segunda-feira, março 31, 2008

Respondendo aos leitores

Fiquei uma semana longe do blog - estou fazendo um curso, e por esse motivo posso passar uns dias sem postar nada aqui - e já me deparo com alguns comentários interessantes. Como o tempo livre é escasso e tenho outros afazeres mais urgentes, limito-me a dizer algumas palavras sobre dois deles, postados por alguém que se assina Diogo e por ele, o grande semiólogo e helenista platônico, Luiz Maurício. Seguem os posts deles, em vermelho, com meus comentários em preto. O Diogo vai primeiro:
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Apoiar os Estados Unidos não é ser do contra, mas sim a favor. Ir a favor do Império não é ser do contra. Ser do contra é se posicionar em sentido oposto ao status quo. Nunca que se posicionar a favor dos Estados Unidos será uma atitude do contra. Se quer ser do lado dos Estados Unidos assuma-se dizendo a favor e não use uma máscara do contra, como se fosse diferente, quando você na verdade é mais um igual.Não seja ingênuo (ou pelo menos não finja ingenuidade) dizendo que os Estados Unidos não tinham interesses em explorar o petróleo do Iraque quando o invadiu. Isso já está acontecendo e dizer o contrário é tentar falaciar o real.
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Domingo, 30 de Março de 2008 22h44min00s BRT

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Diogo escreveu o que está acima como comentário a meu texto "Viva Bush! Viva o império!" (mas poderia ter sido sobre meus outros textos "Inveja do Iraque" ou "Viva o imperialismo", que ele provavelmente não leu, daria no mesmo). O que me chama a atenção no post dele não é o fato de ele questionar minha posição que dá nome a este blog - "Do Contra" -, o que já respondi em posts anteriores, mas sim que, para ele, ser a favor dos EUA num determinado assunto não é, como ele diz, uma atitude "do contra", mas "a favor", e que eu estaria, portanto, usando uma "máscara", "como se fosse diferente", quando na verdade eu seria "mais um igual". Ao ler essas palavras, por um momento eu achei que estava no país errado, ou até em outro planeta. Isso porque, se eu não sou "do contra", mas sim "a favor" nessa questão - assim como em várias outras -, só posso concluir que estou, portanto, em maioria. Aquelas inúmeras vezes em que quiseram tapar minha boca, à força do número e dos decibéis, devem ter sido, portanto, alucinações de minha parte. Só pode estar errada a percepção de que a maioria absoluta dos intelectuais e pretensos intelectuais, ou simples palpiteiros políticos - sem falar dos blogs - do Brasil se coloca inteiramente, e de forma radical, contra Bush e a guerra no Iraque.
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Logo, das duas uma: 1) ou eu não sou minoria - portanto, não sou "do contra" -, e todas esses mentes iluminadas que nos bombardeiam diariamente com críticas ferrenhas contra Bush e o imperialismo estão só fingindo, ou 2) estão dizendo a verdade; logo, eu sou sim minoria, e minhas opiniões estão claramente em oposição a esse status quo mental. Nesse caso, o que o Diogo diz não tem - novidade! - nenhum sentido.
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Vou citar alguns nomes, que talvez ilustrem o que eu quero dizer: Noam Chomski, Ignácio Ramonet, Tariq Ali, Michael Moore, Al Franken, Eduardo Galeano, Emir Sader, Frei Betto, Leonardo Boff, Leandro Konder, Mauro Santayana, Mike Davis, Oscar Niemeyer, Gianni Miná, Joao Quartim de Moraes, Marilena Chauí, Fausto Wolff, Valter Pomar... e um grande etcétera. Sem falar nos grandes veículos de comunicação de massas, e em praticamente a totalidade dos professores universitários brasileiros, para quem os EUA são o "imperio do mal" e Bush a própria encarnação do diabo. Não preciso dizer de que lado esses senhores estão.
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Agora, do outro lado, quem está? Tirando o Olavo de Carvalho, o Reinaldo Azevedo e seu xará Diogo Mainardi, além deste que escreve estas linhas, quem ousa contrariar o cordão puxado pelos luminares acima? Diga-me o nome de um, Diogo - apenas um -, intelectual brasileiro de peso que foi à TV ou aos jornais apoiar sem ambigüidades a invasão do Iraque pelos EUA e aplaudir entusiasticamente a queda de Saddam, e eu prometo que mudo o nome do blog. Você escolhe o novo nome.
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Outra coisa: onde foi que você leu que eu disse que os EUA não têm interesses (inclusive petróleo) no Iraque? Onde foi que eu escrevi que Bush decidiu invadir o Iraque e despachar Saddam para o além por, sei lá, idealismo ou caridade? Leia de novo meus textos. Neles digo que o mais importante na questão do Iraque e do Afeganistão não são os supostos ou reais interesses subterrâneos do Pentágono ou das multinacionais do petróleo, mas o fato de que, pela primeira vez na História, esses países estão livres de governantes tirânicos e podem pelo menos sonhar com dias melhores. Houve uma época em que defender coisas assim era moda no Brasil. Hoje, para lembrar o óbvio - os EUA derrubaram duas ditaduras no Oriente Médio -, é preciso ser "do contra". Sinal dos tempos.
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Como todos sabemos, a política externa estadunidense - e a do Brasil, e a de Burkina Fasso, e a do Uzbequistão - guia-se por interesses, não por idealismo. A política egoísta dos EUA livrou o mundo de duas tiranias odiosas. Já os altos princípios e ideais se encaixam melhor na política dos comunistas, por exemplo, cujo idealismo levou somente a 100 milhões de mortos no século XX... Precisa dizer de que lado eu fico?
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Agora, senhoras e senhores, ele, o incrível, o inacreditável, o inefável Luiz Maurício (em comentário a meu texto "Resposta a um leitor 'viajante' - III":
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Gustavo Henrique Marques Bezerra,

Agora que você confessou a sua baixeza, não preciso mais escrever nada. Pessoas que se utilizam de golpes baixos são capazes de tudo para terem razão, mesmo sem a terem. Com esse tipo de gente é preciso ter cuidado. Acusam as outras pessoas de tudo que elas não disseram e se utilizam da retórica para exporem interpretações errôneas do pensamente do outro.Meu caro, esperava mais de você. Esperava que pudessemos conversar sem baixezas da tua parte. Contra isso eu não tenho porque continuar.

Abraço.

Domingo, 30 de Março de 2008 22h32min00s BRT

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Não sei o que gosto mais em Luiz Maurício. Se as acusações de "baixeza" e "golpe baixo" que ele lança contra minha pessoa ou sua tendência a negar o que escreveu. Não vou nem me dar ao trabalho de lembrar aqui, mais uma vez, o que ele próprio disse sobre a ditadura de Fidel Castro em Cuba, um regime que ele, em sua infinita sapiência, afirma ser perfeitamente legítimo, pois, afinal de contas, o Luiz Maurício leu Platão e Maquiavel. Ele tentou até negar que aprovava o massacre de 95 mil pessoas pela ditadura do Coma Andante e de seus companheiros - aprova a ditadura, mas não suas conseqüências, que interessante... -, mas, para sua infelicidade, eu estava aqui e o desmascarei. Como ele não é capaz de admitir isso - deve ter lido em algum lugar que, segundo Platão e Maquiavel, a sinceridade não é boa -, agora ele me acusa de "utilizar a retórica para expor interpretações errôneas sobre o pensamento do outro". Ai, ai.

Diante disso, só posso dizer uma coisa. Sim, Luiz Maurício, você tem razão. Usei de um golpe baixo contra você. Áfinal, só pode ser golpe baixo lembrar o que a própria pessoa escreveu, e que prefere que todos esqueçam. É muita covardia mesmo. Poís é, como você disse: é preciso ter cuidado com gente como eu, que não deixa passar nada em branco. Sou um cara muito, muito mal...

É uma pena que você resolveu nos deixar, Luiz Maurício. O blog vai ficar muito menos divertido sem você. Vou sentir falta de dar tanta gargalhada.

Abraços.

P.S.: A propósito, alguém notou como os últimos posts me criticando deixaram de focalizar meus argumentos e se concentram, em vez disso, no próprio nome do blog? Por que será?

terça-feira, março 25, 2008

O ITAMARATY NO "RODA VIVA"


Estou fazendo um curso de aperfeiçoamento no Itamaraty e, por isso, posso passar alguns dias sem postar textos aqui. Mesmo assim, não posso evitar escrever alguma coisa sobre a entrevista do nosso Chanceler Celso Amorim no programa Roda Viva da TV Cultura, transmitida ontem.

Já escrevi sobre a política externa brasileira e sobre seu maior operador, e não quero ficar repetitivo. Vou me restringir apenas a comentar o que todos que assistiram ao programa viram. Celso Amorim, um diplomata extremamente qualificado, foi sabatinado durante duas horas por um painel de jornalistas e estudiosos sobre praticamente todos os principais temas da agenda da política externa brasileira: Reforma do Conselho de Segurança da ONU, Haiti, o caso dos brasileiros deportados da Espanha... Até aí, cumpriu seu papel. Do lado dos entrevistadores, Eliane Cantanhêde, de quem já falei aqui, derramou-se em elogios à diplomacia brasileira, indagando se o Itamaraty continuaria a ser "pragmático, discreto e eficaz". A nota dissonante foi o professor Demétrio Magnoli. Talvez por não ser jornalista, nem diplomata (escreverei sobre isso mais adiante), ele não ocultou suas opiniões e foi direto ao ponto: indagou sobre a posição brasileira em relação à ditadura de Cuba, que o governo brasileiro insiste em cortejar apesar de tudo. Celso Amorim tentou desconversar, puxou para um lado, puxou para outro, tentando esquivar-se de questão tão espinhosa. Magnoli insistiu, como cidadão brasileiro, e inclusive citando a Constituição Federal, que estabelece o compromisso do Estado brasileiro com a democracia e com os direitos humanos. Mais uma vez Celso Amorim tentou mudar de assunto, sentindo-se claramente incomodado. Finalmente, diante da insistência de Magnoli, nosso Chanceler preferiu encerrar a discussão, queixando-se da "intransigência" do entrevistador. Não estava ali para debater o regime cubano. Ponto final. Algo bastante transigente e moderado, como se vê.

É esse tipo de atitude que me enche de perplexidade em relação à atual política externa levada a cabo pelo atual governo brasileiro. Celso Amorim, como disse antes, é um diplomata dos mais respeitados, e quero crer que não teria chegado aonde chegou se não fosse um profissional competente. Por que então essa recusa em tratar de frente um tema como Cuba, tentando rotular como "intransigente" quem ousar levantar essa questão? Demétrio Magnoli poderia ter ido mais além, falando dos laços do governo Lula com o Foro de São Paulo, por exemplo, o qual inclui os narcoterroristas das FARC e cujo operador brasileiro é Marco Aurélio Garcia, assessor especial da presidência para assuntos internacionais e virtual ghost-chancellor do Brasil, mas não o fez. Preferiu concentrar-se na questão de Cuba, em que o Brasil mantém-se aferrado à posição de não chamar a ditadura de ditadura. Não acredito que Celso Amorim seja despreparado para tratar de temas como esse. Também reluto em crer que ele tenha se tornado um acólito do lulo-petismo, do mesmo tipo que um Marco Aurélio "Top, Top, Top" Garcia. Teria sido abduzido pela nave-mãe lulo-petista?

A postura esquerdista, na forma de terceiromundismo e antiamericanismo, é algo que salta aos olhos no Itamaraty. Percebi isso desde o primeiro dia em que entrei para a carreira. Não é de hoje, desse governo - trata-se de uma posição, digamos assim, histórica da Casa, já adotada nos governos militares (veja-se, por exemplo, o "Pragmatismo Responsável" do governo Geisel). Conversando com alguns embaixadores mais antigos, esse tipo de posição fica claríssima. Ela perpassou a diplomacia de vários governos anteriores, inclusive o de FHC. Sob o reinado dos lulo-petistas, tal pensamento se exacerbou, ressuscitando velhos sonhos de "Brasil Potência" alimentados na época da ditadura dos generais e da "política externa independente" do período Jânio Quadros-João Goulart. Conceitos ultrapassados como "centro" e "periferia", típicos da "teoria da dependência" dos anos 50 e 60, hoje dão o tom nas análises das relações internacionais saídas da Casa de Rio Branco. Além disso, a velha obsessão "social", de caráter ideológica, também se faz sentir atualmente, na forma, por exemplo, de um extremamente duvidoso programa de affirmative action que privilegia os candidatos considerados "afro-descendentes" no concurso de admissão à carreira de diplomata - uma irônica concessão ao imperialismo cultural norte-americano, sem dúvida influenciada pela onda de "ativismo negro" que ganhou força nesse governo. Paralelamente, fez-se uma reforma nos critérios do concurso de admissão que retirou a língua inglesa como matéria eliminatória. Um golpe no imperialismo ianque, sem dúvida.

Não consigo entender esse novo-velho rumo dado ao Itamaraty sob o governo Lula senão como uma mistura de complexo de inferioridade em relação às "grandes potências" e de consciência pesada das elites brancas e instruídas em relação aos pobres e "excluídos". Junte-se a isso uma boa dose de ideologia esquerdista e de militância partidária, e se terá uma idéia mais ou menos clara do que estou falando. O resultado disso é que, em temas cabeludos como Cuba ou a recente crise triangular Equador-Colômbia-Venezuela, há uma espécie de dualidade, com a existência de um discurso "oficial" - burocrático, anódino, quase cifrado em sua proposital obscuridade - e de outro, "oficioso" - claramente condenatório dos EUA e favorável à ditadura cubana, entre outras coisas (a "neutralidade" do Brasil em relação às FARC, tão alardeada por Marco Aurélio Garcia, que se recusa a enxergá-las como grupo terrorista, é um bom exemplo disso). Enfim, uma espécie de doublethink e de newspeak orwellianos.

Essa ambigüidade proposital encontra o terreno ideal para manifestar-se e desenvolver-se no próprio ofício de diplomata. Talvez os funcionários mais qualificados do serviço público brasileiro, os diplomatas não são, porém, muito chegados a um debate. Estão muito preocupados com outras prioridades, como a própria carreira, para se engalfinharem em polêmicas. Ter uma opinião, sobretudo uma opinião discordante sobre a orientação política dominante no Ministério, é geralmente considerado um passaporte para o fracasso na carreira. Outros valores, como a hierarquia, costumam ser mais levados em conta. Sempre lamentei isso, e confesso que é algo que não me deixa nada à vontade, mas compreendo e até aceito, como parte do jogo. Acabei de ter uma mostra disso, pois a primeira palestra do curso que estou fazendo foi proferida pelo secretário-geral do Itamaraty, embaixador Samuel Pinheiro Guimarães. Ao final, foi aberto espaço para que os presentes fizessem perguntas. Ninguém se habilitou. O número dois do Itamaraty comentou, então, com bom humor: "deduzo que ou vocês concordaram com tudo o que eu disse - o que ele mesmo reconheceu ser algo bastante difícil -, ou, então, discordaram de tudo e, nesse caso, não fazem perguntas por cautela".

Esse excesso de cautela me incomoda. No caso das perguntas de Demétrio Magnoli a Celso Amorim sobre Cuba, fico pensando até que ponto isso seria cautela ou cumplicidade. Afinal, uma das frases mais famosas de Talleyrand era que a linguagem foi criada para que os homens dissimulem seu pensamento. Nisso, convenhamos, os diplomatas são craques.

segunda-feira, março 24, 2008

Mais um leitor "viajante"...


Leiam atentamente a mensagem abaixo. Volto em seguida:

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Ola

Fico intrigado com pessoas pertencentes ao neo-liberalismo americano. Assim como o autor do blog. Alguem que necessite de ter opinioes sempre contrarias para sentir-se bem no mundo onde vive, para deixar no ar uma mascara de 'PENSADOR'.E isso se dá em suas postagens pelo fato da sua força de vontade de mostrar que não entende muito de economia ou algo assim. Bom acho que um ex-professor de historia não deveria entrar em tantos detalhes sobre sistemas economicos para não fugir do real.Mas isso é caracteristica de pessoas que em todo tempo procuram ser DO CONTRA como forma de satisfação pessoal.Como se "eu não sou como a maioria".Detalhes cientificos então!uau. Quanta besteira.É incrivel como todos têm um pouco de MEDICO, LOUCO e CIENTISTA.Basta nós, formados em ciências elaborarmos um argumento falacioso com premissas ridiculas para uma cambada de historiadores dizerem ser verdade ou não.É incrivel.Acho que procuramos um ramo de estudo e as vezes perguntamos a alguem mais preparado sobre algo que não conhecemos. Não podemos sair por ai dizendo ser verdade um tema que sequer temos um mediocre conhecimento.Mas como ja disse outrora, isso é um problema de satisfação pessoal de quem quer opinar sobre todos assuntos mesmo não tendo conecimento algum sobre ele. Abraços.

Entenderam alguma coisa? Eu também não. O post acima foi enviado por alguém que assina "Joab" e é, pelo menos em teoria, um comentário a meu texto Antonio Gramsci, ou como fazer amigos e influenciar pessoas, que publiquei neste blog em 27 de janeiro passado. Transcrevi-o na íntegra, sem modificar uma vírgula, como costumo fazer.
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Por mais que eu lesse e relesse, não consegui ver nenhuma conexão entre o que eu escrevi e o que vem escrito acima. Confesso que foi tarefa árdua, diante da quantidade de erros de português que o sujeito consegue cometer num texto tão curto. Sem falar nos de lógica, o que torna difícil entender o que o cidadão quis dizer, afinal de contas. Creio que o post acima transcrito merece figurar como exemplo da confusão mental em que mergulham certos cérebros, que não sabem direito contra ou a favor do que são, mas fazem questão de dizer alguma coisa assim mesmo. É somente por isso que escrevo sobre ele aqui. Vamos tentar destrinchar esse parágrafo realmente sem pé nem cabeça.
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De cara, o sujeito já coloca sobre mim um rótulo, o que é uma forma muito confortável de isentar-se da obrigação de pensar - no caso, sou um representante do "neoliberalismo americano". O que seria isso, exatamente? Desconheço. Seria um defensor do livre mercado e da não-interferência estatal na economia, pertencente à escola dos "Chicago Boys"? Ou um neoconservative defensor do imperialismo norte-americano e adepto do "big government" (ou seja: o oposto exato do liberalismo econômico)? Aqui a confusão conceitual parece atingir o paroxismo. Basta lembrar que "liberal", nos EUA, significa o mesmo que "esquerdista" no Brasil. E ainda por cima "neoliberal"? E "americano"? O que diabos o sujeito quis dizer com isso?

A ânsia do cidadão em me rotular ideologicamente só tem paralelo na capacidade de o dito-cujo ignorar toda uma gama de adjetivos que poderiam ser utilizados para definir minha posição política - todos, aliás, pouco coerentes e imprecisos -, tais como: "conservador", "direitista", "reacionário" etc. Há tantas classificações possíveis e variadas quanto o gosto de cada um. Quanto a isso, se alguém quiser saber, sou apenas alguém que pensa com a própria cabeça, sem se apegar a rótulos de qualquer tipo.
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Como se não fosse o suficiente, o sujeito ainda diz que eu seria "alguém que necessita ter opiniões sempre contrárias para sentir-se bem no mundo onde vive, para deixar no ar uma máscara de 'PENSADOR'" etc. Enfim, eu seria "do contra" apenas por uma questão de satisfação pessoal, de necessidade narcísica de "pensar diferente". Um lance assim de vaidade, sabe?... É incrível a pretensão de algumas pessoas. Além de acreditarem poder definir com exatidão o pensamento político de outra, com base num cardápio sortido de opiniões ideológicas ao qual bastaria recorrer para dele retirar um rótulo que lhes pareça mais conveniente, acreditam poder, ainda por cima, adivinhar o que se passa no mais recôndito da alma humana. Pelo visto nosso amigo é uma dessas pessoas iluminadas, capazes de dizer com exatidão as motivações ocultas por trás das mínimas ações de qualquer pessoa. Mais um pouco e eu poderia apostar que ele deve ganhar a vida em algum circo como adivinho e prestidigitador...
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Sem falar que dizer que alguém (ou seja: eu) necessita ter opiniões sempre contrárias para "sentir-se bem no mundo em que vive" é de um contra-senso atroz. Em primeiro lugar, contrárias a quem? Se se está falando da maioria da humanidade, cuja opinião é quase sempre moldada não pela consciência individual mas pelos "formadores de opinião" de plantão, então a afirmação é duplamente um contra-senso. Até onde eu sei, remar contra a maré, ir de encontro à opinião da maioria, não costuma ser uma coisa muito prazerosa. Pelo contrário, na maioria das vezes, isso significa isolamento opinativo e marginalização social, principalmente em um país como o Brasil, onde se valoriza o consenso, não o dissenso, e onde a maioria dos soi-disant intelectuais prefere refugiar-se no impessoal e no coletivo a ter de enfrentar a dura tarefa de pensar independentemente. Em alguns países, tal atitude tem conseqüências ainda mais sérias, podendo significar o cárcere e até mesmo a morte. Muito mais fácil, muito mais conveniente - e lucrativo também -, é abdicar do pensamento divergente e seguir o rebanho, aderindo ao unanimismo. Enfim, ser "do contra", meu amigo, não é mole, não.
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Além do mais, quem disse que minhas opiniões são sempre contrárias? Mais uma vez, é preciso perguntar: contrária ao quê? Ou a quem? Se me declaro contrário à ditadura e ao terrorismo, por exemplo, isso só pode significar que sou favorável a seu oposto, ou seja, à democracia e ao combate ao terrorismo. Quer dizer que sou a favor da liberdade e dos direitos humanos, e contra as tiranias e o crime. Talvez seja o fato de eu ser contra essas coisas que intriga alguns e irrita tanta gente. Vai ver é isso.
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Bom, já expliquei, em outro post, o porquê do nome desse blog, "Do Contra", e não pretendo me repetir. Faço apenas um adendo ao que também já escrevi antes, sobre minhas opiniões. Não escrevo apenas por uma questão de ego ou de cabotinismo - embora, devo reconhecer, seja bastante divertido desmascarar as platitudes esquerdistas e os que as repetem como ovelhas -, de "ser contra a maioria" etc., mas, principalmente, pelo mesmo motivo por que escrevia George Orwell: porque há uma mentira que precisa ser denunciada. No caso das esquerdas e seus defensores, a matéria-prima é inesgotável e produzida diariamente. Se, nesse processo, eu extraio alguma satisfação pessoal, ótimo: afinal, é maravilhoso unir o útil ao agradável.
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Eu poderia comentar frase por frase, palavra por palavra, o post de nosso amigo desmiolado, mas me contento com o seguinte exemplo. Vejam a frase: "Basta nós, formados em ciencias [,] elaborarmos um argumento falacioso com premissas ridículas [,] para uma cambada de historiadores dizerem ser verdade ou não". Ora, se um argumento é falacioso e baseado em premissas que o próprio autor reconhece serem ridículas, qual a razão de se opor à conclusão da "cambada de historiadores" - presumo que eu seja um deles -, de que se trata de algo obviamente falso? Nem é preciso ter sequer um conhecimento medíocre sobre qualquer ramo do conhecimento para concluir desse modo. Ou será que mudaram completamente as leis da lógica e eu não fui avisado?
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É isso que eu tinha a dizer. Tentei extrair algum sentido lógico do restante do texto mas esse meu esforço, devo confessar, foi em vão. A capacidade de certas pessoas de transformar palavras em caos é algo que sempre me intrigou. Confesso, porém, que essa capacidade eu não invejo nem um pouco.

quinta-feira, março 20, 2008

O PARADOXO ANTIAMERICANO - II

Tenho mantido, aqui e no site de meu conterrâneo Pablo Capistrano (http://www.pablocapistrano.com.br/ - ver "comentários") um estimulante debate, que começou quando escrevi, neste blog, um texto comentando artigo dele sobre a ditadura de Fidel Castro em Cuba. Argumento vai, argumento vem, e o debate, que antes era sobre o tiranossauro cubano, passou a ser sobre os EUA e sua política externa. Uma coisa puxa a outra, e não me furto à oportunidade de esclarecer alguns pontos importantes também nessa matéria, embora não ache que uma coisa tenha necessariamente a ver com a outra.
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Respondendo a um comentário meu postado em seu site sobre seu texto "O paradoxo EUA", Pablo escreve o que vai a seguir, o que pedi licença a ele para transcrever aqui (ele vai em vermelho, eu vou em preto):
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Certo Gustavo, mas e o que você tem a dizer sobre o pactriot act? aprovado após 11 de setembro?
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violação de correspondência, prisões sumárias sem o devido processo legal, tortura, abu graib, guantanamo...
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Tenho a dizer o seguinte: os EUA foram atacados. Desde então, estão em guerra. E não uma guerra convencional, do tipo exército contra exército, mas uma guerra de novo tipo, em que o inimigo, sem rosto, se esconde entre a população, aproveitando-se das facilidades e garantias da democracia para atacar. Foi assim que agiram os 19 terroristas em 11 de setembro de 2001.
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Não aprovo o Patriot Act, assim como não aprovo as violações de correspondência, prisões sumárias sem o devido processo legal, tortura, Abu Ghraib, Guantánamo... (quanto a isso, inclusive, já escrevi aqui). Mas nem por isso concordo em utilizar tais abusos como um biombo para justificar o imobilismo. Nem tampouco vou deixar por isso de considerar o terrorismo islamita como uma ameaça que deve ser combatida. De preferência, dentro das normas legais de uma democracia. Não é preciso ser americanólfilo para compreender isso.
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Sei que às vezes é difícil conciliar segurança e democracia, principalmente num país como os EUA, onde qualquer ameaça às liberdades individuais em nome da segurança coletiva é imediatamente - e corretamente, aliás - classificada como um ato arbitrário e antidemocrático, gerando debate e dissensão. E é isso que difere os EUA das ditaduras: o debate, a liberdade de discordar. É por isso que os EUA são uma democracia, ao contrário de seus inimigos. E é por isso que os EUA, desde pelo menos a II Guerra Mundial, estão na vanguarda da luta pela liberdade.
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é preciso distinguir o discurso dos poetas e dos filosófos norte americanos que contribuiram de form a significativa para a humanidade com suas idéias de liberdade e democracia da política real dos regime Repúblicano .
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Concordo plenamente. É preciso ter em mente sempre os postulados democráticos lançados por homens como George Washington, Thomas Paine e Thomas Jefferson contra qualquer um que queira destruí-los, inclusive sob o pretexto de defendê-los. Daí a necessidade imperiosa, a meu ver, de seguir de perto a política externa norte-americana, de modo a que ela siga esses princípios. Deixando de apoiar ditaduras, por exemplo.
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Aliás, é curioso: historicamente, o discurso dos republicanos sempre tendeu para o isolamento, não para a exportação da democracia. Esse tipo de postura, que alguns chamam de "intervencionismo messiânico", sempre esteve muito mais associado aos democratas, desde a época de Woodrow Wilson e dos 14 Pontos. Por isso que é uma mudança tão significativa, a meu ver, a nova política externa posta em prática pelo governo Bush, no que diz respeito às ditaduras. Pela primeira vez em muito tempo vemos os EUA se mexerem efetivamente para derrubar, e não apoiar, regimes tirânicos, em nome da democracia. É algo para se comemorar, em minha opinião. Não me importo de ser chamado de pró-EUA ou neoconservative por causa disso.
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no mundo da política real o pragmatismo geopolítico faz com que o discurso desapareça.não há direitos humanos em assunto de Estado e essa história de implantar democracia no Afeganistão e No Iraque não faz sentido...
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Aqui temos uma discordância. Primeiro, o pragmatismo geopolítico, a meu ver, não significa falta de princípios. A realpolitk deve estar a serviço de uma causa, seja ela qual for. No tempo do Nixon e do Kissinger, essa "causa" era a estabilidade da ordem internacional, o que levou os EUA a apoiarem ditaduras. Hoje, essa atitude mudou radicalmente, como escrevi acima. A garantia da segurança, hoje, passa necessariamente pela expansão e consolidação da democracia, algo desconhecido no Oriente Médio - com a exceção, geralmente esquecida, de Israel. Isso significa um compromisso programático com a segurança e os direitos humanos, transformado em política de Estado.
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Ainda espero ser convencido de que a idéia de implantar a democracia no Afeganistão e no Iraque, ou no Nepal e nas Ilhas Salomão, "não faz sentido". Em outro post escrevi que não acredito sinceramente que os árabes e muçulmanos sejam imunes à democracia parlamentar e aos direitos humanos, e que o discurso relativista serve apenas para garantir a opressão das elites locais, elites que em geral olham o Ocidente com um misto de inveja e admiração. Essa idéia - de que os muçulmanos são infensos à democracia - não seria, ela mesma, um preconceito ocidental?
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como apoiar democracia no Iraque se os Repúblicanos construiram e armaram Sadam Hussein e forneceram o material químico para a guerra dele contra os Curdos?
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como apoiar a democradcia no Afeganistão se o Talibã foi financiado pelos repúblianos na era Reagan? Lembra do Rambo III e dos Guerreiros da Liberdade?
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Sem entrar nos pormenores das razões que levaram o governo Reagan a apoiar Saddam contra o Irã nos anos 80, e os mujahedin afegãos (nem todos membros da Al Qaeda, é bom lembrar) contra a URSS no mesmo período, creio ser necessário repor as coisas no lugar. A idéia dos EUA "colhendo o que plantaram", exaustivamente repetida após o 11 de setembro, já foi por mim analisada em post anterior. Trata-se de uma tentativa de justificar ações antiamericanas retroativamente. "Ah, os EUA estiveram do mesmo lado de Saddam e de Bin Laden um dia? Então, sua luta contra a ditadura e o terrorismo é uma farsa". Certo? Errado. Os EUA também estiveram do mesmo lado da URSS e do Partido Comunista Chinês de Mao Tsé-Tung durante a Segunda Guerra Mundial, e nem por isso se viu ninguém repetindo por aí que a Guerra Fria era uma pantomima para inglês ver. O fato de antigos aliados se terem tornado inimigos não pode ser utilizado como desculpa para justificar o terrorismo e a permanência de tiranias.
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Como dar suporte a um discurso de direitos humanos no oriente médio se a principal base norte americana se situa em um país teocrático, fundamentalista como a Arabia Saudita?
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Essa é uma boa questão. Aliás, é importante lembrar: foi justamente a presença de forças ocidentais na Arábia Saudita após a primeira Guerra do Golfo, em 1991, que inflamou o ódio de Osama Bin Laden contra os EUA (as raízes desse ódio, claro, são bem mais profundas, e devem ser buscadas mais na psicologia do que na política). Uma das coisas que o terrorista saudita não pôde suportar foi - blasfêmia! - mulheres militares, vestidas com uniformes e sem o véu muçulmano, dirigindo carros. É verdade, a Arábia Saudita é uma monarquia teocrática e fundamentalista. Daí a importância da presença ocidental, até como forma de pressão. Pergunto: se os EUA resolvessem fazer na Arábia Saudita o mesmo que fizeram no Iraque, qual seria a reação da opinião pública mundial? Certamente, os opositores dos EUA fariam marchas e mais marchas no mundo todo, protestando contra mais essa "intervenção imperialista"... O que mostra que o discurso democrático, na boca dos antiamericanos, vale apenas para criticar os EUA, não importa o que façam - ou não façam, dá na mesma.
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veja bem...
é preciso separar a herença cultural norte americana e os conceitos herdados do iluminismo da prática dos regimes políticos e da política real que não tem valores nem conceitos.
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no mundo da geopolítca liberdade, igualdade e fraternidade são marcas ideologicas para pontuar eleições.
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quanto ao modelo norte americano concordo em parte com você, ele é bom políticamente mas péssimo economicamente.
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prefiro a saida européia, liberalismo polítco e socialismo econômico.
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Não gosto do modelo europeu, sobretudo francês, com sua burocracia estatal inchada e protecionismo exacerbado, que engessam o país. Prefiro o modelo norte-americano mesmo. Discordo que ele seja "péssimo economicamente" - pelo menos nos últimos duzentos anos, esse modelo, baseado na fórmula "menos governo (ou seja: menos impostos), mais iniciativa" rendeu alguns frutos interessantes. Transformou um país que há dois séculos era um aglomerado disperso de comunidades rurais autônomas na maior potência econômica da história da humanidade. Enquanto a velha Europa, com sua rica História e tradição milenar, afundou em chauvinismo e em guerras idiotas. A ponto de países como a França e a Alemanha deverem tudo que são hoje a ninguém menos do que os... EUA, que acudiram o velho continente duas vezes com suas tropas e dinheiro.
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por enquanto... até que finalmente, a bandeira negra triunfe e o Estado e o mercado, com sua civilização possa finalmente passar para a história como uma experiência curiosa, com começo, meio e fim.
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Pelo que entendi, Pablo, você é um anarquista. A referência à "bandeira negra" triunfando sobre o Estado e o mercado não deixam dúvida sobre isso. Bom, não sou anarquista, nem admirador de Bakunin, Kropotkin e Proudhon. Sou um democrata, alguém que ainda acredita em coisas fora de moda como direitos humanos e responsabilidade individual. Isso significa que acredito que coisas como Estado e mercado não são meras curiosidades históricas, mas fatores indispensáveis à civilização. Ao contrário do antiamericanismo, da ditadura e do terrorismo, que, como o comunismo, há muito tempo já deveriam estar na lata de lixo da História.

VIVA BUSH! VIVA O IMPÉRIO!


Vocês me deixam repetir a mim mesmo? Posso transcrever aqui um texto meu, publicado neste blog em 4/07/2007, sobre a guerra no Iraque?

Eis o texto (em azul, volto em seguida):

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VIVA O IMPERIALISMO

Você já foi um inimigo do povo? Quero dizer, já foi execrado, atacado, denunciado como o cúmplice de um crime nefando? Já se viu praticamente sozinho, remando contra a maré, acusado dos piores delitos de lesa-pátria e de lesa-humanidade? Já se tornou um pária, um proscrito, um Judas, por causa de uma opinião sua? Já viu as pessoas em sua volta se afastarem de você como se tivesse lepra ou alguma outra doença infecciosa? Já mereceu um dia ganhar o prêmio nacional de inconveniência e impopularidade? Eu já..
Aconteceu em 2003. O deflagrador de tudo foi a invasão anglo-americana do Iraque, em março daquele ano. Naquela ocasião, todos se recordam, o mundo inteiro pareceu estar contra os EUA, a começar pela ONU, que rejeitou categoricamente as justificativas da Casa Branca para invadir o Iraque e derrubar Saddam Hussein. O Conselho de Segurança, a União Européia, o Papa, o Greenpeace, Noam Chomsky, todos se levantaram contra esse gravíssimo desrespeito de Bush, Rumsfeld, Rice, Wolfowitz e Cia. pela ordem internacional, um atentado à independência de um país soberano. E o que era pior: por motivos falsos ("fictitious", como disse o Michael Moore naquela inesquecível cerimônia do Oscar), pois, afinal de contas, nunca se comprovou que o Iraque possuía armas de destruição em massa ou tinha qualquer ligação com a Al-Qaeda. Todos foram contra, menos eu. Todos denunciaram o imperialismo de Bush e dos neocons, menos eu. Naqueles dias, eu me senti um Tony Blair, um Aznar, um Berlusconi..
Aquele foi um momento decisivo para mim, um verdadeiro turning point. Desde então, meu isolamento opinativo só aumentou, com as notícias diárias das baixas norte-americanas e da guerra civil entre sunitas e xiitas no Iraque. Compreendo perfeitamente que as pessoas que se indignaram vendo-me aplaudir de forma entusiástica os tanques norte-americanos entrando em Bagdá e os marines derrubando a estátua de Saddam devem estar esfregando as mãos de satisfação ao verem, hoje, as previsões mais sombrias sobre o Iraque pós-invasão se realizarem. Acredito que imaginam que eu estaria mordendo a língua, arrependido e envergonhado pelas barbaridades que disse em favor da guerra. Se é esse o caso, sinto desapontá-las. Sim, o Iraque hoje é um campo de batalha, um inferno de morte e destruição. Nem por isso, porém, arredo pé de minha convicção de 2003, de que a guerra era, sim, justa e necessária..
Quê? Justa? Necessária? Isso mesmo. Apesar das mentiras do Bush, dos milhares de mortos, dos atentados diários, ainda espero ser convencido por alguém de que a guerra foi um crime ou um erro. Ainda aguardo me explicarem por que teria sido melhor não intervir militarmente e esperar o regime de Saddam Hussein - duas guerras nas costas, milhões de mortos em 24 anos de tirania, milhares de curdos massacrados com gás mostarda - cair por si só, e não ter o final que teve. Unilateralismo norte-americano? Ainda espero que alguém me esclareça por que razão o Conselho de Segurança da ONU, integrado por países como a China e a Rússia, com óbvios interesses na manutenção do regime de Saddam, aprovaria a invasão do Iraque. Armas de destruição em massa? Espero um dia alguém me convencer de que Saddam permitiria tranqüilamente aos inspetores da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), depois de 12 anos e 17 resoluções não-cumpridas da ONU, descobrirem, sem nenhuma ação militar, o que ele fingia esconder, até como uma forma de dissuasão. Terrorismo? Aguardo os que se opuseram à invasão responderem onde morreu Abu Nidal, o terrorista mais procurado do mundo nos anos 80, e de onde vinham os 20 a 25 mil dólares pagos a cada família de homem-bomba palestino que levasse o maior número de israelenses consigo em atentados em Tel-Aviv e Jerusalém. Abu Ghraib? Após os americanos, virou um centro de torturas; sob Saddam, era um campo de extermínio, como bem lembrou Christopher Hitchens. A invasão estimulou o terrorismo e o antiamericanismo? Como se estes precisassem de algum estímulo. Fallujah? Hallabja..
Para alívio dos que acham que me vendi por um prato de lentilhas ao imperialismo ianque ou que entrei para a folha de pagamento da CIA, convertendo-me num americanófilo fã de John Wayne e de Ronald Reagan, esclareço que essa minha decisão não foi livre de dúvidas. Incomodou-me profundamente, por exemplo, o caráter unilateral da operação, pois sempre achei que era tarefa da ONU - ou seja, da comunidade internacional -, e não deste ou daquele país, defender a democracia e os direitos humanos, em qualquer parte do mundo. Quando percebi que da ONU não sairia nada mesmo, assim como ocorreu em Ruanda e ocorre hoje em Darfur, e que o único jeito de a humanidade se livrar de Saddam era pela via do unilateralismo de Bush, descobri que essa conversa de multilateralismo não passava de uma cortina de fumaça para justificar a perpetuação de uma tirania. Quando li que o Chávez e o pessoal do MR-8 estavam elogiando a ditadura do Saddam, então, não tive dúvida: apoiei abertamente a invasão..
Mas e a soberania? Sim, como fica a soberania de um país invadido, ainda que seja pelas mais nobres intenções? Essa questão insistiu em freqüentar os debates naqueles dias, e continua a se fazer ouvir hoje. A soberania, dogma maior das relações internacionais... Respondo com uma pergunta: onde está a soberania de um país submetido a uma ditadura brutal, sem eleições livres nem alternância de poder, sem pluralismo político nem qualquer respeito às normas mais elementares da democracia e aos direitos humanos? A soberania, num caso como esse, seria de quem, cara-pálida? Do povo, que se encontra acorrentado e não pode manifestar-se livremente? Ou do tirano no poder, de sua família e sua camarilha? A defesa da soberania, no caso do Iraque de Saddam, não seria um pretexto para justificar a manutenção da tirania, logo do oposto da soberania popular? Em nome da soberania, desse dogma imutável, estamos dispostos a aplaudir tiranos, a fechar os olhos para as brutalidades mais horrendas, desde que não venham dos EUA e seus aliados imperialistas, claro....
Tal raciocínio, está certo, não vale somente para o Iraque ou o Afeganistão. Fico pensando o que eu faria se fosse um preso político em Cuba ou na Coréia do Norte, por exemplo, ou uma mulher no Irã dos aiatolás. Certamente, não estaria muito preocupado com coisas abstratas como soberania ou multilateralismo, nem estaria interessado em escarafunchar os interesses ocultos do Pentágono e do Departamento de Estado. Para ficar num exemplo que nos é mais próximo, basta lembrar das ingerências do governo Jimmy Carter, nos anos 70, pedindo respeito aos direitos humanos no Brasil. Que preso político brasileiro do período colocou-se ao lado do general Ernesto Geisel contra os gringos imperialistas? Como disse certa vez o falecido escritor cubano Guillermo Cabrera Infante, se não há outra maneira de derrubar ditaduras, que vengan los marines!.
Sei que, ainda hoje, tais posições são controversas. Aliás, que bom que o são! Se existe uma questão que é camuflada no Brasil, se existe algo que é continuamente colocado debaixo do tapete, é o antiamericanismo. Ficar ao lado dos EUA, em um país como o Brasil, é sempre uma temeridade. E isso não é de hoje. É assim com Bush, assim como foi com Clinton, Bush pai, Reagan, Carter, Nixon... O misto aversão-admiração pelos EUA, o Blame America First, continua sendo uma força constante entre nós. Os EUA se calam diante do genocídio na Bósnia pelos sérvios? São omissos e coniventes. Mudam de idéia e bombardeiam a Sérvia? São imperialistas. Derrubam o regime Talibã no Afeganistão? Petróleo!, gritam os que se opõem à intervenção, ainda que o Afeganistão não produza uma gota do produto. Invadem o Iraque? Mais uma vez o petróleo. Querem estabelecer a democracia no Afeganistão? Alguém lembra do apoio da CIA a Osama Bin Laden contra os soviéticos nos anos 80. Desejam o mesmo no Iraque? Sacam do fundo do baú uma foto do Rumsfeld apertando a mão de Saddam, vinte e poucos anos atrás (além do mais, lembram os inimigos de Bush, os EUA são aliados de regimes autocráticos e obscurantistas, como a Arábia Saudita e o Paquistão... vêem assim como hipocrisia o que pode ser, no caso do Afeganistão e do Iraque, o início da revisão de sua política externa, um bom começo, afinal). No quesito antiamericanismo, somos muito pouco originais. Ainda copiamos o que diz a esquerda norte-americana e européia, servindo alegremente de papagaios de um Noam Chomsky ou um Ignácio Ramonet. Além do mais, parece que temos uma verdadeira ojeriza ao pensamento discordante, seja sobre o que for, cultuando a unanimidade, esse túmulo da razão. Daí porque, sempre que há unanimidade sobre qualquer assunto, vejo que alguma coisa ali não está certa e não resisto à tentação de bagunçar tudo..
Até hoje é difícil para mim dizer exatamente quando me descobri "do contra". Teria sido depois dos ataques terroristas de 11 de setembro de 2001, quando minha caixa de correio eletrônico ficou lotada com mensagens de júbilo pela morte de quase 3.000 pessoas nos atentados? Teria sido quando li os textos de Leonardo Boff e de Celso Furtado sobre a queda das Torres Gêmeas? Não sei. Só sei que, sob o regime totalitário de Saddam, o Iraque não tinha nenhuma chance de dar certo. Hoje, pelo menos, tem uma remota chance de virar uma democracia caótica. Sei também que os e-mails com abaixo-assinados contra o tratamento brutal das mulheres afegãs pelo Talibã sumiram.
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É por isso que continuo a acreditar que as intervenções no Afeganistão e no Iraque foram justas e necessárias. Prefiro um milhão de vezes ser "do contra" e pagar o preço da impopularidade a ter de conviver com Saddam Hussein ou o Talibã. Desses já nos livramos. Graças a Bush. Graças ao imperialismo. Alguém pode negar-lhes esse mérito?

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Não mudo uma vírgula do que está escrito aí em cima. Pelo contrário: reafirmo tudo que disse. Hoje, minha convicção de que as intervenções no Iraque e no Afeganistão foram justas e necessárias é ainda mais forte do que antes. Viva o imperialismo ianque!

Ontem a invasão do Iraque por forças anglo-americanas completou cinco anos. Como não poderia deixar de ser, a imprensa brasileira tratou o tema, em especial o discurso de Bush na ocasião, em que cantou vitória no conflito, com ironia e deboche. Assisti a todos os principais noticíários sobre o assunto. Sem exceção, todos diziam a mesma coisa: a guerra é um "fracasso monumental", militar e humano, com um custo altíssimo em vidas humanas - americanas e iraquianas - e "pouco, ou nenhum resultado positivo". Enfatizou-se a baixa popularidade de Bush por causa da guerra, e os elevados custos materiais e financeiros, o que já está sendo apontado até mesmo como a causa da crise econômica nos EUA, segundo uma pesquisa divulgada também ontem. Quem viu, ficou com a nítida impressão de que, até março de 2003, o Iraque era um paraíso de prosperidade e democracia, a Suiça do Oriente Médio.

Tem sido assim desde que "Jorgibúxi" tomou a decisão de levar adiante seu plano de derrubar Saddam Hussein, cinco anos atrás. Nenhuma outra guerra em que os EUA se engajaram contou com tão pouco apoio desde sua deflagração, tanto interna quanto externamente. Fala-se, como argumento contra a guerra, nos 4 mil soldados americanos mortos desde então e nos outros tantos milhares de civis iraquianos mortos na guerra civil que se seguiu entre sunitas e xiitas. Lamento essas mortes, como qualquer pessoa. É algo profundamente triste, sem dúvida. A morte de qualquer pessoa, afinal de contas, nos diminui. Mas lamentaria muito mais se o motivo que levou os soldados americanos a se arriscarem numa terra estranha fosse sem sentido. A derrubada da tirania de Saddam, em minha opinião, justificou a invasão. Assim como a derrubada do Talibã no Afeganistão. O velho ditador, Saddam Hussein, pagou por seus crimes (um "espetáculo grotesco", os noticiários chamaram sua execução). Pela primeira vez em sua história - e isso inclui mais de 3 mil anos de História, desde os antigos impérios da Mesopotâmia - os dois países tiveram eleições democráticas. Há quem ache isso pouco, e diga que não vale a pena. Eu, não.
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Pouco a pouco, o Iraque e o Afeganistão vão renascendo das cinzas, provocadas não somente pela guerra - é bom lembrar -, mas por décadas de totalitarismo sob o regime do partido Baath no Iraque e anos de guerra civil e obscurantismo teocrático no Afeganistão. Há problemas? O terrorismo recrudesceu em algumas áreas? Militares e civis continuam morrendo? Certamente que sim. Mas isso é mais um motivo, na opinião deste que escreve estas linhas, para que os marines continuem em Bagdá.

Ainda hoje aguardo alguém me convencer de que a guerra foi um ato criminoso ou um erro. Até o momento, tudo que li ou ouvi foram apenas rosnados e lugares-comuns, sem falar na velha cantilena sentimentalóide ("ai, gente, a guerra é tão feia..."). Se me apresentarem um argumento sólido e realista, que comprove por A mais B que teria sido melhor os EUA não terem se metido no Iraque ou no Afeganistão e deixado Saddam e o Talibã em paz, e que esse teria sido o melhor caminho para garantir a paz e a segurança no mundo, estou disposto a engolir cada palavra que escrevi sobre o assunto. Enquanto os críticos de Bush se limitarem a grunhir e a repetir velhos chavões antiamericanos como se fossem argumentos, seguirei gritando vivas ao império que livrou o mundo de duas tiranias.

quarta-feira, março 19, 2008

CHUTANDO CACHORROS


Desde que resolvi expor minhas opiniões sobre as esquerdas e os esquerdistas, já recebi muitas críticas. Algumas me divertem, por seu primarismo. Outras me aborrecem. Uma das mais irritantes, devo admitir, é aquela segundo a qual eu estaria batendo num adversário que há muito já não representa qualquer perigo. "Cara, pára com isso. Você está chutando cachorro morto", é o mantra geralmente dito nessas horas, repetido de forma quase mecânica e com aquele ar de superioridade típico de quem acredita ser dono de uma verdade e de uma sabedoria irrefutáveis. O mesmo tipo de argumento zoológico foi-me repetido por ocasião da recente "renúncia" do tirano e assassino em massa Fidel Castro em Cuba. Este seria um - literalmente falando - cadáver ambulante, disseram-me. Logo, não valeria a pena criticá-lo. Tendo em vista seu estado de saúde, seria até covardia.

Não sou o primeiro a receber esse tipo de crítica. Outros, mais competentes do que eu, têm de conviver quase diariamente com observações do tipo. Tem sido assim, pelo menos, desde que foi anunciada, com pompa e fanfarra, a "morte do comunismo", em fins dos anos 80. Essa idéia, repetida ad nauseam nas últimas duas décadas - "o comunismo morreu" - tem tido um efeito narcotizante sobre os cérebros bem-pensantes, que, tomados de um irresistível triunfalismo, confundem a análise com o próprio objeto de análise, acreditando que a crítica a um anacronismo é, ela também, um anacronismo. Para que chutar cachorro morto?, dizem. Para que insistir nessa paranóia?

Insisto em incomodar e em revirar esse cadáver. Por um motivo bem simples: ele não está morto coisa nenhuma! Como certas serpentes, que se fingem de mortas para iludir seus predadores e abocanhar suas presas, ele está apenas esperando dar o bote. Mas o comunismo não morreu? Como realidade estatal na ex-URSS e nos países do Leste Europeu - e tirando resquícios como Cuba ou a Coréia do Norte -, certamente que sim. Mas não como movimento político. Pelo contrário: este continua firme e forte, com intensidade redobrada na América Latina nos últimos dezoito anos. Acabou a URSS? Caiu o Muro de Berlim? Pois aí está o Foro de São Paulo, criado para "restabelecer no continente o que se perdeu no Leste Europeu".

Costuma-se esquecer que, como movimento político, o comunismo permanece vivo, sendo na verdade anterior à própria Revolução de 1917 e à URSS. Como ideologia, está mais vivo do que nunca, assumindo novas formas e novos slogans. Antes, era a luta de classes e a ditadura do proletariado. Hoje, são as chamadas causas "politicamente corretas", como o ecologismo e os movimentos negro e gay, feministas e outros, que levantam bem alto a bandeira da mudança comportamental, de acordo com o padrão gramsciano de conquistar espaços na superestrutura da sociedade - as artes, a música, o cinema, a mídia, a literatura, a TV, a universidade - para conquistar a "hegemonia". E, enquanto muitos liberais se deleitam na fantasia de que o comunismo está morto e enterrado, os companheiros continuam sua labuta revolucionária, aproveitando-se da circunstância de que ninguém mais os leva a sério e que se encontram atualmente no governo no Brasil.

Quem pode afirmar que a quase totalidade dos professores universitários, para não falar dos jornalistas, artistas, cineastas e outros formadores de opinião no Brasil, não é de defensores e militantes de causas de esquerda? Para onde quer que se olhe no Brasil, lá está a marca, ou a mancha, das idéias esquerdistas. De caso pensado ou não, consciente ou inconscientemente, o fato é que a maioria de nossa intelectualidade é, ou já foi, pró-comunista. E, assim como na época da Guerra Fria a URSS se utilizava dos intelectuais ocidentais e de bandeiras aparentemente inofensivas, como "paz" e "democracia", para fazer propaganda do comunismo, hoje em dia a mesma estratégia se repete no caso dos chamados "movimentos sociais" e, inclusive, nas áreas do comportamento e da cultura. A mesma tática solerte, verdadeiramente pavloviana, de controle mental e conquista de cérebros repete-se hoje, com o agravante de que quase ninguém a percebe. Mudaram os slogans, não os objetivos.

A idéia de que o comunismo é página virada na História só se justifica por uma auto-imposta inconsciência, ou por excesso de triunfalismo. Na América Latina, nos últimos quinze anos, governos francamente pró-comunistas, como os de Hugo Chávez na Venezuela e de Rafael Correa no Equador, sem falar em movimentos narcoguerrlheiros como as FARC, avançam a passos largos, contando com a cumplicidade de governos esquerdistas "moderados", dos quais são parceiros no Foro de São Paulo, como o de Lula da Silva. Por falar neste último, vale lembrar o que diziam dele três anos atrás, em 2005, no auge do escândalo do mensalão. Naquela ocasião, todos se lembram, a oposição apostou todas as suas fichas que, com tamanha ladroeira, Lula estava acabado: era, enfim, um lame duck, um pato manco, que deveria ser mantido vivo para sangrar até a morte. Lembro bem, não faltou quem dissesse que bater em Lula e no petismo era precisamente - vejam só - chutar cachorro morto... Confiante nessa estratégia, a oposição renunciou conscientemente à oportunidade de derrubá-lo por impeachment, esperando derrotá-lo em 2006. O resultado todo mundo sabe qual foi.

Não se pode negligenciar a capacidade de sobrevivência e de transmutação das esquerdas. Esta é a lição que a história do século XX nos ensinou. A dissimulação, o fingimento, é uma de suas características principais. Fechar os olhos para essa realidade e confortar-se na doce ilusão de que o comunismo morreu porque a URSS deixou de existir é um caminho certo para o suicídio. Tal como um cão hidrófobo, o comunismo nunca deve deixar de ser tratado a pontapés.

terça-feira, março 18, 2008

O BOLSA-FAMÍLIA PRECISA ACABAR. PARA O BEM DOS POBRES.



O governo federal divulgou ontem que o Bolsa-Família, o carro-chefe da atual administração lulista, foi ampliado para os jovens de 16 e 17 anos de idade, num limite de dois por família. Com isso, o valor máximo mensal pago a cada família do programa passou de R$ 112 para R$ 172. Isso significa que 1,1 milhão dos 11 milhões de famílias que já recebem o Bolsa-Família serão beneficiados por essa nova modalidade. Antes, o limite de idade para o jovem receber o benefício era de 15 anos.

O Bolsa-Família precisa acabar. Para o bem dos pobres. Para o bem do Brasil. Para o bem da ética. Da moralidade. Da honestidade. Da vergonha na cara. A ampliação do programa, para colocar debaixo da asa estatal os jovens de 16 e 17 anos - a sete meses das próximas eleições municipais - é não somente um acinte, um escândalo, um tapa na cara de quem acha que já chegamos ao fundo do poço em termos de crise ética e desmoralização da política: é um desserviço aos próprios supostos beneficiados por esse programa do governo Lula.

O Bolsa-Família nada mais é do que a ampliação do velho voto de cabresto, em nível federal, mediante a compra de votos em troca de dinheiro. Nada mais que isso. Seu objetivo não é eliminar, nem mesmo diminuir, a fome e a pobreza, ou o analfabetismo - cada família, teoricamente, precisa comprovar que os filhos estão na escola para receber a esmola estatal. Aparentemente, trata-se de uma idéia bem-intencionada. Mas não é nada disso. Seu efeito sobre a vida das pessoas mais pobres se faz sentir do mesmo jeito que as tradicionais cestas básicas doadas pelos coronéis do sertão em período eleitoral: ou seja, um instrumento de reprodução, e não de diminuição, da pobreza. O mecanismo de conservação do poder e da miséria, aqui, é exatamente o mesmo, não muda um milímetro, sendo, na verdade, ampliado: se antes a massa faminta e maltrapilha era manipulada pelo coronel local, agora todos são convertidos em estadodependentes. E não me venham com a churumela do discurso oficial de que o governo pretende que os beneficiados pelo Bolsa-Família deixem de depender do programa nos próximos anos. Ou alguém já viu na História um governo renunciar voluntariamente a esse gigantesco curral eleitoral? O Bolsa-Família já foi usado eleitoralmente em 2006, para ajudar a reeleger o Apedeuta. Será novamente usado em 2008, assim como em 2010, com certeza. E, para que esse apoio eleitoral se repita, é preciso haver mais pobres, não menos. Os pobres, mais uma vez, são usados como gado, como massa de manobra a serviço dos interesses eleitorais dos eternos donos do "pudê".

Sempre desconfiei que as causas mais profundas da pobreza e da miséria em que sobrevivem milhões de brasileiros são muito mais de ordem cultural do que econômica. Com o Bolsa-Família, essa minha desconfiança se acentuou. O programa não visa a acabar com a pobreza, mas a eternizá-la, na forma da criação de uma rede de clientela e dependência estatal em troca do apoio nas eleições. Sob o governo dos petralhas, a demagogia e o paternalismo estatal, na forma de assistencialismo, já viraram deboche, atingiram um ponto nunca dantes alcançado na história dêfte paif. O Bolsa-Família é a maior prova disso. Não satisfeito em garantir a lealdade de milhões de estadodependentes, felizes por tirarem as barrigas da miséria graças à caridade oficial, a companheirada no poder agora quer fisgar a molecada em idade eleitoral. Agem, assim, como o personagem principal do filme M, o Vampiro de Düsseldorf, que seduzia criancinhas com doces e chocolates antes de matá-las. Assim como no filme, aproveitam-se da ingenuidade dos adolescentes para garantir seus próprios interesses.

Os governantes populistas repetem com freqüência que gostam dos pobres. É verdade. Eles gostam mesmo. Gostam tanto que fazem questão que eles existam em abundância, e se reproduzam. Enquanto houver pobreza e ignorância - e sem-vergonhice -, o lulo-petismo terá uma fonte inesgotável de apoio.

ABAIXO A UTOPIA!


Há palavras que, de tão usadas e repetidas, acabam se entranhando de tal forma em nosso vocabulário e em nossa psique coletiva, a ponto de perderem completamente qualquer resquício de seu significado original, metamorfoseando-se em algo totalmente diferente. É o caso, por exemplo, da palavra utopia.

Todos os dias escutamos alguém falar, em um tom ao mesmo tempo melancólico e urgente, na necessidade de "resgatar a utopia". Como se "utopia" fosse sinônimo de algo intrinsecamente bom e desejável, a exemplo do que ocorre com outras palavras, como "paz" e "esperança". É algo que se tornou corrente sobretudo após o colapso dos regimes comunistas do Leste Europeu e da própria URSS, no fim dos anos 80, começo dos 90. Mas o que seria isso, exatamente? Qual seu significado?

O leitor atento perceberá facilmente do que estou falando: a utopia em questão é, nada mais, nada menos, do que o comunismo. Como realidade, sabemos todos, o comunismo foi um fracasso total. Isso até os militantes mais empedernidos são forçados a admitir. Mais que isso: foi uma tragédia humana sem precedentes, que deixou um saldo de mais de 100 milhões de mortos em pouco mais de setenta anos - o que o torna a ideologia mais genocida da história da humanidade (isso muitos ainda se recusam a admitir, mas pouco a pouco as viseiras ideológicas vão caindo e a realidade, que não costuma respeitar nossos desejos, vai-se impondo como o sol da manhã). Seu legado, onde quer que tenha sido instaurado, não foi outro senão de opressão e miséria. Mesmo assim, e isso até hoje surpreende a muitos, o comunismo sobrevive, não mais como realidade, mas como "ideal". E, não um ideal qualquer, mas "o" ideal, a síntese de todos os princípios considerados éticos e justos produzidos pelo humanismo, como o bem comum, o compromisso com a coletividade e o desprendimento material - até mesmo a preocupação ecológica -, em contraposição aos valores associados ao capitalismo, como o consumismo, o egoísmo, a alienação individual etc. E, como "ideal" devotadamente cultuado, ele se mostra hoje bastante persuasivo, mesmo após quase vinte anos de sua débâcle no mundo real. Daí o slogan repetido ad nauseam pelos sacerdotes desse culto secular - professores universitários, intelectuais, artistas, religiosos, políticos e jornalistas -: é preciso "resgatar a utopia".

Será? Deve-se mesmo restaurar esse "ideal" que pariu uma montanha de cadáveres? Tenho minhas dúvidas. Aliás, não as tenho: afirmo categoricamente que não, não se deve investir nessa ilusão. O motivo, além dos 100 milhões de mortos no Gulag soviético ou no Laogai chinês, sem falar no paredón cubano, é que o comunismo, como ideal e como realidade, não foi apenas uma ilusão. Não foi simplesmente um sonho que não deu certo. Como afirma Jean-François Revel, comentando um livro de François Furet sobre o assunto (Le Passé d'une Ilusion), uma ilusão pode ser facilmente perdoada, é um erro de interpretação. Pode, inclusive, ter uma conotação positiva, sendo uma falha cognitiva, não de caráter. O comunismo, em vez disso, foi um crime contra a humanidade, como o nazismo. E um crime, ao contrário de uma ilusão, é algo deliberado, muito mais grave portanto.

Assim como a corrupção petista não é uma deturpação do legado petista original, mas a sua comprovação na prática, o totalitarismo comunista não foi uma aberração, um "desvio de rota" do caminho luminoso originalmente traçado por Marx e Engels (e mesmo antes, por Rousseau, Morus e Platão), o qual previa, entre outros coisas, o fim gradativo do Estado e a igualdade efetiva de todos - a sociedade comunista perfeita, sem classes sociais. Foi o resultado lógico e inevitável da aplicação prática dessa mesma utopia. Não um paradoxo, no sentido de uma idéia que degenerou em outra coisa, completamente diferente, mas o produto de sua própria efetivação. "Ah, mas o ideal é tão bonito..." Nunca é demais lembrar: foi em nome das utopias mais belas já engendradas pelo cérebro humano - a justiça social, a igualdade, e também a liberdade (vide Revolução Francesa) - que se produziram os piores crimes da História. Por seu caráter de ideologia autoproclamada como redentora da humanidade, o comunismo só poderia ter se manifestado na forma de uma gigantesca tentativa de engenharia social, a maior de todos os tempos, com resultados catastróficos, com uma casta privilegiada de burocratas autoimbuídos da missão messiânica de mudar a própria natureza humana. Evidentemente, todos aqueles que constituíssem obstáculo a esse projeto deveriam ser exterminados como baratas. Não é preciso ser nenhum gênio para concluir daí que, nesse processo, o homicídio político é inerente ao comunismo. Resgater a utopia? Não, obrigado.
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Mas quais são as causas da persistência desse "ideal", a ponto de se tornar um lugar-comum a proposta de "resgatá-lo", a despeito da própria realidade e da própria História? Por que, apesar do que o século XX demonstrou da forma mais trágica e sangrenta possível, ainda há quem insista nessa fantasia, mesmo sabendo de suas conseqüências desastrosas? Em outras palavras, por que o "ideal" resiste, apesar dos fatos?

Provavelmente a resposta para essa questão pertence muito mais ao campo da psicologia do que ao da sociologia ou da História. Entretanto, creio ser possível avançar algumas explicações nesse terreno. Uma provável explicação está na forma como os esquerdistas se apropriaram, nas últimas décadas, das disciplinas acadêmicas que tratam do imaginário coletivo, como a lingüística e a semiologia. Enquanto disciplinas que buscam dar soluções reais para problemas reais, como a economia e a ciência política, são dominadas por pensadores liberais, o campo da linguagem, dos símbolos e mitos tornou-se, desde há muito tempo, um feudo de autores vinculados à esquerda, como Noam Chomsky. Desse modo, livre das preocupações do mundo real, os esquerdistas podem continuar a dar vazão a suas fantasias, apresentadas sob um disfarce acadêmico. Daí a que essa transmutação da utopia - sua permanência, na verdade - se transfira para o terreno das artes, da literatura, do teatro, da mídia, do cinema e da TV - atingindo, portanto, todo o raio de alcance da chamada "comunicação de massa" -, é um pequeno pulo. Desse modo, enquanto os liberais estão ocupados com as questões do dia-a-dia, como o movimento das bolsas e o funcionamento da democracia, o caminho fica aberto e desimpedido para que as esquerdas mantenham seu predomínio ideológico sobre a sociedade - a "hegemonia", na acepção gramsciana do termo. Podem, assim, preservar seu culto do totalitarismo, que assume novas formas - "socialismo democrático", "socialismo ideal" etc. - nomes com os quais tentam, ao mesmo tempo, autoconsolar-se pela derrocada dos regimes comunistas e disfarçar a natureza intrinsecamente totalitária do "ideal".

É por isso que, sempre que vejo alguém falar em "resgatar a utopia", eu respondo na lata: Viva a realidade! Abaixo a utopia!

segunda-feira, março 17, 2008

O PARADOXO ANTIAMERICANO


Uma das vantagens de minha profissão, senão a maior vantagem, é viajar muito. Já tive a oportunidade de conhecer, a trabalho, alguns países. Meu passaporte tem carimbos da França, da Venezuela, da Colômbia, do Chile, da Tailândia, da Austrália, da Coréia do Sul - até de Timor-Leste, lugar que a maioria das pessoas, certamente, nem sabe onde fica (a metade dos brasileiros não é capaz sequer de identificar o próprio Brasil no mapa, que vergonha...). Mas ainda não estive nos Estados Unidos. Nunca fui, nem - e confesso uma pontinha de orgulho ao dizer isso - jamais sonhei, quando criança, em passear na Disneyworld, o que me diferenciava um pouco da maioria dos meus coleguinhas de escola, que achavam isso o must. Minha idéia de diversão, quando moleque, não era viajar para a Flórida e tirar foto ao lado do Mickey, mas nadar no rio ou andar em lombo de jegue no sítio de meu avô. Na verdade, só fui aprender inglês já adolescente, e sempre preferi uma tapioca a um Big Mac. Também sempre tive uma aversão instintiva, uma espécie de proto-nacionalismo irracional e rastaqüera, a quem se deixa deslumbrar demasiadamente pelas "coisas de fora". Dito isso, sou o que menos se poderia assemelhar a um americanófilo, quase o oposto exato de um fã de tudo que vem da terra do Tio Sam.
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Por que digo isso? Porque entre as dezenas de adjetivos que já foram, e que certamente serão, assacados contra mim está o de americanófilo, de entreguista, de vende-pátria e lacaio do imperialismo ianque. Já estou acostumado com esses epítetos. É algo que me acompanha há tempos, e que me acompanhará, provavelmente, pelo resto de minha vida. Desde, pelo menos, que descobri o óbvio: que, com todos os seus defeitos - e quem não os tiver que atire o primeiro homem-bomba -, os EUA são a vanguarda da defesa da democracia e da liberdade no mundo.

A cada dia que passa, isso fica mais claro para mim. A última oportunidade que tive de reforçar essa convicção ocorreu quando da "renúncia" de mentirinha do tiranossauro Fidel Castro, o maior inimigo dos EUA no continente há quase cinqüenta anos e ídolo de várias gerações de antiamericanos. Desde então, escrevi vários textos denunciando - alguns diriam "satanizando" - o ditador caribenho, responsável pela destruição física e moral da ilha de Cuba, hoje transformada num misto de resort para turistas estrangeiros e prisão para seus habitantes. Bastou isso para que me chamassem de pró-Bush e pró-EUA, para citar apenas os apelidos mais amenos. Um conhecido e conterrâneo meu, inclusive, escreveu um texto defendendo uma atitude "neutra" e "equilibrada" em relação ao serial killer do Caribe, e quando eu reafirmei a impossibilidade moral de manter-se "neutro" e "equilibrado" diante do assassinato de 95 mil pessoas - a neutralidade, aqui, é apenas uma forma de cumplicidade com a ditadura -, ele me lembrou os crimes dos EUA, passados e presentes. Lembrou das violações aos direitos humanos que ocorrem na base norte-americana de Guantánamo. Lembrou do legado racista da escravidão negra no país e das perseguições do macarthismo. Lembrou também que o modelo de democracia norte-americana não pode ser "exportado", e citou, como exemplo de "fracasso" dessa iniciativa, o Iraque de hoje. Lembrou, enfim, que a pátria da democracia, a terra de George Washington, de Thomas Jefferson e de Abraham Lincoln, é o mesmo país que deu apoio a ditaduras brutais de direita na América Latina durante a Guerra Fria, como a de Pinochet no Chile. A isso, meu conterrâneo chamou de "paradoxo EUA". De uma hora para outra, o debate, que era sobre Fidel Castro, passou a ser sobre os EUA.

Não questiono algumas acusações que são feitas ao atual governo dos EUA, como os abusos cometidos em Guantánamo ou Abu Ghraib (embora não se tenha notícia, até agora, de nenhum preso árabe ou afegão morto sob tortura em Guantánamo, e Abu Ghraib fosse, sob Saddam, um açougue humano). Também não ponho em dúvida os vários pactos faustianos que os sucessivos governos estadunidenses fizeram em sua luta contra a URSS (embora esta última, ao contrário dos EUA, não precisasse de nenhum pacto faustiano para impor e manter sua dominação nos países da cortina de ferro). Aliás, já escrevi sobre isso. O que questiono e ponho em dúvida é o modo como se utilizam essas acusações - como um álibi e uma justificativa para todo tipo de crime e atrocidade praticado pelos inimigos dos EUA. É isso que fazem, há décadas, tiranos como Fidel Castro e seus apoiadores da esquerda. Trata-se de uma tática bastante recorrente - e eficiente -, que visa a desviar a atenção de violações gravíssimas, usando os EUA como pretexto.
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Esse tipo de propaganda está tão arraigado em nossos corações e mentes que muitos nem sequer se dão conta disso, e repetem-na sem o saber, de forma quase automática. Sua eficiência reside, em grande parte, no fato de estar baseada numa idéia extremamente simples, que qualquer criança pode apreender: os EUA são sempre os culpados, jamais são inocentes. São sempre os agressores, o "lado mal", nunca as vítimas. Quando ocorreram os atentados de 11 de setembro de 2001, lembro-me bem, a primeira conclusão de muita gente foi que aquilo só poderia ser obra do próprio governo dos EUA para provocar uma guerra no Oriente Médio etc. Quando as evidências apontaram para Osama Bin Laden, lá estava de novo o Blame America first: era a "criatura" se voltando contra o "criador", os EUA estavam "colhendo o que plantaram" etc. etc.... (pela mesma lógica, todos aqueles que um dia receberam ajuda dos EUA para lutar contra a URSS, como os generais latino-americanos, deveriam atirar aviões cheios de civis contra prédios em Manhattan...). Cobriu-se com ares de verdade irrefutável o que é, na verdade, pura paranóia conspiracionista ou arremedo de geopolítica vagabunda, embalada no antiamericanismo mais tosco e vulgar. Enquanto isso, ditadores como Fidel Castro e outros canalhas da mesma laia continuam a escravizar povos inteiros e a matar inocentes, pois sabem que, não importa o que os EUA fizerem - ou não fizerem, dá na mesma -, sempre haverá quem se disponha a olhar para o outro lado, justificando seus crimes. É essa a lógica dos terroristas e tiranos - inimigos não apenas dos EUA, mas da humanidade. Nesse trabalho, eles sabem que podem contar com a ajuda de muita gente que, ingenuamente ou não, advoga uma posição "neutra" e "equlibrada" em relação a ditaduras como a de Cuba ou do Irã. Estranhamente, não vejo quase ninguém defendendo a mesma atitude "neutra" e "equilibrada" quando se trata do governo Bush e dos EUA...
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Para além da instrumentalização desse "paradoxo EUA" pelos inimigos da humanidade como Fidel Castro e os terroristas islamitas, é preciso admitir também que algumas das acusações feitas aos EUA são, na verdade, frutos de mero recalque ou ressentimento contra um vizinho que deu certo, ou, então, de uma análise deturpada da História. O problema do racismo, por exemplo. Não se pode negar que esta foi uma questão bastante séria nos EUA, principalmente nos estados do sul do país (o Deep South, da Virgínia até o Mississipi), onde linchamentos de negros eram freqüentes e a segregação racial nos bares e escolas continuou oficialmente, após a Guerra de Secessão, até a década de 60. Mas é também inegável que os norte-americanos souberam enfrentar essa questão, de maneira poucas vezes vista em outros países. Durante os governos de John Kennedy e Lyndon Johnson, por exemplo, o FBI foi acionado para caçar e prender militantes da Ku Klux Klan nos estados sulistas, com a mesma vigilância e eficiência com que caçou, nos anos 40 e 50, espiões nazistas e comunistas, e gângsteres nos anos 20 e 30. Enquanto isso, em nosso Brasil varonil, um país de mestiços, onde ser "negro" ou "branco" é menos uma questão de cor da pele do que de conta bancária, e onde a escravidão perdurou até 1888, atualmente um grupo bastante barulhento de militantes "negros" tenta a todo custo importar dos EUA um sistema de cotas raciais, querendo mimetizar por essas plagas, com apoio oficial, uma solução típica de países onde a miscigenação foi mínima ou inexistente - um exemplo clássico do que, a meu ver, NÃO deve ser importado dos EUA.
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Outra questão que é geralmente utilizada, e pouco compreendida, pelos que acham que os EUA são o lado mal da humanidade, é a chamada "caça às bruxas" do período macarthista (1950-1954). Aqui, também, revela-se uma grande dose de má-fé ou incompreensão histórica. De fato, em seu furor anticomunista, intensificado pelo início da Guerra Fria contra o bloco soviético, o Comitê presidido pelo Senador Joseph McCarthy cometeu uma série de abusos, e inclusive atentados contra a Constituição norte-americana. O que é geralmente esquecido é que esses abusos levaram o próprio governo Eisenhower a enquadrar McCarthy e seu Comitê de Atividades Não-Americanas, encerrando definitivamente, assim, esse período, que é lembrado hoje apenas como uma mancha negra na história dos EUA (McCarthy, destronado e com a carreira política destruída, afundou na bebida, morrendo de forma melancólica, esquecido e abandonado, em 1957 - ao contrário de Fidel Castro, por exemplo, que vai ficar no poder o tempo em que houver quem o apóie ou lave as mãos para seus desmandos). Além disso, foi comprovado recentemente que alguns acusados pelo Comitê do Senador McCarthy, como o funcionário do Departamento de Estado Alger Hiss e o casal Rosenberg, eram mesmo espiões comunistas a serviço de Moscou, o que demonstra que o sujeito não estava caçando fantasmas, como muita gente ainda hoje pensa. É assim que ocorre nas democracias: o sujeito extrapolou, Lei nele!
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Quanto ao modelo de democracia americana, não sei se ele é ou não exportável. Sei apenas que a democracia - made in USA ou não - é um sistema infinitamente superior a todos os demais, como dizia Winston Churchill. Fico pensando o que seria da Alemanha ou do Japão hoje, sem falar no Brasil e no restante da América Latina, com nossa herança ibérica, se não fosse essa importação estrangeira, e se hoje seríamos uma democracia por uma, digamos, evolução natural... Com relação ao Iraque pós-Saddam, reafirmo aqui o que já disse antes. Discordo da visão segundo a qual a intervenção anglo-americana foi um fracasso. O Iraque, hoje, tem pelo menos uma pequena chance de dar certo. Na época do Saddam, não tinha chance nenhuma. Nada. Zero. Sem falar que o regime de Saddam era oficialmente laico e socialista, com elementos retirados do marxismo - uma importação ocidental, portanto. Logo, não creio que cabe aqui o argumento do relativismo cultural, assim como não vale para Cuba, a China ou a Coréia do Norte. Além disso, sempre desconfiei de análises que utilizam o argumento relativista ou multiculturalista para justificar regimes criminosos e práticas bárbaras como a decapitação de opositores políticos ou a tortura de dissidentes. Será que os povos dos países muçulmanos são infensos a coisas como direitos humanos e democracia parlamentar? Ou será que esse é um discurso feito sob medida pelas elites locais para justificarem sua opressão? Diante da forma como esse discurso é empregado - sempre para justificar práticas cruéis -, inclino-me a concordar com essa segunda conclusão, até porque não acredito na existência de direitos humanos "ocidentais" e direitos humanos "orientais" - somente em direitos humanos. É por essas e outras que não sou multiculturalista, nem antiamericano.
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Enfim, por maiores que sejam as zonas de sombra na história dos EUA, uma coisa é certa: o tal "paradoxo EUA" começa a ser rompido. No Afeganistão e no Iraque, os EUA derrubaram duas ditaduras. E mesmo assim os EUA são atacados por isso. Em outras palavras: antes eram atacados por apoiar ditaduras; hoje, por as derrubarem. Esse é, a meu ver, o grande paradoxo antiamericano. O antiamericanismo é mesmo o radicalismo dos tolos, a doença infantil do esquerdismo.

sexta-feira, março 14, 2008

A MORAL DELES

Dez anos atrás, em 1998, eu estava na universidade, tinha pouco mais de vinte anos, vivia sem um tostão no bolso e ainda relutava em abandonar de vez minhas ilusões esquerdistas juvenis (quando a gente se apega a um brinquedo velho, é difícil largá-lo). Já não participava mais de nenhum grupo ou movimento de esquerda, mas ainda me considerava um simpatizante. Foi quando publiquei meu primeiro artigo, num jornal local de Natal. O assunto era a ordem de prisão na Inglaterra, naquele ano, do ex-ditador chileno Augusto Pinochet, então um velho alquebrado, emitida por um juiz espanhol.
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A notícia exaltou os ânimos mundo afora, e foi exaustivamente comemorada pelos grupos de esquerda e defensores de direitos humanos no mundo todo, inclusive por mim. Seguindo a onda, meu artigo destoava de uma avaliação que então começava a ser feita, e que eu julgava por demais "direitista": se Pinochet estava sendo preso e execrado, por que não outros ditadores, como Fidel Castro? Por que não levar o líder cubano aos tribunais? Como, à epoca, eu ainda nutria certa simpatia pela Revolução Cubana, que continuava vendo com tintas gloriosas e não com as da realidade, achei essa tese absurda. O que tinha a ver Fidel com Pinochet?, escrevi, indignado. Afinal, eram dois regimes, o cubano e o chileno, diametralmente opostos do ponto de vista ideológico. Não fazia nenhum sentido, pensava, querer colocar os dois no mesmo banco dos réus etc. Além do mais, pensava, Pinochet era um canalha, um bandido, um criminoso, um assassino. Já Fidel... bem, Fidel era diferente.
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Hoje, arrependo-me amargamente de ter escrito isso. Peço a quem tiver o jornal com o artigo que o queime, o enterre, faça qualquer coisa - só não leve a sério o que escrevi. Eu estava errado. Completamente errado. Dolorosamente errado.
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O que eu não consegui enxergar em 1998? O óbvio, o simples, o que está na cara: Pinochet e Fidel Castro, ou Hitler e Stálin, ou Franco e Salazar, ou Idi Amin e Saddam Hussein, pertencem todos, sem exceção, ao mesmo clube político: o dos ditadores. Sem adjetivos ou justificações ideológicas. O que percebo hoje, com uma clareza tão cristalina que chega a me ofuscar os olhos? Que as tiranias, apesar das situações históricas diferentes, não diferem no fundamental, são essencialmente as mesmas. Enfim, que não há ditadores bons e maus. Há apenas ditadores. Ponto.

Por que fiz toda essa digressão meio autobiográfica? Porque ainda hoje vejo muita gente, principalmente na esquerda, com o mesmo tipo de pensamento que eu tinha uma década atrás. Ainda há uma forte resistência, não sei se psicológica, desses setores em reconhecer o que 2 milhões de cubanos já reconheceram desde 1959, e o que os 11 milhões que ainda vivem na ilha-prisão temem falar: que o regime político vigente desde então em Cuba, o único regime comunista do hemisfério ocidental, é uma ditadura cruel, um regime totalitário, e que seu dirigente máximo, Fidel Castro, é um ditador. E que ditaduras totalitárias não podem trazer nada de bom para a humanidade. Principalmente a cubana.

Durante décadas, a existência de ditaduras de direita na América Latina serviu de álibi para desconsiderar qualquer crítica ao regime castrista de Cuba, como mera propaganda imperialista. O mesmo ocorria quando alguém denunciava os expurgos políticos e o Gulag na ex-URSS: era só propaganda, dizia-se. Isso fez muita gente ficar voluntariamente cega para a realidade de Cuba, assim como ficou para a realidade do stalinismo. O que Fidel e seus companheiros fizeram na ilha caribenha não foi apenas a imposição de uma tirania que já dura quase cinqüenta anos: foi a destruição de um país inteiro. Isso fica claro para quem quiser ver pelos números da repressão. Os admiradores de Fidel geralmente se opõem a qualquer tipo de comparação entre as quantidades de mortos pela ditadura cubana e por outras ditaduras. Não se opõem, porém, a citar à exaustão o número de vítimas de regimes de direita. Gostam de lembrar que a ditadura de Pinochet no Chile deixou um saldo de 3 mil mortos, mais milhares de pessoas torturadas, exiladas etc. Gostam, também, de lembrar e prantear os 424 mortos pela repressão política no Brasil entre 1964 e 1985 - 424 mortos em 21 anos de ditadura militar -, o que já gerou uma verdadeira indústria de indenizações milionárias. Mas, quando o assunto é Cuba... Ninguém, nas hostes esquerdistas, ousa recordar os 95 mil mortos pelo regime castrista (17 mil fuzilados, 78 mil afogados tentando fugir do país), num país de 11 milhões de habitantes (o Brasil, somente para termos de comparação, tem 190 milhões, o que torna a ditadura cubana no mínimo umas trezentas vezes mais assassina do que a brasileira, e umas cem vezes mais do que a chilena). Ninguém se importa com isso. Em defesa do regime de Havana, costuma-se utilizar todo tipo de argumento. Os mais cegos, ou mais fanatizados, simplesmente negam que Cuba seja uma ditadura, defendendo o regime castrista com unhas e dentes. Outros, querendo aparentar moderação, se recusam a tomar partido, dizendo-se "neutros" em relação à ditadura cubana. Curiosamente, a mesma "neutralidade" não se repete quando a ditadura em questão é a de Pinochet. Por que será?
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Antes que venha algum militante pró-Fidel repetir, pela milionésima vez, que esse tipo de comparação é uma forma de justificar as mortes no Chile de Pinochet ou as torturas no DOI-CODI durante o regime militar brasileiro, faço questão de deixar claro: não justifica, não! A montanha de cadáveres produzidos pela ditadura cubana, assim como as 100 milhões de mortes causadas pelo comunismo no século XX - 75 milhões só na China, o maior morticínio verificado na História - não justificam um simples tapa ou cascudo dado por um meganha da repressão num preso político no Brasil ou no Chile. Não se trata de uma competição para saber quem matou mais, como se fosse preciso fazer esse tipo de concorrência - até porque os regimes comunistas ganham de lavada -, mas de colocar as coisas em seu devido lugar. O fato de lembrar que Cuba é uma ditadura, e uma ditadura muito mais brutal e sanguinária, sob qualquer ponto de vista, do que qualquer regime militar latino-americano, não me torna automaticamente um defensor de Pinochet ou do general Médici. A questão é a seguinte: se esses últimos comandaram tiranias e promoveram matanças, devem ser denunciados. Se outro regime também matou, deve ser denunciado também. E se o regime em pauta é o de Cuba, que matou muito mais, deve ser denunciado de forma correspondente à gravidade de seus crimes.
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É isso que me distingue dos tocadores de tuba e tietes do tirano Fidel Castro, que existem às pencas por aí. É isso que muitos deles não conseguem entender: oponho-me a seus crimes, e nem por isso bato palmas para o que fizeram os brucutus brasileiros ou chilenos. É difícil para eles entenderem isso, pois o compromisso desse pessoal não é - nunca foi - com a democracia, palavra que para eles só existe como um valor instrumental, como um trampolim para atingir o "fim" almejado. Isso fica claro como água de nascente quando se analisa mais de perto dois dos governos que os militares latino-americanos derrubaram: o de Salvador Allende no Chile e o de João Goulart no Brasil. Conta a lenda dourada esquerdista que os governos Allende e Jango eram dois governos democráticos que só queriam fazer o bem para a sociedade. Até que, um belo dia, vieram os milicos malvados, instigados pela CIA e por um temor irracional do comunismo, e encerraram essa experiência democrática, instaurando em seu lugar um reino de terror.
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Desse conto-de-fadas, apenas a última frase é verdadeira. Nem o temor do comunismo era uma fantasia, nem os governos Allende e Goulart eram assim tão democráticos quanto se diz. No caso de Allende, que fora eleito com apenas 36% dos votos, esquece-se que, durante três anos (1970 a 1973), o país esteve dividido e em sobressalto por conta do objetivo proclamado do novo presidente de alcançar o "socialismo por via pacífica". Apesar desse lema, a esquerda chilena, capitaneada por seitas ultra-radicais como o Movimiento de Izquierda Revolucionario (MIR), praticou nesse período diversos atentados e assassinatos. O país estava à beira da guerra civil. O presidente do Partido Socialista, ao qual Allende era filiado, Carlos Altamirano, dizia para quem quisesse ouvir que o Chile seria o "Vietnã da América Latina". Em visita ao Chile em 1971, que se estendeu por um mês, Fidel Castro foi recebido como um verdadeiro herói e chegou a recomendar a Allende que armasse os operários e tomasse todos os poderes em suas mãos. O ditador cubano presenteou o presidente chileno com vários fuzis AK-47, que seriam usados mais tarde pelos guarda-costas cubanos de Allende no cerco ao Palácio La Moneda - foi com um desses fuzis que um deles teria executado o próprio Allende, quando este deu sinais de que se renderia aos militares (isso é narrado por um ex-agente do serviço secreto cubano, Juan Vivès, no livro Cuba Nostra, do jornalista francês Alain Ammar, publicado em 2005). Quando Pinochet botou os tanques na rua, as bandeiras da democracia e da legalidade já haviam deixado de ter dono há muito tempo, a democracia já estava morta (ver o artigo de Jean-François Revel: http://s.huet.free.fr/kairos/aletheia/jfrev4.htm).
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O mesmo no caso do Brasil. A afirmação de Luiz Carlos Prestes às vésperas do golpe de 64, de que "nós (os comunistas) já estamos no governo; só não estamos, ainda, no poder", não foi mera bravata. Era uma realidade. Embora não fosse, ele mesmo, comunista - era, na verdade, um típico pelego nascido e criado na incumbadora do getulismo gaúcho, populista e demagógico -, é inegável que o governo de João Goulart se encaminhava, sob o manto aparentemente anódino das reformas de base, para algum tipo de regime ditatorial socialista, ou, pelo menos, sindicalista. Quem diz isso não é nenhum agente da CIA, não é nenhum prócer da UDN e admirador de Carlos Lacerda - é um veterano militante comunista, Jacob Gorender, que em seu livro Combate nas Trevas reconhece que o Brasil se encontrava, então, em uma "situação pré-revolucionária". O mesmo afirma Elio Gaspari em sua série de quatro livros sobre a ditadura militar no Brasil. Assim como ocorreu no Chile nove anos depois, no Brasil de 1964 a democracia já estava ferida de morte quando os militares a sepultaram.
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Isso justifica os golpes militares que ocorreram nesses países? Mais uma vez: não, não justifica. Mas também não pode ser ignorado. Não se quisermos realmente ter uma visão completa, e não enviesada, sobre esse processo. Assim como não é possível ignorar que o regime militar de Pinochet no Chile deixou como legado um país relativamente ajustado do ponto de vista econômico, graças às reformas liberais dos "Chicago Boys" nos anos 70, o que se traduz atualmente am altos índices de crescimento e inclusão social. O Chile hoje é a democracia mais próspera da América Latina, ao ponto de se dar ao luxo de ter uma presidente mulher - e de esquerda (o que não é nenhuma vantagem, vá lá, mas mostra que há tempos os chilenos deixaram a mentalidade da Guerra Fria para trás). Em Cuba, ao contrário, a revolução, teoricamente feita em nome da igualdade e da justiça social, transformou o país, que tinha a 3a renda per capita da América Latina nos anos 50, e inclusive ostentatava altos níveis de desenvolvimento na área social, numa ruína, detentora do 29. lugar nesse quesito - ganha apenas do Haiti. Sem falar do mais importante: a ditadura do Chile, iniciada em 1973, deixou de existir há dezoito anos, em 1990. A de Fidel... bom, a de Fidel se arrasta há 49 anos, nem dá qualquer sinal de que vai terminar um dia (a menos que se considere a "renúncia" fajuta do Coma Andante como o começo de uma transição séria). Pode-se dizer que, na luta para conter o comunismo na América Latina, os governos militares da região cometeram sérios abusos. No caso de Cuba, o próprio regime é um abuso. E ainda tem quem o defenda, usando os crimes dos militares como desculpa...
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Enfim, esta é a diferença entre mim e os adoradores do Coma Andante. Ou, parafraseando Trotsky, esta é a diferença entre a minha moral e a deles: eles acreditam que há ditaduras boas e ditaduras más, e que as boas são de esquerda, e as más, de direita. Eu acredito que ditadura é ditadura. Eles condenam Pinochet. Eu também. Eles babam por Fidel. Eu, não.

quinta-feira, março 13, 2008

PATRIOTADAS


Mal passou o vexame brasileiro na quase-guerra entre Equador, Colômbia e Venezuela por causa da morte de um chefão das FARC - o governo Lula, só para não deixar esquecer, ficou na prática ao lado dos narcoterroristas e de seus protetores contra a Colômbia - e o Brasil já arranjou mais um factóide para se coçar. A bola da vez é o imbróglio com a Espanha por causa do tratamento dispensado pelo governo espanhol a alguns visitantes brasileiros, obrigados a dar meia-volta depois de terem sido submetidos a situações degradantes no aeroporto de Madri e impedidos de entrar em solo espanhol. Agora, para retaliar, o Itamaraty já começou a falar grosso, e os primeiros espanhóis já começaram a ser barrados no País, sob a justificativa da reciprocidade. Até aí, tudo bem: afinal, o governo da Espanha tratou mesmo mal e de forma arrogante os cidadãos brasileiros, e merece sofrer algum tipo de retaliação por causa disso. Mas a situação não é assim tão simples.
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A coisa toda cheira a picaretagem e palhaçada, como quase tudo que vem desse governo que aí está. Convenci-me disso depois de ter assistido ao Jornal Nacional de ontem (o Jornal Nacional é como a Veja: todo mundo adora esculhambar, mas todos vêem), que mostrou um turista espanhol sendo barrado no aeroporto de Fortaleza. Até aí, nada de mais, alguém poderia dizer. O problema não estava no ato em si, a punição de um cidadão estrangeiro que queria entrar no Brasil em represália por uma decisão de seu governo, mas na atitude - prepotente, presunçosa, amadorística, arrogante - do funcionário brasileiro da imigração, que não se cansava de repetir, talvez estimulado pela presença ali de uma câmara de TV, que, por causa da aplicação do princípio da reciprocidade, o cidadão em questão teria de retornar a Espanha, pois não poderia entrar em "meu (seu) País". Aquele "meu País" ecoa em meus ouvidos até agora. Poucas vezes vi alguém converter-se em tiranete de uma repartição oficial de maneira tão acintosa, arrotando boçalidade. E olha que sou funcionário público, e em meu trabalho já vi muita coisa semelhante. Minha reação, na hora, foi de vergonha, muito vergonha.
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Esse tipo de atitude acende em mim automaticamente a luz de alerta. Afinal, o governo dos petralhas gosta de uma patriotada. Só precisa de um pretexto para incitar a animosidade contra os gringos. Percebi isso logo de cara. Quem não se lembra daquele jornalista americano do New York Times que foi expulso do País, por ter escrito uma reportagem em que - ousadia das ousadias! - falava dos hábitos etílicos de Lula? E daquela outra decisão muito parecida, de alguns anos atrás, quando o governo Lula, alegando mais uma vez a tal reciprocidade, obrigou todos os cidadãos dos EUA que visitavam o Brasil a serem fotografados nos aeroportos para identificação, o que motivou até a expulsão de um piloto comercial que ousou fazer uma gracinha com o dedo na hora de tirar a foto segurando a placa de identificação? São exemplos de uma atitude altaneira de um governo que não aceita baixar a cabeça para quem quer que seja, poder-se-ia alegar. Mas é claro que é tudo jogo de cena, tudo embromação para americano ou espanhol - e brasileiro - ver.

O governo da Espanha foi arrogante ao destratar os brasileiros nos aeroportos? Foi. Merece, portanto, ser retaliado por isso? Merece. Mas e o que dizer dos nossos hermanos bolivianos, que já passaram a mão em nossos traseiros, confiscando as refinarias da Petrobrás na Bolívia, e o governo Lula, em vez de reagir, ficou com cara de tacho? O que dizer dos narcoterroristas colombianos das FARC, que usam livremente nossas fronteiras como base e escoadouro de cocaína, violando, portanto, nossa soberania, e que o governo Lula insiste em não classificar como terroristas - pelo contrário: até representante oficial elas têm no Brasil, um ex-padre que o governo brasileiro se recusa a extraditar para a Colômbia e que circula livremente nos subterrâneos do poder petista? Em todos esses casos, como agiu o governo do Brasil? Estufou o peito, tal como o funcionarizinho da imigração no aeroporto do Ceará, dizendo na cara do espanhol estupefato que ele não poderia entrar no "seu País"? Nada disso. Calou-se, recolhendo-se a um silêncio acabrunhado, ou então tentou justificar o injustificável. No caso da tunga das refinarias da Petrobrás na Bolívia, o governo do Apedeuta só faltou agradecer a seu companheiro, o índio fajuto Evo Morales, "nosso querido Evo", como disse Lula. Do que se pode concluir: tungar as refinarias da Petrobrás na Bolívia, pode; expulsar turistas brasileiros que querem entrar na Espanha, não. Entende-se: é que Morales, assim como Hugo Chávez, Rafael Correa e as FARC, são "companheiros". Ah, bom.
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Sou totalmente a favor da reciprocidade em relações internacionais. Trata-se de um princípio basilar da diplomacia, assim como o respeito à soberania e a não-intervenção em assuntos internos. Por isso sou a favor também de que não se adotem dois pesos e duas medidas. É por isso que a questão da reciprocidade com a Espanha me parece mais uma patriotada, mais uma patoacada nacionalisteira dos petralhas. Vai aí também, claro, uma boa dose de recalque, de ressentimento contra os que deram certo, o que está na base do forte terceiromundismo que caracteriza atualmente a atuação do Itamaraty. Basta comparar as situações. Será que o Brasil reagiria da mesma forma se o governo em questão fosse não a Espanha, mas, digamos, a Bolívia? Se o discurso dos brios nacionalistas feridos e da reciprocidade fosse para valer, o Brasil já teria, por exemplo, nacionalizado as propriedades da YPFB boliviana, ou expulsado os milhares de bolivianos ilegais no País. Se o que estivesse em jogo fosse mesmo o orgulho nacional, o Brasil não teria baixado a cabeça (e as calças) para a Bolívia. Por que os brios nacionalistas dos companheiros no poder no Brasil cessam diante de um Morales ou de um Chávez? Por que esse patriotismo de opereta só vale para os EUA ou a Espanha?
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É por essas e outras que concordo cada vez mais com a frase do Dr. Johnson: "O nacionalismo é o último refúgio do velhaco".