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sábado, setembro 01, 2012

QUEM É RETRÓGRADO?

Há alguns dias, estava eu conversando com uma amiga minha de longa data na internet. Quer dizer, conversando é maneira de falar, porque na verdade tentei conversar. Minha amiga é uma pessoa de esquerda. Não uma militante (pelo menos acho que não), mas de qualquer modo esquerdista e, a julgar por suas mensagens no facebook, atéia, pró-feminista, pró-marxista etc. Enfim, alguém que, em termos de idéias, segue o mainstream.

Como eu disse, tentei iniciar uma conversa. Tenho esse mau hábito: querer conversar sobre política. Pior ainda: na internet. Mas, insistente, fui adiante. Comecei dizendo de minha surpresa por ter descoberto, lendo um comentário de minha amiga em uma página qualquer da web, que ela era atéia (até então eu não sabia). Como sou ateu desde os 14 anos de idade, achei que tinha encontrado uma parceira espiritual. "Vamos trocar figurinhas?", convidei-a.

Entusiasmado com a possibilidade de trocar idéias sobre assunto tão palpitante, perguntei: não é estranho que a imensa maioria dos que se dizem ateus no Ocidente dedicam-se tanto a espezinhar a religião cristã, especialmente a Igreja Católica, enquanto poupam religiões como o Islã? E citei especificamente regimes como a teocracia islamita do Irã, onde mulheres são apedrejadas por adúlteras e homossexuais são enforcados em praça pública. Perguntei por que os militantes gayzistas e feministas ocidentais, quase todos esquerdistas, não diziam quase nada sobre o assunto. Minha amiga de início se surpreendeu: "Como não? Tem vários vídeos no youtube que denunciam isso" etc. Lembrei que tais militantes humanistas e progressistas gastavam 90% de seu tempo a atacar a religião cristã. "É porque é a maior religião", redargüiu, enfática. Mesmo assim, respondi, não conheço nenhum caso de pessoa executada por blasfêmia ou comportamento desviante a mando do Vaticano, por exemplo. E resolvi mencionar um fato que, aos olhos de minha amiga, deve ter parecido uma heresia: a religião mais perseguida do mundo, hoje, é o cristianismo. Veja o que ocorre no Oriente Médio, na China etc.

Isso foi demais para minha interlocutora. Indignada, talvez ofendida com esse fato - não era sequer um argumento: era um fato -, minha amiga abruptamente deu por encerrada a nossa conversa. Não perderia mais tempo debatendo com alguém como eu, que vou contra tudo aquilo que ela tem em alta estima etc. Ainda por cima - isso foi o que mais me chamou a atenção -, eu teria uma "agenda política retrógrada" (!). Passar bem.

Confesso que aquela conversa - ou melhor: a forma brusca e inesperada como terminou a conversa - me deixou meio atordoado. Nem tanto pelo fato de ter sido chamado de "retrógrado" (sendo um crítido contumaz das fórmulas e dogmas marxistas, já estou acostumado a ser chamado de coisa pior), mas porque, pela primeira vez, alguém disse que eu tinha uma "agenda política". Agenda política, eu?, fiquei pensando. Mesmo depois de ter escrito isso aqui: http://gustavo-livrexpressao.blogspot.gr/2010/04/individuo-nao-manada.html?

Mas voltemos ao adjetivo infame, "retrógrado". Por que fui brindado com o epíteto? Porque achei estranho, para dizer o mínimo, que tantos autoproclamados ateus preferissem dirigir suas baterias contra o cristianismo, deixando de lado o Islã. Porque tantos ateus, sobretudo na Europa e nos EUA, onde proclamar-se ateu virou uma espécie de modismo, se comprazem em atirar lama no Papa ou em pastores evangélicos, cujos ensinamentos ninguém está obrigado por lei a seguir, ao mesmo tempo em que costumam silenciar sobre barbaridades cometidas em nome do Islã, sobretudo em alguns países islâmicos, onde essa liberdade não existe.

Ou seja: sou um retrógrado, ainda por cima com uma agenda política, porque defendo os direitos dos gays e das mulheres no Irã e na Arábia Saudita. Mais: sou um retrógrado, um reacionário e um fascista porque - vejam que absurdo! - tenho a ousadia de defender os direitos de minorias religiosas (no caso, os cristãos nos países do Oriente Médio). Sim, sou um bandido, um canalha, um assassino, porque defendo o direito à livre expressão e à existência de quem pensa diferente de mim. Já aqueles que critico, os ateus do tipo Noam Chomsky e Tariq Ali, são democratas e progressistas porque não dizem uma palavra sobre isso. Não é fantástico?  

É um fenômeno curiosíssimo! Quem quiser ser louvado como uma pessoa de bem, humanista e tolerante, que saia em defesa dos direitos dos muçulmanos na Bélgica ou na França, ou que, pelo menos, faça vista grossa a regimes como o iraniano. (Alguns vão mais além, e justificam mesmo esses regimes: são os multiculturalistas.). Por outro lado, quem quiser ser execrado e rotulado de retrógrado ou coisa semelhante, ainda que seja ateu, basta que defenda o direito dos cristãos à liberdade religiosa. Basta que chame a atenção para as perseguições e massacres de comunidades cristãs no Egito ou no Paquistão.

Para dar um exemplo: somente no Iraque, desde 2003 o número de cristãos decaiu drasticamente de 1,5 milhão para 500 mil, e continua caindo, graças às perseguições e atentados terroristas de muçulmanos sunitas e xiitas, que não deixaram praticamente nenhuma igreja em pé no país. Rios de tinta e milhões de megabytes foram gastos para denunciar a torpe invasão imperialista e as mentiras de Bush e sua camarilha sobre armas de destruição em massa etc., mas não se leu uma linha na imprensa ocidental sobre esse verdadeiro holocausto cristão no Iraque. Simplesmente mencionar tal fato, dizer que está em andamento um verdadeiro religiocídio no país, é uma blasfêmia, um sacrilégio. Quem o fizer será considerado um reacionário, um criminoso, um inimigo da tolerância e da humanidade. Em outras palavras, alguém com uma agenda política retrógrada.

Trocando em miúdos: tolerante e progressista é quem ataca o cristianismo; intolerante e retrógrado é quem o defende. Ou seja: liberdade de religião, menos para os cristãos. É essa a agenda política dos progressistas da esquerda, mais anticristãos (e anti-Ocidente) do que ateus.

Querem mais um exemplo? Há algum tempo esteve no Brasil o presidente da República Islâmica do Irã, Mahmoud Ahmadinejad. Veio para a Conferência Rio+20, da ONU. Tirando um pequeno grupo de judeus e de evangélicos, não se viu ninguém do lado da esquerda, nem um mísero militante, protestar contra a presença em uma conferência das Nações Unidas de um notório antissemita, genocida e negador do Holocausto. Não se viu nenhum esquerdista, marxista, feminista ou gayzista erguendo faixas e gritando palavras de ordem contra o chefe de um governo que apedreja mulheres e assassina homossexuais. Em vez disso, o que fizeram os nossos progressistas, entre eles alguns ateus? Foram prestar homenagem a Ahmadinejad, indo visitá-lo no hotel onde se encontrava. Grandes humanistas, como se vê. 

Como diz o mágico norte-americano James Randi, que vive de desmascarar misticismos e charlatanices, há dois tipos de ateus: os que dizem que Deus não existe e os que exigem provas de Sua existência. Eu acrescentaria um terceiro tipo: os que são ateus, ou que dizem que o são, por modismo, ou pela metade. Quando os vejo em ação, quase concordo com minha amiga da internet e admito que tenho uma agenda política retrógrada.

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Em tempo: espero que minha amiga, a quem estimo muito, continue a ser minha amiga, mesmo não querendo saber de debater comigo. Eu, de minha parte, não deixarei de considerá-la como tal. Afinal de contas, se eu confundisse opinião com amizade, e não aceitasse como amigo alguém com uma visão diferente da minha, eu seria um inimigo da inteligência, um fanático e um intolerante, não é verdade? 

sábado, março 31, 2012

E SE FOSSE MAOMÉ?


Um leitor, o David, enviou-me um link para um comercial de Red Bull que foi tirado do ar pelo Conar, o Conselho Nacional de Regulamentação Publicitária. Ele mostra a famosa passagem bíblica em que Jesus está no barco com Pedro e outros apóstolos, que estão pescando. Jesus começa a andar sobre as águas. É por que ele é santo e coisa e tal? Não, é porque ele toma Red Bull, diz o próprio Cristo, com uma voz meio chapada, que está mais para Bob Marley do que para o Messias. Ah, então é por isso que ele anda sobre as águas? Não - responde o Filho de Deus -: é só escolher as pedras. E lá vai ele, o Salvador, aos saltinhos, entre um gole e outro do energético.

Não vi nada de ofensivo no comercial, que achei até engraçado. Sendo ateu, esse tipo de coisa não me afeta. Acho divertidíssimo, por exemplo, o filme A Vida de Brian, do grupo inglês Monty Python, uma das obras mais sarcásticas que já vi, que tira um tremendo sarro da história de Jesus. Proibi-lo seria uma estupidez, além de um óbvio atentado à liberdade artística (ao contrário de uma campanha da Benetton, veiculada há alguns anos, em que um padre e uma freira aparecem se beijando na boca). Mas admito que há quem se sinta ofendido em sua fé religiosa. E que veja no comercial de Red Bull uma afronta. Nesse caso, além de simplesmente não consumirem o produto - ainda somos livres para fazer escolhas, não? -, essas pessoas têm, sim, o direito de reclamar. Pesquisei e descobri que em outros paises democráticos, como a África do Sul e a Itália, esse e outros comerciais do mesmo produto e de teor semelhante também foram retirados do ar a pedido de cristãos mais sensíveis.

"Ah, mas isso é censura", apressa-se a bradar quem acredita que a liberdade não tem limites. Nada mais forçado. Censura seria se fosse uma imposição arbitrária do Estado, determinada não pela Lei, mas pela discricionaridade do governante - ou dos militantes de algum movimento político que querem colocar o Estado a seu serviço. Ou seja, se fosse um ato de uma ditadura - como aquela que os esquerdistas veneram e que o papa Bento XVI visitou esta semana (e onde a festa de Natal, por exemplo, ficou proibida por trinta anos, e rezar em público até há alguns anos dava cadeia, como ocorria em todas as tiranias comunistas). Nem a África do Sul de hoje nem a Itália são, ao que eu saiba, ditaduras. Além disso, a Constituição brasileira protege a liberdade de religião, punindo a profanação de símbolos religiosos (algo que se tornou comum, por exemplo, nas paradas gays). Pode-se dizer que é uma Constituição autoritária? 

Antes de criticarem a suposta intolerância de católicos ou protestantes, seria bom perguntarem a si mesmos: e se fosse Maomé? Há alguns dias, o chefe da BBC de Londres confessou publicamente que a emissora só aceita fazer piadas ou críticas a Jesus, mas não a Maomé. Sua justificativa: é que os cristãos, ao contrario dos muçulmanos, não reagem quando provocados... Acho que jamais vi confissão de cinismo e covardia maior do que essa, um claríssimo duplo padrão moral. O fato de os cristãos não reagirem quando insultados (talvez levando ao pé da letra a máxima de que é melhor dar a outra face) é, a meu ver, um ponto a seu favor, uma prova de que estão habilitados a viver numa sociedade democrática. Ao contrário dos islamitas que se explodem em mercados lotados e matam crianças.  

Sejamos honestos: nenhuma religião é mais combatida, atacada, vilipendiada, execrada, espinafrada, esculhambada (com ou sem motivo, não importa) do que a cristã - e, em especial, a fé católica. Muitos que reclamam de intolerância na retirada do comercial de Red Bull esquecem que, de todas as liberdades de que gozamos em uma democracia, a pioneira, a mãe de todas as demais, é a liberdade religiosa, de crença e de culto. Liberdade que é afrontada praticamente todos os dias no Brasil, por "movimentos" que, a pretexto de defender o caráter laico do Estado e os direitos de minorias, querem impor suas ideologias totalitárias, tentando calar a boca de padres e pastores e banir, por exemplo, crucifixos de repartições públicas. Em um país cultural e majoritariamente (a seu modo, mas ainda assim) cristão, não há como não ver nisso uma clara imposição autoritária de uma minoria organizada. Pior: uma intromissão numa questão de foro íntimo, pessoal, que é a religião. Não se trata, portanto, de uma rendição ao politicamento correto, mas exatamente do oposto.
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Muitos que enxergam censura na decisão do Conar sobre o comercial de Red Bull que faz troça com Jesus não vêem nenhum problema em pedir prisão para um humorista por uma piada considerada sexista ou preconceituosa (aqui sim, pode-se falar de patrulha politicamente correta). Geralmente são os mesmos que acham plenamente normal e compreensível muçulmanos queimarem embaixadas - e pessoas - por causa de uma charge do profeta Maomé. Anestesiados por um entorpecente mental chamado multiculturalismo, são implacáveis ao atacar severamente o suposto machismo ou casos de pedofilia na Igreja Católica, enquanto fecham os olhos ou mesmo procuram justificar crimes semelhantes ou piores cometidos em nome do Islã. 
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Só para dar um exemplo mais ou menos próximo: na Faixa de Gaza, hoje dominada pelos terroristas islamitas do Hamas e transformada numa cabeça-de-ponte do Irã, meninas de 8 anos de idade são forçadas a se casarem com homens mais velhos, em cerimônias de casamento coletivo. Se fossem cristãos, seriam acusados de pedófilos e estupradores. Mas não se vê quase ninguém denunciando-os como tal. Para a maioria dos que torcem o nariz para o cristianismo, as prescrições - e são apenas prescrições, sem qualquer efeito legal impositivo - de um velhinho vestido de branco sobre aborto e homossexualismo causam mais revolta do que o apedrejamento de mulheres acusadas de adultério e o estupro de crianças - de ambos os sexos - pelos devotos de Maomé. Tampouco os que se dedicam a criticar o papa e a Igreja se dão conta de que a religião mais perseguida do mundo, hoje, é o cristianismo.

Querem dados? Então lá vai. No Iraque, até 2003 havia cerca de 1 milhão de católicos; hoje sobraram menos da metade. São todos os dias atacados por   terroristas islamitas, e praticamente não restou nenhuma igreja intacta no país. No Egito, que passou recentemente por uma revolução tida por democrática, os cristãos coptas, a comunidade religiosa mais antiga do país - muito mais antiga do que o Islã -, sofre perseguições diárias dos fanáticos salafitas, que ganharam bastante poder depois da queda do ditador Hosni Mubarak. Critica-se George W. Bush por ter invadido o Iraque e despachado Saddam Hussein para o inferno, mas não se diz uma palavra sobre esse holocausto cristão. Em outros lugares - Sudão, Índia, Paquistão, Arábia Saudita, China - os cristãos são diariamente ameaçados e atacados, sendo proibidos de professar o culto livremente. Não por acaso, muitos desses países são muçulmanos ou ditaduras. Cristãos são impedidos de professar sua fé e assassinados todos os dias no mundo. Mas quem se importa?
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Como já disse, sou ateu, mas nem por isso anticlerical, o que não é nenhuma contradição. O direito à heresia, como sabia Voltaire, é uma conquista da civilização. Mas não significa o fim da liberdade de crença. Ironicamente, hoje o anticlericalismo é uma ideologia aliada das formas mais extremas de fundamentalismo religioso (no caso, islâmico), sendo um traço comum à esquerda mais "progressista" e "sofisticada" e aos fanáticos da Al Qaeda. Já perceberam como os que adoram jogar lama em 2000 anos de cristianismo - ou seja: na própria civilização ocidental, que não seria a mesma sem os papas e os afrescos da Capela Sistina - não dizem uma palavra sobre as atrocidades cometidas em nome do Islã? Pelo mesmo motivo por que repudio a intolerância e o fanatismo de certos pastores evangélicos e mulás, acho a militância antirreligiosa e, sobretudo, anticristã, uma tolice. É por isso que concordo 110% com a frase do Diogo Mainardi: "Em Deus eu não acredito, mas na Igreja, sim".

Nessa questão do comercial do Red Bull, assim como em todas as outras que envolvam a liberdade religiosa, estou com os cristãos, embora eu seja uma ovelha desgarrada. Aliás, exatamente por isso: se for para ficar a favor apenas da liberdade dos que pensam igual a mim, que espécie de democrata seria eu? A liberdade, numa democracia, é sempre a de quem pensa diferente de nós mesmos. Não vou deixar de tomar um Red Bull na balada, mas nem por isso vou escarnecer da crença alheia. Até porque, não há nada de democrático nisso. 

O PAPA E O MARXISMO


Frase do papa Bento XVI, dita durante viagem à ilha-presídio de Cuba, dominada há 53 anos por uma dupla que tomou o poder prometendo democracia e instalou, em vez disso, a ditadura mais longeva do Ocidente:

"O marxismo não corresponde mais à realidade".

Discordo da frase de Sua Santidade.  Como assim, "não corresponde mais à realidade"? 

Por acaso algum dia o marxismo - esse delírio sociológico responsável por mais de 100 milhões de mortos no século XX - teve alguma coisa a ver com a vida real? Quando? Onde? Em 1917 na Rússia? Em 1949 na China? Em 1959 em Cuba? 

Está claro que o Sumo Pontífice se equivocou. Uma ideologia que produziu aberrações como Stálin, Mao Tsé-tung, Pol Pot e Fidel Castro - que agora posa de "tolerante", vejam só... - não corresponde à realidade, nem hoje nem ontem. Sua única correspondência é com a destruição do indivíduo, a tirania, a falta de liberdade, sob o pretexto de uma igualdade fictícia (e que os próprios comunas são os primeiros a jogar no lixo, arvorando-se em elite dominante onde quer que chegaram ao poder).

Então a censura, o Gulag, o paredón - tudo isso correspondeu à realidade um dia, em algum lugar, apenas está "obsoleto"? Mais ou menos como a TV preto-e-branco está para a TV a cores, ou a máquina de escrever para o computador? 
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Já pensou se alguém dissesse o mesmo do fascismo: "não corresponde mais à realidade"? Imaginem só a gritaria...

E a democracia, o oposto do comunismo, teria, portanto, um valor datado?  Ou seja, teria valido para uma certa época, mas não mais para hoje?

Preciso mesmo responder essa pergunta? 

O mais surrealista de tudo: a frase foi dita pelo papa no caminho para Cuba, ditadura marxista há cinco décadas... Logo onde!
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Para ficar perfeita, a frase do papa precisaria ter uma palavra a menos: "O marxismo não corresponde à realidade"

Aliás, jamais correspondeu. Cem milhões de cadáveres - uns 100 mil em Cuba - não deixam dúvidas quanto a isso.

segunda-feira, setembro 14, 2009

O FALSO LAICISMO A SERVIÇO DA INTOLERÂNCIA (OU: O COMANDO DE CAÇA AOS CATÓLICOS)

Pastor da Universal chuta imagem católica na TV:
"Em nome do 'Estado laico': xô satanás!"
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Ontem à noite, parei o olho no programa Domingo Espetacular, da Rede Record de televisão. Em geral não perco meu tempo assistindo a esse tipo de atração (?) domingueira - ainda mais uma da emissora do "bispo" Edir Macedo, dono da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD), e apresentada pelo "independente" Paulo Henrique Amorim. Mas abri uma exceção, pois o assunto me chamou a atenção. O programa apresentou extensa reportagem - chamemos assim - sobre um tema, digamos, polêmico: a Concordata que está para ser assinada no Senado entre o Brasil e a Santa Sé - de forma totalmente manipulada e distorcida, visando a desinformar e induzir o espectador.

Raras vezes vi exemplo tão claro de propaganda ideológico-religiosa travestida de jornalismo - e jornalismo, se é para dizer assim, da pior qualidade. Até para os padrões da Record a, digamos, reportagem passou de todos os limites da empulhação e da desonestidade. Quem assistiu ficou com a nítida impressão de que a tal Concordata é um acordo "para beneficiar e privilegiar a Igreja católica", um "atentado contra a diversidade religiosa", uma "ameaça contra o Estado laico", até mesmo um "retrocesso rumo à Idade Média".

Já escrevi aqui antes, e não custa repetir, que não tenho qualquer simpatia especial pela Igreja católica, assim como por qualquer religião. Mas nem por isso vou me calar diante de uma farsa grotesca, uma clara tentativa de manipulação. Quando a emissora dos "bispos" da IURD - comprada com o dinheiro dos fiéis, segundo denúncia do Ministério Público - fala em "tolerância" e em "defesa do Estado laico", é bom desconfiar. A campanha da IURD/Record contra a Concordata Brasil-Santa Sé não tem nada a ver com a defesa do laicismo e da diversidade religiosa. Tampouco o acordo a ser celebrado com o Vaticano constitui qualquer ameaça à separação entre religião e Estado. Toda a gritaria contra o acordo não passa de óbvio exagero, fruto de colossal ignorância ou de deliberada má-fé. Digo por quê.

Alem do fato de que, em momento algum a Concordata foi apresentada como um tratado entre dois Estados (e não entre o Estado brasileiro e uma religião, como foi sistematicamente repetido), a, vá lá, "reportagem" - é preciso inventar palavras novas para fenômenos como esse - cita os Artigos 6 e 7 do Acordo, como uma das "provas" do alegado "tratamento privilegiado" que seria concedido à Igreja católica no Brasil. O que dizem os Artigos? Dizem o seguinte:

Artigo 6:

As Altas Partes reconhecem que o patrimônio histórico, artístico e cultural da Igreja Católica, assim como os documentos custodiados nos seus arquivos e bibliotecas, constituem parte relevante do patrimônio cultural brasileiro, e continuarão a cooperar para salvaguardar, valorizar e promover a fruição dos bens, móveis e imóveis, de propriedade da Igreja Católica ou de outras pessoas jurídicas eclesiásticas, que sejam considerados pelo Brasil como parte de seu patrimônio cultural e artístico.

Artigo 7:

A República Federativa do Brasil assegura, nos termos do seu ordenamento jurídico, as medidas necessárias para garantir a proteção dos lugares de culto da Igreja Católica e de suas liturgias, imagens e objetos cultuais, contra toda forma de violação, desrespeito e uso ilegítimo.

& 1: Nenhum edifício, dependência ou objeto do culto católico, observada a função social da propriedade e a legislação, pode ser demolido, ocupado, transportado, sujeito a obras ou destinado pelo Estado e entidades públicas a outro fim, salvo por necessidade ou utilidade pública, ou interesse social, nos termos da Constituição brasileira.

O que há de contrário à liberdade de culto e de crença e à separação entre religião e Estado nos dois Artigos reproduzidos acima? O seguinte, segundo a IURD/Record: o patrimônio da Igreja católica (igrejas, mosteiros, conventos, peças sacras etc.) não faz parte do patrimônio cultural e artístico brasileiro. Logo, não tem nada que ser protegido pelo Estado.

Ora, até mesmo o mais ateu dos historiadores (e eu, como ateu e formado em História, sou insuspeito para falar) é obrigado a reconhecer que a Igreja católica teve um papel preponderante na formação histórica e cultural brasileira. Basta ir a qualquer cidade do País que essa influência saltará aos olhos, revelando-se no próprio nome dos lugares (São Paulo, São Sebastião do Rio de Janeiro, São Salvador, Baía de Todos os Santos, Belém etc.). A arte do período colonial, sem o substrato católico, perderia completamente qualquer sentido: as esculturas de Aleijadinho, por exemplo, assim como toda a arte do barroco mineiro do século XVIII, que constituem inegavelmente patrimônio artístico e cultural do Brasil, são inseparáveis do patrimônio da Igreja católica. Sem falar no fator demográfico - a maioria esmagadora da população no Brasil é cristã, tendo a herança católica incorporada a seu referencial cultural. O catolicismo teve um papel fundamental na formação cultural e histórica do povo brasileiro - isso, queiramos ou não, é inegável. Daí porque nos tribunais e repartições públicas se costuma pendurar um crucifixo nas paredes, e não uma estátua de Buda ou um verso do Corão (embora isso não seja proibido, nem deveria).

Portanto, não é absurdo nenhum querer que o Estado proteja o patrimônio artístico e cultural da Igreja como parte da cultura brasileira. E isso não tem nada a ver com qualquer tentativa de "privilegiar" o catolicismo: fosse o Brasil um país majoritariamente muçulmano, ou budista, e o patrimônio a ser protegido pelo Estado seriam mesquitas e pagodes. Trata-se, na verdade, de regularizar uma situação já existente de fato: cabe sim ao Estado, através de suas instituições artísticas e culturais, proteger o patrimônio artístico e cultural do País, seja ele uma igreja ou mosteiro do século XVI, seja um terreiro de candomblé - até mesmo os horrendos templos da IURD, com seu estilo arquitetônico "greco-goiano", podem, um dia, entrar na lista.

Mas entende-se: para quem já chutou ao vivo uma imagem de santa na televisão, o Artigo 7 da Concordata Brasil-Santa Sé, que fala em proteger os lugares de culto e objetos católicos de qualquer tentativa de violação ou desrespeito, é mesmo inaceitável; é mesmo de uma "intolerância" sem tamanho com outros credos...

Em seguida, a reportagem encasqueta com o Artigo 11 da Concordata. Este seria o mais perigoso, segundo a IURD/Record, à preservação da laicidade estatal e à liberdade de culto e de crença no Brasil. Aqui os, digamos, "repórteres" a serviço do "bispo" foram um pouco mais além: usando os recursos típicos da linguagem televisiva, como destacar partes de um texto em detrimento de outras, eles tentaram mostrar que o Artigo, ao estabelecer o "ensino religioso" (= católico) nas escolas públicas, é uma clara violação da Constituição brasileira. De fato, quem tiver lido somente o que foi mostrado na TV saiu convencido que, com a Concordata, todas as crianças serão obrigadas, no horário de aula, a rezar o pai-nosso e ir à missa. Por isso, faço questão de reproduzir, aqui, o texto integral do referido Artigo. Ei-lo:

Artigo 11

A República Federativa do Brasil, em observância ao direito de liberdade religiosa, da diversidade cultural e da pluralidade confessional do País, respeita a importância do ensino religioso em vista da formação integral da pessoa.

§1º. O ensino religioso, católico e de outras confissões religiosas, de matrícula facultativa, constitui disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental, assegurado o respeito à diversidade cultural religiosa do Brasil, em conformidade com a Constituição e as outras leis vigentes, sem qualquer forma de discriminação.

Atentem para as partes em negrito. Fiz questão de grifá-las para deixar claro que, nesse caso, a emissora do empresário da fé Edir Macedo não se limitou a mentir de forma descarada: ela OMITIU, proposital e deliberadamente, parte essencial da questão, de forma a mostrar o Artigo 11 da Concordata como uma ameaça à liberdade de culto e de crença. Por meio de manipulação, a reportagem tentou induzir os espectadores a acreditarem que o Brasil está para assinar um acordo que irá privilegiar uma religião, instituindo, de forma obrigatória, o ensino católico nas escolas. Quem ler o texto, porém, verá que não é nada disso: não só o ensino não será necessariamente católico, como será facultativo (ou seja: estuda quem quiser, sem qualquer forma de discriminação). A Record enganou o público. Mais uma vez, diga-se.

Mas a mentira não parou por aí. A fim de reforçar, na mente do público-alvo, que a Concordata será a versão moderna da Inquisição medieval, os "jornalistas" da IURD/Record fizeram comparações com o vigente em outros países. Quando se referiram a Israel, um país ameaçado diariamente pelo fanatismo islâmico, a forçação de barra chegou ao ridículo: a reportagem mostrou cenas de escolas religiosas islâmicas, as madrassas, de onde saem muitos homens-bomba, tentando fazer uma associação entre o terrorismo islamita e a proposta de ensino religioso da Concordata. Sem comentários...

Para dar um verniz de "imparcialidade" ao que estava sendo dito, foram colhidos depoimentos, além do presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (que disse que a Concordata era um "retorno ao século XVIII"), de alguns líderes religiosos: um pastor da Assembléia de Deus (colocar alguém da IURD seria dar muito na vista), um mulá muçulmano (que falou em árabe) e uma representante da ONG "católicas pelo direito de decidir". Todos foram unânimes em sua condenação à Concordata, mostrada sempre como uma ameaça ao Estado laico. Durante toda a reportagem, não se viu nenhum padre ou bispo católico falando a respeito.

Ao longo de toda a matéria, a condenação à Concordata foi apresentada como a defesa intransigente da laicidade e da liberdade de culto e de crença, contra uma tentativa de "privilegiar" uma religião em detrimento de outras. Mas o que ficou claro é que, por trás da resistência ao Acordo, está um falso laicismo, um preconceito anticatólico. Na verdade, é mais que isso: trata-se de, em nome da diversidade religiosa, opor-se à livre concorrência entre as religiões, do mesmo modo que muitos se opõem à livre concorrência no mercado. Ou seja: a oposição à própria noção de diversidade e pluralismo religiosos. O oposto exato da idéia de laicidade. .Ou se

Se tem algo que a atual campanha contra a Concordata Brasil-Santa Sé demonstra com clareza é que, para atacar a Igreja católica, vale qualquer arma, até mesmo fingir-se de laico. Muita gente inteligente, em nome de supostos ideais iluministas, está se deixando enganar por essa conversa mole, aderindo ao CCC - Comando de Caça aos Católicos.

A IURD tem o direito a se opor à Concordata com a Santa Sé. Tem o direito, inclusive, de fazer lobby no Congresso para que esta não seja aprovada, o que fazem os deputados e senadores a ela ligados. Pode-se, inclusive, questionar o ensino religioso nas escolas públicas, tendo em vista até mesmo questões práticas e sua inaplicabilidade (haverá um professor para cada religião? etc.). Mas isso não dá a ninguém o direito de mentir e enganar o público. Que a neopentecostal IURD, conhecida por suas "fogueiras santas de Israel" e por seus "exorcismos" feitos com sal grosso, sem falar nos chutes a imagens de santas e na maneira, digamos, empresarial como encara a fé, se arvore em defensora da "tolerância" contra o "obscurantismo" católico é mesmo um sinal dos tempos. É algo que só vem provar que religião e política - e religião e jornalismo - realmente não combinam.

sexta-feira, agosto 07, 2009

Resposta ao leitor - Sobre Concordatas, a Igreja e minorias

Escreve o Diego, sobre meu último post:
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Concordo com a maior parte do texto, e me parece que o direito aos crucifixos nas repartições públicas é justificada não só pelo aspecto cultural, mas principalmente pela maioria demográfica dos católicos nominais e dos cristãos em geral.
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Mas fica comigo a pergunta: o que Reinaldo Azevedo (e você) pensam sobre a concordata - a meu ver abusiva - entre o Vaticano e o Brasil? Será que não é tão indevido quanto a proibição judicial dos crucifixos? A "minoria perseguida" católica estaria nesse caso sendo indevidamente beneficiada?
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Respondo
Questão interessante. Não sei o que RA pensa sobre o assunto (nem procuro me guiar pelo que ele pensa). Quanto a mim, digo apenas que, pelo que eu andei lendo a respeito, a tal Concordata Brasil-Santa Sé, assinada em novembro de 2008 e que está para ser ratificada no Congresso, tem como principal ponto controverso uma questão trabalhista - o artigo 15, que isenta a Igreja católica de pagar obrigações trabalhistas a seus funcionários no Brasil. Creio que, nesse sentido, pode-se analisar o acordo, à luz do que diz a legislação trabalhista brasileira, e discutir se é algo abusivo ou não.
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Quanto a uma segunda queixa dos opositores da Concordata - a de que estaria em contradição com a laicidade do Estado brasileiro, em claro confronto com o Artigo 19 da Constituição Federal -, creio que há aqui um certo exagero. É verdade que o citado artigo deixa claro que o Estado brasileiro é laico, e que não é permitido assinar qualquer acordo com representação religiosa etc. e tal. Mas não se pode esquecer que o Vaticano não é apenas a sede do catolicismo, mas é também um Estado, reconhecido pela maioria dos países. A Concordata é com a Santa Sé, não com a Igreja católica. O Brasil tem acordos com países como a Arábia Saudita e o Irã, lugares onde não há separação entre religião e Estado. No entanto, jamais vi alguém reclamar contra isso, alegando que o Estado é laico e não pode, portanto, celebrar acordos com esses países, que são também representações religiosas. Do que se conclui que se trata, pelo visto, de mais uma demonstração de "double standard", de preconceito anticatólico. Logo, não me parece que, pelo menos nesse último aspecto, haja qualquer favorecimento indevido a uma religião, em detrimento de outras. Não vejo motivo para tanto alarme, pelo menos nesse quesito.
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Com relação à "minoria perseguida", a tal "minoria" referida não é, na verdade, minoria - a maioria dos brasileiros, até onde eu sei, ainda é, ou se considera, pelo menos nominalmente, católica. A observação de Reinaldo Azevedo, de que os católicos seriam hoje uma "minoria perseguida", tem, claramente, um sentido irônico, e se refere ao fato inegável de que existe cada vez mais um preconceito anticristão e, especialmente, anticatólico no Brasil, impulsionado por decisões como a proibição de crucifixos nas repartições públicas. E assim como existe esse preconceito anticristão, há um preconceito contra homens, brancos, heterossexuais e - claro - "de direita". Muito se fala sobre direitos dos negros, das mulheres, dos gays etc., mas quase ninguém fala dos direitos dos cristãos, é isso que ele quer dizer. Trata-se de uma crítica ao "politicamente correto", que, em nome das "minorias", quer impor a ditadura das mesmas sobre a maioria. Crítica, aliás, que subscrevo totalmente: é certo que democracia não é ditadura da maioria, mas tampouco deve ser ditadura das minorias. É o primado da tolerância, não dos privilégios.
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É isso. Espero ter sido claro.
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Um abraço.

quinta-feira, agosto 06, 2009

NÃO BASTA SER ATEU: É PRECISO SER TOLERANTE

Como já andei escrevendo aqui, mais de uma vez, não creio em Deus, nem no Diabo, nem em Céu, nem em Inferno, nem em santos, nem em milagres, nem na Virgem Maria, nem na ressurreição, nem em assombração ou em alma do outro mundo. Nem acredito em Jesus Cristo, Maomé, Buda, espíritos, orixás, gnomos, duendes, no Zé Pilintra ou no Caboclo Sete Flechas, nem em Lula ou Obama. Também já deixei claro, para quem quiser saber, que não tenho absolutamente nada contra alguém por professar esta ou aquela religião, e que considero um direito sagrado, com o perdão da palavra, a livre manifestação e expressão do sentimento religioso - desde que seja, claro, nos marcos do Estado de Direito Democrático. Em outras palavras: não creio em Deus, nem tenho qualquer religião, mas defendo com unhas e dentes o direito de outras pessoas - a maioria, e sempre será - de acreditarem e professarem suas crenças sem serem por isso molestadas.
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Compreendo que essa minha postura nem sempre é facilmente entendida, e pode gerar alguma confusão. Afinal, ser ateu e defender a tolerância em relação aos fiéis e a liberdade religiosa não é uma contradição? Sendo a Razão superior à fé, não deve impor-se sobre esta? Não é assim que pensam os ateus?
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Nada disso! Pelo menos, não é assim que eu penso a respeito desse assunto. Na verdade, não há qualquer contradição entre ser ateu - pelo menos se você não é um "ateu" religioso - e praticar a tolerância em relação a quem não o seja. Aliás, acho mesmo que é por causa disso que me descobri, lá pelos meus 14 anos de idade, descrente e ateu: porque jamais engoli a maneira terrivelmente irracional e intolerante com que as pessoas de meu convívio pessoal, quase todas católicas - católicas à brasileira, mas católicas (fui criado num ambiente predominantemente católico, como a maioria dos brasileiros) -, encaravam quem pensasse diferente delas. Na realidade, cresci num ambiente social e doméstico em que as idéias-força da religião - a crença na existência de Deus, em primeiro lugar - eram e são consideradas verdadeiras por si mesmas, sem necessidade de comprovação, unicamente pelos três pilares em que se assentam todas as religiões: a tradição, a autoridade e a revelação (como jamais tive o privilégio de ser brindado com esse terceiro elemento, aprendi desde cedo, por minha própria conta, a desconfiar dos outros dois; desde então, não parei mais). Num ambiente assim, é fácil imaginar, era e é simplesmente impensável, a mais nefanda das heresias, que alguém, ainda mais um adolescente com idéias meio esquisitas, tivesse a audácia de se declarar ateu. Católico não-praticante, ou mesmo agnóstico, vá lá, é até aceitável. Mas, ateu? Aí não, isso não se pode aceitar. Não é algo que se possa admitir nas melhores - nem nas piores - famílias.
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Mas voltemos ao motivo deste texto. Como eu ia dizendo, não existe contradição alguma entre ser ateu e tolerar as crenças religiosas (o inverso, ou seja, ser crente e tolerar quem não o seja, convenhamos, é um pouco mais complicado). Essa minha convicção fica ainda mais forte diante da atual "onda atéia" que invade as livrarias. Na internet, já existem grupos que apregoam abertamente o ateísmo. Há, inclusive, uma certa Associação Brasileira de Ateus e Agnósticos, uma espécie de ONG. É interessante que exista esse tipo de coisa, e é bom que esteja havendo esse debate num país em que o ateísmo, infelizmente, ainda é um tabu, e onde dizer-se ateu em público ainda significa ser visto como a própria encarnação do demo e até mesmo arriscar-se a uma sessão forçada de exorcismo com sal grosso. Mas não deixo de sentir um certo desconforto, uma sensação de que alguma coisa aí não está certa, quando me deparo com "movimentos" desse tipo.
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Quem me chamou a atenção para essa questão foi Reinaldo Azevedo, mais uma vez. Em seu blog, ele abriu um debate interessante, ao criticar, com sua lógica habitual e implacável, a decisão de uma juíza no Rio de Janeiro que, atendendo a uma solicitação de uma ONG supostamente defensora da diversidade religiosa, manifestou-se contrária à exibição de símbolos religiosos, como crucifixos, em tribunais e demais repartições públicas. À primeira vista, tal decisão judicial parece estar perfeitamente de acordo com o fato de o Estado ser laico - essa é, aliás, a principal justificativa para a ação da ONG contra os crucifixos -, e confesso que, durante muito tempo, achei estranha a presença de crucifixos em tribunais, o que, pensava, colocava em dúvida a própria imparcialidade da Justiça. Mas, lendo o que escreveu Reinaldo Azevedo, e mesmo não sendo católico (ou, talvez, exatamente por isso), concluí que ele está certo, mais uma vez. A questão não é que o Estado deva deixar de ser laico - ele precisa sê-lo, é o que diz Reinaldo -, mas que cassar e caçar símbolos religiosos em repartições públicas é que está em contradição com esse princípio democrático. Como bem lembra Reinaldo, o ateísmo pode ser uma janela para o totalitarismo, logo o contrário da tolerância:
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Incrível, reitero, como se pode, em nome da razão, abrir as brechas para o pensamento totalitário. Notem bem: o estado brasileiro não é ateu. Não é um estado que, como o chinês e o cubano — dois paraísos para quem fica nervoso quando vê um crucifixo em órgão público — se declare ateu. Ele é laico! Isso quer apenas dizer que não se orienta segundo a lógica, as necessidades e a mística de uma religião. Mas a Constituição brasileira PROTEGE as religiões e o culto religioso. NÃO HÁ UMA LEI IMPONDO CRUCIFIXO NAS REPARTIÇÕES. Aliás, nas que tenho visitado, são cada vez menos freqüentes. QUANDO HÁ LÁ UM CRUCIFIXO E UMA BÍBLIA, NO MAIS DAS VEZES, OS OBJETOS SÃO ECOS DE UM TEMPO EM QUE ESSAS ESFERAS NÃO ERAM TÃO SEPARADAS. Mas é só memória. É só história!
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Tenho algumas diferenças de opinião pontuais com o autor das linhas acima. Ele é católico praticante; eu, não. Mas, sou obrigado a dizer, ele está certíssimo nessa questão, como costuma acontecer. A presença de crucifixos em repartições do Estado não implica qualquer violação do princípio da separação entre governo e religião. Não se trata de uma imposição legal, mas de simples exercício de livre manifestação da liberdade religiosa - protegida por Lei. No mais das vezes, é uma simples questão cultural, já incorporada à cultura brasileira, como é a Páscoa e o Natal. Faço minhas as suas palavras.
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Há quem acredite que basta se dizer ateu - ou anticristão, ou antimuçulmano, ou antibudista - para que tenha gravado na testa automaticamente o selo de "progressista" e defensor da Razão contra as trevas da obscuridade religiosa e da intolerância. Nada mais equivocado. Há uma diferença, nada desprezível, entre o ateísmo baseado no ceticismo científico e racional - no qual eu procuro me situar - e uma postura militante antirreligiosa. É a mesma diferença entre a racionalidade e a irracionalidade, ou entre o ceticismo e o fanatismo. Este pode ser, inclusive, antirreligioso ou ateu, mas jamais racional. Mesmo que diga agir em nome da Razão, como os jacobinos na época da Revolução Francesa, e os marxistas depois deles. Minha experiência em uma seita revolucionária de extrema-esquerda há uns quinze anos me ensinou, a duras penas, que nem todo fanatismo é, necessariamente, religioso, e que os ateus não detêm o monopólio da tolerância. O contrário de obscurantismo não é o ateísmo, mas a razão - não a razão dos revolucionários, a Razão com R maiúsculo elevada a objeto de culto por Robespierre, mas a pura e simples racionalidade humana.
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Isso fica claro quando se observa o que dizem e como agem muitos "ateus" da atualidade. Em primeiro lugar, de onde retiraram a idéia de que o atéismo é um "movimento", a ponto de se organizarem em uma ONG? A meu ver, ser ateu é uma questão de foro particular, uma opção filosófica, assim como a própria religião, aliás. Daí o caráter intolerante de ações como a da juíza carioca, o que a meu ver expressa apenas uma forma de preconceito anticristão - sendo o Estado laico e não sendo obrigatória a presença de crucifixos em repartições públicas, por que então proibi-los? (O mesmo pode ser dito da lei que proibiu véus muçulmanos nas escolas públicas francesas - se não são obrigatórios por Lei, qual o sentido em serem proibidos?) Do mesmo modo, não me sinto representado, mas, ao contrário, fico até constrangido, com iniciativas como o "Dia do orgulho Ateu". Esse tipo de coisa é uma idiotice. Além de copiar o "Dia do orgulho Gay", outra bobagem, fruto do politicamente correto, o dia escolhido - 12 de fevereiro, aniversário de Charles Darwin - demonstra o grau de estupidez a que se chegou em nome de uma causa aparentemente correta. Se tivessem lido A Origem das Espécies, os ateus de carteirinha de hoje veriam que Darwin, hoje elevado à condição de sumo-sacerdote do culto ateísta graças, em parte, a autores como Richard Dawkins, não tinha nada de ateu. Muito pelo contrário: tendo sido, durante toda sua vida, um cristão devoto (estudou, na juventude, para ser pastor protestante), é ele o autor da teoria do "design inteligente", hoje tão atacada pelos chamados neodarwinistas como o oposto exato da teoria da seleção natural, da qual ele foi o principal - mas não o único, nem o primeiro - formulador. Os defensores da tolerância certamente também se surpreenderiam ao constatarem que seu ídolo, um homem do século XIX, era um rematado racista e defensor do extermínio de raças inferiores. É por essas e outras que não participo de nenhum movimento.
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Repito: sou ateu, mas repudio a tentativa de se tratar os ateus como mais uma minoria, como os negros ou os gays, a quem se deveria, por qualquer motivo que seja - a "reparação de uma dívida histórica" etc. -, conceder privilégios especiais, acima do direito de livre manifestação e opinião religiosa da maioria. Do mesmo modo que não aceito que negros e gays imponham suas agendas políticas aos demais indivíduos, instituindo, por exemplo, uma polícia do pensamento para coibir pretensas manifestações "racistas" ou "homofóbicas" - o que significa tolher, na prática, o direito de um padre ou pastor de citar passagens da Bíblia que condenam o homossexualismo -, não posso aceitar que, em nome do ateísmo, se coíba a liberdade religiosa. A tirania da fé não deve ser substituída pela tirania da razão.
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Do mesmo modo, também, não posso deixar de notar, na onda atual de ativismo ateu, um claro viés anticristão. Será que os que hoje gritam contra a presença de crucifixos em tribunais fariam o mesmo se, em vez de crucifixos, o que estivesse pendurado na parede fosse, digamos, uma imagem de Iemanjá ou de um Preto Velho? O que diriam se, em vez de um símbolo católico, fosse uma imagem de Buda ou um texto do Corão? Ser ateu no Brasil ou nos EUA, países cristãos e onde vigora a separação entre Estado e religião, é fácil. Difícil é ser ateu no Irã.
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Não se trata apenas de uma atitude de tipo meio-termo, "moderada", na linha "sou ateu (ou agnóstico), mas respeito todas as religiões" etc. Essa atitude é, no máximo, hipócrita. Ser ateu é não reconhecer a verdade da religião, a primeira e maior de todas a crença em um super-ser onisciente e onipotente, criador do Universo. Trata-se, isso sim, de reconhecer um direito fundamental da pessoa humana - o direito a ser católico ou protestante, hindu ou muçulmano, direito este, felizmente, assegurado por Lei no Brasil - sem abdicar, naturalmente, de meu direito igualmente inalienável de não acreditar em nada disso, e guiar-me, em vez da fé, pela razão, sem querer impô-la a ninguém. Do mesmo modo que reconheço e defendo o direito dos crentes, espero que reconheçam e defendam meu direito a pensar diferente.
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Proclamar o ateísmo, com base em argumentos pretensamente racionais e científicos, e não aceitar ou não permitir que os crentes professem livremente sua fé é trocar uma forma intolerante de pensar por outra, talvez até mais funesta. Muitos que se dizem ateus parecem se esquecer que, se vivemos atualmente, nesse limiar de século XXI, uma nova onda de fanatismo e de terrorismo religiosos, o século XX foi o mais ateísta da História, com Estados totalitários que tentaram banir, pelo uso sistemático do terror, a idéia de Deus da mente das pessoas. A ponto de a religião se tornar, em vários países comunistas, o último bastião de resistência contra a opressão ditatorial e em defesa da liberdade. Se, hoje em dia, milhares morrem trucidados pelas bombas da Al-Qaeda ou em sangrentos confrontos interreligiosos na Nigéria ou no Paquistão, milhões pereceram sob o comunismo, transformado em ideologia oficial e em religião secular (atéia) de metade do mundo.
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Não sou contra ninguém por ser cristão, ou judeu, ou muçulmano, ou seja lá que fé tiver. Sou contra quem é intolerante. E, muitas vezes, o que ocorre é que a intolerância parte de quem diz agir em nome da tolerância. Para esses, em nome da luta contra a fé e o obscurantismo, tudo passa a ser permitido - inclusive ser intolerante. Não faço parte dessa turma.
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Na verdade, cada vez mais percebo que a minoria a que pertenço é bem outra. Em seu blog, Reinaldo Azevedo não pára de fustigar os esquerdistas e politicamente corretos, dizendo que a minoria mais perseguida da atualidade tem as seguintes características: é homem, branco, heterossexual e católico. Com exceção do último aspecto, me encaixo perfeitamente no padrão. Posso mesmo afirmar que sou a "minoria da minoria": a minoria de um homem só, por assim dizer. Nem por isso vou sair por aí exigindo "direitos" acima dos outros mortais.
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Termino com as seguintes palavras de Reinaldo Azevedo, que me fizeram pensar em escrever este texto. Creio que elas expressam bem o que eu quis dizer:
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Uma coisa é ser agnóstico; outra, distinta, é considerar mera estupidez o que não pode ser explicado pela razão; uma coisa é ser ateu; outra, distinta, é achar que os crentes merecem a fogueira — ainda que seja a da desmoralização. Uma coisa é ser laico e advogar um estado idem; outra, diferente, é perseguir as religiões e os signos religiosos. Uma coisa é defender firmemente que a religião não degenere em fanatismo e sectarismo; outra, distinta, é perseguir fanática e sectariamente os que fazem questão de evidenciar a sua religião.
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Só tenho uma coisa a dizer sobre o que está aí em cima: assino embaixo!