sexta-feira, outubro 30, 2009

O FIM DO MERCOSUL


Um minuto de silêncio, por favor.

Faleceu ontem, 29/10, o Mercosul - Mercado Comum do Sul. Morreu vítima de cinismo e de vigarice. Quem o matou foram os senadores brasileiros. Em reunião no Conselho de Relações Exteriores do Senado, estes decidiram, por 12 votos a 5, a favor da entrada da Venezuela chavista no bloco.

De nada adiantou o relatório inicial do senador Tasso Jereissati (PSDB-CE), contrário à medida. O rolo compressor lulo-petista e a falta de oposição real no País falaram mais alto, garantindo a vitória do pleito, para a alegria de senadores governistas comprometidos com os princípios dos direitos humanos e da democracia, como Inácio Arruda (PCdoB - CE).

Juntamente com o bloco, serão enterrados os documentos-base do Mercosul, como o Protocolo de Ushuaia, que estabelece a cláusula democrática - ou seja, que somente países em que as regras da democracia sejam respeitadas e cumpridas poderão participar do bloco. Farão companhia à honestidade e à vergonha na cara, que já bateram as botas faz tempo.

Foram duas as desculpas dos coveiros do Mercosul para justificar o magnicídio: 1) é melhor integrar do que isolar; e 2) quem fará parte do bloco é o Estado venezuelano, não o governo de Hugo Chávez.

As duas desculpas são apenas isso: desculpas, e das mais esfarrapadas. Trata-se de uma argumentação que seria estúpida, se não fosse vigarista. Coisa de canalhas mesmo, de gente sem nenhuma consideração pela verdade nem pela inteligência alheia.

Primeiro: o argumento do "não-isolamento" é desmentido pelos fatos. A idéia é que, ao não isolar a semi-ditadura chavista dos demais países, o país melhoraria e caminharia rumo à democracia. Devemos conversar com os ditadores, convidá-los para jantar e para freqüentar nossos salões, e eles se converterão em democratas, é o que se está dizendo. É o mesmo argumento usado para justificar a política brasileira e da OEA em relação à ditadura castrista de Cuba. É uma falsidade completa. Nos últimos anos, o regime chavista foi tudo, menos isolado internacionalmente, e isso não o fez avançar um milímetro em direção à democracia. Chávez não deixou de ser Chávez, ou seja, não melhorou nada, por causa disso. Pelo contrário: os países que tiveram contato com ele, Chávez, pioraram bastante - vejam os exemplos de Bolívia, Equador, Nicarágua e Honduras. O mesmo no caso de Cuba: há tempos os países do continente, Brasil inclusive, vêm defendendo o diálogo com a tirania castrista. Isso levou a algum tipo de abertura ou democratização do regime nos últimos cinqüenta anos?

Para não ir muito longe: o regime racista do apartheid na África do Sul caiu, em 1990, não porque fosse paparicado pelos demais países, mas, pelo contrário, porque a "comunidade internacional" - a mesma que hoje baba por Cuba e tenta isolar Honduras - fez pressão e defendeu o ISOLAMENTO do país (do país mesmo, e não somente do "governo"). Até boicote na área esportiva houve. É um exemplo de que esse papo de "não-isolamento" não passa de colóquio para ruminantes adormecerem (traduzindo: não passa de conversa pra boi dormir).

Em outras palavras: de acordo com a diplomacia brasileira, chancelada pelos senadores brasileiros, nada de isolar regimes humanistas como os do Sudão ou do Irã, ou de Cuba ou da Coréia do Norte, com os quais se pode conversar; isolar, só se for uma ditadura brutal e genocida, como a de Honduras.
.
Quanto ao segundo argumento, de que quem está entrando no Merdosul, digo Mercosul, é o país-Venezuela, não o país-Chávez, é outra cascata da grossa: quem a defende, gente do naipe do senador governista (de qualquer governo) Romero Jucá (PMDB-RR), aposta que todos sejam idiotas, ou que não saibam de nada que está acontecendo na Venezuela. Desde que Chávez chegou ao poder, há dez anos, ele deixou claro para quem quiser saber que só deixará o trono quando passar desta para melhor (ou para pior, espero sinceramente). Dito de outro modo: ele vai ficar na presidência até morrer. Para isso ele já tomou e está tomando todas as providências: submeteu o Judiciário, acabrestou o Congresso, acabou com a separação de Poderes e ameaça, todos os dias, a imprensa que o critica com prisões e censura. Isso significa que votar pela entrada da Venezuela no Mercosul, neste momento, é o mesmo que avalizar o governo Chávez. Do mesmo modo que fazer um acordo com a Alemanha nos anos 30 seria o mesmo que referendar o nazismo. É provável, aliás, que a ditadura chavista dure mais tempo do que o Mercosul.

Nada que está aí em cima, claro, foi levado em conta pelos senhores senadores brasileiros. Assim como não foi levado em conta pelos Congressos argentino e uruguaio, que já aprovaram o ingresso da Venezuela no Mercosul. Agora a votação final será no plenário do Senado. É bastante provável que este confirme a decisão da Comissão de Relações Exteriores. Nesse caso, terá sido dado o tiro de misericórdia no Mercosul.
.
O Mercosul nasceu da necessidade de integração regional decorrente da democratização da América do Sul, nos anos 80, e acaba seus dias, ingloriamente, como palanque de um caudilho autoritário e populista.
.
Descanse em paz, Mercosul. Que a terra lhe seja leve. Que pena, era tão jovem... Acendamos uma vela.

Nenhum comentário: