sexta-feira, novembro 25, 2011

A RATA QUE FINGE RUGIR

Um quadro hilariante do blog de humor Kibe Loco está fazendo sucesso na internet. Ele mostra um ator imitando Dilma Rousseff, distribuindo broncas a seus ministros (a julgar pela regularidade praticamente semanal de escândalos de corrupção no atual governo, os produtores do quadro não têm por que se queixar de falta de material). Berrando palavrões em um telefone do tempo da brilhantinha, com direito a um vestidinho vermelho e sotaque fake mineiro, a Dilma de araque sai despejando impropérios a seus subordinados, terminando sempre com um "beijo no coração, filhinho".

Achei o quadro muito bom, em primeiro lugar, pois a imitação é excelente, e vez ou outra ajuda a desvelar o imenso vazio mental que desde primeiro de janeiro último dá expediente no Palácio do Planalto. Em um dos episódios, por exemplo, Dilma aparece puxando a orelha do humorista Rafinha Bastos por causa da piada de mau gosto sobre a cantora Wanessa. "Isso é coisa que se diga, seu filho da puta? Você está pensando que pode falar isso como se fosse num programa de humor?", esbraveja a Dilma-mandona. "O quê? Ah, você disse isso num programa de humor? Eu não sabia...", emenda Dilma logo depois, ao ser informada que a piada foi dita no CQC da TV Bandeirantes...

Alguns jornalistas, porém, parecem ter visto algo diferente no quadro do Kibe Loco. Marcelo Coelho, por exemplo, escreveu uma coluna inteira na Folha de S. Paulo sobre a imitação de Dilma. Para ele, que deve estar ansioso para criar o humor a favor, a imitação é um elogio à presidenta-gerenta. No texto da Folha, Coelho dá vazão a suas fantasias sobre a gerentona: segundo ele, ao dar broncas em seus ministros corruptos, Dilma estaria externando um desejo inconsciente do povo brasileiro. Mais: ao berrar palavrões e impropérios ao telefone, a escolhida de Lula estaria fazendo o papel da oposição. (Nesse ponto ele não deixa de ter alguma razão: afinal, a oposição no Brasil, se existe, está escondida.)

O artigo elogioso de Marcelo Coelho à sua adorada Dilma, usando um quadro de humor como desculpa, reflete um aspecto curioso do mito criado em torno da criatura de Lula da Silva. Por alguma razão inexplicável, atribui-se a Dilma Vana Rousseff uma aura de competência administrativa, que se manifestaria num temperamento explosivo. Enfim, "everyone fears Dilma", como diz o nome do quadro.

Por experiência própria, tanto pessoal quanto profissional, aprendi a distinguir competência de neurose, cobrança eficiente de um simples chilique. A primeira coisa denota eficácia e profissionalismo; a segunda, mera arrogância e/ou descontrole emocional. Pelo visto, Dilma está na segunda categoria.

Ao ser escolhida sucessora de Lula, Dilma foi apresentada como uma técnica extremamente qualificada, uma supergerente com dotes administrativos superlativos etc. e tal. A farsa não durou muito, soterrada por revelações como a falsificação do curriculum vitae e assinaturas em documentos, como o programa de governo, que ela sequer leu. Não faz muito tempo, quando ainda era ministra, a supergerente ultraeficaz e técnica hiperqualificada sumiu durante dois dias para não ter de dar explicações sobre um apagão elétrico que deixou metade do país às escuras. Essa é Dilma.

No lugar do mito da gerentona ultracompetente e ultraqualificada, entrou outro, o da mãe autoritária que dá bronca nos "filhinhos" levados. Ainda estou para ver o dia em que essa brabeza toda se revele algo mais do que uma peça de marketing. Dilma, dizem, vez ou outra vira uma leoa, distribuindo esporros para os subordinados, que tremeriam de medo diante da Poderosa. Basta um pequeno exercício, porém, para que essa máscara de dureza caia por terra: diante de Lula, que a pariu, Dilma vira um doce de servilismo. "Nem sob tortura vocês vão me fazer discordar do presidente", chegou a dizer a falsa durona, durante a campanha eleitoral em 2010, quando instada por jornalistas a dizer o que pensava sobre as declarações inacreditáveis de Lula em Cuba, onde acabara de comparar presos políticos a bandidos do PCC. A mãezona super-rigorosa vira uma serva fiel diante do Apedeuta, a ponto de não ter o que dizer quando ele ofende a humanidade. Marcelo Coelho acha que o sucesso do quadro humorístico sobre Dilma prova que ela é popular porque, entre outras coisas, estaria fazendo as vezes de oposição. Oposição a quê? a quem? a ela mesma?

Para coroar essa pantomima, verdadeira operação "rata que ruge" (ou melhor: que finge rugir), há quem compare Dilma a Margaret Thatcher, a poderosa primeira-ministra britânica dos anos 80. Só pode ser brincadeira. Ao contrário da criação de Luiz Inácio, a Dama de Ferro não dispunha de nenhum padrinho influente, e teve que enfrentar a oposição ferrenha da imprensa e da quase totalidade do establishment cultural da Grã-Bretanha. Thatcher deveu seu apelido não a qualquer chilique (coisa, aliás, muito pouco compatível com a imagem de dureza que transmitia), mas à sua disposição ferrenha de peitar - e vencer - os poderosos sindicatos ingleses, que impediam reformas cruciais e entravavam havia décadas a economia do país. E Dilma, quando vai deixar de ser pautada pela imprensa e fazer a tal "faxina" (que ela já negou, aliás, que existe)?

No meio de mais essa patacoada, quem acertou em cheio foi Augusto Nunes, colunista da VEJA. Em artigo recente, ele escreveu o óbvio: assim como Lula tornou-se doutor honoris causa sem jamais ter lido um livro, Dilma virou a faxineira que adora conviver com o lixo. O mesmo pode ser dito da Dilma durona e cobradora de resultados: mais uma invenção da imprensa companheira, que já havia ajudado a inventar o Lula.

É compreensível que parte dos jornalistas brasileiros se encante com Dilma, a ponto de criar um mito comparável ao mito Lula. Afinal, este é tão desbragadamente farsesco e histriônico que qualquer coisa, comparada a ele, parece infinitamente superior.Depois de oito anos de palavrório e de fanfarronadas, a mudez de Dilma aparece como uma virtude (sua única virtude, aliás: quando fala, Dilma Rousseff faz Weslian Roriz parecer uma virtuose de lógica e o palhaço Tiririca, um modelo de correção gramatical...) Daí a mais uma mistificação é somente um passo, levando muitos a se esquecerem que a criatura é um reflexo direto do criador, e não seu oposto. Para comprovar que o antilulismo de muitos comentaristas é mesmo superficial, Arnaldo Jabor chegou a dizer que Dilma é "bonita e inteligente" (!).

Quem já viu Dilma falar sobre qualquer assunto já percebeu que ali não está uma técnica superqualificada, ou uma dama de ferro que não tolera corrupção (ou "malfeitos", como eufemisticamente - e mentirosamente - disse em seu discurso de posse), mas tão-somente uma figura apagada, uma tarefeira pinçada do meio da militância por falta de alternativa (as duas primeiras opções, Zé Dirceu e Antonio Palocci, enrolados em escândalos, foram descartados), totalmente subserviente ao chefe e incapaz de um pensamento próprio, ou de um raciocínio coerente, por mínimo que seja. Não uma dama de ferro, mas uma marionete com cabeça de palha. Alguém, enfim, que, como eu já disse aqui, não existe, a não ser no cérebro de alguns colunistas embasbacados da Folha de S. Paulo.

Enfim, uma verdadeira "Dilma Duchefe", como dizia o Casseta & Planeta.

HOMENAGEM A QUEM MERECE




Tenho verdadeiro horror a homenagens, honrarias, panegíricos, essa coisa meio Rolando Lero, tão ao gosto de nossa cultura bacharelesca, em que a rasgação de seda é uma espécie de esporte nacional. É uma característica do Brasil, infelizmente, o discurso elogioso, pomposo, reverente, servil mesmo, com que muitos intelequituais e subintelequituais de botequim tanto se empenham em cair nas graças e ganhar os favores dos poderosos de plantão, não raro perdendo o senso do ridículo no meio do caminho. Considero tudo isso uma palhaçada, um dos aspectos mais nefastos de nossa cultura (outro, igualmente pernicioso, é a ausência completa de qualquer firme convicção moral).

Um dos motivos que me levaram a criar este blog foi justamente a necessidade de me contrapor a essa discurseira vazia e obsequiosa, que revela em cada adjetivo pomposo o desejo irrefreável de bajular, a vocação para cortejar os donos do poder e o puxa-saquismo, que, na era lulopetista, atingiu níveis estratosféricos. Como demonstram os títulos de doutor honoris causa concedidos ao Apedeuta, esse tipo de homenagem quase nunca tem a ver com algum mérito do homenageado. Apesar disso – ou por causa exatamente disso, melhor dizendo – vou fazer, neste texto, algo que não é do meu costume. São dois elogios. Duas homenagens.

A primeira vai para um político. Um político? Isso mesmo. Nem todos, felizmente, estão no ramo apenas para se locupletar. Uns poucos, uma pequeníssima minoria, têm o que dizer. O senador Jarbas Vasconcelos faz parte dessa minoria. Embora filiado ao PMDB, ele é uma voz dissonante, um dissidente. Algum tempo atrás, em entrevista à VEJA, ele disse o que quase ninguém, muito menos um político, tem a coragem de dizer: afirmou claramente que o PMDB é um partido corrupto e teve a ousadia (e a falta de tato político) de dizer que o Bolsa-Família, a menina dos olhos do governo lulopetista, é o maior programa de compra de votos do mundo. Sua sinceridade custou-lhe caro. Nas últimas eleições, ele se candidatou ao governo de seu estado natal, Pernambuco. Adotou o mesmo discurso suicida, usando o horário político para criticar também a farsa nacional da companheira Dilma. Resultado: perdeu de lavada, no primeiro turno. Recebeu pouco mais de 585 mil votos, ou meros 14% do total, ficando muito atrás do governador Eduardo Campos e sua formidável máquina eleitoral. Indo contra a corrente, fez uma campanha de denúncia do assistencialismo e do fisiologismo que, com os petralhas, tomou conta de tudo e de todos. Por isso, por dizer o que pensa, e não o que mais lhe conviria eleitoralmente, ele virou um pária, um leproso da política. Por isso também, Jarbas Vasconcelos merece uma estátua em praça pública.

Minha segunda homenagem, póstuma, vai não para um político, mas para um artista (duas coisas que, no Brasil, costumam misturar-se). O músico Zé Rodrix, falecido em 2009, não foi uma superestrela. Não tinha cara, nem pinta, de pop star. É possível que as gerações mais novas jamais tenham ouvido falar dele. Compositor de outra época, ele não se notabilizou exatamente pelo marketing pessoal. Sua contribuição à música brasileira foi a invenção do "rock rural" nos anos 70, com canções como Casa no Campo, eternizada na voz de Elis Regina. Mas deixou, além de belas músicas, um legado que ninguém poderá apagar. Em toda sua vida artística, que durou décadas, Zé Rodrix jamais – nunca, jamais mesmo – aceitou qualquer forma de financiamento oficial. Todos os seus shows e projetos artísticos foram bancados do próprio bolso, ou com patrocínio particular. Uma frase sua que costumava repetir era de uma clareza cortante em sua simplicidade: "Não vejo motivo para gastar o dinheiro do contribuinte num projeto pessoal". Somente por isso já merece um monumento.

Tanto Jarbas Vasconcelos quanto Zé Rodrix são dois casos excepcionalíssimos no Brasil de hoje, avacalhado pela idéia de levar vantagem e pela falta de separação entre o público e o privado. Dois exemplos raros de coragem e de integridade, de compromisso com idéias e não com interesses, em meio a um oceano de cupidez e pusilanimidade. Um político que não se rebaixa à condição de áulico do poder, ainda mais do poder lulopetista, já é uma raridade. Um artista que não aceita receber dinheiro estatal é algo simplesmente assombroso; merece figurar em qualquer lista de fatos edificantes da História da Humanidade.

Sem dúvida, tanto o senador dissidente quanto o músico que não aceitava grana do governo têm e tinham defeitos. No caso de Jarbas Vasconcelos, o fato de pertencer a um partido coalhado de oportunistas e picaretas como o PMDB é mais do que um defeito: trata-se de uma contradição insanável. Mas de uma coisa ninguém pode duvidar: ambos são vozes destoantes na indigente vida política e cultural brasileira. Pelo simples fato de dizerem "não" quando todos dizem “sim”, de dizerem “êpa” quando todos repetem bovinamente “êba”, tornaram-se motivo de vergonha para seus pares. Com isso, mostraram que é possivel, sim, fazer política e arte com dignidade e vergonha na cara. E por isso merecem todo meu respeito.

quarta-feira, novembro 23, 2011

UM TEXTO IMPECÁVEL SOBRE A CHANCHADA DA USP: "O ERRO DE FOUCAULT"

É raro, mas de vez em quando alguém publica algo que presta na Folha de S. Paulo. É o caso do texto a seguir, de Luiz Felipe Pondé, que saiu em 21/11. Um resumo mais que perfeito do vazio intelectual que tomou conta das universidades brasileiras, a começar pela USP. Merece meu aplauso.
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O erro de Foucault

Você sabia que o pensador da nova esquerda Michel Foucault foi um forte simpatizante da revolução fanática iraniana de 1979? Sim, foi sim, apesar de seu séquito na academia gostar de esconder esse “erro de Foucault” a sete chaves.

Fico impressionado quando intelectuais defendem o Irã dizendo que o Estado xiita não é um horror.

O guru Foucault ainda teve a desculpa de que, quando teve seu “orgasmo xiita”, após suas visitas ao Irã por duas vezes em 1978, e ao aiatolá Khomeini exilado em Paris também em 1978, ainda não dava tempo para ver no que ia dar aquilo.

Desculpa esfarrapada de qualquer jeito. Como o “gênio” contra os “aparelhos da repressão” não sentiu o cheiro de carne queimada no Irã de então? Acho que ele errou porque no fundo amava o “Eros xiita”.

Mas como bem disse meu colega J. P. Coutinho em sua coluna alguns dias atrás nesta Folha, citando por sua vez um colunista de língua inglesa, às vezes é melhor dar o destino de um país na mão do primeiro nome que acharmos na lista telefônica do que nas mãos do corpo docente de algum departamento de ciências humanas. E por quê?

Porque muitos dos nossos colegas acadêmicos são uns irresponsáveis que ficam fazendo a cabeça de seus alunos no sentido de acreditarem cegamente nas bobagens que autores (como Foucault) escrevem em suas alcovas.

No recente caso da USP, como em tantos outros, o fenômeno se repete. O modo como muito desses “estudantes” (muitos deles nem são estudantes de fato, são profissionais de bagunçar o cotidiano da universidade e mais nada) agem, nos faz pensar no tipo de fé “foucaultiana” numa “espiritualidade política contra as tecnologias da repressão”.

E onde Foucault encontrou sua inspiração para esse nome chique para fanatismo chamado “espiritualidade política”?

Leiam o excelente volume “Foucault e a Revolução Iraniana”, de Janet Afary e Kevin B. Anderson, publicado pela É Realizações, e vocês verão como a revolução xiita do Irã e seu fascínio pelo martírio e pela irracionalidade foram importantes no “último Foucault”.

As ciências humanas (das quais faço parte) se caracterizam por sua quase inutilidade prática e, portanto, quase impossibilidade de verificação de resultados.

Esse vazio de critérios de aplicação garante outro tipo de vazio: o vazio de responsabilidade pelo que é passado aos alunos.

Muitos docentes simplesmente “lavam o cérebro” dos alunos usando os “dois caras” que leram no doutorado e que assumem ter descoberto o que é o homem, o mundo, e como reformá-los. Duvide de todo professor que quer reformar o mundo a partir de seu doutorado.

Não é por acaso que alunos e docentes de ciências humanas aderem tão facilmente a manifestações vazias, como a recente da USP, ou a quaisquer outras, como a dos desocupados de Wall Street ou de São Paulo.

Essa crítica ao vazio prático das ciências humanas já foi feita mesmo por sociólogos peso pesado, em momentos distintos, como Edmund Burke, Robert Nisbet e Norbert Elias.

Essa crítica não quer dizer que devemos acabar com as ciências humanas, mas sim que devemos ficar atentos a equívocos causados por essa sua peculiar carência: sua inutilidade prática e, por isso mesmo, como decorrência dessa, um tipo específico de cegueira teórica. Nesse caso, refiro-me ao seu constante equívoco quanto à realidade.

Trocando em miúdos: as ciências humanas e seus “atores sociais” viajam na maionese em meio a seus delírios em sala de aula, tecendo julgamentos (que julgam científicos e racionais) sem nenhuma responsabilidade.

Proponho que da próxima vez que “os indignados sem causa” ocuparem a faculdade de filosofia da USP (ou “FeFeLeCHe”, nome horrível!) que sejam trancados lá até que descubram que não são donos do mundo e que a USP (sou um egresso da faculdade de filosofia da USP) não é o quintal de seus delírios.

Agem com a USP não muito diferente da falsa aristocracia política de Brasília: “sequestram” o público a serviço de seus pequenos interesses.

No caso desses “xiitas das ciências humanas”, seus pequenos delírios de grande “espiritualidade política”.

sábado, novembro 19, 2011

ALÔ, SENHORES DA "COMISSÃO DA VERDADE": VEJAM ESTE CASO

Atentado à bomba cometido pela esquerda armada em Recife, 25/07/1966: a "comissão da verdade" irá investigar esse caso?

No último dia 18, Dilma Vana Rousseff assinou, com grande estardalhaço, duas leis. A primeira, dizem os jornais, chama-se "de acesso à informação", e tem por objetivo (uso as palavras da imprensa), permitir o acesso da população a arquivos sigilosos do governo, em nome da transparência. A segunda cria uma autodenominada Comissão da Verdade (assim, com maiúsculas). Sua missão declarada é investigar crimes de natureza política e violações de direitos humanos ocorridos no Brasil no período de 1946 a 1988. Tudo em nome da verdade e da justiça etc.

Que beleza, não?

Já deixei claro, em outros textos, o que acho da idéia de se criar uma comissão para apurar crimes políticos do passado: sou total e radicalmente a favor. Apenas com uma diferença dos que estão no governo: quero que toda a verdade - toda ela, e não a metade que convém mostrar - sobre esse e outros períodos da História do Brasil venha à tona. Desejo sinceramente que todos os crimes, todos os assassinatos, os casos de tortura, os sequestros, enfim, tudo - sejam revelados ao público, com todos os seus mórbidos detalhes. Sou mesmo pornográfico quando se trata desse assunto: que se mostre tudo, não se esconda nada.

Dessa vez os donos da verdade, da moral e da ética resolveram expandir o período de investigação, chegando até 1946. OK, acho que se deve investigar esse período também. Gostaria, aliás, que se retrocedesse até antes dessa data. Por que não investigar, por exemplo, a ditadura do Estado Novo varguista (1937-1945), perto da qual a ditadura militar, em matéria de tortura, foi até boazinha? Será que é porque Getúlio Vargas, o ditador de então, é um ícone da esquerda tupiniquim, sendo até hoje venerado como pai dos pobres por parte dela? Mas, peraí, a tal comissão não vai ser suprapartidária, acima das ideologias etc. e tal?...

Mas deixa pra lá. O importante é que vamos ter uma comissão, formada por sete pessoas escolhidas pela ex-camarada Stela "que tenham conduta ética e atuação relevante na defesa dos direitos humanos" etc. etc. Aí vai, portanto, uma sugestão de caso a ser investigado por essas pessoas, minha modesta contribuição ao esclarecimento da verdade sobre a História recente do Brasil.

Eis o fato, narrado por um de seus protagonistas (coloquei a parte mais chocante em negrito):

Algo também marcante aconteceu com um sujeito encarregado de zelar pela gráfica do Partido, em Belo Horizonte. O fulano, comprovadamente, não apenas entregou à polícia nossas instalações, como delatou companheiros, que acabaram presos em conseqüência disso. Aparentemente, o homem queria estabelecer-se como uma espécie de espião, dentro do PCB. Nem desconfiava que já sabíamos de sua traição. Convocado para uma reunião, foi levado a um aparelho. Lá chegando, foi sumariamente executado. Seu corpo foi derretido com ácido muriático numa banheira e os restos, despejados na latrina.

Então, que acharam?

Revoltante, não?

Querem saber de onde tirei o parágrafo acima? Do livro Memórias de um Stalinista (Editora Ópera Nostra, 1994), do dirigente do Partido Comunista Brasileiro (PCB) Hércules Corrêa (falecido em 2008). Está lá, para quem quiser ver, na página 73 do livro. O trecho relata o assassinato ("justiçamento", no linguajar esquerdista) de um membro do partido pelos próprios companheiros. Um crime brutal, com requintes de frieza e barbárie (desnecessário dizer, mas a vítima é, desde então, um desaparecido político). O fato ocorreu provavelmente nos anos 40 ou 50 (infelizmente, Corrêa não precisa a data, nem nomeia a vítima, o que torna ainda mais absurdo o crime). Dentro da época, portanto, coberta pela "comissão". A pergunta é: ela vai investigar esse caso também?

Aí está, senhores membros da "comissão da verdade"! Eis uma oportunidade para provarem que estão mesmo interessados em trazer à tona os casos de crimes políticos e violações de direitos humanos no Brasil nos últimos sessenta e tantos anos. É a sua chance de mostrar que são mesmo imparciais, e que só querem que a verdade seja revelada, independentemente de filiações partidárias e de conveniências políticas. Agora é com os senhores.

Tenho certeza de que, honestos e comprometidos com os direitos humanos como são, os membros da comissão recém-criada irão tratar o caso narrado acima com a mesma atenção e com o mesmo interesse com que tratarão os casos de guerrilheiros mortos durante o regime militar. Assim como diversos outros casos semelhantes de "justiçamentos" cometidos pela esquerda, antes e depois de 1964. Não será por falta de exemplos, certamente.

Desconfio, porém, que o trabalho da comissão vai ficar pela metade. Afinal, a presidenta (aliás, por que "presidenta"? por acaso existe "gerenta"?) da transparência e da verdade é a mesma que há mais de um ano impede na Justiça que um pesquisador do Rio de Janeiro tenha acesso a seu prontuário do DOPS, que poderia revelar o que ela fez exatamente como militante de várias organizações armadas de extrema-esquerda nos anos 60 (deve ser o único caso no mundo de alguém que se diz orgulhosa do próprio passado e que, ao mesmo tempo, se esforça em escondê-lo...). Também é a mesma democrata que, em nome do repúdio a ditaduras passadas, endossa e aplaude ditaduras presentes.

Ah, sim! Também acho um absurdo a tal comissão não ter poder para punir os responsáveis pelos crimes que irá investigar. Para mim, lugar de torturador é mesmo a cadeia. O mesmo vale para terroristas - e para quem dissolve seres humanos em banheiras com ácido. Se é para revogar a Lei de Anistia de 1979, que seja para punir os dois lados (a foto acima mostra por quê).

Enfim, vejamos se as duas novas leis criadas pelo governo da gerentona bravinha vão ajudar a esclarecer o fato narrado aí em cima. Algo me diz que não, e que a coisa toda não passa de mais um fogo de artifício criado pelos petralhas para fazer proselitismo vagabundo e enganar os trouxas. Mas sempre resta uma esperança.

Afinal, trata-se de uma comissão "da Verdade", certo?

segunda-feira, novembro 14, 2011

A USP E A FOLHA



Por Olavo de Carvalho (na Folha de S. Paulo)


Nos anos 1930-1940, quando a USP ainda estava se constituindo administrativamente e o espírito dessa comunidade se condensava na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, a luta dos estudantes contra a ditadura getulista expressa o anseio de uma ordem constitucional democrática, como viria a ser proposta consensualmente em 1945 pelas duas alas da UDN, o conservadorismo cristão e a esquerda democrática.

O suicídio de Getulio Vargas e o recrudescimento espetacular do getulismo na década seguinte afetam profundamente a mentalidade uspiana, que, num giro de 180 graus, adere ao discurso nacional-progressista, em que a ênfase já não cai no culto das liberdades democráticas, mas nos programas sociais nominalmente destinados a erradicar a pobreza, ainda que ao custo do intervencionismo estatal crescente.

Surge nessa época o mito da "camada mais esclarecida da população", que, se conferia aos estudantes o estatuto de guias iluminados da massa ignara, ao menos lhes infundia algum senso de gratidão e de responsabilidade.

Nos anos 1960, o nacional-progressismo uspiano transmuta-se em marxismo explícito, com a adesão maciça do estudantado à revolução continental orquestrada em Cuba. As correntes liberais e democráticas desaparecem, só restando, como simulacro de pluralismo, as divisões internas do movimento comunista: stalinistas, trotskistas, maoístas etc.

Nas duas décadas seguintes, a esquerda internacional, sob a inspiração da "New Left" americana (herdeira da Escola de Frankfurt), vai abandonando as formulações marxistas dogmáticas para ampliar a base social do movimento, absorvendo como forças revolucionárias todas as insatisfações subjetivas de ordem racial, familiar, sexual etc., muitas das quais a alta hierarquia comunista condenava como irracionalistas e pequeno-burguesas.

Ao mesmo tempo, no Brasil, a derrota das guerrilhas abre caminho à adoção da estratégia gramsciana, que integra como instrumentos de guerra cultural o "sex lib", a apologia das drogas e a legitimação da criminalidade como expressão do "grito dos oprimidos".

O fracasso do modelo soviético acentua ainda a flexibilização do movimento revolucionário, com o abandono da hierarquia vertical e a adoção do modelo organizacional em "redes".

Bilionários globalistas passam a patrocinar movimentos esquerdistas por toda parte, de modo que rapidamente o discurso agora chamado "politicamente correto" se erige em opinião dominante, inibindo e marginalizando toda oposição conservadora ou religiosa, que se refugia em grupos minoritários cada vez mais desnorteados ou entre as camadas sociais mais pobres, desprovidas de canais de expressão.

Os efeitos desse processo na alma uspiana foram profundos e avassaladores: consagrados como representantes máximos do novo ethos global, os estudantes já não têm satisfações a prestar senão a seus próprios impulsos e desejos.

O jovem radical ególatra, presunçoso e insolente, a quem todos os crimes são permitidos sob pretextos cada vez mais charmosos, tornou-se o modelo e juiz da conduta humana, a autoridade moral suprema a quem o próprio consenso da mídia e do establishment não ousa contrariar de frente, sob pena de se autocondenar como reacionário, fascista, assassino de gays, negros e mulheres etc. etc. etc.

Há quem reclame dos "excessos" cometidos por aqueles jovens, mas a expressão mesma denota a queixa puramente quantitativa, a timidez mortal de contestar na base uma ideologia de fundo que é, em essência, a mesma de deputados e senadores, professores e reitores, ministros de Estado e empresários de mídia -a ideologia de todo o establishment, de todas as pessoas chiques.

A ideologia, em suma, da própria Folha de S.Paulo.

(OC é filósofo e escritor)

sábado, novembro 12, 2011

DE PEQUENOS E GRANDES CORRUPTOS

Esta semana, duas notícias pareceram mostrar que, apesar de tudo, o Brasil está melhorando. A primeira foi a retomada ordeira e sem incidentes, pela polícia, da reitoria da USP, que havia sido invadida e vandalizada por um bando de bebês mimados com saudades da época da ditadura militar. A segunda foi a ocupação, também pela polícia, da favela da Rocinha, a maior do Rio de Janeiro, onde vigorava há décadas a lei do narcotráfico. No plano internacional, outra boa nova foi a eliminação na Colômbia, pelas forças da ordem, de Alfonso Cano, comandante dos narcobandoleiros das FARC, que há mais de quarenta anos enlutecem o país vizinho e exportam drogas e violência para o resto do continente.

Os três fatos estão intimamente relacionados. Os vândalos da USP foram desalojados na operação de reintegração de posse porque - vamos relembrar - queriam a PM fora do câmpus, depois que três maconheiros foram flagrados no local. A mesma "causa" movia os traficantes da Rocinha no Rio, a começar por Nem, o chefe do narcotráfico na favela, preso alguns dias antes da retomada do morro pela polícia. As FARC, nem é preciso lembrar, vivem da exploração de drogas como a cocaína, que exportam para os morros cariocas (diga-se de passagem, ainda não vi, e espero ver um dia, um traficante das FARC ser preso no Brasil, ao invés de receber proteção do governo como "refugiado político", como aquele ex-padre de Brasília). Nos três casos, enfim, uma derrota do banditismo e uma vitória da lei e da democracia.

Das três notícias, a expulsão dos baderneiros da reitoria da USP tem um significado especial. O fato pode significar o começo de uma revolução mental nas universidades brasileiras. Assim como, pela primeira vez em trinta anos, os moradores da Rocinha podem respirar aliviados após a expulsão dos traficantes, e a população colombiana vislumbra a possibilidade de viver em paz sem as bombas e assassinatos dos facínoras das FARC, os estudantes da USP - falo de estudantes de verdade, que estudam, e não dos que estão lá somente para fazer politicagem e fumar maconha - têm a chance, também pela primeira vez em décadas, de se livrarem do jugo ideológico de grupelhos sectários, tão minoritários quanto barulhentos, que seqüestraram a universidade e tranformaram os estudantes em reféns de suas ideologias falidas e totalitárias. Têm a oportunidade, enfim, de retomar a universidade, permitindo que ela exerça o papel para o qual foi criada, que é o de produzir conhecimento. O exemplo poderia frutificar, espalhando-se para as demais universidades. Não seria pouca coisa.

Os grupos que patrocinaram a baderna no câmpus da USP, claro, não aceitarão isso de bom grado. Li que já estão ameaçando com uma greve no ano que vem - para variar, ano eleitoral. É mais um motivo para querer esse pessoal longe das universidades. Entra ano sai ano, e eles sempre dão um jeito de impor sua agenda político-partidária-eleitoral-revolucionária-maconhista sobre os 90% que não compartilham de seus "ideais". Em todas essas situações, deixam claro seu ódio à liberdade e ao pensamento discordante.

Tive a oportunidade de sentir isso na própria pele, mais de uma vez. Em 1998, eu estava terminando o curso de História na Universidade Federal do Rio Grande do Norte quando houve mais uma greve que paralisou por meses a universidade. Assim como ocorreu antes, e ocorreria depois, sempre em ano eleitoral. Eu estava farto de perder aulas por conta das ambições eleitoreiras dos partidos de esquerda, como havia ocorrido em outras greves (eram sempre o PT e o PCdoB, mas havia gente também do PSTU e de outros partidecos de extrema-esquerda), e, embora ainda relutasse em abandonar totalmente minhas ilusões esquerdistas da adolescência, sinceramente não entendia como se poderia atingir o "inimigo" (ou seja, o governo, no caso, o de FHC) e defender uma educação pública, gratuita e de qualidade (era esse o principal bordão dos grevistas) impedindo os alunos de estudarem e passando cola super-bonder nas fechaduras das portas das salas de aula...

Resolvi, então, escrever um texto de protesto, que afixei nos murais dos corredores do setor onde eu tinha aula. Posso dizer, sem exagero, que aqueles textos não duravam cinco minutos, pois eram logo arrancados. Teve uma noite em que eu coloquei o mesmo texto no mesmo mural umas dez vezes: mal eu virava as costas, e uma mão invisível e agilíssima o arrancava, sem dar tempo sequer de alguém ler o que estava escrito. E assim foi por vários dias, até que a greve foi decretada numa assembléia que, desconfio, não reuniu nem 1% dos alunos...

A esse episódio juntou-se outro, em 2000, que já contei aqui. Eu já tinha me formado, e era professor substituto no mesmo curso em que me graduei. Outro ano eleitoral, outra greve. Sabendo dos resultados funestos que mais uma paralisação teria para os alunos, resolvi submeter a decisão de aderir ou não à greve à uma votação nas duas turmas para as quais eu lecionava. Uma delas aderiu ao movimento, decisão que respeitei. Outra, dele decidiu não participar, e continuar as aulas normalmente, o que também respeitei. Mas não foi a mesma a atitude de um pirquete de grevistas (alguns deles, nem estudantes eram), que, chegada a hora da aula, à noite, tentaram me intimidar, depois apagaram as luzes da sala. E falavam em democracia e em ensino público gratuito e de qualidade...

Eu poderia citar outros fatos, muitos, que revelam esse padrão nas universidades brasileiras. Lembro que, certo dia na década de 90, um grupo de militantes de esquerda (não sei se do PT ou do PSTU) tinha armado numa feira universitária um estande com material de propaganda defendendo o boicote ao ENEM, então uma proposta do governo FHC (eram tempos do "Fora FHC"). Tentei puxar conversa com um deles, perguntando por que estava contra a idéia, que me parecia bastante razoável. Ele balbuciou alguma coisa sobre neoliberalismo e privatização, e, vendo que eu não estava ali para assinar o manifesto que tinham feito, e que insistia na pergunta, mudou de conversa e se afastou. Hoje, o ENEM é uma bagunça, graças ao trabalho labrogeiro de Fernando Haddad, provavelmente o pior ministro da Educação que o Brasil já teve em todos os tempos (e que o PT quer ver como prefeito de SP em 2012, vade retro!). Mas, curiosamente, não vejo ninguém na esquerda defendendo um boicote.

O que está acima mostra o seguinte: o que chamam por aí de "movimento estudantil" não existe, é uma palhaçada, feita por e para partidos de esquerda ou extrema-esquerda sem qualquer compromisso com a educação e com os estudantes. Pior: sem nenhum compromisso - nenhum mesmo! - com qualquer coisa que se pareça com democracia e com ética. Assim como os narcotraficantes da Rocinha e os terroristas das FARC, os bichos-grilos fashion da USP estão se lixando para tudo isso, e querem apenas se locupletar. Aí está a União Nacional dos Estudantes Amestrados (UNEA, ex-UNE) para provar.

Digam-me, com toda sinceridade: que diferença existe entre os baderneiros da USP e os petralhas que assaltam os cofres públicos? Qual a diferença entre esses mimadinhos e Orlando Silva ou Carlos Lupi? Eu respondo: NENHUMA! Assim como os ministros corruptos de hoje, os revolucionários pequeno-burgueses da USP vivem de ideologia vagabunda e de parasitar o erário. E que diferença há entre os arruaceiros que invadiram a reitoria e Nem da Rocinha? Tirando o fato de que este último andava armado e mandava incinerar desafetos, nenhuma diferença: tanto um como outro odeiam a polícia e defendem suas bocas-de-fumo. Enfim, são todos feitos da mesma lama (para não dizer outra coisa).

Os "revolucionários by GAP" e de óculos de 500 reais que vivem da mesada do papai são os orlandos silvas e os carlos lupis de amanhã. Aprendem, num movimento que conta com a cumplicidade de alguns professores e jornalistas ideologicamente comprometidos ou carentes de coragem para afrontar o politicamente correto, a arte da corrupção e da impunidade. Não é por acaso que a UNE tenha virado uma correia de transmissão do Palácio do Planalto, e que seus dirigentes sejam oriundos de partidos como o PCdoB. Entre os delinqüentes da USP está, provavelmente, um futuro ministro de Estado.

quarta-feira, novembro 09, 2011

A CRISE DO EURO. E AS BESTEIRAS QUE ESTÃO DIZENDO POR AÍ

Tem assuntos que, de tão manjados, já dá para dizer exatamente o que vão falar a respeito. É o caso da crise do euro, que esta semana pareceu chegar a um ponto culminante, com a idéia aparentemente tresloucada do primeiro-ministro grego, George Papandreou, de convocar um referendo para decidir sobre o pacote de resgate financeiro decidido no dia 27 de outubro com o FMI, o Banco Central Europeu e a Comissão Européia (a chamada "troika"), para evitar que o país vá à falência.

A idéia de convocar um referendo para perguntar à população se concorda que o governo corte empregos, aumente impostos e diminua salários e aposentadorias – as condições impostas pela "troika" para liberar uma parcela de 8 bilhões de euros de um empréstimo de 130 bilhões de euros acordado no ano passado e renovado em julho último – é, obviamente, um disparate, e tem mais a ver com a política interna grega, onde reinam a demagogia e o populismo, do que com qualquer verdadeira disposição de enfrentar as raízes da crise e reconduzir o pais ao eixo da racionalidade econômica, num momento em que sua permanência na zona do euro e na UE está em perigo. Mas não é sobre isso que quero falar.

O que me chama a atenção nesses momentos, em que o euro parece fazer água e o exemplo grego ameaça contagiar outros países do bloco europeu, como Itália e Espanha, é a quantidade pantagruélica de besteiras que alguns auto-proclamados "especialistas" começam a despejar por aí, e que passa, nesses dias turbulentos, por sabedoria e racionalidade.

Vejamos a principal linha de raciocínio desse pessoal: segundo os sábios de plantão, a crise grega, como a do próprio euro, seria uma prova (mais uma vez!) da (novamente) falência do (lá vamos nós de novo...) "modelo neoliberal" e da "irracionalidade dos mercados". Esta é a tese favorita (na verdade, a única) dos anticapitalistas empedernidos, que botaram a culpa igualmente nos mercados pela crise americana de 2008 (e na de 1987, de 1973, de 1929, de 1873...).

É a turma do "mais Estado, menos mercado", que parece ainda não ter engolido – e parece que não vão engolir nunca – a derrocada da finada URSS, na qual viam um paradigma de racionalidade econômica (!) e de (não riam!) justiça social (o que, segundo dizem, não existiria no capitalismo).

Quanta bobagem! Quanta besteira!

Fico me perguntando o que esses devotos da estatolatria e inimigos figadais da sociedade livre andaram bebendo para dizer o que vai aí em cima. Culpar o "neoliberalismo" e a "irracionalidade dos mercados" (ou "a voracidade do capital financeiro", como também gostam de dizer) pelo estado lastimável das finanças da Grécia é coisa de quem não consegue enxergar um palmo à frente do nariz, só conseguindo "pensar" em bloco, no modo automático.

Para começo de conversa, a crise da Grécia não é uma crise do setor bancário (como na Islândia e, até certo ponto, Portugal), tampouco o resultado do estouro de uma bolha imobiliária (como nos EUA em 2008), mas uma crise de insolvência, decorrente de décadas de populismo e de gastança irresponsável por parte de um Estado inflado ao máximo. A dívida pública grega, que chega a mais de 160% do PIB do país, saiu do controle por causa não de políticas "neoliberais", mas, exatamente ao contrário, devido a práticas assistencialistas e paternalistas do Estado-protetor, organizado em padrões quase bolcheviques (aliás, o partido que está no poder em Atenas, é bom lembrar, atende pelo nome de "socialista", e seu líder, George Papandreou, é presidente da Internacional Socialista).

Durante décadas, essa crise foi-se gestando, à medida que governo após governo se dedicava a fazer aquilo que os populistas mais gostam de fazer: gastar, gastar muito, para acomodar suas clientelas políticas. Em 2009, a farra acabou, e desde então os que bancavam a festa resolveram cobrar a conta. Sem condições de honrar a dívida, com as contas em frangalhos, o governo grego viu-se obrigado, então, a fazer o que nenhum governo gosta de fazer: adotar medidas de austeridade econômica, obviamente impopulares.

Se existe um país na Europa em que a palavra "neoliberal" é praticamente desconhecida, é a terra de Péricles e de Homero. O Estado grego é mastodôntico, e controla praticamente 70% do PIB do país, cuja economia gira basicamente em torno do turismo e da navegação. Para se ter uma idéia do tamanho da mamata, filhas solteiras de funcionários do governo gozam de pensão vitalícia (!) e a folha de pagamento do Estado grego é tão grande e o descontrole das contas públicas tão generalizado que o governo não sabe sequer quantos funcionários tem – o número é estimado em algo como 700 mil (quase 10 por cento da população, que é de 11 milhões de habitantes), muitos em funções redundantes e irrelevantes. Para piorar, o poder quase absoluto dos sindicatos impede qualquer reforma e deu origem a aberrações, como dezenas de profissões "fechadas", ou seja, vedadas à concorrência interna ou externa, como taxistas, médicos, farmacêuticos e caminhoneiros. Soa como "neoliberal" para você?

Aí vão outros dados importantes: assim como no Brasil, a burocracia estatal é enorme, e as privatizações são um anátema (simples rumores de venda de empresas pelo governo são suficientes para levar milhares às ruas e causar um terremoto político no país). As universidades, todas estatais – a Constituição proíbe universidades particulares –, são de baixa qualidade, e viraram há décadas redutos de agitação política de grupos radicais de esquerda, onde "estudantes eternos" que vivem às custas do dinheiro público dedicam-se a realizar protestos e enfrentar a polícia nas ruas (se você lembrou da USP, acertou em cheio). Para complicar as coisas, a poderosa Igreja Ortodoxa grega (que é, na prática, oficial) não paga impostos, e os milhares de padres são sustentados pelo Erário, com óbvias conseqüências para o equilíbrio das contas públicas.

O sistema político também não ajuda. Desde 1974, quando terminou a ditadura militar, os dois principais partidos do país – o PASOK, socialista, e a ND, de centro-direita – criaram uma máquina político-estatal clientelista de fazer inveja ao PT e ao PMDB. Com a entrada da Grécia na UE, em 1981, e com a adoção do euro em lugar da dracma, em 2000, a brincadeira simplesmente ultrapassou todos os limites, e a corrupção atingiu níveis quase petistas. Em vez de aproveitar o dinheiro da UE para diversificar a economia, o governo preferiu viver de renda. Resultado: as coisas fugiram completamente do controle, enquanto a evasão fiscal aumentava e as estatísticas da economia – para garantir a ajuda dos demais Estados da UE – eram maquiadas. Até hoje não se sabe, por exemplo, quanto custaram as Olimpíadas de 2004 em Atenas (as estimativas variam de 7 a 50 bilhões de euros).

Pois bem. Foi essa situação - hipertrofia do Estado, gastos excessivos, fiscalização deficiente, clientelismo político, populismo desenfreado - o que levou à atual crise grega. É uma crise, portanto, do welfare state keynesiano, e não do "neoliberalismo". Se há uma solução para a Grécia, é menos, e não mais, intervencionismo estatal. É mais, e não menos, capitalismo (ou "neoliberalismo", como queiram – aliás, isso é extensivo a outros países).

Os fatos acima, claro, são e serão ignorados por quem já resolveu substituir o senso crítico pelo pensamento em bloco (neste caso, de cunho antiliberal e anticapitalista - na verdade, mais antiliberal do que anticapitalista). É mais um exemplo de como a ignorância e a soberba costumam andar juntas, encontrando-se no discurso esquerdista. Este, na verdade, só se sustenta atualmente por meio da dissonância cognitiva, como já afirmei: quanto mais desacreditado pelos fatos, mais ele se renova, adiando para a próxima crise o anunciado fim iminente do capitalismo.

Se os devotos do culto marxista e inimigos da liberdade deixassem de lado, por um instante, os slogans e os preconceitos ideológicos e enxergassem a realidade como ela é, teriam a chance de aprender alguma coisa. Mas adianta explicar o que está acima para quem não quer saber? Afinal, para quê investigar, se o culpado já foi escolhido?

O MUNDO SE CURVA AO BRASIL

A foto acima mostra quão concorrida foi a entrevista coletiva de Dilma Vana Rousseff na Reunião de Cúpula do G-20, realizada semana passada em Cannes.

Notem a quantidade de gente que se espreme no auditório lotado de pessoas ansiosas para ouvirem o que tem a dizer a presidente da mais nova potência mundial.

O sucesso foi tão grande que a organização do evento teve até que organizar uma fila do lado de fora, com cambistas e vendedor de pipoca. Fez um show do U2 ou do Roberto Carlos parecer um comiciozinho de subúrbio.

Posso estar enganado, mas acho que o sujeito ali no canto esquerdo é o Obama, ouvindo atentamente as lições da supergerenta sobre governança global e o melhor caminho para alcançar a paz no Oriente Médio. Sarkozy e Angela Merkel estavam tomando notas sobre como acabar com a pobreza e resolver a crise do euro.

Infelizmente, o ângulo da foto não permite mostrar a expressão de enlevo nos rostos fascinados da platéia. Mas pode-se ter uma idéia de como ela ouviu tudo com o maior interesse, saboreando cada palavra da Guia e Mestra. Imaginem a ovação final.

E agora, o que vão dizer os "do contra", esses derrotistas e invejosos, diante desse momento de glória pátria, essa verdadeira apoteose da segunda líder mais importante do mundo desde a criação do Universo (o primeiro, claro, foi o Lula)?

É mais uma prova de que o Brasil realmente cresceu em influência e importância na era lulopetista. Como diria Marilena Chauí, a filósofa-musa do petismo, quando Dilma fala, o mundo se ilumina. Demorou, mas chegamos lá. O mundo finalmente se curva perante a terra de Cabral!

Vejam como o Brasil está bombando lá fora, gente!

Chupa, mundo! Brasil-sil-sil!!!

LULA E A EXPLORAÇÃO DEMAGÓGICA DO CÂNCER

"É tão bom que dá vontade de ficar doente só pra ser internado", disse Lula, com a fanfarra habitual, em um comício-inauguração no ano passado, em Recife. Entre confetes e aplausos da platéia domesticada, ele estava falando de uma UPA, unidade de pronto atendimento, que acabava de inaugurar na capital pernambucana, com ares de quem estava cortando a fita de um hotel cinco estrelas.

No mesmo dia, provavelmente preocupado porque sua escolhida para ocupar a Presidência demorava a emplacar nas pesquisas, Lula sofreu uma crise de hipertensão. Teve, assim, a oportunidade de provar o que dissera horas antes. Aproveitou a chance indo correndo internar-se no Hospital Real Português, um dos melhores do Nordeste. E privado.

Esta semana muita gente se deixou comover com a revelação de que o líder mais importante da História desde Moisés e consultor-geral do mundo tem câncer na laringe. Poucos foram, porém, os que lembraram do fato acima. Assim como poucos foram os que viram qualquer incoerência no fato de o inventor do Brasil Maravilha ter escolhido para tratar-se, em vez de um leito do SUS, o Hospital Sírio-Libanês de São Paulo. Quem o fez foi acusado de “insensível” e – vejam só – de querer “explorar politicamente” a doença de Lula…

É esse tipo de coisa que me convence cada vez mais que está tudo de pernas para o ar no Brasil da era lulopetista. Leio na imprensa elogios à "transparência" de Lula, que, ao contrário de tiranos populistas como Hugo Chávez e Fidel Castro (outros dois acometidos pela moléstia nos últimos anos), revelou logo que tem a doença etc. e tal. A vontade de alguns jornalistas de que Lula seja diferente dos seus dois maiores aliados (um deles, ele não esconde, seu maior ídolo) é tão grande que os leva a esquecer fatos de ontem. Lula está usando a doença, assim como a usaram e usam Castro e Chávez. Usando politicamente. Demagogicamente. Como sempre fez, diga-se.

A doença sensibiliza as pessoas, e Lula sabe disso. Torna-as menos racionais e mais emotivas, portanto menos propensas ao espirito crítico e mais facilmente manobráveis, abrindo uma brecha para a manipulação sentimentalista das emoções do público. É uma tática comum aos grandes atores e também aos canastrões. Em um povo supersticioso como o brasileiro, ainda atrelado ao pensamento mágico, a doença (ou a morte) vira uma especie de álibi, uma licença para não pensar.

A coisa é tão óbvia que me bate até certa vergonha em lembrar: se o enfermo é um político, a doença adquire, inevitavelmente, um aspecto político, ainda que ele não queira (o que não é o caso do doente em questão). Se o político é Lula, vira mais que isso: torna-se mais um tijolo no edifício da santificação. Lula aproveitou sua internação no Sírio-Libanês para pedir apoio à companheira Dilma. A doença pode mudar a vida de alguém, mas não muda seu caráter.

Se há algo que a doença de Lula vem provar, é que não há limites para a demagogia. E a demagogia está no sangue de Lula. É parte indispensável de seu mito pessoal. Não há momento de sua vida que não tenha virado objeto de uma sistemática, planejada, mistificação. Desde a infância pobre em Garanhuns, até a estréia para os holofotes no sindicato, passando pela mãe "que nasceu analfabeta" (e que ele honrou escolhendo permanecer semiletrado, quando poderia ter estudado), as greves, a chanchada da prisão e da "greve de fome" com balas Paulistinha em 1980, a fundação do PT, a passagem apagada e hoje esquecida pelo Congresso Nacional, a oposição ao Real e ao governo FHC, chegando ao show do mensalão e à imposição da sucessora – toda a trajetória de Luiz Inácio, enfim, é uma grande farsa, um conto da carochinha (ou do vigário) a serviço de um culto grotesco de sua personalidade, como demonstra o filme hagiográfico e lacrimoso que fizeram sobre ele. Toda a vida de Lula é um novelão mexicano, que, como escreveu um de seus ex-colaboradores, exala o mau cheiro das mistificações. Com a doença não poderia ser diferente.

É por isso que acho tão engraçado quando vejo tanta gente dizendo-se horrorizada com a sugestão, que ganhou as redes sociais, de que Lula vá se tratar no SUS e não no Sírio-Libanes, como são obrigados a fazer milhões de cidadãos comuns. Ora, nada mais lógico. Desde que passou a faixa presidencial, Lula é, afinal de contas, um cidadão comum, ou não?

Sem falar que, se até os ex-presidentes do regime militar se trataram em hospitais públicos após terem deixado seus cargos, por que Lula da Silva não poderia fazer o mesmo? Afinal, o câncer iguala a todos, certo?

Lula passou oito anos dizendo-se o reconstrutor do Brasil, inclusive na área da saúde. Gastou litros de saliva enaltecendo o “seu” sistema de saúde como o melhor do mundo etc. Agora, em uma hora delicada, perde novamente a chance de provar o que disse. Afinal, sob a era lulopetista, o SUS virou ou não uma maravilha?

Os jornalistas que condenaram a exploração política da doença de Lula como vergonhosa estão cobertos de razão. Só se esqueceram que essa exploração demagógica é feita pelo próprio. Mais uma vez, revela-se que, até no câncer, o Apedeuta é diferente dos demais mortais. Que o digam os sem-Sírio-Libanês.

OS MIMADINHOS DESOCUPADOS

Exemplo de "arte revolucionária" encontrada nas paredes da reitoria da USP: mimadinhos esquerdopatas e delinquentes fazem estudantes reféns de suas ideologias falidas e totalitárias. Democracia neles!


"Violência na USP", é a manchete de vários jornais de hoje, após a PM paulista ter desalojado um grupo que ocupava a reitoria da veneranda universidade. "Estudantes presos", berram em uníssono os meios de comunicação. Os 73 que foram levados de ônibus para a delegacia aproveitam cada momento de exposição na imprensa para denunciar maus-tratos por parte dos policiais. Os pais de alguns deles, assim como alguns jornalistas, vão na onda e botam a boca no mundo contra essa violência etc. e tal. Houve mesmo quem visse na coisa um quê de Ibiúna-1968.

É verdade que houve um ato de violência no campus da USP. Um, não: vários. Nenhum deles foi cometido pela PM.

A primeira violência ocorreu quando um bando de meliantes tentou impedir a prisão de três colegas apanhados em flagrante fumando maconha no campus, ferindo vários policiais e danificando viaturas da PM a pedradas. Uma dupla violência: contra a lei e contra quem é pago pelo Estado para defendê-la.

A segunda violência deu-se quando, logo em seguida, uma turba de delinquentes e arruaceiros, encapuzados e disfarçados de estudantes, resolveu invadir o prédio da administração da FFLCH, transformando-a em QG para berrar slogans esquerdóides de grupelhos sem representatividade no corpo estudantil. Uma violência contra o patrimônio público e contra a racionalidade.

A terceira violência aconteceu quando esses mesmos militontos desrespeitaram a decisão da maioria esmagadora dos estudantes da USP – que têm mais o que fazer na vida e preferem estudar a queimar fumo –, decisão esta manifestada em assembléia, e resolveram invadir tambem o prédio da reitoria, decretando a "revolução". Uma violência contra a democracia (e contra o bom senso).

Finalmente, uma última violência: tentaram transformar a maior universidade brasileira num soviete onde filhinhos-de-papai mimados e com roupas de grife dão vazão a seus delírios esquerdopatas juvenis, impedindo o funcionamento da instituição e o acesso de seus 89 mil estudantes aos serviços da universidade. Uma violência contra a inteligência e o conhecimento.

Se um morador da periferia for apanhado fumando maconha, ele será preso e fichado pela polícia. Se seus amigos resolverem tentar impedir a polícia de fazer seu trabalho e resgatá-lo na marra, vão levar bordoada. Se, além disso, decidirem invadir um prédio publico – digamos, uma escola –, impedindo os alunos de estudar e os professores de darem aula, agredindo jornalistas e exigindo a saída da PM da area, serão considerados, no mínimo, baderneiros e cúmplices do crime de narcotráfico. Assim é no estado democrático de direito, onde a lei vale para todos, sem distinção de cor, raça, ideologia ou conta bancária.

Os remelentos que invadiram a FFLCH e a reitoria da USP – verdadeiras caricaturas de revolucionários, que parecem saídos diretamente do filme Bananas, de Woody Allen – acham que são diferentes. Acreditam que, por terem quem os sustente – pápi, mâmi ou o Estado –, pertencem a uma categoria especial, acima dos demais mortais, e podem fazer o que bem entendem. Acham que estão, enfim, acima da lei. São elitistas, no pior sentido da palavra, e odeiam a democracia.

O que aconteceu na USP foi a desmoralização final de um "movimento" que vive de ideologias falidas e da mesada do papai e da mamãe. Há décadas, as universidades brasileiras foram sequestradas por partidos e sindicatos de esquerda que se dedicam a impor sua agenda antidemocrática à maioria dos estudantes, que tem que aceitar calada esse verdadeiro bullying ideológico. Bebês crescidos, muitos deles com mais de 30 anos, não se contentam em viver às custas do dinheiro estatal e da cumplicidade complacente de professores-militantes semi-analfabetos, que ainda acreditam que estamos no Brasil da época do AI-5, e promovem abertamente a bagunça e a desordem, em nome do sagrado direito de puxar um "beck".

Tive contato na minha época de estudante e também de professor, com esses arruaceiros e vagabundos (e, devo confessar, fui um deles durante um tempo). Mesmo participando de um grupinho sectário de ultra-esquerda, na época, 1994, 95, eu já os via como eles são: um bando de arruaceiros e vagabundos, que não estão nem aí para a educação (a começar pela própria) e só querem saber de zoeira e de fazer proselitismo barato para seus partidos. Mas, pelo menos, esses che guevaras do danoninho ainda não tinham sido estatizados: a UNE, essa inutilidade aparelhada pelo PCdoB, bancava as farras com o dinheiro surrupiado das carteirinhas de estudante.

Hoje, com os cumpanhêru no poder, a UNE virou UNEA (União Nacional dos Estudantes Amestrados), uma repartição chapa-branca dirigida por sorridentes pelegos, sempre a postos para torrar uma grana do governo em festinhas e em organizar, de vez em quando, um protesto a favor. Alguns de seus membros, meio que por inércia, meio que por burrice mesmo, ainda falam em revolução, mas estão mais para bunga-bunga com dinheiro alheio. Intolerantes ao extremo, incapazes de aceitar o pensamento discordante, vivem de intimidar os que deles discordam. E ainda vêm chorar em público, reclamando perante as câmeras da imprensa (a mesma que chamam de “golpista” e “burguesa”) que foram "torturados" pelos cruéis policiais porque, afinal de contas, foram levados de ônibus, e não no carrão do papai... O pai de um deles, membro de um grupo trotskista, chegou a acusar os policiais de terem “desaparecido” seu filho, que estava, na verdade, na casa da mamãe… É ridículo. É patético. E é triste.

Meus parabéns à PM de São Paulo, que, cumprindo ordem judicial, não se deixou intimidar pelas patrulhas ideológicas e deu uma aula de democracia a esses bebês mimados e malcriados, que confundem autonomia universitária com licença para transformer a universidade numa boca de fumo. Já que os pais desses desocupados não lhes ensinaram que é feio cabular aula e puxar um baseado, que aprendam isso com o povo fardado, ou seja: a polícia. Um pouco de borrachada democrática não lhes fará mal.

segunda-feira, novembro 07, 2011

A SEDUÇÃO DO TOTALITARISMO (OU: EXPLICANDO PLATÃO A UM IGNORANTE SOBERBO)

Platão: alguém precisa defendê-lo dos que o citam


Que tal trocar eleições livres, alternância de poder e liberdade de expressão por partido único, censura e repressão política?

Que tal substituir conquistas democráticas que custaram sangue, suor e lagrimas por um Estado-Leviatã todo-poderoso, eliminando as liberdades individuais, em nome, sei lá, de mais segurança?

Que tal escolher viver, em vez de numa sociedade democrática, onde todos podem ascender socialmente e participar dos destinos do país, em uma sociedade organizada como uma colméia ou um formigueiro, dividida em castas?

Que tal renunciar voluntariamente ao status de cidadão para se tornar súdito de um governo totalitário, dominado por uma elite de iluminados, a que seria vedado, para se dedicarem exclusivamente à função de decidir o que é melhor pata todos, o direito à família e à propriedade?

Então, que tal?

É, eu tambem achei uma péssima idéia.

Mas há quem acredite que isso vale a pena. Um leitor chamado Diogo, por exemplo, botou na cachola que a opção acima – uma sociedade rigidamente hierarquizada, em que os direitos individuais seriam inexistentes e todos teriam as vidas tuteladas pelo Estado – é muito superior à democracia representativa. Por quê? Primeiro, porque a democracia seria uma bagunça (ou, como ele diz: um "oba-oba do caralho"); segundo, porque assim diziam Hobbes e Platão, ora!

Já escrevi sobre o dano que pode causar a cérebros adolescentes uma leitura dogmática e superficial dos clássicos. É algo que deveria, a meu ver, ser proibido a crianças e a idiotas. Lembrei agora de um caso que presenciei há alguns anos: certa vez, em uma palestra na universidade em que me formei, uma aluna do primeiro ano de Direito pediu a palavra e perguntou aos palestrantes por que não adotávamos o direito consuetudinário, tal como ocorre na Inglaterra. Provavelmente fascinada pela palavra – como soa bem, “consuetudinário” –, que ela, provavelmente, tinha acabado de ler ou ouvir pela primeira vez, ela parecia acreditar que este seria um modelo superior ao nosso Direito de inspiração romana, o caminho ideal para a solu;ão de todos os nossos problemas jurídicos. Isso foi até um dos professores presentes lembrar, meio constrangido, que não era possível um país adotar, por decreto, o Direito consuetudinário, pois este se caracteriza justamente por ser… consuetudinário, ou seja, baseado nos costumes, e não nas leis…

Lembrei dessa história ao ver a forma como o leitor se apega a Hobbes e a Platão. Principalmente ao vê-lo negar, com veemência, que seu elogio da república platônica signifique defender ditaduras. Basta ler A República, ele diz. Vou dar um pouquinho mais de atenção a ele:

Como já disse no meu comentário anterior (e que você não colocou por preguiça ou alguma má intenção), Platão era contra a tirania (leia o livro TODO e saberá).

Portanto, ao contrário do que você disse, NÃO ME UTILIZO DA "República para defender regimes como a ditadura castrocomunista em Cuba..." MUITO PELO CONTRÁRIO, SOU CONTRA A DITADURA (TIRANIA).

Hummm.... Será? Então vejamos.

Em primeiro lugar, vamos lembrar: a democracia é - felizmente - um sistema imperfeito. Por que digo "felizmente"? Porque sempre que alguém tentou impor a perfeição aos negócios humanos, sobretudo à política, o resultado foi uma pilha de cadáveres. A tendência a viver na irrealidade e em criar mundos onde tudo seria perfeito tem sido a causa de algumas das maiores tragédias da História da humanidade. Aí estão Hitler e Stálin, para dar apenas os dois exemplos mais conhecidos no século XX. Essa tendência se encontra em Platão, particularmente em A República, assim como em Hobbes, em Thomas More, em Tomás Campanella. E, é claro, em Marx e Lênin, servindo de justificativa filosófica para regimes totalitários.

Obviamente, nem Platão nem Hobbes estavam pensando em tais regimes quando elaboraram suas doutrinas, e isso só leva à conclusão de que propor sua aplicação literal na realidade de hoje é um anacronismo fruto de mentes fantasiosas e irrealistas. O fato de a democracia ser imperfeita leva cérebros dogmáticos e juvenis a tentar implantar, de forma acrítica e mecanicista, tal ou qual teoria redentora e salvacionista. O resultado desse tipo de engenharia social, não é preciso ser um especialista para perceber, só pode ser desastroso.

"Ah, mas eu sou contra a ditadura (tirania)", diz o leitor. Eu não duvido que ele seja contra a tirania tal como Platão a via, assim como não duvido que ele seja contra a democracia ateniense do século IV a.C. O problema, que pelo visto ele ainda não percebeu, é que tanto democracia quanto tirania são conceitos que significavam uma coisa na época de Platão, e outra coisa completamente diferente hoje, 2.300 anos depois. A democracia criticada pelo filósofo era um regime escravista, no qual dez mil cidadãos livres escolhiam diretamente as autoridades da pólis. Hoje, há de se convir, as coisas são um tanto diferentes. O mesmo ocorre com tirania – e com ditadura (uma criação, aliás, romana, e não grega). Dizer-se contra a democracia hoje, em 2011 d.C., só pode significar, portanto, duas coisas: ou a defesa da anarquia (o que não é o caso do leitor) ou da ditadura (autoritária ou totalitária). É colocar-se, portanto, a favor de regimes como os de Cuba ou da Coréia do Norte.

É possível que Platão estivesse certo ao desconfiar da cidade-Estado de seu tempo, em particular da democracia ateniense, que considerava decadente e que condenou seu mestre Sócrates a beber cicuta. Mas daí a imaginar que sua teoria da comunidade ideal seja viável hoje em dia – mais: que seja preferível à democracia moderna – é de uma ingenuidade dogmática que beira a insanidade. Corresponde a tentar substituir a química pela alquimia, ou os carros a motor pela carroça de burros. Não é por acaso que do nome de Platão veio o adjetivo platônico – no sentido em que entrou para o vulgo, como sinônimo de utópico ou irrealizável. Ler Platão com as categorias da atualidade é coisa de quem ainda está sujando as fraldas em termos intelectuais. O mesmo vale para Hobbes, que em vida era tratado como um excêntrico, assim como para qualquer outro autor.

Do mesmo modo, também é verdade que Platão era contra a tirania, que via como o resultado da distorsão da democracia (a "excessiva liberdade", de que fala o leitor, que a identifica, de forma bucéfala, com a corrupção dos petralhas), e que identificava como o predominio de interesses individuais sobre o interesse coletivo etc. Daí sua preferência por um regime de tipo aristocrático, guiado pela sabedoria dos reis-filósofos. Numa leitura superficial e dogmática, isso significaria que a democracia seria um regime inferior, e que a melhor maneira de evitar a tirania seria alguma forma de regime autoritário coletivista. Menos por um detalhe: isso era no século IV a.C...

Viu, caro leitor? Não era preguiça minha, não, tampouco má intenção. É só bom senso, mesmo. Algo difícil de achar em ignorantes soberbos. Sem isso, de nada adianta ler uma biblioteca inteira.

É algo tão evidente que até me dá certa vergonha repetir: na democracia representativa moderna, fruto do Iluminismo, a possibilidade de interesses privados se sobreporem aos demais é contrabalançada por um sistema de pesos e contrapesos (checks and balances), que Platão não conhecia, nem poderia imaginar que pudesse existir um dia. Ele jamais ouviu falar, nem poderia, em separação de poderes, representatividade parlamentar e estado de direito, para citar apenas alguns pilares da moderna democracia. Ele não conhecia, por exemplo, Montesquieu. Até porque, para tanto, teria que viajar alguns séculos adiante numa máquina do tempo. Os mesmos séculos que me separam do leitor que acredita que basta aplicar o que Platão escreveu para que não tenhamos corrupção – e que acha, num desafio à lógica mais elementar, que se pode ser contra a democracia, hoje, e não corroborar ditaduras.

É esse sistema, baseado no império da lei e não na vontade dos homens, e que foi aperfeiçoado nos últimos dois séculos, e não o sistema ateniense, que chamamos hoje de democracia. E, em tal sistema, os virtuais excessos são combatidos e dirimidos pela própria democracia, e não pela sua dissolução ou substituição por um regime ditatorial. Infelizmente, isso passou totalmente despercebido ao leitor, que pelo visto acabou de ler Platão e acredita ter achado o Santo Graal.

Para ficar mais claro: como evitar, por exemplo, que a liberdade de imprensa seja usada irresponsavelmente para caluniar outros? ou que a corrupção se alastre? Uma mente infantilizada pelo dogmatismo diria que o jeito é acabar com a liberdade de imprensa e impor a censura, ou fechar o Congresso e decretar a lei marcial. Uma mente liberal, que leu Platão e Hobbes com o olhar do seculo XXI e não dos séculos XVII ou IV a.C., responderia: com mais liberdade de imprensa e com mais democracia.

O leitor, claro, não pensa assim. Para ele, a corrupção, por exemplo, é aliada da democracia, e não sua inimiga. Ele identifica a corrupção como um "excesso de liberdade". Talvez por acreditar que a propria democracia seja um excesso. Enfim, ele é contra a tirania sim, mas só a de Atenas no século IV a.C…

Dizem que o clube mais numeroso do mundo é o dos inimigos das ditaduras de ontem e amigos das ditaduras de hoje. Pelo visto, esse clube não pára de crescer.

domingo, novembro 06, 2011

À MODA STALINISTA

por Roberto Pompeu de Toledo

Pouco antes de jogar a toalha, na semana passada, e entregar a cabeça do ministro do Esporte, Orlando Silva, o PCdoB tentou reinventar seu passado. No programa de propaganda obrigatória que foi ao ar no dia 20, apresentou como emblemas do partido Luís Carlos Prestes, Olga Benario, Jorge Amado, Portinari, Patrícia Galvão (a Pagu), Oscar Niemeyer e Carlos Drummond de Andrade. Era uma fraude similar às operações do programa Segundo Tempo. Dos sete, os seis primeiros pertenceram ao Partido Comunista Brasileiro (PCB), o arquirrival do Partido Comunista do Brasil (PCdoB). O sétimo, o poeta Carlos Drummond de Andrade, não foi nem de um nem de outro. O partido tentava, num programa de TV em que jogava as últimas fichas para safar-se do escândalo no Ministério do Esporte, pegar carona num casal de ícones da história brasileira (Prestes e Olga) e em algumas das mais queridas figuras da cultura do país.

O caso menos grave é o de Oscar Niemeyer, o único vivo do grupo. Apesar de ter sido militante do PCB, já apareceu em programas anteriores do PCdoB, do qual aceita as homenagens. O mais grave é o de Prestes. O PCdoB surge, em 1962, do grupo que, no interior do PCB, discordou da denúncia do stalinismo promovida na União Soviética após a morte do ditador. O PCdoB, com um curioso “do” no meio da sigla, será daí em diante o guardião da pureza stalinista. Os outros são a “camarilha de renegados”. E o renegado-mor, claro, é Prestes, o líder do PCB. No verbete “PCdoB” da Wikipédia, escrito num tão característico comunistês que não deixa dúvida quanto à sua procedência oficial, Prestes é tratado de “revisionista” (insulto grave, em comunistês) e acusado de ter “usurpado a direção partidária”. Também se diz ali que “abandonado à própria sorte, em idade avançada”, Prestes “dependerá de amigos como Oscar Niemeyer para sobreviver”. Eis colocadas na mesma cloaca da história (o comunistês é contagiante) duas figuras que agora o PCdoB alça ao altar de seus santos.

Entre os outros casos de usurpação biográfica, a alemã Olga, primeira mulher de Prestes, foi fiel soldado das ordens de Moscou. Morreu muito antes de surgir o desafio do PCdoB, mas é de apostar que essa não seria a sua opção. Portinari e Pagu morreram, no mesmo 1962 do cisma comunista, ele fiel à linha de Moscou, ela convertida ao trotskismo, portanto inimiga do stalinismo. Jorge Amado na década de 60 já tinha o entusiasmo mais despertado pelo cheiro de cravo e pela cor de canela do que pela causa do proletariado. Em todo caso, sua turma era a de Prestes, o “Cavaleiro da Esperança” que cantara num livro com esse título.

O caso mais estapafúrdio é o de Drummond. Nos anos 1930/1940 ele praticou uma poesia de cunho social e filocomunista. Chegou a colaborar com o jornal Tribuna Popular, do PCB. Mas nunca se filiou ao partido. Cultivou a virtude de nunca ser firme ideologicamente. O namoro com o comunismo, dividia-o com a fidelidade ao Estado Novo, ao qual serviu no Ministério da Educação. No pós-guerra, mitigava o comunismo com a sedução pela UDN do amigo e mentor Milton Campos. Em 1945 votou para senador em Luís Carlos Prestes, do PCB, e para presidente em Eduardo Gomes, da UDN. E, em 1964, apoiou o golpe militar. “A minha primeira impressão foi de alívio, de desafogo, porque reinava realmente, no Rio, um ambiente de desordem, de bagunça, greves gerais, insultos escritos nas paredes contra tudo. Havia uma indisciplina que afetava a segurança, a vida das pessoas”, explicou numa entrevista, transcrita em livro recente (Carlos Drummond de Andrade Coleção Encontros). Agora vem o PCdoB dizer que Drummond foi um dos seus!?

Desconcertante história, a desse partido. A defesa do stalinismo levou-o a festejar o grande timoneiro Mao Tsé-tung e, quando o timão do chinês emperrou, buscar inspiração na Albânia do “Supremo Camarada” Enver Hoxha. Arriscou uma aventura guerrilheira nos barrancos do Araguaia. E, em anos recentes, encantou-se pela UNE e pelo monopólio da carteirinha de estudante, declarou ao esporte um amor insuspeitado em quem associava o partido à figura franzina do patrono João Amazonas (1912-2002) e recrutou, para reforço de suas chapas, jogadores de futebol (Ademir da Guia, Muller) e cantores (Netinho de Paula, Martinho da Vila) em quem nunca se suporia inclinação pela causa da foice e do martelo. Se há uma coisa em que manteve a coerência, é no vezo stalinista. Stalin mandava cortar das fotos dirigentes do partido caídos em desgraça. O PCdoB inclui em suas fileiras gente que lhe foi alheia. Pelo avesso, chega ao mesmo fim de falsificar a história.

sábado, novembro 05, 2011

DEMOCRACIA É PARA GENTE GRANDE

"E, de tanto ler livros de cavalaria, perdeu o juízo". (Dom Quixote)

Estou me divertindo bastante com os comentários que um certo Diogo Dias encasquetou de fazer no blog. Ele acha que a democracia não presta. Mais que isso: acredita que, ao dizer coisas como "cara, não acredito na democracia" e "com certeza, o Estado-Leviatã é melhor", ele estaria emitindo uma opinião que não tem nada a ver com a defesa de um regime político ditatorial. E, para justificar esse seu ponto de vista, ele cita, logo depois de Hobbes, Platão.

Na minha época de professor, deparei com alguns tipos assim. São os chamados ignorantes soberbos - acreditam que, por terem lido um autor (ou a orelha de um livro sobre um determinado autor), são superiores aos demais alunos, que não leram nada. Até aí, tudo bem. O problema é que não raro eles acham que encontraram a chave para a solução dos problemas da humanidade. Não raro, tropeçam no próprio autor, que citam como se fosse o Quinto Evangelho, caindo numa confusão dos diabos. Mas não perdem a pose. Talvez por vaidade. Certamente, por infantilismo.

É o caso do Diogo. Em seu último comentário, ele escreveu o seguinte:

Falta de senso crítico é não ler as obras com atenção. Se você for até a passagem em questão da República de Platão, verá que ele está falando da virada da democracia para a tirania."A liberdade em excesso, portanto, não conduz a mais nada que não seja a escravatura em excesso, quer para o indivíduo, quer para o Estado".

Logo abaixo ele continua: "É natural, portanto, que a tirania não se estabeleça a partir de nenhuma outra forma de governo que não seja a democracia, e, julgo eu, que do cúmulo da liberdade é que surge a mais completa e mais selvagem das escravaturas"(Platão, República, 564a)

É só ler o livro 8 da República com atenção que você poderá comprovar isso que foi citado e muito mais sobre o que ele fala com relação a democracia e a tirania.

O que está acima (há mais no comentário, mas nem vale a pena responder) comprovou minha suspeita de que é inútil tentar argumentar com alguém como o Diogo. Quem cita autores como Platão ao pé da letra para tentar justificar uma opinião contrária à democracia representativa atual - ainda mais com um argumento bucéfalo, que liga democracia à corrupção no governo - está além do alcance de qualquer razão. Pessoas assim não precisam de aulas de Política. Precisam de aulas de Lógica (ou então trocar o remédio).

Como eu disse antes, os trechos acima são um exemplo de uma forma preguiçosa de pensar. É o mesmo mecanismo mental que move os fanáticos políticos e os fundamentalistas religiosos. Para uns, é a Bíblia ou o Corão; para outros, é O Capital - ou A República.

Do mesmo modo que um crente fervoroso acredita que basta aplicar o que está nas Sagradas Escrituras para que todos vivam felizes e em comunhão, há quem acredite que basta aplicar o que está em tal ou qual autor para que tenhamos um mundo ideal, de ordem e tranquilidade. E não importa, para essas pessoas, que os autores em questão tenham vivido num mundo que desconhecia a existência das galáxias e da luz elétrica, 2.500 anos atrás... Do mesmo modo que não importa que existam passagens no Antigo Testamento que defendem, por exemplo, o apedrejamento de adúlteras. Está no livro? Então basta aplicar (ou "basta ler")...

Trata-se, além de uma expressão de preguiça intelectual, de um anacronismo, uma tentativa de interpretar conceitos e idéias fora do contexto histórico em que elas surgiram. Não é preciso ser um especialista para perceber que a democracia de que falava Platão e da qual ele desconfiava não é, evidentemente, a mesma democracia em que vivemos. Não é a democracia em que todos os cidadãos são considerados e tratados como iguais perante a lei, em que vigora a liberdade de opinião e a tripartição de poderes. Não é, enfim, a democracia de 2011, mas a de Atenas em 380 a.C. Tampouco a tirania de que ele fala tem o mesmo significado da que tem no século XXI. Acredito que não preciso explicar por quê.

Isso, claro, não tem a menor importância para mentes como a do Diogo. Para pessoas como ele, democracia e tirania (para não falar em conceitos como totalitarismo) não são coisas reais, mas simples categorias abstratas, idéias retiradas de um livro de Platão ou de Hobbes. Não fazem parte da realidade, nem da História, mas apenas de um debate acadêmico. Tanto que ele chegou mesmo a me desafiar a "derrubar" a teoria hobbesiana sobre o Estado. Como se "derrubar" uma teoria política fosse algo possível, assim como derrubar uns pinos numa partida de boliche...

Diogo não acredita na democracia, nem na de ontem, nem na de hoje. Eu acredito. Mais que isso: acredito que qualquer coisa que não seja a defesa da liberdade individual é um flerte com o totalitarismo, a pior forma de tirania (por exemplo: insinuar uma suposta relação causal entre a democracia e a corrupção, um argumento - repito - bucéfalo). Também acredito que pinçar trechos da obra de qualquer autor e tomá-los como a Verdade Revelada é típico de quem intelectualmente ainda não saiu das fraldas. É coisa de quem tem preguiça de pensar, para dizer o mínimo.

Platão e Hobbes são autores importantes demais para serem seqüestrados por mentes que nem sabem o que desprezam. Já afirmei, teorias são apenas isso: teorias. O que não significa, claro, que não sejam coisas perigosas. Como tal, não deveriam ficar ao alcance de mentes imaturas, tomadas de afã dogmático (e que nem sabem o que isso significa).

O mais engraçado é que o próprio Platão menosprezava os livros, preferindo a uma cultura livresca o método socrático do diálogo. Mas acredito que até isso nosso amigo desconheça. O que é mais uma razão para afirmar que se trata de mais um ignorante soberbo, orgulhoso da própria ignorância.

Como eu disse antes, até poderia ficar aqui discutindo a teoria do contrato social de Hobbes ou debatendo o que Platão quis dizer, frase por frase. Mas não vejo por que fazê-lo, diante de alguém que acredita que ele escreveu A República para defender regimes como a ditadura castrocomunista em Cuba...

Tenho uma sugestão ao MEC: na capa de livros de clássicos da Ciência Polîtica seria bom colocar um aviso - "não recomendável para crianças e débeis mentais". Aí estão comentários como o do leitor acima para explicar por quê. Democracia, assim como os filmes pornô, é para adultos.

terça-feira, novembro 01, 2011

KADAFI E BIN LADEN. OU: EXPLICANDO A DIFERENÇA ENTRE UM LINCHAMENTO E UMA OPERAÇÃO DE GUERRA.

Juro que não sabia que havia tanta viúvas do Bin Laden. Uma dessas criaturas piedosas, sensíveis e humanistas escreveu o seguinte sobre o texto em que esclareço a diferença entre a morte do saudita e a de Kadafi:

Absurdo! Assim como Bin Laden, Kadafi "foi o resultado de uma operação de guerra, não de um mandado judicial".Se defendemos a lei para um devemos defender para o outro. Usar o argumento de que nenhum tribunal o julgaria, no caso de Bin Laden, não é desculpa. Publicar Excluir Marcar como spam

Vamos lá, o mais didático possível:

Kadafi: estava preso e indefeso, sem chance de escapar. Sem falar que havia um mandado de prisão contra ele expedido pelo Tribunal Penal Internacional. Sua morte foi uma execução extra-judicial, portanto ilegal e injustificável, tanto do ponto de vista politico quanto militar e moral. Não foi uma “operação de guerra”: foi um linchamento.

Bin Laden: estava escondido em uma fortaleza em um país teoricamente aliado dos EUA, protegido por militares locais. Morreu de arma na mão. Seu julgamento seria uma impossibilidade prática – cada país atingido por atentado da Al-Qaeda poderia demandar uma ação judicial contra ele, criando um imbróglio jurídico internacional (só para ilustrar: havia uma sentença de morte esperando por ele na Arábia Saudita). Sem falar no óbvio risco à segurança que capturá-lo vivo implicaria (possibilidade de ataques mais intensos da Al-Qaeda etc.). Sua eliminação foi, portanto, uma necessidade militar, um ato de guerra legítimo.

De um lado, um ex-ditador capturado e indefeso, implorando pela vida. De outro, o terrorista mais procurado do mundo, encastelado em sua fortaleza e cercado de guarda-costas dispostos a se matar para impedí-lo de ser capturado. A morte de Bin Laden foi motivo de júbilo e celebração mundial. A de Kadafi, de vergonha. E ainda há quem não veja qualquer diferença. Cegueira ou burrice? Talvez as duas coisas.

As viúvas do megaterrorista podem chorar e lamentar à vontade por ele. Prefiro lamentar as milhares de vítimas que ele fez pelo caminho. E continuo a dizer que, pelo menos no caso de Bin Laden, a Justiça foi feita. Ao contrário do que houve com Kadafi.

Tá bom, né? Mais que isso, só desenhando com lápis de cor.