortas e que é preciso "olhar a realidade a partir de todos os ângulos possíveis". Hmmmm... Impossível não sentir um cheiro de tapeação no ar.

Chamem-me, portanto, de parcial ou ideológico, eu não me importo. Aliás, eu até revindico esses epítetos. Afinal, diante de ameaças à vida e à liberdade, somente os tolos ou os incrivelmente cínicos não adotam uma atitude entusiasta - no caso, de entusiasta indignação. Quando se trata de denunciar ditaduras, ou as trambicagens dos petralhas, é preciso agir com o fígado. A imparcialidade, em casos assim, é um outro nome para a indiferença. E a indiferença, a História não cansa de mostrar, é a maior aliada de tiranos e assassinos.

quinta-feira, agosto 27, 2009

UM MUNDO PERFEITO


A recente lei estadual que proíbe o cigarro em lugares fechados em São Paulo, da qual já falei aqui, parece confirmar um padrão. A cada dia, uma nova lei ou um novo projeto de lei aparece com a melhor das intenções, visando a nos proteger de nós mesmos e a criar um mundo perfeito. Vou também dar minha contribuição a essa nova utopia que querem construir, escrevendo este texto que, espero, sirva de receita para os que querem nos fazer voltar aos seis anos de idade. .

Uma vez banida definitivamente a fumaça de cigarros, charutos e cachimbos de ambientes fechados como restaurantes, bares e boates - aonde as pessoas vão, como se sabe, somente em busca de prazeres saudáveis e inocentes -, uma pesquisa do governo, usando dados do Banco Mundial e da Organização Mundial da Saúde, revela que a fumaça do cigarro é dois milhões de vezes mais cancerígena do que um inofensivo cigarro de maconha. Com as estatísticas em mãos, o governo e a imprensa a ele afiliada iniciam, então, uma campanha de esclarecimento e conscientização pública sobre os graves riscos do vício do tabagismo. A opinião pública, devidamente esclarecida e conscientizada sobre as altas somas em dinheiro dispendidas pelos cofres do Estado para tratar de doenças provocadas pelo vício de fumar, como ataque cardíaco e câncer de pulmão, dinheiro que poderia estar sendo melhor empregado, resolve apoiar, em silêncio, uma nova lei, que, em nome da saúde de todos e do erário, pune com cadeia e/ou internações compulsórias em spas e clínicas de reabilitação os praticantes do nefando hábito de tragar fumaça, mesmo que o façam dentro de casa, longe das narinas e dos pulmões alheios. Ao mesmo tempo, é aprovada lei, já existente em outros países, que põe fim à absurda proibição do hábito de fumar um baseado - sabidamente uma questão de liberdade individual - e abre caminho para que essa inocente folha seja comercializada livremente...

Mas a luta por uma vida mais saudável e por um mundo perfeito não se encerra aí, claro. Nenhuma medida é radical demais para atingir o objetivo de tornar a vida das pessoas melhor e mais feliz. O próximo alvo das patrulhas dos bons costumes são as bebidas alcoólicas, essas conhecidas destruidoras da saúde física e mental de milhares de pessoas. Em nome do bem comum, os agentes do governo passam a investir pesado contra os lugares que vendem esses abomináveis instrumentos do vício e da degradação humana. Logo os donos de botecos e restaurantes, convencidos por uma eficiente campanha de conscientização e por leis cada vez mais rigorosas, deixam de vender cerveja e uísque, e passam a servir apenas suco de groselha.

Livres do fumo e do álcool, os cidadãos e cidadãs, cada vez mais robustos, entregam-se a hábitos cada vez mais saudáveis, imitando, de forma inconsciente, o que é repetido sistematicamente, 24 horas por dia, pela propaganda oficial e semi-oficial. Não é difícil perceber, então, as desvantagens inegáveis para as coronárias do costume de comer carne vermelha. Surge, assim, uma nova lei, impondo a todos o hábito benéfico do vegetarianismo. Picanhas e maminhas, alcatras e filés, assim como doces e comidas gordurosas, de agora em diante passam a servir apenas aos cachorros da casa. Uma medida provisória aprovada por unanimidade no Congresso cria então o Departamento de Nabos e Cenouras do Ministério da Boa Alimentação, e logo todos se deixam levar, compulsoriamente, pelo dever patriótico de comer brócolis e beterraba nas refeições.

A cruzada pró-saúde não se limita ao terreno da culinária. Sempre tendo em vista a higidez e a segurança da população, o governo sabiamente realiza um plebiscito no qual, com o apoio de ONGs pela paz, tenta banir de vez a posse de armas de fogo portáteis, iniciando uma campanha para que os cidadãos entreguem seus revólveres calibre 32 e suas espingardas de caça em alguma delegacia de polícia. A idéia é engenhosa: como o cigarro e o álcool, armas são perigosas; logo, devem ser colocadas longe do alcance das pessoas, devendo sua posse ser restringida aos agentes do Estado e aos criminosos, que infelizmente não costumam obedecer a leis como essa. Exatamente como remédios e facas de cozinha devem ser mantidos sempre fora do alcance de crianças. O raciocínio é simples: sem cigarro, não há câncer; logo, sem armas de fogo, não há mortes. Assim como sem facas de cozinha, não há acidentes. O fato de facas de cozinha serem algo necessário é um detalhe.

Com os pulmões, o fígado e as artérias desintoxicados, além de salvos de qualquer possibilidade de acidente doméstico, os cidadãos, fortes como touros, percebem que falta algo ainda para que os hábitos do passado sejam enterrados para sempre, rumo a um bravo e delicioso mundo novo feito de água de coco e sopa de rabanete. De nada adianta uma dieta 100% sem gordura se esta não vem acompanhada do abandono da preguiça e do sedentarismo. É baixado então um decreto, ou portaria oficial, instituindo a obrigatoriedade da ginástica matinal. Todos os dias, ao amanhecer, os cidadãos e cidadãs deverão, por força de lei, enfileirar-se no parque mais próximo ou nos pátios das escolas, onde repetirão alegremente duas ou três sessões de polichinelo ou de flexão. Isso, claro, com o acompanhamento de profissionais em educação física, gentilmente cedidos pelo Ministério da Boa Forma. Quem não se dispuser a cumprir esse dever para com a própria saúde será devidamente penalizado, assim como responderá a processo quem desobedecer a obrigação de limpar as orelhas e escovar os dentes.

Mas, como nem tudo na vida é almoço, jantar e ginástica, é preciso também zelar pela boa saúde mental dos cidadãos. Filmes e programas de TV que estimulem maus hábitos, mostrando cenas ou notícias que possam ser consideradas nocivas para o bem-estar moral da coletividade, portanto, devem ser banidos da programação normal. Comédias satíricas e debates políticos, por exemplo, que estimulam a irreverência e põem em dúvida o que diz o governo, gerando dissensão e discórdia, não estão em sintonia com o mundo perfeito que se quer construir. Devem, portanto, ser cancelados, e, em seu lugar, deve entrar apenas uma grade compatível com a moral e os bons costumes. Nos cinemas e na TV, nada de sexo e violência: apenas Bambi e programas de culinária (vegetariana, claro), além de novelas açucaradas (pelo menos aqui não faltará açúcar). Também nada de termos chulos ou de mau gosto, como chamar negro de negro ou boiola de boiola. Um novo Dicionário, apenas com as palavras mais adequadas para se referir a esse ou aquele grupo social, étnico ou racial, será adotado nas escolas e repartições, e não usar as palavras nele contidas acarretará uma sanção legal para o infrator. Será criado um novo critério para definir os indivíduos daqui para a frente. Não haverá mais Fulano ou Sicrano, apenas o "afro-descendente", o "membro da comunidade GLBTT", e assim por diante, tratados com todo respeito e reverência.

Até aqui, parece que já alcançamos o paraíso na Terra. Mas quê! A capacidade humana de estragar o que é belo e saudável é, infelizmente, infinita. Então, para não deixar qualquer dúvida de que estamos mesmo entrando em uma nova era de harmonia e felicidade, todos os livros e revistas com temas considerados pouco recomendáveis deverão ser recolhidos e destruídos. Sexo e violência, coisas que, como sabemos, perturbam nossa paz de espírito e nos desviam desse mundo harmonioso que queremos criar, nunca mais. Assim, estórias infantis como Branca de Neve e Chapeuzinho Vermelho deverão ser reescritas, inserindo-se nelas um final feliz sem maçãs envenenadas, nem lobos maus abatidos a tiros, para o bem de nossas criancinhas e de nós mesmos. Será criado um índice de livros proibidos pelo Estado, e ser apanhado em flagrante lendo qualquer tipo de material não aprovado pelo Gabinete Estatal de Leitura será um crime do pensamento, com o infrator devidamente enquadrado no Código Penal. Nas escolas e universidades, em lugar de clássicos como MacBeth, ou dos livros licenciosos de Eça de Queiroz, apenas textos edificantes e de auto-ajuda, produzidos em série pelo Departamento de Ficção do Ministério do Texto Educativo. Em breve, nos vestibulares, em vez de Homero e Shakespeare, os grandes nomes da literatura analisados serão Gabriel Chalita e Zíbia Gasparetto.
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Ai está! Se você pensou, ao ler este texto, na realidade descrita em obras como 1984, de George Orwell, ou Fahrenheit 451, de Ray Bradbury, você não pensou errado. É justamente para esse tipo de sociedade - coletivista, sufocante, totalitária - que idéias cretinas e imbecis como a lei anti-fumo de São Paulo estão nos levando. É precisamente esse o mundo tido como ideal pela boiolice politicamente correta - um ambiente em que a liberdade de escolha individual será aniquilada, dando lugar a um rebanho de pessoas infantilizadas e dependentes. Será um mundo perfeito, sem dúvida. Perfeitamente idiota.

segunda-feira, agosto 24, 2009

RÉQUIEM PARA O PETISMO

A semana que passou foi marcada talvez pelo momento mais baixo, dentre muitos momentos semelhantes, na história do Partido dos Trabalhadores. Digo "talvez" porque, com os petistas, infelizmente, jamais se pode dizer que a crise atual será a última, e que eles atingiram o fundo do poço. Quase certamente, o escândalo atual será esquecido, como foram tantos outros, apenas para ser substituído por outro, ainda mais cabeludo. É assim com essa gente. O poço, para eles, é como as contas públicas: não tem fundo.

Refiro-me, claro, à Operação Salvem o Sarney, ditada desde o gabinete do presidente da República - mas podem chamar Operação Dilma 2010, que dá na mesma. Se havia ainda alguma dúvida - e, acreditem, ainda há quem as tenha - de que o PT nada mais é do que uma correia de transmissão da vontade de Lula, e que esta é atualmente a mesma de figuras como Sarney, Collor e Renan Calheiros, a farsa encenada no tal "conselho de ética" no Senado tratou de enterrá-la para sempre. Irrevogavelmente, como diria o senador Aloízio Mercadante, o Irrevogável, que deu um novo sentido à palavra no episódio, depois de uma conversa com o chefe.

Como acontece quando a vergonha é grande demais para esconder, a salvação do neocompanheiro Sarney gerou algumas defecções na grei petista. A mais notável foi a da senadora Marina Silva, que se bandeou lá para o lado dos verdes, onde aliás sempre esteve. Saiu dizendo que o governo Lula não dá bola para as "causas sociais" etc. Como se fosse somente agora, com a pantomima do Senado, que estivesse claro que coisas como Bolsa Família e Fome Zero nunca passaram de um engodo para iludir os trouxas e perpetuar o que dizem combater. Mais honesto foi, a meu ver, o senador Flávio Arns, que, talvez por estar no primeiro mandato, pôde se dar ao luxo de certa sinceridade. Só errou, e errou feio, ao dizer que o PT jogou no lixo seu ideário etc. e tal. O "ideário" do PT, como está demonstrado com clareza quase pornográfica, nunca foi outro senão o poder, única e simplesmente. Assim como o único compromisso de Lula é com Lula. Se era para pular fora do barco e se mostrar decepcionado com um partido que teria rasgado suas bandeiras, a defecção de Arns está pelo menos quatro anos e um mensalão atrasada.

Do mesmo modo, como a glória tem mil pais, mas a vergonha é órfã, não faltará também quem tente, numa hora dessas, descolar o PT da figura de Lula, como se o opróbrio devesse recair somente sobre o PT, e não sobre Sua Excelência, o presidente da República. Falso. Se há algo que a atitide da tropa de choque pró-Sarney deixou claríssimo é que Lula é o PT, e o PT é Lula. Mercadante que o diga. O petismo e o lulismo são inseparáveis. Não haveria PT sem a figura de Lula que o unisse e lhe desse sustentação, assim como não haveria Lula sem o esquerdismo acadêmico que grassa no País há uns cinqüenta anos no mínimo, e que tratou de elevar o ex-operário à condição de santo. Lula é uma invenção da intelligentsia tanto quanto o PT foi uma mentira de sociólogos.

Hoje, aliás, a definição do que é Lula e do que é o PT está até mais abrangente. Pelo que se viu nesses últimos meses, Lula (e o PT) é Sarney, é Collior, é Renan Calheiros.

O que fica do papelão que o PT promoveu no caso Sarney é que o petismo, como ideologia, foi mesmo pro saco. Na verdade, o petismo, a versão tupiniquim mais elaborada do esquerdismo, foi uma ilusão popular, do tipo que é analisado por Charles Mackay em seu livro clássico. Mas engana-se quem pensa que os esquerdistas bocós e utopistas de galinheiro irão aposentar de vez seus sonhos revolucionários. O petismo pode ser um cadáver, mas o lulismo está aí, firme e forte. Será preciso muito mais do que um José Sarney para que ele vá para o lugar que lhe é de direito - a lata de lixo da História.
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Acendamos uma vela, portanto. Não para o lulismo, pois infelizmente este ainda nos atormentará por algum tempo. Mas para a vergonha na cara.

sexta-feira, agosto 21, 2009

A CULPA DOS PALESTINOS


O texto a seguir, de autoria de Alan Dershowitz, é um soco no estômago dos que engoliram a propaganda anti-israelense e antissemita (muitas vezes as duas são a mesma e única coisa) que muitas vezes passa por visão "neutra" e jornalismo. Demonstra claramente o vínculo entre o terrorismo islamita de grupos como o Hamas e o nazismo. Trata-se de algo sistematicamente omitido pela imprensa mundial, grande parte da qual prefere identificar supostas analogias entre o nazismo e... a ação de Israel (lembrem de quantas vezes as palavras "nazismo" e "genocídio" apareceram na cobertura dos grandes jornais sobre a ofensiva israelense contra o Hamas em Gaza alguns meses atrás).

Como demonstra Dershowitz, autor de Em Defesa de Israel (que eu recomendo), os laços do terrorismo palestino com o nazismo não são apenas retóricos: trata-se de um fato histórico abundamentemente comprovado com provas documentais, como mostra a trajetória do mufti (líder religioso) de Jerusalém, Haj Amin Al-Husseini, aliado de Hitler no extermínio dos judeus da Europa, e que infelizmente é pouquíssimo conhecido na atualidade (para quem quiser uma biografia do mesmo, recomendo Icon of Evil: Hitler's Mufti and the Rise of Radical Islam, de David G. Dalin e John F. Rothman).

A foto acima, que mostra Al-Husseini conversando animadamente com vocês-sabem-quem, é somente para ilustrar aquilo que é constantemente esquecido pelos que comparam israel ao nazismo.

O curioso é que o texto apareceu na net no momento em que eu comecei um animado debate com um conhecido meu sobre a Graphic Novel (que virou filme) Valsa com Bashir, de Ari Folman, em que se tenta fazer uma associação mais ou menos sutil entre a invasão do Líbano por tropas israelenses em 1982 e os campos de extermínio nazistas... Mas isso é assunto para outro post.

Leiam e reflitam. Sempre que alguém vier com uma conversa meio estranha sobre a "culpa dos israelenses", tentando, por vias diretas ou indiretas, associar o Estado de Israel aos campos de concentração e ao nazismo, lembrem de Haj Amin Al-Husseini.

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A "guerra cultural" do Hamas e seus laços históricos com o nazismo

Alan Dershowitz

O Hamas, a organização terrorista especializada em alvejar civis, agora decidiu, de acordo com uma manchete do jornal americano The New York Times, mudar "de mísseis para guerra cultural'', num esforço para angariar apoio do público para sua causa. Parte de sua campanha de relações públicas em andamento é descrever os israelenses como os "novos nazistas'' e os palestinos como os "novos judeus''. Para realizar essa transformação, será preciso se engajar em uma forma de negação do Holocausto, para apagar o registro histórico da ampla cumplicidade palestina com os "antigos nazistas'' em perpetrarem o verdadeiro Holocausto. Tornou-se uma parte importante do mantra dos apoiadores do Hamas que nem o povo palestino nem sua liderança tiveram qualquer participação no Holocausto. Ouça Mahmoud Ahmadinejad falando aos alunos da Universidade Columbia, nos Estados Unidos:

Mesmo que [o Holocausto] fosse uma realidade, ainda precisaríamos questionar se o povo palestino deveria estar pagando por isso ou não. Afinal, ele aconteceu na Europa. O povo palestino não teve nenhuma participação nele. Portanto, por que o povo palestino está pagando o preço por um evento com o qual ele não teve nada a ver? O povo palestino não cometeu nenhum crime. Ele não teve nenhuma participação na Segunda Guerra Mundial. Ele estava vivendo em paz com as comunidades judaicas e com as comunidades cristãs naquela época.

A conclusão que se deve tirar desse "fato'' é que o estabelecimento de Israel como conseqüência do genocídio do povo judeu pelos nazistas foi injusto com os palestinos. O cerne dessa afirmação é que nem o povo palestino nem sua liderança tiveram qualquer responsabilidade pelo Holocausto e, se alguma reparação é devida ao povo judeu, ela deve ser feita pela Alemanha e não pelos palestinos. Os propositores desse argumento histórico sugerem que o Ocidente criou o Estado Judeu por causa de sua culpa no Holocausto. Conforme esse raciocínio, seria compreensível se uma parte da Alemanha (ou da Polônia, da Lituânia, da Letônia, da França, da Áustria, ou de outras nações colaboradoras) tivesse sido alocada como terra dos judeus -- mas, por que a Palestina? A Palestina, de acordo com essa afirmação, foi tão "vítima'' quanto os judeus.

Ouço esse questionamento nos campi universitários nos Estados Unidos, e mais ainda nos da Europa.

A verdade, porém, é que a liderança palestina, apoiada pelas massas palestinas, teve um papel significativo no Holocausto de Hitler.

O líder oficial dos palestinos, Haj Amin Al-Husseini, passou os anos da guerra em Berlim, com Hitler, trabalhando como consultor sobre questões judaicas. Ele foi levado a um tour por Auschwitz e expressou apoio ao assassinato em massa dos judeus europeus. Ele também buscou "resolver os problemas do elemento judeu na Palestina e em outros países árabes'', empregando "o mesmo método'' que estava sendo usado "nos países da coligação entre Hitler, Mussolini e, posteriormente, o Japão''. Ele não ficaria satisfeito com os judeus residentes na Palestina -- muitos dos quais eram descendentes de judeus sefaraditas, que haviam vivido ali por centenas, ou até milhares de anos -- permanecendo como uma minoria em um Estado muçulmano. Como Hitler, ele queria ver-se livre de "todo judeu que restasse''. Como Husseini escreveu em suas memórias: "Nossa condição fundamental para cooperar com a Alemanha foi uma ajuda para erradicar até o último judeu da Palestina e do mundo árabe. Pedi a Hitler por uma garantia explícita para nos permitir resolver o problema judeu de maneira que conviesse às nossas aspirações nacionais e raciais e de acordo com os novos métodos científicos empregados pela Alemanha no manejo dos seus judeus. A resposta que obtive foi: "Os judeus são seus'''.

Aparentemente, em caso da vitória da Alemanha, o mufti estava planejando retornar à Palestina para construir um campo de extermínio, nos moldes de Auschwitz, perto de Nablus. Husseini incitou seus seguidores pró-nazistas com as seguintes palavras: "Levantem-se, ó filhos da Arábia. Lutem por seus direitos sagrados. Chacinem os judeus onde quer que os encontrarem. O sangue derramado deles agrada a Alá, nossa história e religião. Isso salvará nossa honra''.

Husseini não apenas exortou seus seguidores a matarem os judeus; ele também teve uma participação concreta na tentativa de fazer com que esse resultado acontecesse. Por exemplo, em 1944, uma unidade do comando árabe-alemão, sob as ordens de Husseini, saltou de pára-quedas na Palestina com a intenção de envenenar os poços e as fontes de água de Tel Aviv.

Husseini também ajudou a inspirar o golpe pró-nazista no Iraque e auxiliou a organizar milhares de muçulmanos nos Bálcãs em unidades militares conhecidas como divisões Handshar, que cometeram atrocidades contra os judeus iugoslavos, sérvios, e ciganos. Após um encontro com Hitler, ele registrou em seu diário:

O mufti: "Os árabes eram os amigos naturais dos alemães. (...) Portanto, eles foram preparados para cooperar com a Alemanha de todo o seu coração e ficaram prontos para participar da guerra, não apenas negativamente, cometendo atos de sabotagem e de instigação de revoluções, mas também positivamente, pela formação de uma Legião Árabe. Nesse conflito, os árabes estavam batalhando pela independência e unidade da Palestina, da Síria e do Iraque...''.

Hitler: "A Alemanha estava resolvida, passo a passo, a pedir a uma nação europeia após a outra para resolver seu problema judaico, e, no devido tempo, a direcionar um apelo semelhante também a nações não-européias. O objetivo da Alemanha seria, então, somente a destruição do elemento judaico que estivesse residindo na esfera árabe, sob a proteção do poder britânico. No momento em que as divisões de tanques e os esquadrões aéreos alemães chegarem ao sul do Cáucaso, o apelo público requisitado pelo grão-mufti poderia ser feito ao mundo árabe''.

Hitler assegurou a Husseini de que maneira ele seria considerado a partir de uma vitória nazista e "da destruição do elemento judeu residindo na esfera árabe''. Nessa hora, o mufti seria o porta-voz mais dominante para o mundo árabe. Seria, então, tarefa dele dar início às operações que havia preparado secretamente.

As significativas contribuições de Husseini ao Holocausto foram multiformes: primeiro, ele pleiteou com Hitler o extermínio dos judeus europeus e aconselhou os nazistas como procederem para tanto; segundo, ele visitou Auschwitz e instou Eichmann e Himmler a acelerarem o ritmo do assassinato em massa; terceiro, ele, pessoalmente, impediu 4.000 crianças, acompanhadas por 500 adultos, de deixarem a Europa e fez com que fossem enviadas a Auschwitz e mortas nas câmaras de gás; quarto, ele impediu outros dois mil judeus de deixarem a Romênia e irem para a Palestina, e outros mil de deixarem a Hungria e irem para a Palestina, judeus esses que foram subseqüentemente enviados para os campos de extermínio; quinto, ele organizou a matança de 12.600 judeus bósnios por muçulmanos, a quem ele recrutou para a divisão nazista-bósnia da Waffen-SS. Ele foi também um dos poucos não-germânicos que tomou conhecimento do extermínio praticado pelos nazistas enquanto ele estava acontecendo. Foi na qualidade oficial de líder do povo palestino e seu representante oficial que ele fez seu pacto com Hitler, passou os anos da guerra em Berlim, e trabalhou ativamente com Eichmann, Himmler, von Ribbentrop, e com o próprio Hitler para "acelerar'' a solução final através do extermínio dos judeus da Europa e do planejamento para exterminar os judeus da Palestina.

O grão-mufti não apenas teve um papel significativo no assassinato dos judeus europeus, mas também buscou replicar o genocídio dos judeus em Israel durante a guerra que resultou na chamada Nakba. A guerra iniciada pelos palestinos contra os judeus em 1947 e a guerra iniciada pelos árabes em 1948 contra o novo Estado de Israel, foram guerras genocidas. O alvo não era meramente fazer uma purificação étnica contra os judeus da área, mas a total aniquilação deles. Os líderes assim o disseram e as ações de seus subordinados refletiram o objetivo genocida. Eles receberam auxílio de ex-militares nazistas -- membros da SS e da Gestapo -- aos quais havia sido dado refúgio no Egito, por causa da instauração dos processos por crimes de guerra, e que tinham sido recrutados pelo grão-mufti para completar o trabalho de Hitler.

Também é oportuno dizer que a solidariedade e o apoio pró-nazista de Husseini eram extensamente difundidos entre seus seguidores palestinos, que o consideravam como herói mesmo após a guerra e com a revelação da participação que ele teve nas atrocidades nazistas. A famigerada fotografia de Husseini com Hitler, juntos em Berlim, era ostentada orgulhosamente em muitos lares palestinos, mesmo depois que as atividades de Husseini no Holocausto se tornaram amplamente conhecidas e elogiadas entre os palestinos.

Husseini ainda é considerado por muitos como o "George Washington'' do povo palestino, e se os palestinos conseguissem um Estado para si, ele seria homenageado como fundador. O mufti foi o herói deles, a despeito de -- e muito provavelmente por causa de -- seu papel no genocídio contra o povo judeu, ao qual ele apoiou e prestou assistência abertamente. De acordo com o autor da biografia de Husseini: "Grandes partes do mundo árabe compartilharam da solidariedade [de Husseini] aos alemães nazistas durante a Segunda Guerra Mundial. (...) A popularidade de Haj Amin entre os árabes palestinos e dentro dos países árabes realmente aumentou mais do que nunca durante o período em que esteve com os nazistas''.

Em 1948, o Conselho Nacional Palestino elegeu Husseini como seu presidente, embora ele fosse um criminoso de guerra procurado, que vivia exilado no Egito. De fato, Husseini ainda hoje é reverenciado entre muitos palestinos como herói nacional. Yasser Arafat, numa entrevista realizada em 2002 e reeditada no jornal palestino Al-Quds em 2 de agosto de 2002, chamou Husseini de "nosso herói'', referindo-se ao povo palestino. Arafat também se orgulhava de ser "um dos soldados das tropas'', embora ele soubesse que Husseini era "considerado um aliado dos nazistas''. Atualmente, muitos palestinos em Jerusalém Oriental querem fazer da casa dele um santuário. (Ironicamente, essa mesma casa foi comprada por um judeu para construir o controvertido conjunto residencial judaico em Jerusalém Oriental.)

Portanto, é um mito -- outro mito perpetrado pelo comandante fabricador de mitos do Irã, bem como pelo Hamas e por muitos da extrema esquerda que buscam demonizar Israel -- que os palestinos "não tiveram nenhuma participação'' no Holocausto. Considerando o apoio concreto dado pela liderança e pelas massas palestinas ao lado perdedor de uma guerra genocida, foi mais do que justo que as Nações Unidas oferecessem a eles um Estado próprio em mais da metade das terras aráveis do Mandato Britânico.

Os palestinos rejeitaram aquela oferta e várias outras desde então porque queriam que não houvesse um Estado judaico mais do que desejavam seu próprio Estado. Essa era a posição de Husseini. O Hamas ainda tem a mesma posição. Talvez a nova "guerra cultural'' deles finalmente faça com que reconsiderem -- e aceitem a solução de dois Estados.

quinta-feira, agosto 20, 2009

O APEDEUTISMO DE LULA



Ai que prazer
não cumprir um dever.
Ter um livro para ler
e não o fazer!

Ler é maçada,
estudar é nada.
O sol doira sem literatura.
O rio corre bem ou mal,
sem edição original.
E a brisa, essa, de tão naturalmente matinal
como tem tempo, não tem pressa...

Livros são papéis pintados com tinta.
Estudar é uma coisa em que está indistinta
A distinção entre nada e coisa nenhuma.
Quanto melhor é quando há bruma.
Esperar por D. Sebastião,
Quer venha ou não!

Grande é a poesia, a bondade e as danças...
Mas o melhor do mundo são as crianças,
Flores, música, o luar, e o sol que peca
Só quando, em vez de criar, seca.

E mais do que isto
É Jesus Cristo,
Que não sabia nada de finanças,
Nem consta que tivesse biblioteca...

("Liberdade", Fernando Pessoa)
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Apedeuta [Do gr. apaídeutos.] Adjetivo de dois gêneros. 1.Sem instrução, sem educação. Substantivo de dois gêneros. 2.Pessoa ignorante, sem instrução. - Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa.


Lula disse em entrevista aquilo que todo mundo está calvo de saber, mas que reluta em dizer abertamente: não gosta de ler ("me dá sono"). Disse que até tentou folhear o novo livro de Chico Buarque, mas não conseguiu ir adiante (nesse caso, vai um desconto: como escritor, Chico Buarque é mesmo um excelente cantor, e o livro é mesmo um soporífero). Perguntado sobre o que gosta de ver na TV, nosso Guia Genial também foi claro quanto a seus interesses culturais: "quanto mais bobagem, melhor".

Uso o termo "apedeuta" para me referir a Lula faz algum tempo, e não sou o único a fazê-lo. Faço-o não por imitação, mas porque o termo, cujo significado no dicionário está aí em cima, é o mais adequado na Língua Portuguesa para classificar nosso companheiro-mor. Inclusive, já escrevi sobre o culto da ignorância que o rodeia, como poderá constatar quem tiver a curiosidade de pesquisar. Lula não é apenas alguém que não teve instrução: é o maior propagandista, entre nós, das virtudes da ignorância.

Claro, claro: sou um "preconceituoso" por dizer isso. Ainda há quem pense assim. Afinal, como é mesmo?, o homem veio da pobreza, não teve condições etc. etc. Seria verdade, não fosse por um pequeno detalhe, que repito aqui: desde que deixou o chão da fábrica, há uns trinta anos, Lula só não estudou porque não quis. Ou, como ele mesmo diz agora, porque é algo "que dá sono". Melhor assistir ao Ratinho.

Admito que esse é um aspecto, digamos, positivo, até simpático, em Lula. O fato de não ter tido instrução, de até um dia desses falar "menas" e ter problemas com o plural das palavras, é algo que certamente joga a favor de Lula, principalmente entre as classes mais baixas. É algo com que a maioria dos brasileiros se identifica com facilidade. Ainda mais no país dos "doutores" e dos "bacharéis", onde ter um diploma muitas vezes é confundido com sabedoria, isso não deixa de ser um diferencial. Confesso que entre um sujeito bonachão sem muita afinidade com as letras e um pernóstico e chato de galochas do tipo Rui Barbosa, prefiro o primeiro. Acho até que, se eu tivesse que optar entre tomar uns gorós e bater uma pelada com o Lula ou apreciar um Chadornay no Fasano com o Zé Serra, eu escolheria a primeira opção. Mas o problema é que Lula não foi eleito presidente do Clube dos Cervejeiros da Sexta-Feira ou do Arranca-Toco Futebol Clube, e sim presidente da República. Ser semi-analfabeto, quer se queira quer não, é um direito. Sentir orgulho de sê-lo, ainda por cima no posto mais alto do País, aí não. Aí já é demais.

Lula entrará para a História, se é que já não entrou, como o presidente que desmoralizou a ética, a esquerda, as instituições, a própria corrupção - e também a educação. Com ele, o Brasil regrediu uns cinqüenta anos, no mínimo. Ele é nosso índio de casaca, aplaudido e paparicado por uma legião de intelectuais embasbacados, tão ou mais ignorantes do que ele.

Lula diz que não gosta de ler. Ele tem razão. Ler não serve para nada. Principalmente, se você for Jesus Cristo, Tiradentes e São Francisco de Assis. Todos numa só pessoa.

quarta-feira, agosto 19, 2009

E LULA CONFESSA: ERA CONTRA O IMPEACHMENT DE COLLOR...

"- Fui bem, Fernandinho?
- Muito bem, meu presidente! Eles terão de nos engolir e digerir!"


“Getúlio foi levado ao suicídio porque era chamado de ladrão e corrupto todo dia. Juscelino Kubitschek era chamado de ladrão todo dia pelos denuncistas da época, a UDN moralizadora - a direita está cheia de ética para vender. Jânio Quadros renunciou por causa de forças ocultas, João Goulart caiu algum tempo depois, depois foi o Collor”.
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A declaração acima, é fácil adivinhar, é de Luiz Inácio Lula da Silva. Ela foi feita em entrevista ontem a uma rádio. Lula estava criticando o que chamou de "denuncismo" contra o presidente do Senado, seu ex-adversário e atual amigo de infância José Sarney.

Não, vocês não leram errado: Lula compara Sarney a Getúlio, Juscelino, Jânio, Jango e... Collor. Colocou todos eles no mesmo saco. Mais: disse que foram eles todos atacados pelas mesmas forças políticas. Todos eles? Todos. Collor também? Collor também. Mas, peraí, Lula não foi a favor do impeachment em 1992? Não foi, é o que o Apedeuta acabou de confessar. Então, foi tudo de mentirinha, tudo jogo de cena para enganar os trouxas? Foi.

Collor, como se sabe, é hoje aliado de Lula, assim como Sarney. Logo, de acordo com o único critério dos petistas para determinar suas alianças, está acima do bem e do mal. Esteve do outro lado um dia, e então era mau; agora, é nosso aliado, então pode tudo.

Assim como fazem pouco caso da lógica e da ética, os lulistas não têm qualquer pudor em falsificar a História, interpretando-a conforme suas próprias conveniências, confiando na amnésia coletiva. Nisso, apenas seguem uma velha tradição da esquerda, inaugurada por Stálin e suas famosas fotografias retocadas. Quando mandava executar algum camarada, Stálin ordenava que a imagem e o nome do fuzilado fossem apagados das fotos e registros oficiais, em que não raro aparecia ao lado dele, Stálin. Com Lula é um pouco diferente: ele faz questão de posar ao lado de quem ainda ontem condenava ao enxofre do inferno. Com isso espera apagar, também, a memória do que disse um dia, reescrevendo a História. Ele dizia ter sido a favor da "ética" e do impeachment de Collor? Pois agora ele compara Fernandinho a Getúlio e a Juscelino. Assim como faz com Sarney, que um dia desses ele chamava de "pai dos ladrões".
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Lula realmente confia na memória curta dos brasileiros. Para ele, Sarney está sendo vítima de uma campanha insidiosa lançada pelas mesmas forças políticas que levaram Getúlio ao suicídio em 1954 e que não deram sossego a Juscelino: a "UDN moralizadora", a "direita" etc. É... Agora adivinhem de que partido era José Sarney nessa mesma época: a... UDN! E logo da "banda de música", a ala, digamos, mais à direita da direitista UDN. Quando veio o golpe de 64, adivinhem de que lado estava o injustiçado Sarney: do lado do partido dos militares, o mesmo lado que teria levado Jânio à renúncia e João Goulart ao exílio.

E Collor? Aqui é que a frase de Lula é mais reveladora. Para o Guia Genial, o neocompanheiro Collor caiu por causa da ação das mesmas forças. Esqueçam aquela conversa toda de corrupção, PC Farias, tráfico de influências, Operação Uruguai etc. Não foi por isso que Collor teve de deixar a presidência, segundo Lula. Foi porque - a frase está lá - "a direita está cheia de ética para vender". Collor, quem diria, é mais uma vítima da "conspiração das elites e da mídia" que o Apedeuta gosta de denunciar de vez em quando. E os carapintadas? Um bando de reacionários moralizadores, de acordo com Lula.

Alguém poderia dizer que a frase foi apenas mais uma gafe, uma infelicidade verbal de Sua Excelência. Não foi. A frase revela todo o, digamos assim, "pensamento político" de Lula da Silva. Se havia alguma dúvida de que o discurso da "ética na política" adotado por Lula e pelo PT nos últimos anos era uma farsa, algo puramente instrumental para chegar ao poder, aí está o próprio Lula para confirmar e dar todo o serviço. É ele mesmo quem diz: Lula era contra o impeachment de Collor. Lula é contra a saída de Sarney.

Lembram aquela conversa do político e do partido mais éticos do Brasil? Pois é. Estão fechados com Collor, Sarney, Renan Calheiros, Almeida Lima e Wellington Salgado. Esses são os novos "progressistas" da política brasileira.
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Até pensei em colocar um ponto de exclamação no título deste post, como fazem os jornais sensacionalistas ("Lula era contra o impeachment de Collor!"), mas preferi colocar reticências... Tamanha é a perplexidade com as reviravoltas de Lula, a "metamorfose ambulante", que notícias assim nem causam mais surpresa. Os lulistas nunca deixarão de nos surpreender.
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Sei que é clichê, mas a frase é adequada: a que ponto chegamos...

terça-feira, agosto 18, 2009

O BRASIL AO LADO DAS TIRANIAS

Lula e seus amigos: sempre em más companhias...
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A revista inglesa The Economist publicou, no dia 13 de agosto, uma chamada de capa e um editorial intitulado "Whose Side is Brazil on?" ("De que lado está o Brasil?"), no qual questiona - no estilo da The Economist, entenda-se - a atual política externa brasileira. Com o subtítulo "Hora de Lula defender a democracia em vez de abraçar autocratas", a revista começa fazendo rasgados elogios ao governo Lula, dizendo que esta é "uma grande época para ser brasileiro", e que "o Brasil está agora em qualquer lista de meia dúzia de lugares que importam no século XXI" etc. etc. Diz que "nenhum encontro internacional, seja para discutir a reforma financeira ou a mudança climática, está completo sem Lula" etc. e tal, e enaltece a "bonomia" e o "instinto de conciliação" que permite a Lula ser chamado de "o cara" por Obama e de "nosso irmão Lula" por Fidel Castro.
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Em seguida, a revista prossegue nos elogios, reconhecendo que essa nova prominência do Brasil é devida em grande parte aos esforços de estabilização econômica mantidos por Lula e iniciados no governo FHC - ao contrário do que nos querem fazer crer os petistas, que depois de anos tentando minar a estabilidade agora reivindicam sua paternidade, a amnésia não tomou conta da imprensa internacional -, o que permite ao Brasil ser uma das últimas economias a entrar em recessão na atual crise mundial e uma das primeiras a sair dela, além de ser um dos pilares do BRIC etc. etc.
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No afã de elogiar o estado atual da economia brasileira, a revista chega a cometer exageros. Diz, por exemplo, que Lula merece aplauso por ter mostrado "coragem política em apegar-se a políticas econômicas responsáveis", ignorando pressões da esquerda para ir em sentido contrário e decretar uma moratória etc. (Ora, não é preciso coragem política, nem mesmo inteligência, para pular fora de um barco que está afundando, e foi isso que Lula e sua equipe fizeram em 2002: eles perceberam que, se não mudassem o discurso e adotassem a política econômica de FHC, que antes condenavam, não teriam como governar.) A revista vai além, e exagera ao ponto da mistificação, ao elogiar Lula por seu "instinto racional em economia", que "o transformou de protecionista em campeão do livre comércio" (!). (Qualquer um com um mínimo de conhecimento sobre a política comercial brasileira sabe que isso não é verdade.) Também a afirmação de que Lula, a despeito de seus altos índices de popularidade, "rejeitou sabiamente a idéia de mudar a constituição para garantir um terceiro mandato" não corresponde aos fatos, e qualquer um que tenha acompanhado as notícias nos últimos três ou quatro anos no Brasil sabe disso perfeitamente. (Lula deixou sua tropa de choque atuar livremente, recusando-se a desautorizar os que queriam um terceiro mandato para ele, para ver se dava certo.)
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Mas essa não é a questão principal. À primeira vista, a revista é só elogios, e o texto até parece matéria paga. Alguns petralhas mais afoitos inclusive se aproveitaram disso, editando e falsificando o editorial para parecer que ele só fala coisas boas de seu ídolo ("viram só? Até a dieconómiste tá falando bem de nosso guia genial e mestre!"). Mas não é nada disso. O editorial (quem quiser ler o original acesse aqui: http://www.economist.com/opinion/displaystory.cfm?story_id=14214011), ao mesmo tempo em que elogia o governo Lula - por virtudes que não são dele, mas vá lá -, é importante e merece ser lido e comentado por chamar a atenção para algo que está passando despercebido no Brasil. "Olhem mais de perto", diz a revista, e o legado do governo Lula "arrisca-se a parecer frustantemente ambíguo". Isso porque, "Acima de tudo, o Brasil precisa decidir o que representa e quem são seus verdadeiros amigos - ou corre o risco de outros fazerem essa escolha por ele".
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O editorial analisa então a relação do Brasil com os BRICs, mencionando que os dirigentes brasileiros preferem ver o País como uma potência "do Sul", mais do que ocidental, um líder do mundo em desenvolvimento, e adianta que isso pode ter um aspecto positivo. Mas lembra que a China ajudou a bloquear o pleito brasileiro a um assento permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas, e que a Índia fez muito para fazer afundar o livre comércio. E esse viés Sul-Sul da diplomacia brasileira tem outros aspectos mais negativos.
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A revista diz que, embora tenha renunciado a ter armas nucleares, aderindo ao Tratado de Não-Proliferação Nuclear (TNP) - em 1998, no governo FHC, logo não é algo do governo Lula -, o que, segundo a revista, é algo admirável, o Brasil se recusa a assinar um protocolo de salvaguardas avançado, e nega acesso total de inspetores internacionais a suas instalações nucleares civis. Mas isso não é o mais inquietante: o governo Lula, prossegue a The Economist, tem mostrado um "intrigante desprezo pela democracia e pelos direitos humanos além de suas fronteiras". Ao lembrar que "grupos de direitos humanos reclamam que na ONU o Brasil se alinha com países como a China e Cuba para proteger regimes abusivos", a revista menciona o fato de que Lula parabenizou Mahmoud Ahmadinejad nas eleições fraudulentas do Irã, tendo comparado os protestos da oposição aos de uma torcida de futebol após a derrota em uma partida. E recorda que, não por acaso, a primeira visita ao estrangeiro de Ahmadinejad após a posse será ao Brasil. A The Economist aponta, ainda - quero crer que ingenuamente -, que Barack Obama tem pedido que Lula "use sua influência" para persuadir seu convidado a suspender seu programa nuclear, e lembra que, se o Brasil assumir a presidência rotativa do Conselho de Segurança das Nações Unidas em janeiro, terá de lidar com a questão das sanções ao Irã. Convenhamos: com esse pano de fundo, será difícil esperar uma atitude "neutra" e "equilibrada" do Brasil na questão.
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Embora naquele modo extremamente polido que a caracteriza, a The Economist acerta em cheio ao identificar um tácito antiamericanismo - eu retiraria o "tácito", mas deixa pra lá - nessas atitudes do governo Lula. Assim como presta um serviço importante à verdade ao constatar que isso custa caro ao Brasil na América Latina, sobretudo diante dos arreganhos expansionistas e megalomaníacos de Hugo Chávez, lembrando que "Se agora há o temor de uma 'nova guerra fria' na região, como alguns no Brasil temem [e.g.: Marco Aurélio Garcia et al], o homem que ameaça começá-la não é o sr. Obama, mas um dos amigos mais próximos de Lula, Hugo Chávez". E dá como exemplos a recente tentativa dos bolivarianos de tomarem Honduras (a revista chama o movimento que derrubou Zelaya de "golpe mal conduzido", mas tudo bem) e, principalmente, as ameaças de guerra de Chávez contra a Colômbia por causa do acordo militar desta última com os EUA para combater o narcotráfico na região. E vai direto ao ponto: "Somente os paranóicos imaginam que isso [o acordo militar Colômbia-EUA] é uma ameaça à Venezuela ou à Amazônia. No entanto, o Brasil escolheu expressar preocupação com as bases enquanto permanece em silêncio sobre a escalada armamentista de Chávez e as provas claras de que gente dele vendeu armas às FARC." E encerra: "Ninguém espera que o Brasil aja como o xerife da América. Mas é do seu próprio interesse impedir uma nova guerra fria na região. O caminho para fazê-lo não é confundir democratas com autocratas, como Lula parece pensar. É constranger o Sr. Chávez ao dar uma declaração clara e pública em favor da democracia - o sistema que permitiu a um pobre operário metalúrgico chegar ao poder e mudar o Brasil. Por que outros países deveriam merecer menos?"
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A revista, como se vê, vai direto ao âmago da questão, apontando para algo que está sendo sistematicamente ignorado no Brasil. A política externa do governo Lula, por alguma razão que desafia a lógica (ou por alguma razão inconfessável), é apresentada por grande parte da imprensa brasileira como um sucesso de público e crítica. A The Economist revela que, lá fora, não é bem assim que as coisas são vistas. Aqui e ali, já se começa a perguntar aonde pode levar uma política externa que está se lixando para a democracia e os direitos humanos, e que mesmo assim pretende representar parte da humanidade. É uma pena que, no Brasil, estejam olhando para outro lado.
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Tenho apenas uma objeção ao editorial da The Economist, além das que já fiz no começo deste texto. A meu ver, o título da matéria não deveria ser uma pergunta. Na verdade, não há nada de "intrigante" na opção de Lula e cia. de apoiar ditaduras como a cubana e a iraniana, além de ignorar as provas contundentes de que o governo Chávez está fornecendo armas às FARC. Bastaria aos editores da The Economist cavarem um pouquinho mais e descobririam as relações entre esses atores e o Foro de São Paulo. Garanto que, se o fizessem, todas as dúvidas e perplexidades sobre os descaminhos da diplomacia brasileira se desvaneceriam em cinco minutos.
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À guisa de ilustração, vou citar aqui alguns fatos ocorridos nos últimos seis anos, que respondem claramente à indagação-título do editorial da revista:
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- Março de 2003 - A ditadura comunista de Fidel Castro em Cuba manda fuzilar três pessoas que queriam fugir do país e aproveita para condenar a longas penas de prisão 78 dissidentes políticos. Em reunião no Conselho de Segurança das Nações Unidas, o Brasil se abstém de condenar a tirania cubana;
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- Setembro de 2006 - O governo de Evo Morales "nacionaliza" duas refinarias da Petrobras na Bolívia, que são ocupadas por tropas do Exército. O governo Lula aceita passivamente;
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- Maio de 2007 - O protoditador da Venezuela, Hugo Chávez, fecha a rede de rádio e TV oposicionista RCTV. O governo Lula não vê nada de mal na medida, e a justifica como algo "perfeitamente legal";
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- Julho de 2007 - Dois pugilistas cubanos tentam fugir para a Alemanha durante os Jogos Pan-Americanos no Rio de Janeiro. Imediatamente, e a pedido de Fidel Castro, o ministro da Justiça Tarso Genro manda a Polícia Federal caçar e capturar os dois fujões, que são enviados às pressas, na calada da noite, dentro de um avião fretado por Hugo Chávez de volta à Cuba. Tarso Genro afirma que os atletas "se apresentaram voluntariamente" e "praticamente imploraram" para voltarem à ilha. Algum tempo depois, um deles consegue escapar para a Alemanha;
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- Fevereiro de 2008 - O ditador perpétuo de Cuba, Fidel Castro, "renuncia" ao governo, que passa a seu irmão, Raúl. Em entrevista à imprensa, Lula declara esperar que os exilados cubanos - cerca de dois milhões - não voltem à ilha;
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- Março de 2008 - O Exército colombiano mata o número dois das FARC, Raúl Reyes, num ataque a uma base guerrilheira em território do Equador. O governo equatoriano de Rafal Correa protesta contra o governo da Colômbia, alegando violação da soberania territorial do país. O governo Lula coloca-se inteiramente ao lado de Correa e de Hugo Chávez contra a Colômbia, desprezando as provas abundantes encontradas no laptop de Reyes, de que Correa e Chávez dão abrigo e apoio material às FARC. Em entrevista ao jornal francês Le Figaro, Marco Aurélio Garcia, "assessor de relações internacionais" de Lula, declara que o governo brasileiro é "neutro" em relação às FARC. Algum tempo depois, em 31/07, a revista colombiana Cambio divulga provas de que as FARC mantém ligações com importantes figuras do governo Lula. Nada mais se fala sobre o assunto;
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- Dezembro de 2008 - Em reunião na Costa do Sauípe, na Bahia, o governo Lula patrocina a entrada de Cuba no Grupo do Rio - sem pedir nada em troca;
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- Dezembro de 2008-Janeiro de 2009 - Forças israelenses atacam bases do grupo terrorista palestino Hamas na Faixa de Gaza. O governo Lula condena a "reação desproporcional" de Israel, esquecendo-se que o Hamas jurou varrar o país do mapa;
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- Maio de 2009 - São realizadas eleições presidenciais no Irã, fraudadas a favor de Mahmoud Ahmadinejad. Eclodem protestos e manifestações de rua contra a fraude. A polícia religiosa prende e mata diversos manifestantes. Numa declaração memorável, Lula afirma que os protestos e as mortes no Irã são uma questão, sabe, de vascaínos versus flamenguistas;
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- Junho de 2009 - Em reunião da OEA em Honduras, o Brasil vota a favor da suspensão da exclusão de Cuba da organização, sem que fosse apresentada à ditadura cubana qualquer condição - novamente, não se fala em liberdade para os presos políticos, fim da censura, eleições livres e plurais, nada disso;
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- Junho de 2009 - O Congresso e o Judiciário, com o apoio das Forças Armadas e da maioria da população, depóem Manuel Zelaya da presidência de Honduras. Zelaya é deposto porque tentou dar um golpe civil, convocando um referendo ilegal e inconstitucional para reeleger-se ao estilo chavista. O governo Lula prontamente condena o "golpe" - não o de Zelaya - e exige o retorno do golpista Zelaya ao poder;
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- Julho de 2009 - Em reunião da União Africana na Líbia, à qual comparece como convidado, Lula é chamado de "meu amigo, meu irmão" pelo ditador líbio Muamar Kadafi, e recebe o agradecimento do ditador do Sudão, Omar Al-Bashir, pela posição do governo brasileiro na questão de Darfur (300 mil mortos desde 2003, mas o Brasil se recusa a condenar o regime de Cartum no Conselho de Direitos Humanos da ONU).
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Creio que os exemplos elencados acima falam por si mesmos. Ao contrário do que indaga a The Economist, Lula já decidiu quem são seus verdadeiros amigos. Alguém ainda tem alguma dúvida sobre de quem se trata?

segunda-feira, agosto 17, 2009

LULA E NIXON


Assisti, no último fim de semana, a Frost/Nixon, filme de Ron Howard sobre a famosa entrevista que o ex-presidente dos EUA, Richard M. Nixon, concedeu em 1977 ao apresentador britânico David Frost. Recomendo-o entusiasticamente. Poucas vezes vi um filme tão eloqüente, tão sagaz e inteligente, sobre um dos políticos mais controversos da História norte-americana e mundial no século XX. E, como tentarei mostrar mais adiante, poucas vezes houve obra tão politicamente oportuna, tão adequada à compreensão dessa época tenebrosa em que vivemos nessa terra de papagaios.

Primeiro vamos à história, para quem não a conhece: em 1977, Richard M. Nixon estava afastado do poder há três anos, após ter sido obrigado a renunciar para fugir ao processo de impeachment que lhe fora movido por sua participação no acobertamento do escândalo de Watergate – a tentativa mal-sucedida de agentes da Casa Branca de instalar aparelhos de escuta na sede do Partido Democrata, durante a campanha presidencial de 1972, ganha pelo republicano Nixon. Graças à tenacidade de um juiz rigoroso e de dois repórteres do Washington Post, Bob Woodward e Carl Bernstein, o caso resultou no maior escândalo político da História dos EUA, levando à descoberta de um rosário de crimes cometidos pelo presidente, de espionagem à obstrução da Justiça. Acuado pelas denúncias, não restou a Nixon nada mais a fazer senão renunciar à presidência em 1974, no único caso, até agora, de um presidente norte-americano que renunciou ao cargo, deixando um país traumatizado e o mundo atônito.

Três anos depois, beneficiado por um perdão presidencial, Nixon ensaiava um retorno à política. Um apresentador de TV britânico, David Frost, tem a idéia de entrevistar o ex-presidente, com o único propósito de ganhar uma dinheirama, mirando no ibope. Frost é fútil e despolitizado, com fama de playboy, e apresenta programas de fácil apelo popular. É um deslumbrado em busca de fama, que espera alcançar entrevistando Nixon. Após desembolsar do próprio bolso US$ 200 mil, ele consegue a entrevista, que Nixon espera sirva de trampolim para sua volta ao poder.

Os assistentes de Frost, porém, têm uma idéia diferente: esperam que a entrevista não vire uma rasgação de seda ou um palanque para Nixon, o político mais odiado, com exceção talvez de George W. Bush, que já ocupou a Casa Branca. “Há apenas uma coisa que interessa sobre Richard M. Nixon: uma confissão”, diz um dos produtores do programa a Frost. Inicialmente, Frost discorda, e as primeiras sessões da entrevista são totalmente dominadas por Nixon. Político experiente, ás da manipulação, ele consegue colocar Frost no bolso, esquivando-se das questões mais espinhosas. Ao perceber que, diante disso, os patrocinadores se retraem, e que ele corre o risco de perder os programas que mantém na TV, Frost se desespera. Mas um telefonema no meio da noite o faz mudar de idéia sobre a entrevista, e o convence de que Nixon precisa ser desmascarado.

É então que chega o último dia da entrevista, em que o tema é Watergate. Frost havia estudado de forma aprofundada as gravações das fitas do caso, em que Nixon aparece cometendo uma série de crimes, instruindo seus assessores a rasgar a lei e subornar testemunhas. O que começa, então, em vez da conversa amena dos primeiros dias, é um verdadeiro duelo, o mais demolidor já visto na TV sobre um político norte-americano: com as anotações em mão, Frost encosta Nixon na parede, apresentando os fatos do escândalo e forçando o ex-presidente a dizer o indizível. De início, Nixon faz o que todo político faz em uma hora dessas, tentando tergiversar e mudar de assunto. Mas, diante da insistência do entrevistador, não resiste e acaba confessando, dando todo o serviço. Perguntado se não considera delito o que fez, Nixon esbraveja, num acesso de sinceridade: “Se o presidente faz, então é legal”. Nesse momento, ele percebe que tinha diante de si um adversário à altura, e que sua vida política chegara ao fim. “Minha carreira política acabou”, diz em seguida, melancolicamente. Antes, faz o impensável: confessa que errou, e humildemente pede desculpas ao povo americano por tê-lo decepcionado. “Dick Trapaceiro”, o político arrogante e maquiavélico, dá lugar a um sujeito destruído, digno de compaixão. Ao final, a câmera foca o rosto de Nixon, abatido e cansado, com o mão no queixo, pensativo. O retrato perfeito da derrota. A brilhante interpretação de Frank Langella como Nixon, que lhe valeu uma indicação ao Oscar de melhor ator, dá mais brilho à cena.

A entrevista Frost/Nixon entrou para a História como um momento único na televisão, pois mostrou, pela primeira e única vez, a face humana, sem máscaras, de um ex-presidente que todos pareciam odiar. Todos sabiam que Nixon era culpado, mas faltava a admissão de culpa. Faltava a confissão. E ela veio, arrancada a fórceps pelo mais improvável dos entrevistadores. Algo assim como Paulo Maluf admitindo ter desviado dinheiro dos cofres públicos diante de Gugu Liberato. Eu falei Maluf? Não, a comparação não é adequada. A confissão de Nixon a Frost só se compara a Lula reconhecendo ter sido ele o chefe do mensalão no Programa do Ratinho.

É aqui que entra a importância do filme de Ron Howard para os tempos atuais e para o Brasil atual. Nixon tem alguns pontos em comum e algumas diferenças com Lula. As trajetórias dos dois políticos, para começo de conversa, guardam algumas semelhanças: filho de um dono de posto de gasolina da Califórnia, Nixon sempre se sentiu um enjeitado, um forasteiro num mundo de esnobes. Era um ressentido, que não cansava de se queixar de como os filhinhos-de-papai da Costa Leste o desprezavam, por sua origem humilde (dois irmãos seus morreram de tuberculose na juventude) e por ter dado duro para subir na vida, ao contrário de Kennedy, por exemplo, o que talvez explique sua paranóia. Do mesmo modo, Lula faz questão de frisar, em seus discursos, sua origem pobre de filho de retirantes nordestinos, exibindo-a orgulhosamente, assim como sua pouca instrução, como um certificado de “brasilidade”, de que é alguém “do povo” (quanto a ter dado duro, é outra questão).

Assim como há semelhanças, há diferenças importantes. Nixon era uma figura trágica, um político paranóico que jamais conseguiu o que todo político deseja: ser amado, ser popular. Nisso ele contrasta com Lula, que ostenta índices de popularidade inéditos (graças principalmente ao assistencialismo e ao paternalismo estatal, mas isso é outra coisa). A começar por sua aparência física – ele parecia nervoso e pouco à vontade diante das câmeras, o que lhe valeu a derrota no debate presidencial para o bonitão John F. Kennedy em 1960 –, Nixon era uma ave estranha na política norte-americana, cada vez mais dominada por assessores de imagem e marqueteiros. Inseguro, ele sempre teve a imprensa como sua maior inimiga, a exemplo de Lula - mas, aqui, pode-se dizer que Nixon tinha alguma razão em queixar-se. Quando falava de sua infância humilde, Nixon causava repulsa pela tentativa piegas de manipulação emocional. Quando faz o mesmo, Lula arranca aplausos e lágrimas de platéias embevecidas. (Não por acaso, estão até fazendo um filme sobre sua vida: não esqueçam de levar um lenço.) Nixon, com todos os seus defeitos, tinha uma dimensão histórica. Já Lula é uma caricatura de homem público, beneficiado por décadas de adulação e condescendência para com sua figura, elevada à santidade.

A imprensa brasileira jamais tratou Lula como a norte-americana tratou Nixon, e a entrevista com David Frost mostra isso claramente. Ao contrário de Nixon, que podia dizer que, desde o primeiro dia de governo, teve a grande imprensa contra si, Lula é em grande parte uma criação da imprensa brasileira, que o poupou de críticas durante praticamente a metade de seu primeiro mandato – sua primeira entrevista coletiva ocorreu apenas um ano após sua posse, e desde então o governo tem tentado, de todas as maneiras, acabrestar a imprensa, que os petistas continuam chamando de “mídia golpista”. Pois a “mídia golpista” de que se queixam os devotos de Lula continua a poupá-lo, quando não a apoiá-lo abertamente, recusando-se a apurar irregularidades no atual governo. Falta-nos um David Frost para arrancar de Lula o que ele esconde de todos. Também, pudera: é difícil desconstruir um santo.

Até Nixon admitiu seus erros e pediu desculpas por eles. Lula, não. E, até por falta de quem o pressione, é improvável que o faça um dia. Sua defesa, embora mutante, é sempre a mesma: começou com o “é uma conspiração da mídia e das elites”, passou pelo “fui traído” e pelo “não sei de nada, não vi nada”, até chegar ao “todos fazem igual” que já se tornou um mantra dos governistas para fugir à responsabilidade. E não há quase ninguém no horizonte que se disponha a desmascará-lo e a fazê-lo confessar seus delitos. Nixon tentou abafar o que fizera, mas, acuado, teve de renunciar. Diante de um entrevistador aguerrido, confessou e pediu desculpas à nação. Difícil, para não dizer impossível, ver cena semelhante com Lula. Nixon era um escroque, mas tinha alguma grandeza. Lula, não. Resta apenas o escroque.

O CRIME DE NÃO SER POLITICAMENTE CORRETO


Você fuma? Bebe? Gosta de churrasco? Aprecia contar piadas sobre gays ou alguma outra minoria racial, étnica ou sexual? É, enfim, uma pessoa espontânea e sem papas na língua, que tem seus hábitos para si e fala o que lhe dá na veneta, e não para agradar fulano ou sicrano? Se a resposta é sim, então, você é um criminoso.

Entrou em vigor há alguns dias uma lei estadual em São Paulo que proíbe o fumo em lugares públicos fechados, como bares e restaurantes. A justificativa é a de sempre: é preciso respeitar os pulmões dos não-fumantes. Mesmo se o estabelecimento dispor de uma área reservada aos apreciadores de um cigarro ou charuto, distante e separada dos demais, que ficariam assim livres das baforadas, como já ocorre em alguns lugares? Mesmo assim, diz a lei. A partir de agora, no estado de São Paulo, se você estiver num restaurante e quiser fumar um cigarrinho, terá que ser do lado de fora, na calçada, bem longe das pessoas com hábitos saudáveis.

Não tenho o hábito de fumar, e beber, só bebo socialmente, como se diz. Logo, tenho tudo para aplaudir essa lei do governador José Serra, como um passo importante para manter o ar limpo e diminuir a incidência de câncer do pulmão, entre outros benefícios. Tenho tudo para aplaudir a lei, mas não o faço. Pelo contrário: acho-a uma das leis mais estúpidas e idiotas dos últimos tempos, marcados por uma sucessão de leis estúpidas e idiotas. Digo por quê.

Sou contra a proibição do cigarro em bares e restaurantes, em primeiro lugar, porque se trata de mais uma lei ditada pelo politicamente correto que ameaça nos transformar a todos em ridículos repetidores de slogans e em autômatos desprovidos de opinião própria. Prova disso é o clima de polícia que se estabeleceu logo após a decretação da lei, com funcionários públicos indo de mesa em mesa, de bar em bar, em blitz para fiscalizar e multar quem estiver desrespeitando a proibição. Clima ainda mais funesto por se impor sob o pretexto de que fumar faz mal à saúde etc. etc. Sim, é claro que faz mal à saúde. Isso significa que se deve tratar os indivíduos, maiores de idade e pagadores de impostos, como crianças? O que vem a seguir: uma lei que obrigue todo mundo a comer brocólis e beterraba? Um decreto obrigando todos a escovar os dentes?

É inegável que não fumar é melhor do que fumar, assim como beber e dirigir não combinam, e não estou discutindo isso. Estou discutindo uma mentalidade claramente autoritária e paternalista que, com a desculpa de que as pessoas não têm responsabilidade sobre suas próprias vidas, está se impondo no Brasil, de forma acrítica e quase sem encontrar resistência. Cada vez mais, o cerco aos fumantes, ou aos apreciadores de bebidas alcoólicas, ou de carne, está se fechando, sem que praticamente ninguém perceba o perigo intrínseco nesse tipo de cruzada: a restrição da liberdade individual. Dentro em breve, não duvidem, só se poderá beber suco de laranja e comer comida diet em bares e restaurantes, e será ilegal fumar ou beber até mesmo em casa, na privacidade do lar. Aliás, já é assim em alguns países do Oriente Médio.

Irrita-me esse cerco polical do politicamente correto, copiado do que vigora nos EUA (os politicamente corretos tupiniquins não costumam ser muito nacionalistas nessas horas). Além de constituir uma restrição à liberdade individual ("liberdade de encher os pulmões de fumaça?", poder-se-ia perguntar; sim, exatamente - quem disse que a liberdade deve ser liberdade só para o que é saúdavel? Liberdade é também a liberdade de fazer ou dizer besteira), além de restringir a liberdade, dizia eu, medidas como essa são também uma forma de infantilização mental, um rebaixamento do indivíduo à condição de criança irresponsável, incapaz de tomar suas próprias decisões e dependente do Pai-Estado. Também é algo de que se deve desconfiar: ainda espero alguém me explicar, com argumentos racionais, por que, entre os que aplaudem tão entusiasticamente a lei paulista, que agora ameaça ser imitada em outros estados, encontram-se muitos que advogam a descriminalização da maconha e outras coisas mais pesadas. Será que estão mesmo interessados na saúde dos pulmões - ou dos neurônios -, ou é tudo mais uma patacoada de bichos-grilos disfarçada de campanha anti-fumo?

A impressão que me deixa uma lei desse tipo é que a turma do politicamente correto não vai sossegar até proibir qualquer manifestação de liberdade e de independência pessoal. Seja na forma da proibição de fumar, seja na "lei seca" que faz a alegria dos taxistas, o que se está difundindo não é a noção de civilidade e de responsabilidade, algo essencial para uma sociedade democrática, mas tão-somente uma mentalidade de dependência em relação ao Estado e que deixa cada vez menos espaço às escolhas individuais. É, enfim, a entronização do Estado como pai - literalmente - dos cidadãos, que devem ser protegidos deles mesmos por leis cada vez mais severas. Ou seja, uma forma de tornar a todos estadodependentes. No país do Bolsa Família, convenhamos, isso deveria causar alguma preocupação por parte das cabeças pensantes.
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Se o cerco atual fosse somente aos atos dos indivíduos, como fumar ou beber, já seria algo extremamente grave. Mas se trata de algo que se dirige, principalmente, a suas opiniões. O mesmo raciocínio antidemocrático que existe por trás da proibição ao cigarro está por trás de recentes medidas que, para não melindrar suscetibilidades politicamente corretas, visam a restringir a liberdade de expressão e de pensamento. Por pressão de ONGs e de movimentos políticos, chamar alguém de "negro" ou "crioulo" no Brasil, mesmo que seja um congolês ou o Pelé, é crime de racismo (o correto seria "afro-descendente"). O mesmo vale para quem tiver a audácia de questionar o sistema de cotas raciais nas universidades. Já existe um projeto de lei tramitando na Câmara que pune criminalmente quem cometer o terrível crime de citar a Bíblia (se for religioso) para expressar sua opinião sobre o homossexualismo ou de contar, na mesa de bar, uma piada sobre gays. O resultado disso, a longo prazo, será aquilo que George Orwell chamou de newspeak, a nova língua criada para tolher a espontaneidade e agrilhoar o pensamento, com o conseqüente doublethink - o "duplipensar", ou o hábito, corrente em sociedades totalitárias, de negar a realidade dos fatos em nome do que diz o Grande Irmão. Em geral, as ideologias totalitárias não se contentam em dizer às pessoas o que comer ou beber, ou como devem se vestir: impõem a todos, também, uma forma de pensar. No Brasil, essa mentalidade perpassa quase todos os partidos políticos, como se vê no caso da lei paulista.

Estou exagerando? Talvez. Aliás, espero que sim. Mas não dá para não ficar inquieto quando se vê que leis como a de proibição do fumo em bares e restaurantes seriam certamente do agrado de um certo político austríaco, uns setenta anos atrás. Político, aliás, que detestava cigarro, era abstêmio e vegetariano. E que, como os politicamente corretos de hoje, não suportava quem não o fosse.