quarta-feira, abril 30, 2008

UMA PEQUENA LIÇÃO DE HISTÓRIA


Fidel Castro e o premiê soviético, Nikita Krushev, 1961: o Brasil deveria ter votado a favor dessa aliança, diz atual Chanceler brasileiro

Estive ontem na cerimônia do Dia do Diplomata no Itamaraty, ocasião solene, seguida da formatura dos novos diplomatas. Estavam presentes o Presidente da República e o Ministro das Relações Exteriores, os quais, segundo o protocolo, discursaram na cerimônia. Fui para ouvir os discursos de Lula e do nosso Chanceler. O de Lula me decepcionou um pouco. Ele não estava em sua melhor forma. Como sempre faz nessas ocasiões, primeiro ele leu um texto previamente preparado, no qual, entre os rapapés de praxe, defendeu a atual política externa brasileira e respondeu as críticas ao programa brasileiro de biocombustíveis. Em seguida, fez seu já tradicional improviso, em que costuma soltar o verbo e a língua presa. Não estando num de seus dias mais inspirados, falou por cerca de trinta minutos, encerrando logo o discurso.
.
A fala de Celso Amorim, por sua vez, chamou-me mais a atenção. Discursando de improviso, nosso Chanceler desfiou os costumeiros auto-elogios à atual política externa brasileira, cobrindo-a de adjetivos como "independente" e "altiva", e enaltecendo os princípios que, segundo ele, norteiam a conduta diplomática do governo Lula, quais sejam a não-interferência ("mas não indiferença", emendou) e o respeito à autodeterminação dos povos. Em certo momento, querendo fazer uma ponte entre a orientação atual da diplomacia brasileira e a Política Externa Independente do governo João Goulart, Sua Excelência fez menção a Francisco Clementino de San Tiago Dantas, Chanceler brasileiro no período. Mais especificamente, referiu-se a um episódio em particular: a atuação do Itamaraty, então chefiado por San Tiago Dantas, na Reunião da Organização dos Estados Americanos (OEA) ocorrida em Punta del Este, Uruguai, em 1962, que decidiu pela expulsão do governo de Cuba do sistema interamericamo. Segundo Celso Amorim, se tal reunião ocorresse hoje, o Brasil não deveria ter optado pela abstenção, mas sim votado contra a exclusão do regime de Havana da OEA.

Por coincidência, o assunto é tema de um dos capítulos do livro que pretendo lançar ainda este ano, sobre as relações - formais e nem tão formais - entre o Brasil e Cuba, de 1959 até o reatamento diplomático, em 1986. Logo, não posso ficar indiferente a essa referência histórica. Como ex-professor de História e estudioso do assunto, não posso deixar de apontar na declaração acima um forte viés ideológico - no caso, a favor da ditadura cubana. Vejamos.
.
A VIII Reunião de Consulta dos Chanceleres Americanos, que se realizou em Punta del Este no final de janeiro e começo de fevereiro de 1962, foi convocada pela Colômbia no fim do ano anterior para discutir a permanência ou não do regime de Cuba na OEA, tendo em vista a transformação de Cuba num regime comunista. Em dezembro de 1961, Fidel Castro tornou irreversível essa sua decisão, ao se declarar, em discurso perante milhares de pessoas, um marxista-leninista "até a morte". Com isso, ele atirou ao lixo todas as promessas democráticas feitas no começo da revolução, e tornou oficial sua aliança com o bloco comunista liderado pela hoje defunta URSS. Na prática, ao se aliar a Moscou, Fidel Castro estava autoexcluindo-se da OEA.
.
A situação de um Estado declaradamente marxista nas Américas criou um dilema para os demais países do continente. Liderados pelos EUA, a maioria deles se colocou frontalmente a favor da exclusão de Cuba do convívio continental. Para tanto, invocaram a Carta da OEA promulgada em 1948, que declarou o comunismo incompatível com os princípios democráticos do sistema interamericano, declaração confirmada em reuniões posteriores (Caracas, 1954; Santiago, 1959; São José da Costa Rica, 1960). Por esse mesmo princípio, argumentou-se, nenhum Estado da região poderia aliar-se, sob pena de expulsão, a uma potência extracontinental (no caso, a URSS). Na votação que se seguiu, o governo cubano foi expulso da OEA por 14 votos a favor, 1 contra e 6 abstenções (Brasil, Argentina, Uruguai, México, Chile e Bolívia). A declaração final da reunião, que o Brasil subscreveu, também aprovou uma moção de condenação ao comunismo, reafirmando o espírito da Carta da OEA.
.
O voto brasileiro de abstenção na Reunião de Punta del Este foi alvo de fortes críticas no Brasil. Um grupo de ex-Chanceleres publicou inclusive uma nota no jornal O Globo criticando duramente a decisão. Em resposta, San Tiago Dantas teve de defender a posição do Itamaraty em relação a Cuba na TV e no Congresso Nacional. Sua argumentação foi essencialmente jurídica: embora condenasse o comunismo, declarando a preferência do governo brasileiro pela democracia representativa e sua crença na superioridade desse regime político, o então Chanceler adotou uma postura principista na Reunião, em defesa da não-interferência e da autodeterminação. Nesse sentido, apegou-se à própria Carta da OEA, que, se bem condenava o comunismo, não trazia nenhum instrumento jurídico que autorizasse a expulsão de qualquer de seus Estados-membros. Para que a exclusão de Cuba fosse juridicamente aceitável, argumentou San Tiago Dantas, seria preciso convocar uma nova Conferência da organização, e não uma Reunião de Consulta dos Chanceleres dos países americanos, como era o caso. O voto da delegação brasileira em Punta del Este sobre a questão cubana tornou-se um exemplo de argumentação jurídica na diplomacia brasileira, tendo sido exposto num livro clássico (Política Externa Independente, Civilização Brasileira, 1962).
.
Juridicamente falando, não há como não dar razão a San Tiago Dantas. De fato, sua lógica jurídica é impecável. Pelo ineditismo da situação - nunca antes havia sido instalado um regime comunista no continente -, esta exigia, do ponto de vista do Direito Internacional, um tratamento especial. Mas nem por isso pode-se dizer que a posição brasileira no episódio, assim como em relação à questão cubana em geral, fosse inatacável. Na época, nem San Tiago Dantas, nem qualquer outro diplomata brasileiro conhecia ainda a real dimensão da intervenção cubana nos assuntos internos dos países latino-americanos. Hoje, porém, não há como usar o desconhecimento desse fato como argumento. Nove meses depois da reunião, em novembro de 1962, a intervenção de Cuba nos assuntos brasileiros foi revelada quando foram descobertos, nos escombros de um avião comercial da Varig que caiu em Lima, Peru, documentos secretos na mala de um agente cubano que comprovavam os laços de Havana com as guerrilhas das Ligas Camponesas. Esse apoio se realizava desde 1961, portanto antes da Reunião de Punta del Este. Antes e depois disso, o governo de Fidel Castro deu amplo apoio político, moral e material - na forma de dinheiro e treinamento de guerrilha, principalmente - a milhares de guerrilheiros latino-americanos que tentavam derrubar, por meio da violência e do terrorismo, os governos da região. E não somente governos autoritários, como as ditaduras centroamericanas e os regimes militares da América do Sul - algo que se tornou costumeiro dizer nas décadas seguintes -, mas também governos democraticamente eleitos. Por exemplo: em 1964, na reunião seguinte da OEA, os países da região concordaram em romper relações com Havana depois que foi descoberto, no ano anterior, um carregamento de armas provenientes de Cuba para os guerrilheiros castristas que lutavam contra o governo constitucional do presidente Rómulo Betancourt, da Venezuela. A abstenção brasileira em Punta del Este teve pelo menos o aspecto da eqüidistância em relação ao caráter ideológico do regime castrista e à sua aliança com a URSS. O voto contra, defendido retroativamente por Celso Amorim, teria o mesmo significado de um voto a favor dessa aliança e da ditadura - e, por extensão, da intervenção cubana no hemisfério.
.
Essa pequena lição de História se faz necessária para colocar a frase de Celso Amorim em seu devido contexto. A decisão de expulsar Cuba da OEA, embora juridicamente discutível, foi acertada, pois Fidel Castro estava de fato interferindo abertamente nos negócios internos dos países da região, na forma do apoio a movimentos subversivos e revolucionários no continente. Logo, ao dizer que a atitude correta em relação a Cuba teria sido não a abstenção, mas o voto contrário à sua expulsão da OEA, Celso Amorim ou ignorou ou deu sua aprovação oficial às ações intervencionistas do regime de Fidel Castro, fartamente documentadas. Não há como não enxergar nisso uma boa dose de preferência ideológica pela ditadura dos irmãos Castro.
.
A Política Externa Independente (PEI) de João Goulart e San Tiago Dantas e a atual política exterior de Lula e Celso Amorim têm em comum o fato de reivindicarem uma postura de independência ideológica e de pragmatismo nas relações com os demais países. Em comum, também, têm a dificuldade de dissimular um certo viés ideológico, que está em clara contradição com esse discurso e que se manifesta principalmente nas relações com vizinhos problemáticos. No caso da PEI, isso se expressou sobretudo na questão cubana, na qual o governo Goulart oscilou entre as pressões de grupos à direita e à esquerda, com esses últimos passando a ditar a agenda do governo em sua fase terminal. No caso do governo Lula, a diplomacia brasileira coloca-se cada vez mais a reboque de um projeto ideológico estranho ao interesse nacional, como demonstra a atitude tíbia e complacente, para dizer o mínimo, em relação às peripécias de Chávez, Morales e cia. - sem falar na Cuba castrista, onde, segundo o Itamaraty, não há nenhuma violação aos direitos humanos. Declarações como a de Celso Amorim sobre Cuba não deixam dúvidas quanto a isso. De não-ideológica, a política externa brasileira tem muito pouco.

terça-feira, abril 29, 2008

FORJANDO ZUMBIS

O Cego guiando cegos, de Peter Bruegel, o Velho (1588)

O professor Carlão é uma figura. Suas aulas são bastante animadas. Ele costuma ilustrá-las com danças e coreografias, além de uma linguagem, digamos, bem despojada. Tem musiquinha também. Suas performances são um sucesso. Não por acaso, seus alunos parecem adorá-lo. Ele é, como se dizia antigamente, um sujeito boa-praça, um cara legal. Uma figuraça, o Carlão.
.
Carlão é professor de História no colégio Anglo de Tatuí, em São Paulo. Ele virou uma celebridade na internet. Tudo graças a um vídeo no Youtube, em que ele professa uma de suas - como direi? - aulas. Ele está falando sobre os EUA. Selecionei alguns trechos para vocês conferirem. Conheçam Carlão, professor de História, em toda sua forma:

- "a indústria alimentícia, a indústria de automóveis, a indústria de refrigerantes, a indústria de roupas está toda atrelada à indústria bélica. Isso todo mundo sabe." [sobre a indústria norte-americana]

- "Porque eles matam! Essa é a idéia da riqueza estadunidense. E eles matam, eles continuam matando. Porque é a principal indústria, porra! “Num” tem muito que se pensar."

- "E você não pode esquecer que tudo isso é mercado consumidor que acaba sendo gerado pras principais indústrias que apóiam essa mesma indústria bélica, porra!"

- "Eles conseguem controlar a mídia de uma tal forma, que nós acreditamos que tudo que o Jornal Nacional fala é verdade, que o Jornal da Record fala é verdade, que não existe um nazismo presente filtrando a porra das informações."

- "Você não consegue enxergar neles nada de errado, porque eles conseguem criar uma verdade pela mídia. Então mentem, sim. E mentem mais. E são várias pessoas que mentem."

- "E o pior é que não se dão por satisfeitos. Eles precisam humilhar, não só mentir. Não é? [mostra telão] E aqui, olha, puta que o pariu!, gosto tanto dessa cena, em Cabul, eu acho tão bonita! Aqui nós temos um monte de iraquianos, um estadunidense aqui, “uma” estadunidense, deve tá com uns quinze mão na chana dela, ela tá sorrindo de alegria, não é?"

- "como é que a gente pode continuar acreditando que um mundo melhor possa ser construído com a presença deles? Incomoda. Eu acho que é o mesmo que, talvez, os gregos pensassem dos romanos."

- "Porque aonde eles entram, entra o mercado também. Onde eles dominam, é um mercado que [inaudível]... E as indústrias estadunidenses patrocinam a guerra porque precisam de mercado consumidor."

- "A gente precisa dar uma basta, mas devagar, resistir, tentar se conter a tomar uma coca-cola. Eu sei que é difícil. É preciso pagar e deixar o Hollywood, o cigarro."

- "Por isso que eu tô fazendo uma homenagem a esse povo com as torres gêmeas."

É isso mesmo que vocês leram. Para o querido mestre, toda a indústria norte-americana - absolutamente toda - está atrelada à indústria bélica. Os EUA fazem guerras para garantir mercados consumidores (em Cabul e em Bagdá? Pois é...). A riqueza dos EUA é proporcional à miséria dos países pobres. "Eles" controlam ainda a mídia e tudo o mais. E etc. etc. Vai mais além: acha difícil um mundo melhor "com a presença deles" (do que se deduz que eles, os norte-americanos, devem ser exterminados?) e propõe um boicote aos produtos dos EUA. Além disso, Carlão não se faz de rogado: faz uma "homenagem" aos EUA, comemorando a queda das Torres Gêmeas, onde morreram cerca de 3 mil pessoas em 11 de setembro de 2001. Um grande humanista, esse Carlão.
.
Esse tipo de propaganda antiamericana tosca está sendo ensinado nas escolas brasileiras como se fosse História. E com uma platéia cativa. Os alunos parecem embevecidos com as palavras de Carlão. No video, pode-se ver vários celulares levantados, registrando sua performance. Um exemplo de didatismo e seriedade no ensino de História, certamente.
.
Retirei os trechos acima do blog do Reinaldo Azevedo, que transcreveu as melhores passagens da, digamos, aula de Carlão. Como não poderia deixar de ser, muitos alunos do professor bombardearam o blog com mensagens furiosas, protestando contra o que consideravam ser uma imagem errada do Carlão. Diziam, entre outras coisas, que o blog não teria captado o "verdadeiro" Carlão, como se o Carlão que estivesse no vídeo fosse outra pessoa (um clone, talvez?). Outros, ainda, escreveram para concordar com cada palavra de Carlão, sem dúvida um exemplo de profissional de ensino, capaz de instilar uma "consciência crítica" em seus alunos (é uma pena que essa tal consciência crítica não pareça vir acompanhada da simples obediência às regras da gramática... o que demonstra que ela vai bem além da crítica aos EUA, atingindo também a própria língua portuguesa).
.
As, com o perdão da palavra, "aulas" de Carlão vêm comprovar aquilo que venho dizendo neste blog já há algum tempo: que a educação, no Brasil, de uns tempos para cá, tornou-se nada mais do que propaganda ideológica disfarçada (ou nem isso), sempre a serviço de "causas" antiamericanas e totalitárias. Não se trata de um fenômeno novo. Qualquer um que tiver mais de quarenta anos já foi vítima desse tipo de doutrinação por algum molestador juvenil travestido de educador. Carlão é apenas mais um exemplar dessa fauna. Como indivíduo, ele não é importante. Assim como ele, os Carlões da vida proliferam, tanto no ensino público como no privado, incentivados oficialmente por cartilhas ideológicas do MEC classificadas abusivamente de "livros didáticos".
.
Sob a égide da doutrina marxista e gramsciana, as escolas brasileiras há muito se transformaram em verdadeiras madraçais, em que, em vez de História, ensina-se o ódio aos EUA e ao capitalismo. Há muito os slogans anticapitalistas, antiamericanos e antiglobalização tomaram o lugar de qualquer compromisso com a verdade e com o pensamento crítico, que foi totalmente abandonado pelos professores. Estes, embalados por coreografias e slides sensacionalistas, esforçam-se para transmitir a adolescentes de 18 anos uma visão de mundo retirada de velhos manuais marxistas. O resultado é que, em vez de estudantes preparados intelectual e moralmente para a vida, forjam-se anualmente milhões de zumbis, adestrados a repetir slogans e incapazes de um raciocínio próprio, até mesmo de pronunciar uma frase coerente, com sujeito e predicado. Graças aos Carlões do ensino brasileiro.
.
Não digo isso por ouvir falar. Também já fui professor e, por coincidência, da mesma matéria ensinada por Carlão. Nessa condição, deparei-me com muitos alunos que estranhavam minha atitude de querer dar aula em vez de pronunciar discursos inflamados contra os EUA, o imperialismo e o "governo neoliberal de FHC" (era a época de FHC). Certa vez, fui, inclusive, quase agredido fisicamente por um bando de militantes profissionais, quando, cumprindo a vontade dos próprios alunos, insisti em dar aula durante uma greve na universidade (qualquer dia escreverei sobre isso aqui). Portanto, sei algo sobre o assunto. Via então, e continuo vendo hoje, aqueles alunos que me interpelavam como vítimas de um sistema educacional corrompido, destinado a formar militantes esquerdistas, e não cidadãos. O próprio Carlão, de certa forma, é uma vítima dessa máquina de moer cérebros. Quando estudante, certamente ele esteve sob a influência de algum militante fantasiado de professor, que lhe serviu de mestre. Ele apenas reproduz, em suas aulas-comício-espetáculo, o que sempre lhe foi ensinado em sala de aula.

O Anglo é uma escola particular, onde estudam os filhos da classe média. De lá sairão alguns futuros advogados e profissionais liberais do Brasil, inclusive professores. Pergunto: se é assim numa escola cara como o Anglo, em que supostamente existe algum tipo de controle de qualidade do que seus professores dizem na sala de aula, o que dizer do que acontece nas escolas da rede pública espalhadas por esse Brasil de Lula e companhia?

Esse é um retrato da educação brasileira.

segunda-feira, abril 28, 2008

ERRATA

Sua Majestade Fidel Castro Ruz em traje de dormir: o supra-sumo da humildade e do humanismo revolucionário

Penitencio-me perante os que lêem este blog por um pequeno erro que cometi em meu texto "Fidel, o Americanófilo", que publiquei aqui em 26/02 (ao contrário de muita gente, não vejo como demérito, mas como sinal de honestidade, admitir erros). No texto, afirmo que a retórica antiamericana do Coma Andante e serial killer do Caribe é uma farsa, pois, entre outras coisas, ele gostava de Coca-Cola, lia Hemingway e era fã de filmes de faroeste. Quanto aos dois primeiros, a afirmação procede. Mas não para os filmes de faroeste. Fidel nunca gostou desse tipo de filme.

Quem me chamou a atenção para esse detalhe foi o ex-analista da CIA Brian Latell, em um livro recentemente publicado no Brasil (Cuba sem Fidel, Editora Novo Conceito, 2008). Eu recomendo o livro. É uma das análises mais profundas que eu já li sobre a personalidade do tirano e de seu hermanito Raúl, que o sucedeu na chefia da castradura cubana. Latell, que foi analista da CIA para Cuba durante 30 anos (nossa, agente da CIA?! Pois é. Ao contrário do que pensam os esquerdóides, para quem só vale o ponto de vista a favor da ditadura cubana, isso, a meu ver, credencia-o para falar sobre a tirania castrista), vai fundo no estudo das motivações psicológicas do assassino em série. Quando analisa a infância e adolescência de Fidel, por exemplo, ele lembra que ele detestava filmes de faroeste e considerava o maior astro do western, John Wayne, uma figura ridícula. Sabem por quê?

O melhor vem agora. Fidel não gostava de faroestes por ter um gosto artístico refinado, ou por se solidarizar com os índios americanos, geralmente retratados de forma caricatural nesses filmes. Nada disso. Ele desprezava esse tipo de filme e os caubóis de Hollywood por um motivo, digamos, mais profundo, mais psicológico e pessoal: seus heróis sempre foram outros. Eram, para ser mais exato, figuras históricas como Napoleão, Júlio César e Alexandre, o Grande. Perto deles, figuras como John Wayne ou Gary Cooper pareciam, para o jovem Fidel, meros canastrões.

O detalhe não é insignificante. Revela bastante sobre a personalidade megalomaníaca e a ambição desmedida de Fidel Castro. Latell lembra que, entre os ídolos de infância e juventude de Fidel, jamais houve um líder democrata. Alguém assim como, por exemplo, um Churchill ou um Roosevelt (Fidel chegou a enviar uma carta a este último quando criança, mas muito mais para se gabar ante seus coleguinhas de escola do que por admiração genuína). Napoleão, César e Alexandre eram mais apropriados a seus sonhos de grandeza e poder, de fama e glória. Isso explica em muito sua trajetória posterior. Para Fidel, nada menos que o poder absoluto e sonhos megalomaníacos de grandeza parecem suficientes para seu ego gigantesco. Não por acaso, Latell lembra que, junto com Lênin, ele é o único líder dos últimos cem anos que jamais foi subordinado a alguém. Para ele, é o poder total, ou nada.

Jamais Fidel se sentiu atraído por representantes da democracia liberal, ou pelos instrumentos democráticos. Sua atração por líderes autoritários, seu pendor para a violência e a tirania, são traços marcantes de sua personalidade, em todos os momentos de sua vida. Nisso, o futuro ditador se mostrou, desde o início, bastante eclético ideologicamente. O livro de Latell recorda alguns fatos que, certamente, muitos dos admiradores esquerdistas de Fidel prefeririam ver esquecidos, ou desconhecem completamente: o que diria um Frei Betto, por exemplo, diante da revelação de que seu ídolo maior era um admirador entusiasmado do ditador Francisco Franco, da Espanha, ou que mantinha sempre à mão um livro com os discursos de Mussolini e de Hitler? A motivação essencial de Fidel, sua razão fundamental, sempre foi o poder. Nada menos que o poder. Poder absoluto.

Latell também se debruça sobre a personalidade de Raúl Castro. Ao contrário de Fidel, ele sempre se contentou com uma posição secundária. Raúl sempre se submeteu às decisões do irmão, que jamais foram contestadas. E uma das decisões que o ditador cubano se impõs é a confrontação com os EUA. A retórica antiamericana, afirma Latell, é uma verdadeira religião para Fidel e para o regime de Havana, que é totalmente dominado por um só homem. Daí porque a esperança de muitos analistas de que Cuba se torne, um dia, uma democracia sob a égide dos irmãos Castro é uma fantasia. Enquanto a sombra de Fidel pairar sobre a sociedade cubana, jamais a ilha se renconciliará com os EUA. Tudo isso por causa da megalomania narcisística de alguém que sempre se achou o Napoleão do Caribe, o Alexandre da América Latina.

Enfim, recomendo o livro de Brian Latell para quem quiser se aprofundar na história e na realidade do regime cubano e seu principal líder. É leitura bastante instrutiva, principalmente para a multidão de idiotas úteis e inúteis que insistem em enxergar no idoso ditador barbudo um "humanista", um líder do Terceiro Mundo inimigo do "imperialismo" e preocupado com o bem-estar de seu povo. Estes, certamente, vão ter uma surpresa nada agradável.

quinta-feira, abril 24, 2008

Sobre a diplomacia brasileira, Chávez e outros bufões

Recebi um e-mail de um amigo meu que, por motivos pessoais e profissionais (infelizmente o Itamaraty tem dessas coisas), pediu-me para permanecer anônimo. Ele discorda das opiniões do historiador Marco Antonio Villa sobre a política externa brasileira, expostas na entrevista que concedeu à Veja e que comento no post anterior. Aí vai o e-mail de meu amigo (em vermelho, minha resposta vai em preto):
.
Gustavo, não gostei do texto não. Achei-o fraquinho, fraquinho! Eis alguns poucos comentários:
.
* Ele (o autor) cria uma frase de efeito dizendo que se fosse hoje o Acre e Santa Catarina não seriam nossos, pra mais tarde completar que no caso de Santa Catarina (Questão de Palmas) "Não perdemos um hectare de terra". Ora bolas, esquece-se o cara de mencionar que no caso acreano, ao contrário de SC, Rio Branco cedeu território brasileiro em compensação à Bolívia e foi duramente criticado por isso, inclusive por figurões da época como Rui Barbosa.
.
* O autor dá a entender que a diplomacia brasileira é muito molenga pra depois dizer que o caso dos espanhóis foi exagero.
.
* O autor acusa Chávez de reivindicar dois terços da Guiana, deliberadamente omitindo que a reivindicação é venezuelana (e não pessoal de Chávez) e antecede o atual Presidente venezuelano em muitas décadas. Isso sem mencionar que o próprio Chávez já contemporizou com Georgetown a respeito do Essequibo.
.
===
Há outras incongruências e exageros no texto, mas não pretendo me estender.
.
As críticas que faço obviamente não significam que o autor tenha falado algumas verdades e acertado aqui e ali, mas pelo menos pra mim, comprovam que o texto não está com essa bola toda não, pelo contrário!
.
Um abração,
.
---
Em resposta a meu amigo, escrevi o seguinte:
.
---
Caro XXX,
.
Acho que você perdeu de vista o essencial do que o autor quis dizer:
.
1 - Quando o Villa diz a frase de efeito sobre o Acre e Santa Catarina, ele se refere à política externa lulista, que subordinou o interesse nacional às conveniências ideológicas dos "companheiros". Isso ficou claro na questão do gás da Bolívia e vai se demonstrar agora, também, no caso de Itaipu, pode ter certeza. A analogia com o Acre e a Questão de Palmas, portanto, é a seguinte: se fosse um governo pusilânime e ideologicamente comprometido, como o de Lula, os dois estados seriam hoje parte da Bolívia ou da Argentina. Não tenho dúvida quanto a isso.
.
2 - Quando o autor diz que a diplomacia brasileira é molenga e depois cita o caso dos turistas espanhóis, ele não está cometendo nenhuma contradição. Leia de novo a entrevista. Ele está chamando a atenção para o contraste da atitude do governo Lula em relação aos "companheiros" Chávez e Morales, por exemplo, e os governos de outros países. O autor deixa isso claro quando diz: "Ser duro com um turista espanhol é fácil. Quero ver ser duro com Hugo Chávez."
.
3 - É verdade que a questão de Essequibo é anterior a Chávez, mas isso não muda muita coisa. A questão é que, por ser ele um bufão e um caudilho imprevísível, a qualquer hora ele pode invadir a Guiana e desencadear uma guerra na região. A reivindicação às Malvinas também era anterior à ditadura militar argentina. Basta um governo irresponsável e megalomaníaco - e um cordão de puxa-sacos continentais a bater palma ou a botar panos quentes em qualquer besteira que Chávez fizer - que o cenário pro desastre estará completo.
.
Enfim, achei a entrevista muito boa, como disse. Achei fantástica a comparação do Marco Aurélio "top, top" Garcia com o Pacheco do Eça de Queiroz. Muito boa mesmo, apesar da ressalva à questão do Foro de São Paulo. Também não pude deixar de notar um pequeno erro que ele comete na última pergunta, quando diz que "pela primeira vez" a política externa poderá ser tema de eleição no Brasil - na eleição presidencial de 1960, a questão de Cuba dominou os debates eleitorais. Mas, feito o desconto, assino embaixo de tudo que ele disse.
.
---
Finalizando
Meu amigo escreveu ainda: "discordo redondamente que no caso boliviano tenhamos 'subordinado o interesse nacional às conveniências ideológicas dos companheiros'. Pelo contrário, foram setores da imprensa e da opinião pública que tiveram uma reação desmedida, simplista e infantil!". Não sei que tipo de reação seria considerada apropriada no caso em questão. Sei apenas que "desmedida, simplista e infantil" me parecem adjetivos apropriados para definir a atitude de um governo que manda o exército invadir e ocupar refinarias pertencentes a outro país, num surto de nacionalismo bravateiro. Assim como simplista e infantil, para não dizer pusilânime, parece-me a falta de ação de um governo que, diante dessa tunga monumental, trata de pôr panos quentes, pois afinal o governo que encampou as refinarias é presidido por um "companheiro". Fica a pergunta: será que se o governo que mandou a tropa invadir as refinarias da Petrobras na Bolívia fosse presidido por um "neoliberal", e não por um parceiro das lides ideológicas, o atual governo brasileiro agiria - ou melhor, não agiria - da mesma forma? Eis a questão.
.
P.S.: Só um pequeno detalhe histórico: ao se referir à questão do Acre, meu amigo lembra que o Barão do Rio Branco chegou a ceder territórios para a Bolívia, tendo sido duramente criticado por isso. É verdade, e isso só corrobora meu ponto de vista. Rio Branco, mesmo tendo garantido o Acre para o Brasil e feito uso da ameaça do uso da força militar contra a Bolívia, foi alvo de duras críticas de Rui Barbosa, por sua suposta "pusilanimidade" na questão. Isso demonstra quanto o governo Lula está distante da defesa do interesse nacional brasileiro. O que diria a Águia de Haia de um governo que cedeu tão abertamente a um outro governo que o insultou de forma tão acintosa? Isso demonstra até que ponto a ideologia, e não o pragmatismo, se apoderou da diplomacia brasileira. É uma pena.

terça-feira, abril 22, 2008

OS BUFÕES DA AMÉRICA

Leiam abaixo a entrevista publicada nas páginas amarelas da Veja com o historiador Marco Antonio Villa (edição de 16/04/08). É uma das coisas mais lúcidas que já li nos últimos tempos. Fez reacender em mim a esperança na minha primeira profissão, a de historiador, e na atual, de diplomata. Parece que nem tudo está perdido, afinal. Volto em seguida.
---
.
O bufão da américa
.
Historiador diz que Hugo Chávez, presidente da Venezuela, é perigoso por ser ambicioso e imprevisível
.
Duda Teixeira
.
"Se Lula tivesse sido presidente na República Velha, o Acre seria dos bolivianos e Santa Catarina, dos argentinos"
.
O historiador Marco Antonio Villa já escreveu 21 livros, com temas que variam da Idade Média à Revolução Mexicana. Ao investir contra mitos da história nacional em suas obras e artigos, esse professor da Universidade Federal de São Carlos colecionou polêmicas e fez dezenas de inimigos. Sete anos atrás, tornou-se persona non grata no estado de Minas Gerais ao sustentar que Tiradentes foi um herói construído pelos republicanos. Mais tarde, causou comoção ao escrever que o presidente João Goulart, deposto pelos militares em 1964, preparava o próprio golpe de estado para obter a reeleição. "Os historiadores costumam ter receio de polêmicas, mas é com elas que se transforma a visão de mundo de uma sociedade", diz Villa, que tem 52 anos. Estudioso da diplomacia brasileira, ele vê com preocupação o sumiço da linha de diplomacia cunhada pelo barão do Rio Branco. "O barão profissionalizou o Itamaraty, que passou a atuar em busca dos interesses do país, e não de um governo ou partido." Em sua casa na Zona Norte de São Paulo, o historiador deu a seguinte entrevista a VEJA.
.
VejaComo o senhor avalia a atual diplomacia brasileira?
Villa – Nossa diplomacia se esquiva de defender os interesses nacionais na América Latina. Teima sempre em chegar a um acordo e, como não consegue, acaba cedendo aos vizinhos. Se Lula tivesse sido presidente na República Velha, o Acre seria hoje dos bolivianos e Santa Catarina, dos argentinos. Por aqui se pensa que o Brasil não pode ter interesses nacionais ou econômicos na América do Sul, uma vez que estamos em busca de uma integração regional. É um equívoco. Os interesses do Brasil não são os mesmos da Argentina. Os objetivos do Paraguai não são os do Brasil. A linguagem amena, educada, usada pelos nossos diplomatas apenas tem fortalecido os caudilhos da região, como o venezuelano Hugo Chávez e o boliviano Evo Morales, que se acham com autoridade para falar ainda mais grosso e aumentar as exigências.
.
VejaA diplomacia brasileira não era assim no passado?
Villa – Não. No fim do século XIX, a Argentina reivindicou o oeste do Paraná e de Santa Catarina. Não fazia o menor sentido. O presidente Prudente de Moraes, com a ajuda do barão do Rio Branco, resolveu a questão e evitou a doação da área. Não perdemos um hectare de terra. O barão sabia quais eram os interesses nacionais e os defendia. Além disso, profissionalizou o Itamaraty, que passou a coordenar uma política em nome do país, e não de um governo ou partido. Hoje, precisamos urgentemente que o barão do Rio Branco se incorpore no ministro das Relações Exteriores.
.
VejaO Brasil cede sempre?
Villa – Só não o fazemos quando é impossível. Em negociações recentes com a argentina Cristina Kirchner e com Evo Morales, a Petrobras recusou-se a fornecer gás para a Argentina, que vive sob ameaça de um apagão. Se cedesse, o Brasil teria um grave desabastecimento. Nos outros casos, somos sempre fregueses. O Brasil já sofreu no passado uma invasão de produtos argentinos e ninguém reclamou. Quando a situação se inverteu e a balança comercial tornou-se superavitária para o Brasil, os argentinos chiaram e conseguiram o que queriam. Com a Bolívia, aceitamos uma indenização simbólica pelas refinarias nacionalizadas, a um valor muito aquém do que foi investido pela Petrobras. Com Hugo Chávez, falamos sempre "não" na primeira hora, depois dizemos "sim". Éramos contra o Banco do Sul. Hoje somos a favor. Fazemos o oposto do que recomendava Vladimir Lenin, para quem era preciso dar um passo atrás e depois dois para a frente. A diplomacia nacional dá um para a frente e dois para trás.
.
VejaDeportar turistas espanhóis é uma resposta inteligente à repatriação de brasileiros que tentavam ir para a Espanha?
Villa – Foi um exagero. A política externa não é para ficar a cargo de um funcionário da Polícia Federal. As cenas dos espanhóis sendo deportados no aeroporto de Fortaleza são absurdas. Uma coisa é um turista que vai para Jericoacoara, outra é um brasileiro que, supostamente ou não, deseja trabalhar na Espanha. Quando faz diplomacia com a Europa, os Estados Unidos ou a Ásia, o Brasil tem sido muito agressivo. É como se o esforço para se afirmar como país, uma vez que não se realiza na América Latina, fosse todo desviado para os fóruns em outros continentes. Ser duro com um turista espanhol é fácil. Quero ver ser duro com Hugo Chávez.
.
VejaChávez é o grande líder da América Latina?
Villa – Quando se olha o que ocorre com os mais de vinte países da região, não há dúvida disso. Com a alta do preço do petróleo, Chávez construiu uma sólida rede de alianças. Foi uma sucessão de vitórias. Tem o apoio de Cuba, Nicarágua, Equador, Bolívia, Argentina. Quem está do lado do Brasil? Ninguém. Chávez é um ator que faz um monólogo. Eventualmente alguém da platéia sobe no palco e participa. O show é dele. Ele determina o que vai ser discutido e como. Os outros só correm atrás. Os países que estão se aproximando do Brasil, como Paraguai e Peru, fazem isso apenas porque não tiveram ainda um estabelecimento de relações com a Venezuela. A história talvez comece a mudar agora. Não por obra de Lula, evidentemente, e sim de Álvaro Uribe, o presidente colombiano. Graças a ele, Chávez teve sua primeira derrota em política externa. A reunião da Organização dos Estados Americanos (OEA), que colocou panos quentes na discussão que se seguiu à morte do terrorista Raúl Reyes, pode sinalizar um futuro diferente.
.
VejaPor que o senhor considera que Chávez perdeu?
Villa – Chávez é um caudilho e, como tal, precisa de um palanque para discursar. Quando reagiu com firmeza à morte de Raúl Reyes no Equador, ganhou um palco considerável. Só que durou pouquíssimo tempo. A solução rápida e eficaz do problema pela OEA, que estava sumida do mapa, tirou essa oportunidade dele. Chávez resignou-se porque a maioria dos países apoiou a resolução final, que condenava a invasão territorial no Equador e ao mesmo tempo acusava a presença das Farc naquele país. Uribe, ao pautar as negociações que esfriaram o conflito, mostrou que é possível dar um basta a Chávez. Sua atitude terá um impacto pedagógico até mesmo dentro da Venezuela, onde o povo tem aceitado as precárias condições internas do país ao ver que, externamente, seu presidente só obtém vitórias. Chávez teve sua primeira grande derrota no referendo constitucional. Agora, teve a segunda derrota, dessa vez em política externa.
.
Veja Por que o discurso é tão importante para um caudilho?
Villa – Um caudilho não vive sem a oratória. O programa dominical Aló Presidente é o que vitamina Chávez. Fidel Castro adora discursar por horas. O mexicano Antonio López de Santa Anna foi ditador várias vezes, afundou seu país e, ferido e pensando que ia morrer, ditou suas últimas palavras. Foram quinze páginas. No fim, sobreviveu com uma perna amputada, que sepultou com honras militares. A oratória é uma tradição latino-americana, que ocorre paralelamente à dissociação entre discurso e prática. Para esses homens e para as suas platéias, é como se as palavras, sozinhas, tivessem um poder de mudar a realidade. Pura bobagem. Não existe tal mágica. Lula também aposta nesse artifício. Acha que ao divulgar o programa do PAC pode transformar o Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro, em um bairro residencial em seis meses. Para os sucessores, a herança desse tipo de comportamento é terrível.
.
VejaPor que os latino-americanos possuem o vício da oratória?
Villa – Em parte, há na América Latina uma forte tradição do bacharelismo. Muitos dos presidentes passaram por faculdades de direito. No Brasil, Getúlio Vargas e Jânio Quadros são exemplos. Epitácio Pessoa era chamado de "A Patativa do Norte", em referência a uma ave cantora. Fidel Castro foi advogado. O argentino Juan Domingo Perón não era, mas a maioria dos seus auxiliares, sim. Para um advogado, o que importa não é a legitimidade da causa, mas o nível de retórica do advogado para defender seu acusado. Somos muito marcados por isso.
.
VejaQual é o maior perigo de Chávez para o resto da América Latina?
Villa – Ele está armando seu Exército e sua população. Compra fuzis, caças e faz acordos com o Irã. Ninguém parece levar isso a sério. A diplomacia brasileira sabe disso e vai contornando a situação. Uma hora Chávez vai invadir a Guiana. Ele reivindica quase dois terços do território desse país. Para Chávez, a Guiana é uma aventura fácil. E quem vai defendê-la? O que a Guiana conta na América do Sul? Nada.
.
Veja Chávez reagiu ao ataque colombiano às Farc no Equador com um discurso em defesa da soberania nacional. Ele invadiria a Guiana?
Villa – Chávez é um bufão. Ele construiu um personagem. É um militar de boina vermelha que se emociona, chora e canta em público. Em um momento é simpático. No minuto seguinte, aparece totalmente irado. O bufão é isso. Nunca se podem prever suas atitudes. Pode abraçar um crítico ou mandá-lo para a prisão. Suas atitudes não se regem pelo mundo racional. O bufão trabalha em outro universo.
.
VejaPor que Chávez defende as Farc?
Villa – Seu objetivo é enfraquecer Álvaro Uribe. Chávez vê de forma simplista a conjuntura latino-americana. O mundo para ele se divide de uma maneira muito primária: os que estão com ele e os que estão com os Estados Unidos. Considera que o presidente da Colômbia é um agente imperialista na América do Sul. O combate às Farc tem sido uma das mais fortes bandeiras de Uribe.
.
VejaÉ legítimo usar grupos armados ou políticos de outros países para causar instabilidade?
Villa – Há uma incompatibilidade em defender a soberania e apoiar materialmente um movimento terrorista em um país vizinho. No Brasil, tivemos uma história parecida. No governo de João Goulart, as Ligas Camponesas tinham meia dúzia de campos guerrilheiros e contavam com o apoio financeiro cubano. Quando se descobriram os campos, foi um escândalo. Vivíamos um regime democrático e o governo brasileiro manifestava-se contrário à expulsão de Cuba da OEA, enquanto Cuba violava a soberania brasileira apoiando um movimento guerrilheiro que rompia com a legalidade constitucional. A defesa da soberania só valia para os cubanos. Eu imaginava que essa prática de violação da soberania fosse página virada da história latino-americana. Ledo engano.
.
VejaChávez foi o grande pacificador do conflito entre Colômbia e Equador, como disse Lula?
Villa – Não há nenhum fato que comprove isso. Os documentos que estavam no computador do guerrilheiro Raúl Reyes ainda mostram que Chávez apoiava financeiramente as Farc e também recebia ajuda dos narcoterroristas. Isso não tem nada a ver com paz. Lula não tinha por que falar isso. Diz essas asneiras porque está em um momento especial. A economia vai muito bem, o que levou Lula a entender que ganhou um salvo-conduto para reescrever a história do Brasil. Discursou homenageando Severino Cavalcanti, que renunciou quando se comprovou que ele recebia um mensalinho de 10.000 reais para deixar um restaurante funcionando na Câmara dos Deputados. Dois dias depois, defendeu sua amizade com Renan Calheiros, que teve suas contas pessoais pagas por um lobista. Quando falou de Chávez, Lula disse que ele era um ex-guerrilheiro. Lula sabe que essas coisas não são verdade. Não é ingênuo e é bem assessorado. Mas fala como se fosse um iluminado. É um líder messiânico em plena campanha eleitoral. Os professores de história devem estar arrepiados.
.
Veja Qual é a importância do Foro de São Paulo na condução da política externa brasileira?
Villa – O Foro de São Paulo é um clube da terceira idade. Basta ver as fotos. São senhores em idade provecta, como se dizia antigamente. São provectos também no sentido ideológico. Suas idéias pertencem ao passado. Não creio que tenham uma estratégia revolucionária para a América Latina tal como foi a Internacional Comunista. Durante o período da União Soviética, os partidos comunistas espalhados pelo mundo eram braços da política externa soviética. O Foro de São Paulo não tem esse poder. Sua maior influência se dá pela pessoa de Marco Aurélio Garcia, assessor especial para assuntos internacionais da Presidência da República, que tem grande participação no Foro.
.
VejaQual é a relevância de Marco Aurélio Garcia nas relações externas?
Villa – Desde o início da República, não há registro de um assessor com tanto poder como ele. Garcia aparece nas fotos quase sempre atrás de Lula. Dá pronunciamentos em pé de igualdade com o ministro das Relações Exteriores ou o secretário-geral do Itamaraty. Marco Aurélio Garcia é considerado um grande acadêmico, um gênio, uma referência para qualquer estudo sobre relações internacionais na América Latina. Curioso é que não se conhece nenhuma nota de rodapé que ele tenha escrito sobre o tema. Fui procurar seu currículo na plataforma Lattes, do CNPq. Não há nada sobre ele. Marco Aurélio Garcia é o Pacheco das relações internacionais.
.
VejaQuem é o Pacheco?
Villa – É um personagem de Eça de Queiroz que aparece no livro A Correspondência de Fradique Mendes. Pacheco era um sujeito tido como brilhante. No primeiro ano de Coimbra, as pessoas achavam estranho um estudante andar pela universidade carregando grossos volumes. No segundo ano, ele começou a ficar mais calvo e se sentava na primeira carteira. Começaram a achar que ele era muito inteligente, porque fazia uma cara muito pensativa durante as aulas e, vez por outra, folheava os tais volumes. No quarto ano, Portugal todo já sabia que havia um grande talento em Coimbra. Era o Pacheco. Virou deputado, ministro e primeiro-ministro. Quando morreu, a pátria toda chorou. Os jornalistas foram estudar sua biografia e viram que ele não tinha feito nada. Era uma fraude.
.
Veja Que conseqüências a política externa do Brasil pode ter no futuro?
Villa – Pela primeira vez na história do país existe a possibilidade de a política externa tornar-se tema de eleição. Seria algo realmente inédito que, para acontecer, só depende de como Chávez vai agir nos próximos anos. As concessões dadas à Bolívia, os diversos acordos com Chávez e a recusa em classificar as Farc como um grupo terrorista estão provocando muita crítica dentro do Brasil e podem juntar-se em um único e potente tema central na próxima campanha presidencial.
---
Comento
A VEJA acertou em cheio, mais uma vez. A entrevista com Marco Antonio Villa lavou a alma de muita gente, com o historiador dizendo aquilo que muitos dentro e fora do Itamaraty têm coragem apenas de pensar (sei disso por experiência própria). É sempre reconfortante ver um historiador desafiar os velhos mitos e lugares-comuns esquerdóides que passam, há décadas, por História nas escolas e universidades. Sua análise sobre a atual política externa lulista é certeira, assim como sua abordagem sobre o bufão Hugo Chávez e seus asseclas. Assino embaixo.
.
Faço apenas uma pequena ressalva. Quando fala do Foro de São Paulo, Villa destoa um pouco do restante da entrevista, no mais excelente. Sim, o Foro é um clube da terceira idade, e suas idéias também são provectas. Quanto a isso, não resta a menor dúvida, e estou de pleno acordo. Mas isso não significa que se deve menosprezá-lo e subestimar sua importância. O Foro de São Paulo não é apenas uma reunião de velhotes gagás, é uma organização revolucionária, criada em 1990 por Lula e Fidel Castro para "restabelecer na América Latina o que se perdeu no Leste Europeu". Como tal, não é um simples fórum de debates (fórum de debates com resolução? Onde já se viu isso?), mas possui, sim, uma estratégia revolucionária para a América Latina, tal como tiveram no passado a OLAS e a Internacional Comunista. O próprio Lula já admitiu isso publicamente, em discurso proferido em 2/07/2005, quando confessou que o Foro, como um "espaço de articulação estratégica" das organizações de esquerda latino-americanas (inclusive as FARC), foi utilizado para garantir, de forma subreptícia, a vitória de Chávez no plebiscito de 2004 na Venezuela, que o confirmou no poder. A América Latina, após o fim do comunismo no Leste Europeu, tornou-se um laboratório de teste das ideologias totalitárias mais toscas e atrasadas. O instrumento pelo qual essas ideologias se manifestam e são implementadas é o Foro de São Paulo.
.
Não se trata, portanto, de algo inofensivo. A diferença do Foro de São Paulo em relação a outras organizações revolucionárias anteriores é que estas foram levadas a sério em sua época. O Foro se beneficia do fato de que a maioria das pessoas, inclusive gente lúcida e inteligente como Marco Antonio Villa, não despertaram ainda para o perigo que ele representa para a democracia no continente. Se o fizessem, perceberiam que a ascensão de governos populistas e antiamericanos nos últimos dez anos na região - Chávez na Venezuela; Morales na Bolívia; Lula no Brasil; Correa no Equador; Ortega na Nicarágua; e agora Fernando Lugo no Paraguai - não é mera coincidência.
.
No mais, não há o que reparar na entrevista. A subestimação da ameaça representada pelo Foro de São Paulo não deve ser motivo de desânimo para ninguém. Basta lembrar que durante mais de quinze anos a grande imprensa simplesmente ignorou por completo o assunto, chegando ao ponto de muita gente negar categoricamente que o Foro existia, penalizando quem ousava dizer o contrário (vide Olavo de Carvalho). Agora o tema é discutido abertamente nas páginas amarelas da Veja. Não dá para negar que é um avanço e tanto.

sexta-feira, abril 11, 2008

DITADURA MENTAL


"Só quem esteve sob teu jugo te conhece". A frase, do filósofo alemão Friedrich Nietzsche - acho que foi Nietzsche; se eu estiver errado, peço que me perdoem -, é perfeita para explicar um fenômeno bastante conhecido aqui e alhures: por que tantos intelectuais e não-intelectuais que já estiveram um dia sob o encanto inebriante das palavras de ordem esquerdistas depois se desencantaram, tornando-se ativos adversários das idéias comunistas e socialistas?

A galeria de personagens que pularam fora do barco furado esquerdista é extensa. Para ficarmos apenas no Brasil - se eu fosse mencionar países como a França e os da América Latina, a lista seria interminável -, basta citar os seguintes nomes: Jorge Amado, Carlos Lacerda, Paulo Francis, Olavo de Carvalho, Reinaldo Azevedo... (claro, sempre haverá um Oscar Niemeyer, com sua fidelidade às "idéias da juventude", proclamando aos quatro ventos suas crenças comunistas. Mas isso só comprova minha tese: que o comunismo, em todas as suas vertentes, é capaz de embotar e esclerosar até as mentes mas iluminadas e "geniais"). Enfim, uma lista gigantesca, que a cada dia ganha novos nomes.

Assim como as personalidades citadas acima - e, claro, guardadas as devidas proporções -, também passei pela experiência - breve, mas marcante - de ter militado numa organização esquerdista. Logo, compreendo perfeitamente a frase de Nietzsche (ou de quem quer que a tenha dito). Tenho razões para crer que professar idéias radicais é uma fase da vida, uma espécie de doença infantil, como o sarampo e a catapora, que precisamos pegar para ficarmos imunes dela pelo resto da vida. Não por acaso, essa fase coincide com a adolescência, período em que os hormônios e a confusão de emoções costumam ditar o que se passa na cabeça, e não o contrário (um amigo meu tem uma expressão ótima para definir o tipo de "pensamento" esquerdista juvenil: "socialismo hormonal"). No meu caso, não foi diferente. Como outros milhares, também passei por uma fase ultra-radical e sectária, em que eu só pensava em mandar bala e não media o significado de minhas palavras (em geral falando mais do que ouvindo), levado por uma espécie de transe revolucionário e messiânico que me fazia ver não pessoas, seres de carne e osso, mas somente "classes" e "inimigos de classe". Essa fase, que na maioria das vezes costuma ser curta e intensa, logo deu lugar ao desencanto natural, que, somado a outras leituras e principalmente a outras vivências, resultou em uma atitude crítica e distanciada. Antes, eu ficava intrigado e até indignado com o fato de tanta gente ter "abandonado a luta" e "passado para o outro lado", considerando-os um bando de covardes e traidores. Hoje, intriga-me o fato de ainda haver quem se deixe levar por tamanho absurdo, por tamanha baboseira. Basta olhar em volta e atentar para a seguinte realidade: os ex-esquerdistas, ou esquerdistas arrependidos, contam-se aos montes. Já os ex-direitistas, ex-conservadores, ex-capitalistas, onde é que estão?

Quem observa a quantidade de cabeças pensantes que - exatamente por serem pensantes - deixam de lado o papo-furado esquerdóide e despertam para a vida pode imaginar que a influência e penetração das idéias de esquerda é exagerada. É justamente o contrário. A cada dia que passa, o esquerdismo implanta mais fundo sua ditadura mental. Basta ver a ressaca que costuma acompanhar o porre homérico esquerdista (do qual muitos jamais conseguem se livrar, permanecendo em constante estado de embriaguez ideológica). Com raras exceções, aqueles que se desiludem com as teses de esquerda entram em profunda depressão, quando não mergulham num relativismo absoluto, numa espécie de niilismo burro e na recusa à própria racionalidade. Alguns se convertem a alguma dessas religiões exóticas, em geral orientais, trocando um ópio por outro. Muitos se entregam ao que se chamava antigamente de "desbunde", enveredando por um caminho de vazio existencial e autodestruição regado a drogas, sexo e roquenrol. Aqui e ali, um estoura os miolos ou se joga nos trilhos do trem. Isso demonstra o peso que as idéias de esquerda têm, mesmo entre os que as abandonam. É como se a vida não tivesse nenhum sentido fora da militância. Esse desespero, que deveria ser na verdade alegria pela descoberta da verdade, apenas comprova a eficácia e a penetração das idéias esquerdistas, que agem no cérebro humano como um verdadeiro estupefaciente. Não raro muitos que se desencantam são acometidos de crises de abstinência, retornando ao ponto de onde haviam decidido parar, em constante estado de delirius tremis: é preciso "restaurar a pureza" dos ideais originais, supostamente corrompidos pelo contato com a realidade capitalista e a sede de poder de alguns indivíduos etc. etc.... Persistindo no auto-engano, crêem mesmo que a culpa da crise ideológica é do "sistema", do próprio capitalismo, jamais das idéias esquerdistas. Uma vez inoculado o vírus, é extremamente difícil curar-se totalmente. Daí o trauma que é geralmente desvincular-se das ilusões de esquerda.

A maioria das pessoas não compreende por que aqueles que costumavam ser os militantes mais radicais se convertem, depois, nos adversários mais ferrenhos das teses esquerdopatas. Não entendem como os mesmos que antes eram os maiores inimigos da burguesia são agora os críticos mais implacáveis do socialismo. A resposta é simples: porque estes conhecem a esquerda. Porque, já tendo estado sob o jugo mental da ideologia esquerdista, eles sabem quais são seus objetivos. A maioria das pessoas nunca conheceu um partido ou movimento ideológico por dentro. Logo, é compreensível que alimentem ilusões a respeito, tendendo a encarar qualquer crítica mais veemente como puro delírio e paranóia de reacionários empedernidos. A maioria também nunca ouviu falar de Gramsci. Não sabem, mas estão sob o domínio da esquerda também.

Não é muito difícil constatar essa realidade. Faça um teste. Pergunte a si mesmo se você já teve um professor que não defendesse idéias esquerdistas. Vá mais adiante, e procure em sua memória o nome de algum professor seu que se dissesse, por outro lado, abertamente conservador ou de direita. Se você tem mais de trinta anos, é grande a probabilidade de você ter deparado com um número elevado de professores que pertencem à primeira categoria, e nenhum à segunda. Vá mais além e busque no google o nome de um - apenas um! - renomado intelectual brasileiro (filósofo, historiador, economista, sociólogo, cientista político, ou mesmo poeta ou romancista) que tenha defendido com argumentos sólidos as ações do Governo Bush no Afeganistão e no Iraque depois de 11 de setembro de 2001, ou mesmo qualquer ação da política externa norte-americana, antes ou depois dos atentados. Com a exceção do Olavo de Carvalho, do Reinaldo Azevedo e do Diogo Mainardi, além de alguns blogueiros como este que escreve estas linhas, não há ninguém, pelo menos não que eu saiba. Já fiz até um desafio: dêem-me o nome de um, apenas um, e eu mudo o nome do blog, e quem o fizer terá o direito de rebatizá-lo com o nome que quiser. Até agora, ninguém se habilitou.

O discurso esquerdista já invadiu todos os aspectos da vida social, e até mesmo pessoal, incrustando-se e dominando qualquer setor da sociedade. Nem mesmo os debates sobre futebol e as conversas mais corriqueiras estão livres da retórica vitimista e "pobrista". Verificamos isso todos os dias, sobretudo após 2003, mas esse é um processo muito mais antigo. O mais curioso é que não se trata de algo coerente, muito pelo contrário: são justamente suas ambigüidades e incoerências, sua falta elementar de consistência lógica, o que permite e garante o predomínio desse discurso hegemônico. Não se trata de simples erro lógico, o que poderia ser corrigido com um pouco de honestidade intelectual, mas de uma estratégia consciente, articulada, que visa a promover a confusão nos cérebros dos indivíduos e garantir a hegemonia cultural e ideológica da sociedade, ao mesmo tempo em que se convence os setores liberais de que não há razões para desconfiar da sinceridade dos esquerdistas quanto ao compromisso destes com a democracia e com a economia de mercado. Para perceber as dimensões dessa farsa colossal, basta prestar um pouco de atenção às seguintes características comuns a todos os agrupamentos de esquerda:

Alardeiam a própria superioridade moral, pelo simples fato de serem de esquerda: consideram-se os donos exclusivos da verdade e da ética - mesmo quando pegos em flagrante mentindo descaradamente e dilapidando o patrimônio público;

Arrotam compromisso com a cultura e a educação, mas babam por um presidente da República que faz da própria ignorância um eficiente instrumento de propaganda política;

Cultuam o "popular", mas omitem que esse culto resulta de uma visão elitista de intelectuais que acreditam poder moldar o gosto estético e até o idioma da população de acordo com sua visão de mundo totalitária;

Dizem defender a Pátria contra o imperialismo, a globalização e o capitalismo, e no entanto incentivam ONGs estrangeiras que se apropriam de nacos da Amazônia;

São estatólatras, ou seja, idolatram o Estado como o instrumento por excelência da distribuição de renda e da "justiça social" - no máximo, consideram a livre empresa e a livre iniciativa falta de opção ou um mal necessário para a aplicação de suas "políticas sociais" eleitoreiras e demagógicas;

"Liberal" (ou "neoliberal"), para eles, é um anátema; "conservador", então, é um palavrão; já "socialista" e "comunista" são títulos dos mais honrosos e dignos de reverência;

Consideram os EUA a maior ameaça à paz e a segurança no mundo - mesmo que os EUA sejam hoje a maior barreira ao avanço do terrorismo fundamentalista islâmico;

Condenam o lucro como um pecado, e consideram a distribuição de renda a virtude máxima - mas não têm o mesmo pudor em enriquecer às custas do erário público, nem se importam se não houver o que distribuir, como em Cuba;

Em nome dos mais pobres, são críticos da globalização, que têm beneficiado principalmente os mais pobres do mundo;

Defendem cotas para negros nas universidades e no serviço público em geral, em nome da luta contra o racismo, instituindo, assim, o próprio racismo como política de Estado;

Afirmam ser contra qualquer forma de discriminação por raça, etnia, sexo ou religião, mas defendem tratamento diferenciado para quem for apanhado cometendo crimes, desde que seja negro, mulher ou homossexual;

Falam em pluralidade de idéias, mas defendem a idéia de que um partido, agrupamento ou organização são mais sábios do que o conjunto da sociedade, a quem desejam "guiar";

São conspiracionistas: quando apanhados com a boca na botija, primeiro tentam negar, dizendo que é tudo um complô da mídia e das elites; depois, buscam justificar, afirmando que "todos fazem igual", ou que a corrupção de esquerda é menos corrupta do que a de direita, porque a de esquerda está a serviço de um fim puro e belo...;

São os paladinos da democracia - sobretudo, se esta os ajudar a conquistar o poder (depois, são outros quinhentos...);

Reescrevem a História de acordo com suas conveniências ideológicas, premiando em dinheiro terroristas como se tivessem sido combatentes pela democracia, enquanto os familiares das vítimas destes estão à míngua;

Defendem a moderação e o bom-mocismo, mas não hesitam em lançar mão de velhas acusações da época da brilhantina - tais como "reacionário", "entreguista" e "pró-imperialista" - contra qualquer um que ousar desmascará-los;

Consideram (os mais moderados) a democracia um valor universal, e são contra a tortura e a favor dos direitos humanos - menos em Cuba;
.
Consideram a denúncia implacável de ditaduras presentes ou passadas, como a de Pinochet, uma obrigação moral, mas rechaçam a mesma atitude diante de ditaduras de esquerda, como a cubana, como um "extremismo de direita";

Acusam os EUA de "terroristas" por derrubar ditadores como Saddam Hussein e caçar facínoras como Bin Laden, mas se recusam a chamar de terroristas os narcobandoleiros das FARC;

Vomitam seu compromisso com a liberdade de imprensa e de expressão - desde que esta não seja usada para criticá-los. Dizem-se a favor da isenção e da imparcialidade da imprensa - mas só dos jornais e revistas que não os aplaudem;

Conseguiram encobrir durante dezoito anos a maior articulação revolucionária da esquerda na América Latina desde o fim do bloco soviético, cobrindo de ridículo e de escárnio quem quer que ousasse fazer a menor referência ao Foro de São Paulo, onde são parceiros de traficantes e ditadores - e ainda há quem acredite, mesmo entre seus críticos, que o caso não é assim tão grave;

Até para denunciar suas tramóias, seus críticos vez ou outra se pegam usando as palavras e chavões esquerdistas e pregando a volta a um suposto passado de pureza virginal ("não são mais de esquerda" etc.).

Diante disso, quem poderá discordar que estamos sob uma ditadura mental, uma ditadura ideológica de esquerda, meio caminho andado para uma ditadura de facto no País?

Voltando ao blog

Aos poucos estou voltando ao blog, sempre que o curso que estou fazendo permite. Hoje não teve palestra pela manhã, então decidi aproveitar para tentar colocar as idéias em dia.

Bem que me disseram que esse negócio de blog é mesmo uma cachaça. A gente começa da forma mais despretensiosa possível, como um passatempo, e acaba virando um cyberdependente. Estou só esperando o curso terminar para escrever um texto sobre ele. Semana que vem estarei no Rio, como parte da programação do curso. Assim que terminar as leituras e voltar à rotina normal, vou botar no papel (digo, na tela) minhas impressões sobre essas últimas semanas de intensos estudos, provas, palestras e algumas perplexidades.

Enquanto isso, estou preparando um texto sobre meu assunto preferido: a ditadura mental esquerdista a que estamos todos submetidos. Em breve o publicarei aqui.

domingo, abril 06, 2008

O MITO DA ESQUERDA "VEGETARIANA"


Jorge Amado certa vez disse uma frase que eu considero uma das mais sábias já ditas por alguém em todos os tempos. Ei-la:

"Atrevo-me a dizer que as ditaduras de esquerda são piores, pois contra as de direita se pode lutar de peito aberto; quem o fizer contra as de esquerda será tachado de reacionário, vendido, traidor".

Penso na frase do escritor baiano sempre que vejo alguém descendo a lenha em alguma ditadura militar latino-americana do século passado, como a dos milicos brasileiros e a do general Pinochet, ou mesmo nos regimes nazista e fascista. Em geral, é alguém que se apresenta, ou é apresentado, como um esquerdista. Geralmente, também, trata-se de alguém que busca justificar ditaduras de esquerda como a de Fidel Castro em Cuba, ou fecha os olhos para os crimes desta, simplesmente esquecendo-a ou alegando "neutralidade" - mesma neutralidade que se recusa a adotar quando se trata das ditaduras do outro pólo ideológico. Também penso na frase quando vejo alguém inflar o peito e abrir a boca para se declarar, orgulhoso, "de esquerda", como se ser esquerdista fosse sinônimo de tudo de bom, de belo e de justo que existe na humanidade - algo que costuma acontecer com freqüência, várias vezes ao dia.

A máscara de bom-mocismo dos esquerdistas costuma cair sempre que lhes é negado o que eles mais desejam, além do poder: o aplauso. Estamos vendo, agora mesmo, essa história se repetir, pela enésima vez nesse governo. Já falei da palestra de Marco Aurélio Garcia, a que assisti por causa do curso que estou fazendo, e dos elogios à sua moderação e bonomia. Agora compare essa moderação e bonomia com as declarações furiosas e indecentes da ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff. Com aquela cara de buldogue e jeito de caserna que a natureza lhe deu, dona Dilma vem atacando raivosamente a imprensa, que teve a ousadia de divulgar um dossiê - que ela diz que não é dossiê, mas um "banco de dados" - vazado da Presidência da República, e feito para chantagear a oposição - o que ela nega, claro - no caso dos cartões corporativos. Dilma já "descobriu" até um suposto espião da oposição infiltrado na Casa Civil, e que teria produzido o tal dossiê (ops, banco de dados). Sobrou para quem deixou vazar o documento para a imprensa - o vazamento, e não a feitura do próprio dossiê (perdão, banco de dados), passou a ser o verdadeiro crime a ser investigado. Ou seja: chantagear não é crime, permitir que a chantagem seja descoberta é que é.

Esse padrão assopra-e-morde, que não respeita a lógica mais elementar (para não falar dos cofres públicos), é típico dos esquerdistas "moderados". Quem, numa discussão com militantes ou mesmo simpatizantes de esquerda, nunca foi recompensado com algum dos epítetos que são geralmente lançados pelos esquerdistas e seus simpatizantes contra qualquer um que tiver a ousadia de contrariá-los, como "reaça", "direitista" (em contraposição à esquerdista; logo, "do mal"), "conservador" (como se fosse um insulto gravíssimo), ou, ainda, "lacaio do imperialismo" e até mesmo "agente da CIA" (se fosse da antiga KGB ou da DGI cubana, talvez não fosse algo tão grave...)? Na falta de adjetivos, os mesmos que costumam brindar quem pensa diferente deles com esses epítetos geralmente apelam para um palavrão bem cabeludo mesmo, de preferência com alguma insinuação sexual explícita ou uma referência desabonadora à genitora de seus adversários intelectuais. Com isso, dão o debate por encerrado, e crêem-se vencedores.

A diferença entre ser "de esquerda" e ser "de direita" no Brasil é que os primeiros estão sempre no ataque, enquanto os poucos que ousam ser do contra são obrigados a ficar na defensiva. Isso dá aos esquerdistas uma vantagem psicológica enorme. Por nunca terem estado antes no poder, eles podem posar de vítimas, seqüestrando a democracia e a ética. Podem afirmar, por exemplo, que defendem a democracia e os direitos humanos, ainda que não dêem a menor bola para nada disso, como comprova a realidade, rotulando com os piores adjetivos quem ousar querer desmascará-los. Além disso, os esquerdistas se beneficiam de uma percepção segundo a qual constituem um aglomerado heterogêneo e multifacetado. A percepção comum sobre a esquerda a enxergará sempre com nuances, o que não costuma ocorrer com quem se diz de direita. Esta, ao contrário, será sempre vista em termos mais monolíticos. Os esquerdistas podem ser radicais ou moderados, modernos ou jurássicos, "carnívoros" ou "vegetarianos"; aqueles que se opõem a eles, ao contrário, serão vistos sempre como extremistas, reacionários, fascistóides. As categorias de "moderado" ou "simpatizante" simplesmente não existem para os que não são de esquerda. Na visão consagrada, os antiesquerdistas são, todos, "carnívoros".

Assim como inúmeros outros intelectuais, antes e depois dele, Jorge Amado também foi de esquerda quando jovem. Chegou a ser eleito deputado federal pelo Partido Comunista, em 1945. Romperia com o comunismo e com o partido depois da divulgação do relatório Krushev, em 1956, que denunciou pela primeira vez os crimes de Stálin (para quem está chegando agora: Stálin era até então uma espécie de deus comunista, algo comparável ao deus esquerdista Fidel Castro dos dias de hoje). A partir de então, deixou de lado as bobagens que publicara sob as ordens do PC - como a epopéia stalinista "Os Subterrâneos da Liberdade" e a hagiografia que escreveu sobre Luiz Carlos Prestes, "O Cavaleiro da Esperança", para se tornar um baiano romântico e sensual, mais interessado em Tietas e Gabrielas, com várias adaptações de sua obra para a TV (o que talvez explique meu pouco apreço por seus livros, pois a televisão tem a capacidade de transformar o bom em ruim, e o ruim em péssimo). Logo, ele entendia um pouco sobre o que pensam os esquerdistas.

Guardadas as devidas proporções, passei por experiência semelhante. Assim como Jorge Amado, posso dizer que também conheci o monstro por dentro. Por isso não posso me dar por satisfeito quando vejo tanta gente educada, lida, viajada, estudada, diplomada e vacinada, e inclusive insuspeita de quaisquer simpatias esquerdistas, servir involutária e inconscientemente de porta-voz da balela de que a esquerda, ou as esquerdas, é intrínseca e filosoficamente superior à direita, ou ao que quer que se identifique como "de direita", pois sempre poderá se reciclar, adaptando-se ao jogo democrático e constituindo mesmo seu principal sustentáculo, como um juste milieu, mediante a conciliação da democracia política com a "justiça social".

Tola ilusão! Essa visão distorcida da realidade, que se baseia na idéia - inventada por esquerdistas, diga-se de passagem - da existência de "duas esquerdas" - uma, "vegetariana" e moderada, e outra, "carnívora" e radical -, só se explica pelo desejo irrefreável de manter viva a crença supersticiosa em sua superioridade inata sobre o que quer que seja. Trata-se de um dogma que vem se manifestando repetidamente para classificar os governos esquerdistas da América Latina, e do qual ja tratei neste blog ("A Grande Ilusão" - http://gustavo-livrexpressao.blogspot.com/2007/05/grande-iluso.html). Sua base é o esquecimento do fato de que tais governos, bem como os partidos e movimentos políticos de esquerda que os compõem - "moderados" ou não -, são na verdade parceiros na mesma organização revolucionária internacional, o Foro de São Paulo, cujo objetivo não é outro senão "restabelecer, na América Latina, o que se perdeu no Leste Europeu". Nele estão representados, lado a lado, o PT - um partido "moderado", dizem - e os narcoterroristas das FARC, um dos grupos criminosos mais sanguinários do mundo. Obviamente, o PT e as FARC não estão cem por cento de acordo em tudo, mas isso, no final, não faz diferença: historicamente, os partidos e movimentos de esquerda - leninistas, stalinistas, trotskistas, maoístas, castristas, anarquistas etc. - sempre divergiram quanto aos métodos de luta, mas jamais quanto ao objetivo final almejado. Este é um só em todos os grupos, com pequenas variações: o comunismo. Em outras palavras, variam nos meios, não no fim. Daí porque eu insisto: por mais diferenças que ostentem em público, "vegetarianos" e "carnívoros" estão juntos no mesmo campo político-ideológico, e é um erro grosseiro considerar um setor esquerdista como um antídoto ou uma barreira contra outro. Eu me recuso a ver diferença essencial entre o criminoso que puxa o gatilho e o cúmplice que o auxilia.

É preciso dizer com todas as letras: vivemos uma ditadura de esquerda. Não uma ditadura institucional, um regime político totalitário, como o que existe em Cuba e para onde se encaminha a Venezuela e a Bolívia, mas uma ditadura do pensamento. Uma ditadura ideológica, da linguagem, sutil, quase imperceptível. Não se trata de um fenômeno novo, mas o resultado de um longo processo de convencimento, que já dura pelo menos três décadas, baseado na idéia gramsciana de conquistar a hegemonia cultural da sociedade, como um preparativo para a tomada definitiva do poder. Ao longo desse processo, foram engendradas na cabeça de gerações de brasileiros um conjunto de fórmulas e slogans esquerdistas, que se incorporaram ao senso comum como verdades auto-evidentes e irrefutáveis. Isso foi alcançado graças a uma eficiente máquina de propaganda que se infiltrou nas escolas, universidades, sindicatos, igrejas etc., a qual agiu de forma sub-reptícia, sutil, indolor e anestésica. Durante décadas fomos bombardeados com propaganda esquerdista sem nos darmos conta. Basta perguntar: quem, no Brasil, tem coragem de se declarar, alto e bom som, conservador e de direita? O nome disso é lavagem cerebral.

Aqui estão alguns exemplos de idéias-força que se implantaram em nosso subconsciente, e que exigirão décadas para ser erradicadas:

1) Crime é aquilo que a direita comete; se é praticado por alguém das hostes de esquerda, e em nome dos ideais e fins de esquerda, então é algo válido e moral, e as acusações de corrupção, ou terrorismo, ou quaisquer outras, não passam de manipulação e conspiração golpista das elites e da mídia;

2) Valores da civilização, como a democracia e os direitos humanos, são "de esquerda"; em contraste, a ditadura, a repressão, são "de direita";

3) Sendo a corrupção algo associado à direita, e a honestidade e a ética à esquerda, o partido ou político que for pego roubando não é "de esquerda"; logo, é preciso "retornar às origens".

Agora eu pergunto: você, que lê estas linhas, pensa ou já pensou de acordo com algum desses princípios citados acima? Sim ou não?

quarta-feira, abril 02, 2008

ESQUERDISTAS RECICLADOS

Como quem lê este blog sabe, estou fazendo um curso no Itamaraty. Por esse motivo reduzi um pouco o ritmo de mensagens aqui postadas, que, a certa altura, chegou a ser quase diário. Pois bem. Um dos palestrantes do curso foi Marco Aurélio Garcia. Ele mesmo. O Top, Top. Acabei de assistir à palestra dele. Ele tratou da política externa da América do Sul, das principais questões referentes à integração regional, das grandes linhas da ordem mundial no século XXI etc. Depois da apresentação, vieram as perguntas, umas quatro ou cinco. Depois, aplausos. Tudo muito civilizado, muito comportado, muito coerente com o local em que foi feita a palestra - o Instituto Rio Branco - e com o protocolo diplomático.
.
Talvez quem esteja lendo estas linhas imagine que eu fui um dos que tomaram o microfone. Que eu tenha aproveitado a oportunidade para bombardear o assessor especial da presidência da República com as perguntas mais inconvenientes. De fato, pensei em fazê-lo, e já tinha preparado algumas perguntas bem embaraçosas. Mas, na hora agá, resolvi não perguntar nada. Calei-me. Uma colega minha, já sabendo de minha postura crítica em relação à atual política externa brasileira, perguntou-me, à saída do auditório, por que eu não encostei o Top, Top, Top na parede, conforme acreditava que eu faria. Cheguei a pensar nisso, confesso. Mas na hora simplesmente não deu. Desisti.
.
Não foi por timidez de minha parte, nem por qualquer coisa do gênero - já questionei Marco Aurélio Garcia antes, em outra palestra, o que inclusive já mencionei aqui -, mas por algo, como direi?, muito mais profundo e pessoal. No meio da palestra, tive uma epifania, uma revelação. Sim, isso mesmo. Diante do clima de cordialidade quase cúmplice que se instalou no auditório com sua presença, das perguntas extremamente polidas que lhe foram dirigidas, das palavras amáveis que lhe foram dispensadas, dos elogios à sua bonomia - palavra que ele mesmo empregou para se referir ao Brasil em relação a nossos vizinhos mais pobres e problemáticos - e, principalmente, diante da falta total de disposição da platéia de fazer perguntas críticas ao palestrante, cheguei à uma conclusão que há muito vinha amadurecendo em minha mente. Pela primeira vez percebi que, naquele momento e naquele lugar, não valia a pena ser do contra. Minhas palavras, quaisquer que fossem, cairiam no vazio. Não iriam fazer nenhuma diferença. Só me restava calar.
.
Sei que certamente decepciono alguns com essa minha atitude. Ou falta de atitude. Mas pensem comigo. Uma das perguntas que eu pretendia fazer a Marco Aurélio era sobre a Colômbia. Mais especificamente, sobre a posição brasileira em relação às FARC, que o governo brasileiro insiste em não reconhecer nem como um grupo terrorista, nem como força beligerante ("então são o quê?", já me via perguntando, em tom inquiridor). Antes da palestra, troquei umas idéias sobre isso com um colega meu, aliás insuspeito de qualquer simpatia pelas FARC e pelas esquerdas. Ele lembrou que o Brasil não era agência de classificação para dizer se tal ou qual organização era ou não terrorista. Além disso, endurecer com as FARC poderia trazer o conflito para o território brasileiro ("o que os impediria de jogar uma bomba aqui?", perguntou meu amigo). Tentei argumentar rapidamente que não se trata de se imiscuir nos assuntos de um país vizinho, mas de uma questão, acima de tudo, política e moral, e que qualquer idéia de uma "mediação" brasileira do conflito colombiano, que volta e meia aparece, é pura cortina de fumaça para encobrir a cumplicidade essencial dos governos esquerdistas da região - inclusive o do Brasil - com os narcoterroristas colombianos. Propositalmente deixei de mencionar o mais importante - o Foro de São Paulo. Fiquei com a nítida impressão de que meu amigo não tinha a menor idéia da existência do Foro. Não surpreende que ele tenha considerado "equilibrada" a posição brasileira sobre as FARC, vocalizada por Marco Aurélio Garcia em várias entrevistas. Não surpreende que eu não o tenha convencido.
.
Quando a palestra começou, minha determinação inicial de tomar a palavra na hora das perguntas foi logo minguando, até desaparecer. Durante mais ou menos uma hora, Marco Aurélio Garcia discorreu sobre o quadro atual e as perspectivas das relações sul-americanas. Sem alterar a voz, falou em tom moderado, melífluo, como um professor - o que, aliás, ele é. Fez piadas. O público riu com ele. Afastou qualquer veleidade ideológica na atual política externa brasileira - na verdade, sequer mencionou isso -, defendendo a necessidade de maior integração com os países da região etc. Moderado ao extremo, parecia quase um técnico falando. Um verdadeiro estadista, diria quem o visse. Cordial, até simpático, estava, como se diz, feliz como pinto no lixo. Em nada lembrava o sujeito que foi flagrado no ano passado fazendo aquele gesto conhecido de Top, Top comemorando a notícia de que o governo supostamente não teria nada a ver com a tragédia do avião da TAM em Congonhas, em que morreram 199 pessoas.
.
Logo me veio à mente a lembrança recentíssima de minha conversa pré-palestra: se até mesmo alguém sem nenhuma inclinação esquerdista como meu amigo era incapaz de enxergar a realidade do Foro de São Paulo, a ponto de eu hesitar várias vezes em mencioná-lo para ele, o que dizer de uma pergunta feita ali, na lata, ao seu ex-coordenador, diante de uma platéia que lhe era claramente simpática ou que, pelo menos, estava ali para vê-lo e ouvi-lo por obrigação profissional? Eu correria o risco de ser ridicularizado, olhado de esgüela como um alienígena, um estranho, um penetra naquele ambiente tão asséptico, tão inteligente, tão pouco ideologizado da Casa de Rio Branco. Foro de São Paulo? Coisa de maluco, certamente pensariam.
.
Definitivamente, o Itamaraty não é o lugar mais apropriado para o debate franco e sem restrições. Foi por isso que me calei. Mas não só por isso. A atitude abertamente lisonjeira em relação ao palestrante foi algo que, confesso, me desanimou. Não por medo de ser uma voz solitária, o que nunca tive, mas por isso demonstrar de forma clara que a capacidade de sedução dos esquerdistas é algo realmente acachapante, que é capaz de embotar até as mentes mais preparadas intelectualmente, a ponto de ser inútil tentar ir contra essa maré. A palestra de Marco Aurélio Garcia me convenceu de que a capacidade proteiforme dos esquerdistas é realmente inesgotável. Se antes eles eram os inimigos jurados da "democracia burguesa", hoje se apresentam como seus guardiães. Se antes eram os coveiros do capitalismo, hoje são seus principais sustentadores. Se antes aplaudiam regimes como o da ex-URSS, um dos maiores poluidores do meio ambiente, hoje se proclamam os campeões da causa ecológica, e convencem a muitos de que o são de verdade. E assim também na política externa. Marco Aurélio Garcia esquivou-se calculadamente de tocar nos temas mais espinhosos da agenda política latino-americana, como o conflito colombiano, os ataques à democracia pelo regime de Hugo Chávez na Venezuela e, last but not least, a ditadura cubana. Defendeu, mesmo, a necessidade de o Brasil manter relações com todos os países, sem preconceitos ideológicos, retomando um antigo chavão da Política Externa Independente do começo dos anos 60. Quis, assim, passar uma imagem de bom-moço, de esquerdista reciclado e moderado, "moderno", "vegetariano", em comparação com a esquerda "carnívora" representada por Chávez, Correia e Morales, seguro de que a platéia e a ocasião lhe eram favoráveis. Numa demonstração de quase resignação filosófica, afirmou ser necessária uma postura altiva frente aos grandes, e compreensiva com os pequenos. Enfim, uma visão benévola da política externa do governo Lula, quase franciscana em sua bonomia. Diante disso, que espaço haveria para falar de coisas como a parceria entre o governo Lula e as FARC no Foro de São Paulo? Pareceria pura provocação, ou delírio. Algo completamente fora de lugar.
.
Daí porque assisti à palestra em silêncio. Espero que perdoem essa minha pequena pusilanimidade. Eu seria um Dom Quixote lutando contra um moinho de vento. No caso, um moinho gigantesco, sob cujas águas são lavados milhares de cérebros, todos os dias. Além disso, descobri que a palavra escrita, e não a falada, é que é o meu forte. Por isso, guardo minhas críticas a Marco Aurélio Garcia e às esquerdas para este blog. Aqui, pelo menos, a crítica não dá lugar ao excesso de polidez e ao protocolo diplomático.