quinta-feira, agosto 30, 2007

MEMÓRIA SELETIVA (OU: A HORA DA REVANCHE)


Em cerimônia oficial no Palácio do Planalto, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva lançou ontem, dia 29/08, um livro que relata, pormenizadoramente, centenas de casos de pessoas mortas, torturadas e desaparecidas durante os "anos de chumbo" da ditadura militar no Brasil. É a primeira vez que um governo brasileiro patrocina e dá seu selo oficial a uma publicação do gênero (há outros livros semelhantes, como Brasil: Nunca Mais e Dos Filhos deste Solo, mas nenhum deles com o carimbo de publicação oficial do Estado). Com o título pomposo - e enganoso - de Direito à Memória e à Verdade, o cartapácio de 500 páginas, nas palavras do presidente da Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos do Ministério da Justiça, Marco Antônio Rodrigues Barbosa, "significa o resgate da memória, da verdade e, portanto, da justiça, sem revanchismo”.“O livro contribui para a consolidação do respeito aos Direitos Humanos no Brasil”, ressaltou o ministro da Secretaria Especial de Ditreitos Humanos, Paulo Vannuchi - organizador da publicação.

Em seu discurso na cerimônia de lançamento do livro, o Ministro da Defesa, Nelson Jobim, reiterou que tal iniciativa não significa revanchismo, mas justiça, não implicando, portanto, nenhuma revisão da Lei de Anistia de 1979, que, em nome da reconciliação nacional, perdoou os delitos de ambos os lados. Por coincidência, no mesmo dia, em artigo publicado na Folha de S. Paulo, Frei Betto - crítico implacável dos crimes da ditadura militar brasileira, mas não da de seu amigo Fidel Castro -, ao comentar o assunto, escreveu que a nação "tem o direito de resgatar a sua memória e corrigir aberrações jurídicas como a 'anistia recíproca' do governo Figueiredo". Fiquei intrigado. Em quem devo confiar, em Nelson Jobim ou em Frei Betto?

Não há dúvida de que a publicação do livro pode ter qualquer outra finalidade, menos "resgatar a memória e a verdade", como afirmam os porta-vozes do governo, sobre os anos do arbítrio militar e do terrorismo no Brasil. Quem tiver interesse em saber o que houve, poderá encontrar à sua disposição uma vasta bibliografia (recomendo, a propósito, Combate nas Trevas, de Jacob Gorender, e a série de quatro livros de Elio Gaspari). Visa, isto sim, a preparar o terreno para a revanche dos "vencidos" sobre os "vencedores" de 1964. Prova disso é o próprio conteúdo do livro, que reúne somente os casos das vítimas da repressão política, muitas das quais militantes de organizações armadas mortos em confronto com órgãos de segurança policiais e militares. Se o objetivo de seus autores fosse mesmo o de "resgatar a memória e a verdade" sobre o período, não se limitariam a mostrar apenas um lado da questão, adotando, como critério, a seletividade por afinidade ideológica. Daí as palavras de Frei Betto, que traem uma inequívoca intenção revanchista. A mensagem é a seguinte: "Vocês, militares, perdoaram nossos crimes, mas nós não perdoamos os crimes de vocês. Queremos que todos se recordem do que vocês fizeram, mas não do que nós fizemos. Podem botar as barbas de molho".

Para ser um registro histórico honesto dos "anos de chumbo" no Brasil, o livro organizado pelo governo federal - um documento oficial, portanto - deveria conter também os relatos das mortes de cerca de 100 pessoas que foram vítimas da esquerda armada após 1964. Deveria tratar de TODOS os casos, de forma imparcial e não-seletiva. Por que a morte de militantes de esquerda, muitos dos quais praticaram atos terroristas como assassinatos, assaltos e seqüestros, deve ter um tratamento diferenciado e especial, a ponto de merecer um livro com a assinatura do governo federal? Por que, em uma obra que se propõe a "resgatar a memória dos anos de chumbo", simplesmente "esqueceu-se" de mencionar os casos de brasileiros que caíram vitimados pelas balas e bombas da esquerda radical? Onde está uma referência ao almirante Nelson Fernandes e ao jornalista Édson Régis, mortos em atentado à bomba no aeroporto de Recife, em 1966? Ou ao soldado Mário Kozel Filho, estraçalhado por um carro-bomba lançado por terroristas de esquerda no QG do II Exército, em São Paulo (ambos atentados ocorridos antes do AI-5, brandido até hoje pelos apologistas da luta armada como justificativa para o terror de esquerda)? Ou ao tenente da PM/SP Alberto Mendes Jr., que teve o crânio arrebentado a coronhadas de fuzil, depois de ter sido rendido, pelo bando do ex-capitão Carlos Lamarca (um dos "heróis" da turma que está hoje no Palácio do Planalto, e cuja família foi recentemente premiada com uma gorda pensão de general promovido postumamente)? Acaso os familiares das vítimas do terrorismo no Brasil não têm o direito de prantear seus mortos? Só os parentes dos mortos de "esquerda" podem fazê-lo? É preciso ter agora atestado de filiação ideológica para isso?

Até mesmo entre a própria esquerda há casos de gente assassinada por seus próprios companheiros de luta "contra a ditadura", e cujos parentes até hoje esperam uma palavra do Estado a respeito. É o caso, por exemplo, de Márcio Leite de Toledo, militante da Ação Libertadora Nacional (ALN) abatido a tiros por seus próprios companheiros ("justiçado", era a palavra que usavam na epoca), numa disputa de poder dentro da própria organização, em 1971. Ou de Ari da Rocha Miranda, morto durante assalto a banco pela arma de um membro da mesma organização, e cujo cadáver até hoje está desaparecido (o que mostra que os desaparecimentos não são exclusividade das forças da repressão política). Há vários outros casos do tipo - um deles, na chamada Guerrilha do Araguaia, realmente surreal, em que um militante foi executado por seus pares pelo gravíssimo crime de... adultério (!) Quando poderemos ler, em alguma publicação oficial sobre os anos de chumbo no Brasil, os nomes dessas pessoas?

Por coincidência, na mesma semana em que o livro foi lançado, leio no site oficial do PT um "manifesto de intelectuais" contra o filósofo Olavo de Carvalho, que em artigos publicados em jornais teve a audácia de chamar de assassino o professor de Filosofia da Unicamp João Carlos Kfouri Quartim de Moraes. Quartim de Moraes era um dos dirigentes da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR) e, como tal, foi condenado em 1977 por ter participado de reuniões em que se planejou o assassinato ("justiçamento") do capitão do exército dos EUA Charles R. Chandler, metralhado por um comando da VPR e da ALN em São Paulo, em 12/10/1968. O site petista, que chama Olavo de Carvalho, entre outros adjetivos gentis, de "ideólogo da direita" e "disiquilibrado"(assim mesmo, com "i", o que retira qualquer dúvida de que se trata mesmo de um site feito por petistas), toma as dores de Quartim de Moraes, mas não refuta nenhuma das acusações do filósofo. O próprio professor Quartim de Moraes, aliás, em entrevista também no site do PT (que, para quem já se esqueceu, é o partido de Sua Excelência, o Senhor Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva), assim se refere à morte do capitão Chandler:

"A ação foi correta? Estávamos sob um regime de exceção, instaurado pelo golpe contra-revolucionário de 1964. Perante esse ato de força imposto ao povo brasileiro, a resistência invocava o antiqüíssimo direito de rebelião contra a tirania, contrapondo a violência revolucionária à violência reacionária. O militar estadunidense era veterano do Vietnã e tinha vindo para cá para "cooperar" com os serviços policiais da ditadura. Isso justifica a decisão de matá-lo? Hoje, quase quarenta anos depois do episódio, a tendência é dizer que não. Mas a morte está na lógica dos confrontos armados." (grifo meu)

Tudo muito bonito, se não fosse um pequeno detalhe: não há qualquer prova de que Chandler tenha vindo ao Brasil para "cooperar" com os serviços policiais da ditadura, como afirma o professor Quartim de Moraes. Ele foi morto, na frente de sua famíia, por um único "crime": era militar e era norte-americano. Somente isso, única e exclusivamente. Se têm alguma dúvida, leiam os livros de Elio Gaspari, em especial A Ditadura Escancarada, que escancara (sem trocadilho) esse e outros crimes da esquerda, os quais, nas palavras do professor, "estão na lógica dos confrontos armados" (curiosamente, os torturadores do DOPS e do DOI-CODI diziam a mesma coisa para justificar sua atividade macabra - afinal, era uma guerra, diziam, e em guerras pessoas morrem...).

Sem querer, o professor Quartim de Moraes, um ex-militante da esquerda armada e admirador declarado de Stálin (cliquem aqui e vejam: http://www.revan.com.br/catalogo/0269c.htm), ao tentar desqualificar o acusador, mas não a acusação, acabou assumindo-a tacitamente. Isso revela bastante acerca da mentalidade da turma que se arvorou o direito de escrever a versão "oficial" dos acontecimentos de 1964-1985 no Brasil: com a mesma paixão e veemência que condenam os crimes da ditadura (que, é bom repetir, foram terríveis e não devem ser esquecidos), tratam de esconder ou de minimizar os seus próprios, a ponto de reagirem furiosamente quando alguém de fora de suas fileiras chama um assassino, membro de sua grei, de assassino, tentando compensar, pelo número de assinaturas em um manifesto, a ausência de argumentos sólidos em favor de sua inocência. Mais uma vez, confirma-se o adágio romano: Asinus asinum fricat.

Não há dúvida de que muitas das famílias de mortos e desaparecidos políticos merecem ser indenizadas pela tortura e assassinato de seus entes queridos nas mãos de agentes do Estado durante o regime militar. Mas o mesmo não pode ser dito de muitos que pegaram em armas voluntariamente contra o Estado brasileiro, e que morreram em combate - não para restabelecer a democracia, para restaurar a legalidade constitucional, mas para implantar, aqui, um regime totalitário, semelhante ao que vigora em Cuba há quase meio século. Com armas na mão e esse objetivo em mente, muitos foram perseguidos, presos e torturados, mas também assaltaram bancos, seqüestraram, mataram. E não vitimaram somente meganhas e conhecidos torturadores, mas pessoas inocentes como o capitão Chandler e até alguns militantes que ousaram questionar os métodos de luta, como Márcio Leite de Toledo. A luta armada não foi um gesto romântico de resistência de democratas e amantes da liberdade contra um regime tirânico, ou o resultado desesperado, como se tornou costume dizer, da inexistência de um caminho pacífico de oposição à ditadura (até porque nem todos que se organizaram contra o regime militar o fizeram pela via do enfrentamento armado). Foi uma decisão consciente, que remonta mesmo ao período anterior a 1964, de grupos extremistas no sentido de tomar o poder pela força e transformar o Brasil numa espécie de ditadura revolucionária. Um dos que enveredaram por esse caminho de sangue e terror foi o professor Quartim de Moraes, que agora, de forma covarde, se recusa a admitir o que fez no passado. Para essas pessoas, pedir que se fale sobre os crimes dos dois lados é extremismo de direita.

No prefácio do livro lançado pelo governo Lula, há um trecho que diz que agentes do Estado que praticaram assassinatos e deram sumiço aos corpos de suas vítimas, e que sabem da localização dos cadáveres e não apontam onde estão, continuam a praticar um delito. Sendo isso verdade, os assassinos que se recusam a admitir seus crimes, como João Quartim de Moraes, também são passíveis de condenação. Nesse caso, cometeram um crime não somente contra as vitimas, mas contra a História.

sexta-feira, agosto 24, 2007

O GURU DA IDIOTICE GLOBAL

Em uma cena memorável do filme Borat, o falso repórter do Cazaquistão em viagem pelos EUA interpretado pelo comediante inglês Sacha Baron Cohen pega um microfone e, diante de uma platéia em um rodeio no Texas, começa a fazer uma série de declarações de apoio à guerra de George W. Bush ao terror. Com um chapéu de cowboy, vestindo uma ridícula camisa imitando a bandeira norte-americana, Cohen, ou melhor, Borat, aparentemente querendo agradar a platéia, desfia pérolas como a seguinte: "Que George W. Bush beba o sangue de todas as mulheres e crianças do Iraque", sendo constrangedoramente aplaudido. É de morrer de rir.

Muita gente que assistiu ao filme, já totalmente lobotomizada pela propaganda antiamericana que enxerga o mal em tudo que diga respeito aos EUA, viu nele uma crítica bem-humorada à intolerância da sociedade norte-americana em relação a culturas diferentes, à truculência típica dos texanos etc. A meu ver, não é nada disso. A cena do rodeio, uma das minhas preferidas, explora o absurdo de acreditar candidamente que um presidente de um país como os EUA pretende mesmo banquetear-se com o sangue de milhares de pessoas no Iraque ou em qualquer outro lugar. Parece incrível, mas há pessoas que realmente crêem nisso, e fazem dessa crença sua razão de viver.

Uma dessas pessoas, na verdade o maior advogado dessa visão, é Noam Chomsky. O lingüista norte-americano, crítico implacável de tudo que o governo de seu país fez, faz ou fará um dia, é conhecido por suas posições anarquistas radicais. "Os EUA são um Estado terrorista, e o Reino Unido não fica atrás", acabo de ler numa entrevista dele a uma revista brasileira, em que também faz altos elogios a Evo Morales e ao MST. Para Noam Chomsky, a regra "Blame America First" é um princípio sagrado. Para ele, não há diferença alguma entre Bush e Osama Bin laden, ou entre Israel e o Hamas. O 11/9, segundo ele, nada mais foi do que uma vingança dos povos árabes contra a opressão imperialista-sionista. Como Borat, ele realmente acredita - ou finge acreditar, sabe-se lá - que Bush quer mesmo beber o sangue dos iraquianos.

Ao contrário do hilário personagem Borat, porém, Chomsky não é nenhum simplório. Renomado lingüista e filósofo, professor do prestigiado Massachusetts Institute of Technology (MIT) há mais de cinco décadas, desde os anos 60 ele é considerado um dos ativistas políticos mais influentes do planeta. Não por acaso, o New York Times classificou-o simplesmente como o mais importante intelectual vivo no mundo hoje. O jornal inglês The Guardian foi ainda mais além: afirmou que ele é, ao lado da Bíblia e de Shakespeare, a maior referência intelectual do mundo moderno.

Entre nós, Chomsky é venerado como poucas pessoas já o foram, em qualquer época. Hugo Chávez brandiu um livro seu, Hegemony or Survival, quando de seu show particular na Assembléia Geral da ONU, no ano passado, como se fosse a própria Bíblia. Estou terminando de ler o livro. É uma compilação de denúncias do imperialismo norte-americano, desde 1945 até a guerra do Iraque. Está quase tudo lá: Hiroshima, os bombardeios no Vietnã, o apoio a golpes militares na América Latina, os planos de dominação global, as agressões ao meio ambiente... Só não vi nenhuma referência, por menor que seja, ao caráter ditatorial de regimes como o de Fidel Castro ou de Saddam Hussein. Nenhuma palavra sobre a detenção ilegal de presos políticos em Cuba, por exemplo. Só em Guantánamo. Nenhuma menção às atrocidades do Talibã no Afeganistão. Só aos bombardeios norte-americanos.

Diferentemente do que ocorre entre nós, pobres cucarachas, que adoramos malhar o imperialismo da grande potência do Norte mas que não nos preocupamos muito em repetir mecanicamente o que dizem os remanescentes da New Left norte-americana ou européia, Chomsky, que se diz um "socialista libertário", está longe de ser uma unanimidade entre seus pares. Mesmo entre representantes de setores de esquerda ou oriundos da esquerda, seu excessivo antiamericanismo e sua condescendência com o terrorismo são duramente criticados. O inglês Christopher Hitchens, que já foi o algoz de Henry Kissinger, é um deles. Em vários artigos, Hitchens lembrou que Chomsky já chegou a justificar o genocídio promovido pelo Khmer Vermelho no Camboja, na década de 70, e a minimizar o holocausto nazista durante a Segunda Guerra Mundial (embora seja judeu de nascimento). Mas nada disso importa para os inúmeros fãs de Noam Chomsky espalhados pelo mundo. Assim como Borat, eles acreditam que Bush e seus assessores estão deliciando-se na Casa Branca com o sangue das mulheres e criancinhas iraquianas, com vinho tinto e queijo camembert.

No Brasil, Chomsky também é visto com o mesmo temor reverencial que os índios geralmente dispensavam a seus totens sagrados, principalmente entre os revolucionários juvenis do toddyinho e do piercing no nariz. Pelo menos duas revistas brasileiras trazem entrevistas suas como matéria principal neste mês (uma delas é a edição local do Le Monde Diplomatique, do impagável Ignacio Ramonet, outro luminar do antiamericanismo chique). Em ambas pode-se ver claramente o selo do patrocínio do governo federal. Ao que parece, os gurus do lulo-petismo, como Emir Sader e outros, não dão mais conta do recado. Trata-se, agora, de importar a idiotice primeiro-mundista. E, nesse particular, Noam Chomsky é um produto de altíssima qualidade. Assim como outros importantes intelectuais que se dedicam a defender causas totalitárias, inclusive vários ganhadores do Prêmio Nobel como Gabriel García Márquez, José Saramago e Harold Pinter, ele é a prova mais contundente de que a inteligência não está necessariamente a serviço da lucidez.

Na capa de uma das publicações dedicadas a Noam Chomsky lê-se, embaixo de uma foto do venerável intelectual norte-americano, a seguinte frase: "Não precisamos aceitar as tiranias". Fica a pergunta: What the hell is this about?

quinta-feira, agosto 16, 2007

INOCENTES ÚTEIS


É ilimitada a capacidade do ser humano para o engano e o auto-engano. A cada dia me convenço mais e mais disso. Principalmente quando leio algo na imprensa, como o artigo de hoje, 16/08, da Folha de S. Paulo (edição eletrônica), assinado por Hélio Schwartsman, editorialista do jornal.

À primeira vista, o texto, intitulado "A Ilha", é uma crítica ao regime ditatorial de Fidel Castro em Cuba, bem como à decisão precipitada do governo Lula de entregar ao ditador cubano dois pugilistas, Guillermo Rigondeaux e Erislandy Lara, que haviam fugido da vila olímpica (ao que parece, para curtir uma noitada com umas garotas de programa). Uma leitura mais atenta, porém, demonstra exatamente o contrário, isto é, que não se trata de uma crítica, mas de um elogio disfarçado da ditadura de Fidel.

A primeira coisa que me chamou a atenção no texto é o tom, quase de espanto, com que o autor se refere ao episódio dos dois boxeadores. Escreve Schwartsman, com ares de quem acabou de descobrir a pólvora: "O simples fato de os atletas não poderem sair do país com suas famílias à hora que bem entenderem para viver - e trabalhar - onde lhes pareça melhor já demonstra que há algo de muito errado por lá". Brilhante dedução! Fica-se com a impressão de que somente agora, 48 anos depois da tomada do poder por Fidel e seus barbudos, alguém percebeu o óbvio: o que impera na ilha caribenha é uma ditadura. É a mesma impressão que tive depois de ver o escritor português José Saramago anunciar, em 2003, que estava rompendo com a ditadura cubana, depois de mais de quarenta anos de apoio incondicional, por causa do fuzilamento de três pessoas que tentaram fugir da ilha, descobrindo, somente então, que Fidel Castro é um ditador (pouco depois Saramago voltou atrás, recaindo em seu delirium totalitarium). A questão que fica é: não se sabia disso antes? Será preciso ocorrerem fatos como a quase-deserção dos dois pugilistas para perceber que "há algo de muito errado por lá"?

Após essa constatação, mais que evidente, e algumas críticas protocolares à atitude do governo Lula ("só o que censuro ao Ministério da Justiça é a celeridade que imprimiu à operação de repatriamento, que contrasta com outros casos" - ou seja, o fato de terem sido entregues de bandeja ao ditador não entra em questão, mas apenas a pressa com que isso foi feito), o autor entra no cerne da questão: "Embora alguns lapidares do governo de Luiz Inácio Lula da Silva ainda insistam em descrever Cuba como uma democracia popular, não há muita dúvida de que aquilo seja uma ditadura, ainda que não das mais selvagens" (grifo meu).

Aí é que está. Ao mesmo tempo em que busca tomar distância dos companheiros lulistas, discordando, por exemplo, de que Cuba seria uma "democracia popular", o autor trata de matizar o caráter ditatorial do regime castrista. Para ele, não há muita dúvida de que o regime cubano é uma ditadura, mas não "das mais selvagens". Ou seja: é uma ditadurazinha, uma ditadura não tão má, branda (um "regime forte" como gostavam de dizer os defensores do regime militar no Brasil...). Talvez seja necessário recordar alguns fatos básicos: em Cuba vigora há quase meio século uma ditadura de partido único, com polícia política, paredón, censura, 2 milhões de exilados (numa população total de 11 milhões), milhares de pessoas mortas afogadas tentando fugir do país, escassez de quase tudo e culto da personalidade. Se isso não é uma ditadura das mais selvagens, não sei o que é.

Prossegue o editorialista da Folha: "Se Cuba não fosse uma ditadura, os boxeadores nem precisariam ter se dado ao trabalho de bolar uma fuga. Daí não se segue que estejamos diante de um regime tão sanguinário como o de Saddam Hussein ou de alguns tiranetes africanos". (Lógica perfeita! Significa que, porque Fidel não massacrou milhares com gás mostarda como fez Saddam com os curdos, nem devorou pessoalmente seus adversários como Idi Amin, devemos manter sempre uma postura reverente em relação ao tirano do Caribe). Além disso, "Rigondeaux e Lara deverão comer o pão que o diabo amassou, mas é improvável que venham a ser torturados e fuzilados" (grifos meus). Por que improvável? Mais de 17 mil pessoas, ao que consta, já sofreram esse destino "improvável" em Cuba desde 1959. Mas deixa pra lá: afinal, como diz Schwartsman, Cuba é apenas uma ditadurazinha camarada. Uma ditadura boa, quem sabe.

Ainda nessa linha, Schwartsman afirma o seguinte: "o fato de o regime cubano não ser especialmente homicida não basta para justificar seu autoritarismo, mormente porque ele é totalmente desnecessário no que diz respeito aos dois ou três sucessos que a revolução cubana logrou obter". Segundo o autor dessas palavras, o fato de uma ditadura matar milhares, praticar a tortura, física e psicológica, e outras atrocidades não a torna "especialmente homicida". Ainda mais quando a ditadura em questão alcançou "dois ou três sucessos" na área social. É isso o que fica claro da leitura do seguinte parágrafo:

"Por mais que deploremos as práticas de Fidel, é forçoso reconhecer que ele fez um bom trabalho em saúde e educação. É claro que a Universidade de La Habana não compete com Harvard ou Oxford, mas praticamente todos os cubanos sabem ler e escrever e freqüentam a escola básica, o que não é regra no Caribe e mesmo em algumas nações bem mais ricas. Já no campo sanitário, os indicadores básicos de Cuba, se não muito manipulados, são melhores até que o de algumas regiões dos EUA. (...) Só que conseguir essas notáveis realizações de modo algum implica manter boxeadores ou escritores contra sua vontade no país".

A afirmação de que o tirano cubano "fez um bom trabalho em saúde e educação" só se justifica por uma visão herdada de anos de distorsão da verdade e propaganda ideológica. Já me referi, em outro texto (ver "O Trambique do Século", neste blog), às estatísticas, inclusive em saúde e educação, de Cuba antes de 1959. Também já mencionei o detalhe de que a tão proclamada qualidade da educação cubana, onde Fidel teria realizado "um bom trabalho" segundo Schwartsman, é uma grande farsa, pois não se pode conceber uma educação de qualidade onde não se pode ler o que se quer, assim como em qualquer outra "democracia popular" onde também não havia analfabetismo, como a ex-URSS e os Estados comunistas do Leste Europeu. O que pessoas como Hélio Schwartsman ainda não compreenderam é que regimes totalitários, como o de Cuba, dão bastante valor à educação, mas como um mecanismo de controle mental, de thought control. Seria preciso ser um idiota completo para acreditar que uma educação de nível pode conviver com a censura. Como seria preciso ser totalmente cego e surdo para a realidade para crer que os indicadores básicos de Cuba no campo sanitário são mesmo tão bons como dizem, tendo em vista que em Cuba falta de tudo, inclusive alimento (é possível ter uma população altamente saudável e subalimentada? Se isso for possível, Cuba é um caso único na História).

Ao dizer que supostas conquistas sociais não podem ser utilizadas para justificar um regime ditatorial, e que não são necessariamente consequência deste, Hélio Schwartsman está coberto de razão. Ao considerar como verdadeiro o velho clichê de que a ditadura cubana alançou altos níveis em saúde e educação, porém, ele revela, no mínimo, falta de conhecimento histórico ou vontade de lisonjear um ditador. Como não conheço Hélio Schwartsman, prefiro ficar com a primeira opção.
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Essa falta de conhecimento da História de Cuba fica patente na seguinte afirmação: "Vale lembrar que, de início, Fidel Castro não era um líder marxista. Após derrubar a ditadura pró-americana de Fulgencio Batista, em 1959, Fidel não tinha planos de instalar o comunismo. Foi a acentuada pressão de Washington para depor Fidel que o acabou empurrando para os braços da então existente União Soviética". Retoma-se aqui outro velho clichê, o de que Cuba foi empurrada para o comunismo por culpa de Washington, o qual não leva em conta o fato de que a comunização de Cuba é anterior a qualquer movimento da CIA e do Departamento de Estado para derrubar Fidel Castro. Não foi a "acentuada pressão" dos EUA que levou Cuba a abraçar o comunismo, mas sim Fidel Castro que manipulou a disputa entre as duas superpotências para impor seu reino de terror pessoal (ver novamente meu texto "O Trambique do Século", já mencionado).

É curioso que aqueles que ousam apontar os altos índices de crescimento econômico durante as ditaduras militares no Brasil ou no Chile são imediatamente tachados de simpatizantes desses regimes. O mesmo não ocorre com quem repete batidos chavões sobre saúde e educação em Cuba. Hitler acabou com o desemprego na Alemanha e Mussolini fez os trens chegarem na hora, e no entanto não se vê ninguém que se diz democrata lembrar esses fatos sobre as tiranias nazista e fascista para dizer que fizeram "um bom trabalho". Já os que se deixaram seduzir pela ditadura cubana, a ponto de buscar minimizar seu caráter totalitário com base em supostos "avanços sociais", enquanto fingem horror pelas repetidas violações aos direitos humanos, contam-se aos milhares. Com a diferença de que, no caso dos regimes militares brasileiro e chileno, assim como no nazista e fascista, pode-se dizer que essas conquistas foram reais, e não mero produto de falsificação histórica e propaganda ideológica. Ao contrário de Cuba, uma ditadura totalitária que só gerou opressão e pobreza.

Aqueles que conhecem de perto o que é o totalitarismo, como alguns ex-militantes comunistas arrependidos, são em geral seus críticos mais lúcidos e severos. Já os que não sabem do que se trata, os "companheiros de viagem" ou inocentes úteis, como Hélio Schwartsman, sempre encontrarão nele algo de bom e louvável. Mesmo quando parecem criticar regimes tirânicos, acabam, na verdade, servindo como seus porta-vozes.
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Artigo interessante:
"Lula, o senhor de escravos" - Carlos Alberto Montaner

quarta-feira, agosto 15, 2007

MEDO DA RESPONSABILIDADE


Karl Popper, em seu clássico A Sociedade Aberta e seus Inimigos, descreve de forma até agora insuperável os mecanismos mentais e filosóficos que levam alguns indivíduos a renunciarem voluntariamente à liberdade e preferirem sociedades totalitárias. Em sua análise demolidora de Platão, Hegel e Marx, o filófoso austríaco faz uma defesa rigorosa e, ao mesmo tempo - por que não dizê-lo? - apaixonada da democracia, a única forma de organização política e social em que os valores individuais podem florescer abertamente, livres das amarras coletivas (tribais, religiosas, estatais etc.).

Dentre os mecanismos, digamos, psicológicos que Popper denuncia como a origem da compulsão de alguns indivíduos por teses anti-democráticas - a chamada "tentação totalítária", título aliás de outro livro essencial e pouco lido, do desgraçadamente pouco conhecido entre nós Jean-François Revel -, estão aquilo que se poderia chamar de "medo da competição" - o temor de certos indivíduos de perderem privilégios em função da livre concorrência, e que está na raiz das práticas protecionistas e intervencionistas - e o "medo da responsabilidade". Este último geralmente se manifesta na atuação de indivíduos que, pegos em flagrante numa ação delituosa, tratam de fugir à qualquer responsabilidade por seus atos, atribuídos quase sempre a fatores externos ao próprio indivíduo (os bandidos "vítimas da sociedade", que já cansamos de ver sendo justificados pela retórica esquerdista, por exemplo). Nessa concepção, a culpa ou o mérito individuais se diluem completamente, só podendo ter lugar em sociedades democráticas, regidas por valores liberais.

Atualmente, estamos vendo um exemplo bastante ilustrativo de medo da responsabilidade, tal como descrito por Popper. Quem o está dando, qualquer observador mais atento já percebeu facilmente, é o governo de Lula e dos companheiros.

O exemplo a que me refiro diz respeito à maneira como a companheirada que gravita em torno do Apedeuta vem tentando, a todo custo, transferir responsabilidades no caso do desastre com o avião da TAM em São Paulo. A reação pornopolítica de Marco Aurélio "Top, Top, Top" Garcia é o símbolo dessa estratégia lulista: a culpa foi do reversor, ou dos pilotos, logo o governo, a ANAC, a INFRAERO não têm qualquer responsabilidade pela tragédia. Mesmo sabendo-se que, no governo dos companheiros, a ANAC, a INFRAERO e demais órgãos responsáveis foram aparelhados com indivíduos escolhidos por critérios político-partidários, e não técnicos. Mesmo sabendo-se que tais indivíduos, que deveriam estar fiscalizando os serviços das empresas e cuidando da infra-estrutura aérea, estavam mais ocupados viajando com passagens pagas pelas mesmas companhias que deveriam fiscalizar, e torrando milhões do dinheiro do contribuinte em reformas cosméticas, em vez de cuidar da segurança dos aeroportos, por exemplo. Nada disso importa. Segundo a linha adotada pelo atual governo brasileiro, e que, ingênua ou cinicamente, já começa a virar voz corrente, não há nenhuma relação entre esses desmandos e a morte de 199 pessoas. Nenhuma responsabilidade. Nada.
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A mesma saída cínica e imoral - tendo politizado e partidarizado os órgãos encarregados de regulamentar e fiscalizar a aviação civil, agora o governo da companheirada se opõe à "politização" da questão - vem sendo adotada pelos companheiros no poder desde praticamente o dia da posse do Apedeuta no Palácio do Planato. Foi adotada quando estourou o escândalo do mensalão, dois anos atrás, e em todos os outros semelhantes Tentou-se de todas as maneiras possíveis desviar a atenção do fato de que a corrupção lulista decorreu logicamente de uma visão ideológica que considerava válidos quaisquer meios, desde que conduzissem ao "poder". Apenas para lembrar: "não sei nada", "não vi nada", "todos fazem igual" e "fui traído" tornaram-se verdadeiros mantras do atual mandatário para tentar livrar-se de qualquer responsabilidade nesses episódios. Além disso, ao optarem por "blindar" o atual governante, em vez de fazê-lo encarar as críticas, seus assessores acabaram admitindo, sem o querer, sua parcela de responsabilidade - afinal, só se blinda o que é frágil.

Os lulo-petistas são pródigos em declarações de amor à democracia - na verdade, proclamam-se mesmo seus mais ardentes defensores, e convenceram a muitos de que o são de fato -, mas carecem de um pré-requisito fundamental a quem deseja viver numa sociedade democrática: a coragem para assumir suas próprias decisões, a disposição de arcar com as conseqüências de seus atos. Não hesitam em apropriar-se das conquistas de governos passados (como na área econômica), recusando-se a fazer qualquer autocrítica séria, mas se negam até não mais poderem a assumir qualquer responsabilidade pelas conseqüências de suas lambanças. Assim como a tendência ao dirigismo e ao intervencionismo estatal na economia, a ausência de capacidade moral de reconhecer a responsabilidade dos indivíduos por suas próprias ações é uma característica do discurso esquerdista.
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Desse modo, os lulo-petistas comprovam aquilo que Popper colocou tão brilhantemente em sua obra: que as noções de responsabilidade individual e de livre concorrência são incompatíveis com quem nutre simpatias por ideologias e regimes antidemocráticos, como os de Cuba e da Venezuela. Não esperem ver nenhum membro do governo ou alto dirigente petista admitindo qualquer culpa sobre o que quer que seja. É o medo da responsabilidade e a atração pelo totalitarismo, mais do que qualquer outra coisa, o que guia essa gente.

quinta-feira, agosto 09, 2007

VOTANDO COM OS PÉS


Quem lê jornais e acompanha o noticiário já sabe da história dos dois pugilistas cubanos que, aproveitando-se da vinda ao Rio de Janeiro para os Jogos Pan-Americanos, resolveram desertar e foram apanhados pela Polícia Federal no litoral do estado, sendo imediatamente deportados de volta a Cuba. Ao caso dos dois boxeadores, soma-se o de mais dois atletas cubanos, que também fugiram da vila olímpica e foram para São Paulo. A delegação de Cuba, inclusive, temerosa diante de um rumor de deserção em massa, e obedecendo às ordens de um furioso Fidel Castro, tratou de antecipar-se às outras delegações e embarcou às pressas de volta à ilha caribenha, deixando de participar da cerimônia de encerramento dos Jogos e, em alguns casos, até mesmo de receber as merecidas medalhas.

O caso dos dois boxeadores mandados de volta à ilha de Fidel - e, quando digo ilha de Fidel, não o digo de forma figurada, metafórica, mas literal: é a ilha dele, Fidel Castro, sua propriedade particular - é paradigmático para se compreender o tipo de relação que o atual governo brasileiro mantém com o regime cubano, a única ditadura comunista do hemisfério ocidental.

Em nota, o Ministério da Justiça, comandado pelo comissário Tarso Genro, chegou a dizer que os dois atletas cubanos teriam se apresentado voluntariamente à PF, e que desejavam retornar a seu país. Que estavam com saudades de casa, enfim. Estavam tão ansiosos para voltar que, inclusive, não lhes foi permitido sequer falar com a imprensa, e as autoridades brasileiras, ansiosas para despachar os dois fujões, nem se preocuparam em seguir os trâmites burocráticos necessários para a deportação. Agora, chega a notícia de que o Comandante Fidel Castro os proibirá de participar em competições fora de Cuba, encerrando para sempre a carreira internacional dos dois. Fica a pergunta: se queriam mesmo voltar a Cuba, como alega o governo, desejavam igualmente jogar suas carreiras no lixo? Seriam masoquistas?

O fato é que a Polícia Federal do companheiro Tarso Genro e do governo Lula, nesse caso, agiu como uma extensão da polícia política cubana, a G-2. Pior ainda: atuou como um capitão do mato*, correndo atrás de fugitivos de uma tirania totalitária para entregá-los de bandeja a seus algozes. Agiu de forma semelhante à ditadura de Getúlio Vargas, que entregou, nos anos 30, a judia e comunista alemã Olga Benario, mulher de Luiz Carlos Prestes, ao regime nazista para ser assassinada num campo de concentração na Alemanha. Ou como a ditadura militar brasileira que, nos anos 70, seqüestrou e deportou secretamente dois estudantes, Lilian Celiberti e Universindo Díaz, que viviam exilados no Brasil, fugidos da ditadura militar no Uruguai.

Uma diferença, porém, separa o caso dos boxeadores cubanos dos de Olga Benario e dos estudantes uruguaios: estes últimos eram acusados da prática de atos terroristas e subversivos - Olga, aliás, fora enviada ao Brasil pelo Comintern, a Internacional Comunista controlada por Moscou, para ajudar na preparação da malfadada insurreição comunista de 1935, a famosa intentona. Ainda que não tivessem cometido crime algum, eram pelo menos acusados dos mesmos em seus países de origem, o que em tese justificaria a deportação. E os atletas cubanos, que crime cometeram? De que delito eram acusados? Queriam fugir de uma ditadura. A conclusão lógica é que, para os companheiros no poder no Brasil hoje, abandonar uma tirania e tentar uma vida melhor no exterior é um crime passível de deportação imediata. Enquanto isso, o ex-padre Olivério Medina, o homem das FARC no Brasil, continua leve e solto, participando, dizem, de animados convescotes com os companheiros petistas.

O erro dos pugilistas cubanos foi terem acreditado que, ao decidirem não retornar à ilha-prisão, permaneceriam num país livre e democrático. Num país cujo governo coloca os direitos humanos e a democracia acima das simpatias ideológicas por uma ditadura falida e brutal. Erraram de país. No Brasil lulista, as autoridades não se contentam em justificar as peripécias de um Evo Morales ou de um Hugo Chávez: agora se prestam também a servir de capitão do mato de um tirano senil e assassino.

Privado há quase 50 anos do direito elementar de escolher livremente seus governantes, obrigado a aplaudir em bem orquestradas manifestações "espontâneas" as arengas intermináveis de um ditador, vigiados de perto pela polícia política, sufocados em seus direitos fundamentais, reduzidos à mais abjeta pobreza e submissão, não restou outra alternativa ao povo cubano senão escapulir na primeira oportunidade. Desde 1959, cerca de 2 milhões de cubanos e seus descendentes escolheram o caminho do exílio, numa população total de 11 milhões. Com isso, não fogem apenas da tirania mais antiga do planeta, nem buscam somente escapar da penúria em que vivem: estão votando com os pés. Ou com os remos. Deus nos livre de destino tão triste.
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* Capitão do mato - nome que se dava, na época do Brasil-Colônia e do Brasil-Império, ao sujeito, geralmente um escravo liberto, que se dedicava a caçar e aprisionar escravos fugidos, devolvendo-lhes, a troco de dinheiro, a seus donos. Um dos serviços mais degradantes a que um indivíduo pode dedicar-se, agora reproduzido, em nível internacional, pelo governo de Luiz Inácio Lula da Silva.

terça-feira, agosto 07, 2007

CANSEI DO LULA


Acreditem, acho um saco escrever sobre política. Se dependesse unicamente de minha vontade, eu estaria gastando neurônios com coisas mais amenas, como cinema ou literatura. Mas Lula não deixa. Os lulistas não deixam. Marco Aurélio Garcia não deixa. Tarso Genro não deixa. Renan Calheiros não deixa. Por mais que eu não queira, sou obrigado a ocupar-me neste espaço de assuntos desagradáveis, como mensalões, Hugo Chávez e cotas raciais. Já estava prestes a começar um texto sobre um dos meus filmes preferidos, Casablanca, quando fui novamente chamado à dura e feia realidade.

A última dos companheiros, depois de terem tentado "despolitizar" o acidente da TAM, causado exatamente pela politização da ANAC e da INFRAERO, e de terem entregue em tempo record os cubanos fugidos no Pan a Fidel Castro, lembrando assim casos como o de Olga Benario e de Lilian Celiberti, é minimizar a importância dos arremedos de movimentos de oposição que estão surgindo no país, como esse tal de movimento "Cansei", surgido em São Paulo. A estratégia agora é tachar a todos como movimentos de setores da classe média, descontentes por não terem sido contemplados pela cornucópia da política oficial lulista. A grande imprensa já mordeu a isca direitinho, reproduzindo, talvez sem o saber, o discurso oficial, ao mesmo tempo em que acredita estar agindo de forma independente de preconceitos ideológicos.

Há dois objetivos subjacentes a essa estratégia dos lulo-petistas: primeiro, incutir na mente de todos que o governo Lula é um governo voltado para os mais pobres; segundo, desqualificar qualquer crítica vinda da classe média, como uma demonstração de setores acomodados que estão se lixando para o aumento do nível de vida dos mais humildes.

Ambos os objetivos, claro, são falsos como uísque paraguaio. Primeiro, porque - foi o próprio Lula que disse em discurso recente -, se alguém deveria estar vaiando o governo, são os pobres, porque "nunca na história deste país" os ricos ganharam tanto, o que não deixa de ser verdade (vide a farra com dinheiro público que foram as obras do Pan no Rio de Janeiro, por exemplo). Segundo, porque, ao rotular todos que se lhe opõem como membros da classe média, o que os lulistas fazem é retomar a velha discurseira ideológica bolchevique, segundo a qual a legitimidade de uma demanda é determinada não por critérios subjetivos como honestidade, integridade etc., mas objetivos como a origem de classe de quem as faz.

Qualquer pessoa com um nível de inteligência acima do dos protozoários já deve ter percebido que os dois objetivos citados acima são completamente contraditórios. Afinal, se quem deve vaiá-lo são os pobres, como afirmou o Apedeuta, o que diabos seus defensores estão fazendo ao querer desqualificar a classe média? Sem querer, o Grande Molusco confessou em público seu fracasso, ao dizer que seu governo encheu as burras das elites, enquanto tratou de distribuir esmolas aos miseráveis. Trocando em miúdos, Lula e sua curriola conseguiram uma proeza: aumentaram ainda mais a desigualdade social no Brasil, o que contraria frontalmente toda a lengalenga sobre "o governo que mais fez pelos pobres" etc.

Não engulo a falácia de que a oposição a Lula deve ser desqualificada por causa da origem social dos que estão tentando se mobilizar, aliás em váo, porque as ruas já estão ganhas pelo monopólio esquerdista há pelo menos quatro décadas. Que o "Cansei" reúne principalmente pessoas oriundas da classe média, entre as quais familiares dos mortos no acidente da TAM, está mais que claro. Mas desde quando uma crítica é menos pertinente porque vem da classe média? Esta, como disse o Reinaldo Azevedo, é o negro do Brasil de hoje: não tem, para defendê-la, nenhum partido, nenhum sindicato, nenhuma ONG. E ainda por cima tem que ouvir cretinices como a pronunciada pelo ex-governador de São Paulo, o ridículo Claudio Lembo, que disse que "Cansei" está mais para dondocas entendiadas... (certamente, as madames dos ricos citados pelo Grande Molusco, que devem estar fazendo a festa). Se não podem rebater as críticas de seus adversários, os lulo-petistas os condenam por sua origem social, como nos tempos de Stálin. Pelo menos numa coisa o velho Marx tinha razão: a História realmente se repete. Sempre como farsa.

segunda-feira, agosto 06, 2007

UMA CATÁSTROFE INEVITÁVEL

"Qualquer pessoa é criminosa quando promove uma guerra evitável; e também o é, quando não promove uma guerra inevitável". (José Martí)


Em 3 de julho passado, o Ministro da Defesa do Japão, Fumio Kyuma, renunciou após ter provocado uma avalanche de críticas, por sua declaração de que o lançamento das bombas atômicas em Hiroshima e Nagasaki, ao término da Segunda Guerra Mundial, foi inevitável. Kyuma foi obrigado a deixar o cargo, sob uma chuva de protestos dos sobreviventes e de entidades pacifistas, os quais, de forma muito compreensível, acusaram-no de insensibilidade diante da dor de tantos milhares de pessoas, sacrificadas no altar do maior conflito de todos os tempos. Além do mais, um Ministro da Defesa justificar publicamente o lançamento de duas bombas atômicas sobre seu próprio país, convenhamos, é algo inadmissível.

A renúncia de Kyuma demonstra que, ainda hoje, os fantasmas do passado insistem em assombrar países como o Japão e, também, todos nós. É impossível mencionar os nomes Hiroshima e Nagasaki sem sentir um frio na espinha. Os números dos mortos - mais de 200 mil -, a devastação causada pelas explosões, os relatos de pessoas vaporizadas pelo calor ou devoradas lentamente pela radiação, o fato de as vítimas terem sido quase todas civis, o assustador cogumelo atômico erguendo-se sobre as duas cidades, assombram e assombrarão a consciência da humanidade por muitos anos ainda. Afinal, matar civis, e ainda por cima aos milhares de uma vez, utilizando uma tecnologia até então desconhecida, parece e é um crime indefensável. O fato de terem sido os EUA os autores da façanha, então, torna-a ainda mais revoltante, fazendo levantar em todo o mundo vozes de repúdio e condenação.

Indignações à parte, e analisando-se a História com frieza - ou mesmo sem frieza, à quente -, sou obrigado, entretanto, a concordar com o Ministro demissionário japonês. As bombas e a tragédia humana sem precedentes que provocaram foram mesmo inevitáveis. Por mais doloroso que seja admitir isso, trata-se de um dever de honestidade, de sinceridade perante a História. Sem as duas explosões sobre Hiroshima e Nagasaki, o Japão dificilmente se renderia, a guerra, que até aquele momento já ceifara a vida de mais de 50 milhões de pessoas, se arrastaria por vários meses ainda, talvez anos. A quantidade de mortos, o sofrimento de ambos os lados, seria sem dúvida muito maior.

Você deve estar se perguntando: não havia outro jeito de pôr fim à guerra? Certamente havia, mas as conseqüências seriam muito piores. Vejamos o contexto. Em agosto de 1945, EUA e Japão já estavam em guerra havia quatro anos, e as forças nipônicas, embora batidas no campo de batalha, não davam mostras de que iriam render-se. Aliás, a rendição ao inimigo, no código de guerra japonês (bushido), era considerada uma indignidade, algo pior do que a morte. Não por acaso, os militares japoneses ficaram célebres pela brutalidade com que tratavam os prisioneiros, chegando ao ponto de treinar tiro-ao-alvo e praticar ataques de baioneta em alvos humanos. Cidades inteiras, como Nanking, tiveram sua população exterminada pelas forças nipônicas. Milhares de civis chineses foram usados como cobaias em experiências biológicas, semelhantes às que os nazistas praticaram contra os judeus na Europa. Os soldados japoneses lutaram literalmente até o fim em Iwo Jima e Okinawa, e muitos civis se suicidaram para não cair nas mãos do inimigo em Saipan e Tiniam. A simples idéia de rendição era um anátema para o povo nipônico, que, fanatizado pela tradição e por uma ideologia racista e militarista, idolatrava o imperador como um deus vivo - não o representante de Deus na terra, não um intermediário entre os homens e a divindade, mas a encarnação mesma do Todo-Poderoso. Nessas condições, a idéia dos marines desembarcando na baía de Tóquio sem um banho de sangue infernal era simplesmente impensável. O governo norte-americano calculara em cerca de 1 milhão o número de mortos, civis e militares, caso os EUA tentassem uma invasão do arquipélago japonês.

Tendo saído de um isolamento de séculos, o Japão jamais havia perdido uma guerra, tendo derrotado, sucessivamente, chineses, coreanos e russos, antes de lançar-se à conquista militar do Leste da Ásia e das ilhas do Pacífico. Nesse processo, os japoneses foram responsáveis por algumas das maiores atrocidades e crimes de guerra da história da humanidade, só comparáveis aos dos nazistas, os quais incluíram o uso de armas químicas e biológicas, bombardeios indiscriminados e a escravização sexual de milhares de mulheres nos países ocupados - tema freqüente de atritos diplomáticos, ainda hoje, com países como a China e a Coréia do Sul. Não havia perspectiva de paz à vista, a curto ou médio prazo. O mundo já estava cansado da carnificina e da insanidade da guerra. A Alemanha já fora devastada pelos bombardeios aliados - somente em Dresden, morreram mais civis do que em Hiroshima e Nagasaki - e Tóquio já fora alvo de devastadores ataques dos B-29. Foi então que os EUA tiveram a idéia da bomba. Aquela foi uma decisão essencialmente militar. Foi a mais difícil decisão que um presidente - Harry S. Truman - teve que tomar até hoje. Uma duríssima necessidade, tornada inevitável pela obstinação do inimigo.

Não faltou quem dissesse, terminado o pesadelo da guerra, que as bombas atômicas sobre o Japão não influíram de forma decisiva para a decisão japonesa de render-se. Que tudo não teria passado de uma demonstração de força dos norte-americanos para impressionar o verdadeiro inimigo, que então começava a despontar sobre as ruínas do Eixo nazi-fascista: a URSS. Há vários motivos para discordar dessa tese. Em primeiro lugar, pelas razões já apontadas, que demonstram que, apesar da derrota em ferozes batalhas, o Japão estava longe de aceitar a rendição. Em segundo lugar, e o mais importante, tal interpretação constitui um anacronismo, sendo um produto da Guerra Fria. É preciso lembrar: a URSS não condenou o lançamento das bombas, logo após o ocorrido. Só começou a fazê-lo alguns anos depois, já iniciada a disputa ideológico-militar com os EUA e o mundo ocidental. Logo, a verdadeira motivação dessas críticas não era a indignação moral diante de um assassinato em massa - até porque de assassinatos em massa os líderes da URSS entendiam bastante -, mas um objetivo político-propagandístico.

Há um outro aspecto pouco lembrado na tragédia de Hiroshima. Quando o Enola Gay despejou sua carga mortal sobre a cidade, quase ninguém, nem mesmo os cientistas do Projeto Manhattan, sabiam ao certo seus efeitos. O gesto de lançar a bomba foi, assim, uma ação calculada para terminar a guerra, mas também um ato de desespero. Nada que possa ser comparado aos argumentos cínicos de países como o Irã e a Coréia do Norte, os quais, sob a alegação de que é necessário "quebrar o monopólio nuclear das superpotências", insistem em seus programas atômicos clandestinos. Ao contrário dos EUA quando bombardearam o Japão, os líderes desses países conhecem perfeitamente do que uma explosão nuclear é capaz. Não desejam adquirir essa tecnologia para acabar com alguma guerra, para forçar um inimigo obstinado à rendição, mas para chantagear o mundo. Isso retira qualquer legitimidade a seus propósitos.

Hoje, 6 de agosto, faz 62 anos que o primeiro artefato nuclear caiu sobre Hiroshima. Desde então, a data passou para a História como o marco inicial da era atômica. Crescemos, todos aqueles que nasceram após 1945, sob a sombra da ameaça da aniquilação total, primeiro nos anos da Guerra Fria entre EUA e URSS e, hoje, na forma da proliferação nuclear, representada por organizações terroristas como a Al Qaeda e governos imprevisíveis como os de Teerã e de Pyongyang. Hiroshima continuará a ser um símbolo da loucura humana. Mas, é forçoso admitir, se não quisermos ter uma visão unidimensional da História, que a loucura, nesse caso, não se restringe àqueles que tomaram a decisão de lançar a bomba. Nem está ausente dos cálculos de muitos que se acostumaram a condená-la.

sexta-feira, agosto 03, 2007

A QUESTÃO É POLÍTICA, SIM!


Ontem à noite, quem teve, como eu, a pachorra de assistir até o fim o programa político do PT (sim, eles ainda têm a cara-de-pau...), viu uma das cenas mais cínicas e revoltantes dos últimos tempos: ao fim da lengalenga de sempre, que incluiu minutos intermináveis de picaretagem marqueteira e louvação ao governo "que mais fez pelos pobres na história deste país" etc. etc., e sem que se tocasse em momento algum no assunto ética ou corrupção, o PT divulgou uma nota em que dizia "solidarizar-se" com as famílias das quase 200 vítimas fatais da tragédia em Congonhas. Como se não bastasse, na mesma nota, os companheiros disseram "repudiar as tentativas de politizar" o episódio.

Que conversa mole é essa de que o desastre de Congonhas não tem nada a ver com política? Que papo furado é esse de não querer politizar a queda do avião da TAM? É claro que a questão é política! É claro que a tragédia de Congonhas precisa e deve ser politizada!

Foi o próprio PT que politizou a morte de duas centenas de brasileiros, ao tentar transformar a apuração das responsabilidades pelo desastre numa simples disputa eleitoreira com o PSDB (vejam a nota no site oficial do PT). Foram os lulo-petistas que politizaram a questão, ao tentar a todo custo esconder o que só cego ainda não viu: que o desastre do avião da TAM foi o resultado não somente da negligência da companhia aérea, conhecida por sua ganância e pela pouca preocupação com a segurança, mas também - e principalmente - da irresponsabilidade e do descaso governamental. O avião não se espatifou apenas porque estava com o reverso travado, ou porque o manete estava fora de posição, mas sobretudo porque a ANAC, a INFRAERO, os órgãos encarregados de fiscalizar e cuidar da infra-estrutura aérea do Brasil viraram verdadeiros valhacoutos de polítização e ideologização do serviço público, em que os companheiros se locupletam.

Sob o (des)governo do Grande Molusco, assistiu-se a um verdadeiro loteamento ideológico das agências estatais, para atender a objetivos partidários da companheirada. O resultado desse aparelhamento é que, no setor aéreo, a segurança tornou-se um item secundário, com a INFRAERO torrando uma montanha de dinheiro em azulejos novos para os aeroportos enquanto se esquecia de fazer as ranhuras nas pistas, por exemplo. Ou um alto funcionário da ANAC, pago pelos contribuintes para fiscalizar as empresas aéreas, viajando para alegres temporadas em Nova York às custas da empresa que se deliciava fazendo overbooking, certa de que a ANAC não faria nada a respeito. Não é preciso ser nenhum especialista em aviação para deduzir que disso não poderia vir coisa boa mesmo. Deu no que deu.

"Não politizar a questão", francamente... Se há um partido político que se especializou em partidarizar e politizar a gestão pública no Brasil, é o PT. Onde quer que tenham colocado a mão em um governo - federal, estadual, municipal - os companheiros petistas transformaram o aparelhamento da máquina pública, da coleta de lixo ao setor aéreo, em sua marca registrada. Pouco antes do acidente da TAM, os jornais anunciavam, em suas manchetes, a criação de mais de 600 cargos comissionados no governo federal, um verdadeiro sorvedouro de dinheiro público para acolher militantes, a maioria dos quais sem nenhuma outra qualificação para exercer um cargo público que não a carteirinha de filiação ao partido. E agora querem que simplesmente deixemos isso de lado?

Também quando era oposição, o PT fazia questão de partidarizar tudo que dissesse respeito à administração pública, de incêndios florestais em Roraima até a dengue em São Paulo. Os petistas politizaram o apagão elétrico, politizaram a violência urbana, politizaram o desemprego. Com que direito, depois de terem promovido um festival de patrulhamento ideológico e de partidarização da vida brasileira por quase trinta anos, desejam convencer-nos de que o que o que houve em Congonhas não tem nada a ver com o caos aéreo por eles criado? Com que direito ainda têm a coragem de pedir que acreditemos que é tudo culpa da TAM e de insinuar que quem não engole essa balela é um tucano empedernido?

É de se lamentar que quase 200 pessoas tenham tido que perder a vida para que toda a lambança dos companheiros petistas viesse à tona. E ainda querem falar em "não politizar" a questão? Esses petistas não têm mesmo a menor vergonha na cara.

quarta-feira, agosto 01, 2007

A CULPA É DO GOVERNO


Começou o jogo de empurra. As investigações sobre a tragédia do avião da TAM em Congonhas, um desastre há muito anunciado, viraram um espetáculo grotesco em que todos os envolvidos só querem fazer uma coisa: tirar o seu da reta. O "top, top, top" de Marco Aurélio Garcia deu o tom do que será visto nos próximos dias, semanas e meses: um festival de pilantragem, com os culpados tratando a todo custo de esconder sua culpa, misturando às suas desculpas esfarrapadas uma dose de sentimentalismo barato, vertendo lágrimas de crocodilo pelos quase 200 brasileiros que perderam a vida por causa da incompetência e da irresponsabilidade oficial, que agora tentam de todo jeito disfarçar.

Engana-se quem acha que da CPI do Apagão Aéreo ou de qualquer outra instância oficial sairá a verdade sobre o trágico acidente. Ninguém ali está interessado em apurar responsabilidades, em definir a culpa de quem quer que seja, em saber a verdade. A verdade está na cara, só não vê quem não quer.

De quem é a culpa?

A culpa é da TAM, que já deu mostras suficientes de sua irresponsabilidade movida à ganância, fazendo overbooking de suas passagens aéreas e descuidando da manutenção de suas aeronaves, entre outras práticas ilícitas.

A culpa é da ANAC, aparelhada pelo atual (des) governo lulista com companheiros mais interessados em suas relações perigosas com as empresas aéreas - entre as quais a TAM - do que com a segurança dos vôos ou das pistas.

A culpa é da INFRAERO, que, sob a batuta lulista, despejou milhões em reformas que incluíram a transformação dos aeroportos em verdadeiros shopping-centers, mas não se preocupou em colocar as ranhuras nas pistas ou em aumentá-las, dotando-as, por exemplo, de uma área de escape.

Finalmente, A CULPA É DO GOVERNO, que permitiu toda essa bandalheira, literalmente debaixo de suas barbas, e que, depois da morte de 200 pessoas, ainda tripudia das vítimas, regozijando-se, com gestos obscenos, com a notícia de que tudo pode ter sido causado por um defeito no reverso do avião ou por erro do piloto (o que, mesmo sendo verdade, não elimina sua responsabilidade principal pelo ocorrido). Ainda por cima, condecorando (!) o pessoal da ANAC, por seus supostos - para não dizer inexistentes - serviços prestados à aviação brasileira.

Não se espere, portanto, que alguém seja punido, que alguém venha a ser responsabilizado por mais esse crime. Sim, crime! Pois não se pode dar outro nome ao resultado totalmente evitável da negligência do Estado, que gerou a atual crise aérea, a qual já dura mais de dez meses. Só pode ser criminosa a omissão governamental diante da situação insustentável criada pelos controladores aéreos, assim como é digno de um Al Capone o deboche demonstrado por um Marco Aurelio Garcia ou uma Marta Suplicy. O governo é culpado, no mínimo, de assassinato. No caso, nem sequer de homicídio culposo, aquele sem intenção de matar, pois um governo que se acumplicia com as empresas aéreas e deixa de fazer o necessário para evitar o que ocorreu em Congonhas não pode alegar em sua defesa que agia sem a consciência da fatalidade de seus atos.

É esta a verdade, a pura e simples verdade, meus senhores e minhas senhoras. O Brasil está entregue a um bando de larápios e assassinos, a criminosos que, embalados por um delírio ideológico, por um anacronismo idiota, só querem salvar a própria cara, enquanto o povo, a classe média, a classe nem tão média, enfim, a população que se dane! Ou relaxe e goze, como disse cinicamente Titia Marta. Mas não esperem que nada disso apareça no relatório final da atual CPI do Congresso. Não esperem ver Lula, MAG ou quem quer que seja aparecendo na TV pedindo desculpas às famílias das vítimas e ao povo brasileiro, como faria qualquer funcionário do governo num país decente. Lula e seus comparsas já estão blindados contra tais inconvenientes, não fazendo outra coisa senão rir da cara dos trouxas que os elegeram e fugir de qualquer responsabilidade para preservar sua imagem. Deputados, governo e TAM já estão mancomunados, como sempre estiveram, para que no final tudo dê em nada: uma gigantesca pizza aérea. Com gosto de sangue.