quinta-feira, outubro 08, 2009

FANTASMAS DO PASSADO


Um típico debate comunista
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Muitas pessoas fogem do passado como o diabo foge da cruz. Eu, não. Faço questão de lembrar os fatos de meu passado, mesmo os mais constrangedores. Principalmente esses últimos, pois acredito que se aprende muito mais com eles do que com as passagens mais abonadoras de nossa existência. É fácil se orgulhar daquela medalha que você ganhou no campeonato de salto em distância na quinta série primária, mas, a menos que você se torne um atleta, isso não vai acrescentar nada em sua biografia.

Não escondo de ninguém que participei, como simpatizante, de uma organização sectária ultra-esquerdista, quando eu tinha pouco mais de vinte anos de idade. Já escrevi aqui sobre essa minha experiência. Acho que não fiz nada de que eu possa me envergonhar: foi um aprendizado. Hoje vejo aqueles tempos com olhos críticos, até com certo carinho pelo jovem recém-saído da adolescência que acreditava, em sua santa ingenuidade e arrogância, que iria mudar o mundo. Vejo isso como algo meio ridículo, claro. Mas quem disse que o riso não encerra importantes ensinamentos?

Há quase dois anos mandei um e-mail para dois remanescentes dessa minha fase revolucionária, na qual eu sonhava em tomar o poder e fazer do Brasil uma república soviética. Ambos, até onde eu sei, continuam com as mesmas idéias daquela época, acreditando no colapso iminente do capitalismo e na vitória inexorável do comunismo etc. e tal. No e-maill, eu os desafiava a debater comigo suas teses. Ambos são professores em universidades públicas. Em tese, portanto, seriam pessoas abertas ao diálogo, ao debate franco e sem censura. Um deles nem sequer me respondeu. Outro me escreveu um e-mail, mas apenas para me chamar de reacionário e me pedir que eu não o escrevesse mais.

Se tem uma coisa que esquerdista teme mais do que qualquer outra, é o debate. Não os "debates" entre eles próprios, debates que só o são no nome, pois são mais comício do que outra coisa; mas debates de verdade, desses com dois lados, um a favor e outro contra. Devo ter assistido, quando eu estava na universidade, a uns duzentos "debates" entre um sociólogo marxista e um historiador esquerdista, em que os "debatedores" se esforçavam o máximo possível em estar de acordo que o capitalismo é uma porcaria e que o socialismo, seja lá que nome tiver, é o melhor dos mundos. Nunca vi, e desconfio que jamais verei, um verdadeiro confronto de opiniões entre, por exemplo, um esquerdista e um liberal (no Brasil sempre chamado de "neoliberal"). Quando tomam a palavra, os seguidores de Marx e Lênin são muito eloqüentes, falam em liberdade de expressão, dizem-se contra toda forma de censura etc. e tal. Mas quando são desafiados a expor suas idéias e a debatê-las com quem tem uma visão diferente, geralmente acovardam-se, retraem-se, escondem-se feito bicho do mato.

Coisa estranha, isso. E, ao mesmo tempo, bastante reveladora. Afinal, os esquerdistas de todos os tipos adoram dizer-se a favor da livre circulação de idéias e da discussão ideológica. Entre eles próprios, entenda-se. Quando aparece algum historiador ou filósofo que não pertence à sua grei, que não reza pela cartilha marxista ou politicamente correta, a reação dos "intelectuais progressistas" é sempre a mesma: refugiando-se sob a asa do "coletivo", redigem manifestos, organizam abaixo-assinados, fazem passeatas contra o atrevido que ousou invadir o "território deles" e desafiar o consenso etc. Fazem tudo, menos o que é necessário para o bem da honestidade: debater. Acreditam que a medida da verdade é a unanimidade e a força do número, não a razão e a lógica. O esquerdismo, pelo visto, é mesmo uma crença religiosa: para continuar existindo, precisa afirmar-se e reafirmar-se o tempo todo, pelo método performático e auto-indutivo, ou auto-hipnótico, sem admitir qualquer contestação, como fazem os pregadores evangélicos.

Como eu sou um teimoso incorrigível, não desisti de importunar meus ex-camaradas de sonho revolucionário. Mesmo sabendo que eles não estão a fim de papo. Mesmo sabendo que não querem discussão. Nem eles nem quase ninguém na esquerda. Não querem o debate. Querem aplauso. O meu, pelo menos, eles não vão ter.

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