Mostrando postagens com marcador politicamente correto. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador politicamente correto. Mostrar todas as postagens

terça-feira, fevereiro 11, 2014

DOIS PESOS E DUAS MEDIDAS - por Luiz Felipe Pondé

por Luiz Felipe Pondé

Publicado na Folha de S. Paulo em 20/01/2014


Não sou religioso, só frequento templos vazios. Tampouco considero o ateísmo prova de maior inteligência ou coragem intelectual. Dias atrás, nesta coluna, ataquei as dimensões picaretas das religiões.

Por que digo isso? Porque hoje em dia, em épocas de exigências de pureza ideológica (no mundo da cultura vivemos um fascismo descarado dos bonzinhos, baseado em difamação de quem não frequenta as ideias que eles frequentam), se faz necessário apresentar algumas "credenciais" quando se vai tratar de um assunto delicado que pode ofender a sensibilidade totalitária dos bonzinhos. Quando ofendidos, os bonzinhos passam à gritaria, principalmente nessa masmorra escura que são as redes sociais.

Apesar de não ser religioso, conheço o suficiente de algumas religiões para saber que muitas delas carregam um saber de valor inestimável, fato este que escapa a muitos dos críticos banais das religiões. Você identifica um ignorante quando ele diz que a Bíblia é um livro opressor.

Dito isso, vamos ao que interessa. Há alguns anos, um cartunista dinamarquês passou por poucas e boas quando fez piadas com Maomé. Lembro-me de muitos dos bonzinhos defenderem o direito dos muçulmanos de se ofenderem com a piada e jogarem a atitude do cartunista no saco indiferenciado do preconceito ocidental contra o Islã.

Fico feliz que no Brasil ainda se possa fazer humor com as religiões e que quem faz piada com Jesus (que acho um cabra-macho, mas não acho que seja Deus) possa fazê-lo, ganhar dinheiro com isso e não ser ameaçado de morte. Ou, quem sabe, perder o emprego. Pedir a cabeça de alguém é um pedido comum dos bonzinhos quando leem algo com que não concordam.

Acho que o humor deve ser livre porque ele é uma das dimensões por meio das quais o espírito humano sobrevive, se alimenta e reflete sobre sua condição. Não partilho da ideia de que o humor seja uma forma menor de cultura. Por isso, discordo da tentativa de qualquer grupo, religioso ou não, de querer barrar ou processar quem quer que seja por ter feito piada do que for.

Mas me pergunto uma coisa: por que alguns acham politicamente incorreto fazer piadas com negros, índios, gays e nordestinos (e julgam justificados processos legais contra quem faz tal tipo de piada), mas julgam correto fazer piada com os ícones do cristianismo?

Claro, quem pratica esse tipo de critério, com dois pesos e duas medidas, é gente boazinha e com opiniões corretas. Defendem a própria liberdade, mas negam imediatamente a liberdade de quem os aborrece. O nome disso é incoerência. A democracia só vale para quem nos irrita, mas os bonzinhos não pensam assim.

Não me surpreende a incoerência dos bonzinhos, porque o que faz alguém ser bonzinho hoje é a falta de caráter. Ser do "partido dos bonzinhos" hoje dá dinheiro, ganha editais, cargos no governo, fotos em colunas sociais, convites e prêmios culturais. Identificar um bonzinho hoje em dia como resistente ao poder é uma piada e tanto! Eles estão no poder até no RH das empresas e na magistratura.

Os cristãos têm todo o direito de ficar bravos com as piadas com Jesus (que aliás, costumam ser ótimas). Mas, acho "engraçado" (já que estamos falando de humor) alguém não perceber que vivemos num mundo em que tirar sarro de cristão pode, mas de outros grupos não. Por quê?

Fácil: porque ninguém precisa ter "cojones" para tirar sarro de cristão. No mundo da cultura, falar mal de religião (menos da indígena, afro e budista) é bater em bêbado na ladeira.

Proposta: que tal tirar sarro das pautas dos bonzinhos? Tipo fazer piada com as "jornadas de junho". Ou da moçadinha que quer salvar o Ártico. Ou de gente que vive falando mal da polícia, mas treme de medo e chama a polícia logo que sente sua propriedade privada em risco. Ou do movimento estudantil. Ou de intelectual que glamoriza os "rolezinhos". Ou das feministas. Ou de ateus militantes. Ou do exército da salvação PSOL e PSTU. Ou de quem diz que bandidos são vítimas sociais.

É isso aí: que tal fazer piadas com os preconceitos dos bonzinhos? Missão impossível?

sexta-feira, dezembro 06, 2013

MANDELA, O AVESSO DO MITO

 
Morreu Nelson Mandela. Como não poderia deixar de ser, desde o primeiro momento a internet foi inundada com homenagens sem fim ao "grande líder pacifista", "defensor da democracia e da liberdade" etc. Durante algum tempo, não vai se falar em outro assunto. Falta pouco para pedirem sua canonização, mas acho que é só questão de tempo.
 
Como sempre acontece em momentos assim, a emoção costuma tomar conta da razão, e a lenda se sobrepõe à realidade. Sobretudo em países como o Brasil, onde, mesmo com a internet (ou talvez por causa dela) a informação sempre chega de segunda mão (isso quando chega), e onde os heróis cultuados pela esquerda, em suas várias roupagens, são os únicos considerados dignos de reverência. Por isso mesmo é necessário lembrar os fatos, por mais que sejam desagradáveis. Além do mais, sempre tive uma desconfiança instintiva em relação a cultos da personalidade, seja de quem for, os quais só servem para alimentar a mitologia e encobrir a verdade. Se o herói em questão está morto, então, a coisa adquire ares indisfarçáveis de necrofilia, nos moldes dos cultos à múmia de Lênin e a Hugo Chávez, para quem foi criado até mesmo um "Dia da Lealdade e do Amor ao Comandante Chávez" (!).
.
Que me perdoem as carpideiras de plantão, e me desculpem se eu estragar o velório, mas a verdade é para ser dita. Sim, é verdade que Mandela foi um símbolo da luta contra o apartheid, o regime racista da África do Sul, tendo permanecido preso durante 27 anos etc. e tal. Por esse motivo, ele é digno de admiração. Mas sim, também há fatos pouco abonadores em sua biografia, geralmente omitidos por seus admiradores (e que serão convenientemente esquecidos por grande parte da imprensa nos próximos dias, semanas, meses e anos).  Mandela, se foi inegavelmente um "grande líder", também tinha um lado negro (sem trocadilho), como também tinham Gandhi e Martin Luther King (que, ao contrário de Mandela, eram pacifistas - ele só se converteria à luta pacífica na cadeia).
.
Nelson Mandela tornou-se um misto de santo e herói muito mais pelo caráter odioso do regime que o encarcerou e contra o qual lutou do que por suas qualidades pessoais e políticas. Ele teve o mérito de não ceder ao revanchismo e promover a reconciliação entre brancos e negros na África do Sul após sair da prisão, e nisso ele foi, sim, um gigante – conforme mostra o famoso jogo de rúgbi em 1995 retratado no filme de Clint Eastwood com Morgan Freeman e Matt Damon, Invictus (2009). Fora isso, porém, há pouca coisa a credenciá-lo como um grande herói da humanidade. Além das amizades com ditadores como Fidel Castro, Robert Mugabe e Muamar Kadafi (vejam o video acima, em que Mandela diz aos que estivessem irritados com sua amizade com o "irmão Kadafi" que "pulassem numa piscina"), o Congresso Nacional Africano (CNA), movimento que liderou e que hoje está no poder na África do Sul, tinha inegáveis ligações com o Partido Comunista e seu braço armado, o Umkhonto we Sizwe (liderado por Mandela) praticou o terrorismo como método de luta (membros seus receberam treinamento militar na Líbia de Kadafi). Aliás, foi por isso que ele, Mandela, foi preso e condenado à prisão perpétua. Sua ex-esposa, Winnie, teve vários crimes contra os direitos humanos e de corrupção, cometidos em parceria com o CNA, revelados pela Comissão da Verdade e Reconciliação criada após o fim do apartheid (esta sim, uma Comissão da Verdade de verdade, e não a aberração revanchista criada pelo governo Dilma para tentar reescrever a História e passar uma borracha nos crimes da esquerda). O fato de o regime do apartheid ser desumano e antidemocrático não torna automaticamente democratas e humanistas todos aqueles que se opuseram a ele, assim como os que pegaram em armas contra a ditadura militar no Brasil não eram, eles também, fãs da democracia e dos direitos humanos, muito menos referências éticas (e aí estão os companheiros presos Zé Dirceu e Genoíno para provar).
 
Além disso, Mandela jamais usou seu enorme prestígio e influência internacional para dizer uma única palavra a favor da democracia e dos direitos humanos em países dominados por ditadores amigos seus, como Cuba, Líbia e Zimbábue – onde impera desde 1980 um verdadeiro regime de apartheid, com perseguições racistas contra a população branca (o racismo mudou de lado, como mostra o absurdo sistema de cotas raciais nas universidades e no serviço público adotado no Brasil). Por sua vez, seus herdeiros e sucessores políticos Thabo Mbeki e Jacob Zuma foram um desastre em quase todos os sentidos, deixando um país assolado pela AIDS, pela corrupção, pelo desemprego e por altos índices de criminalidade. Mbeki já chegou a afirmar que o vírus é uma "farsa imperialista" e Zuma, o atual presidente sul-africano, responde a vários processos por estupro e acredita que fazer sexo com virgens "cura" o homem da doença... Enquanto isso, o CNA, de movimento contra a segregação racial e pelos direitos da maioria negra, virou uma grande máfia clientelista encastelada no poder, uma máquina de corrupção e loteamento do Estado capaz de fazer inveja ao PT ou ao PMDB.
 
Por tudo isso, arrisco-me a ser linchado pelas patrulhas ao dizer que grande parte das lágrimas que serão derramadas por Mandela deveriam ser poupadas ou, pelo menos, melhor empregadas. Ao contrário do que dirão seus apologistas e os devotos das causas politicamente corretas, Mandela não foi santo e, se foi herói, foi pela metade. Ou poderia ter sido mais. Ele certamente foi grande, mas não tanto quanto pensa a maioria. Infelizmente ou não, a verdade precisa ser dita.

sexta-feira, novembro 08, 2013

O BLOG NA ZUEIRA

Este blog foi citado pelo destemido Joselito Muller no hangout da Conexão Conservadora deste dia, oito de novembro do Ano da Graça de dois mil e treze. Está no vídeo cujo link vai abaixo, a partir de 51:30. Registro o fato com uma ponta de orgulho e mal-disfarçado cabotinismo. Retorno o gesto sugerindo aqui, como já fiz no facebook, o blog do Joselito - um dos melhores portais humorísticos da internet no Brasil, implacável em suas sátiras à ilimitada estupidez petista: http://joselitomuller.wordpress.com/. Fico feliz que um de meus posts tenha dado origem a uma de suas notícias fictícias que tanto aborrecem os cumpanhêru.  
 
A propósito: Joselito Muller, que por acaso é meu conterrâneo, está sendo alvo de um processo kafkiano movido contra ele pela ministra Maria do Rosário, secretária nacional de direitos humanos do governo Dilma. Sua excelência acionou a Polícia Federal e quer fechar o blog de Joselito por ter confundido uma piada com uma notícia. Petistas são assim: quando não entendem uma piada, chamam a polícia e pedem censura.
 
Agora, para que minha glória seja completa, só falta a Maria do Rosário me processar.
 
Aí vai o link para o vídeo: http://www.youtube.com/watch?v=PaFQDtjoAnQ

sexta-feira, novembro 01, 2013

Lei 14.356 - Trata da regulamentação do uso do humor para fins sociais e dá outras providências

A Presidenta da República, no uso de suas atribuições legais, tendo em vista o alto número de queixas contra humoristas devido a piadas consideradas preconceituosas e ofensivas a membros de comunidades raciais, étnicas e sexuais, bem como a autoridades do Estado, e considerando que o humor deve ter a função social de divulgar mensagens politicamente corretas e edificantes, não podendo, portanto, ser instrumento para ridicularizar minorias, decreta e manda dar ampla publicidade à seguinte Lei, que estabelece Regras de Conduta para humoristas, blogueiros e engraçadinhos em geral:
 
Art. 1: Estão terminantemente proibidas a apresentação, divulgação e propagação, por quaisquer meios, de  piadas vulgares, grosseiras e de mau gosto.
 
Art. 2: Piadas que façam menção a políticos e/ou a membros das  três esferas da Administração Pública devem antes ser submetidas a uma comissão adrede estabelecida, com a participação de membros de partidos políticos, do Ministério da Justiça e da Secretaria Nacional dos Direitos Humanos, além de ONGs, sociólogos, antropólogos e gente que usa o sobrenome "Guarani-Kaiowá" no facebook. Tal comissão de especialistas encarregar-se-á de analisar a piada em questão e de autorizá-la ou não, segundo parecer por ela preparado e por mim aprovado.
 
Parágrafo único - Piadas com ministros de Estado ou com petistas estarão submetidas a especial escrutínio, justificável em vista da possibilidade de não serem compreendidas e gerarem ações judiciais de natureza criminal por calúnia e difamação, por serem confundidas com notícias.
 
Art. 3: Ficam proibidas piadas com minorias.
 
& 1 - Em casos excepcionais, piadas envolvendo membros da comunidade de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transsexuais e Transgêneros (LGBTT) serão aceitas, desde que o alvo da sátira sejam gays não-assumidos, que posam de macho, identificados com setores que se opõem à agenda LGBTT (um pastor evangélico ou deputado conservador, por exemplo). Somente nesse caso específico o uso de palavras como "viado", "bicha" ou "boiola" está autorizado. Em qualquer outro caso - imitar os trejeitos homossexuais de alguém, por exemplo -, trata-se de preconceito e discriminação, que devem ser exemplarmente coibidos e punidos. 
 
& 2 - Incluem-se na mesma categoria do parágrafo acima piadas com afro-descendentes, indígenas, quilombolas, portugueses ou papagaios (NOTA: inserido por pressão dos militantes em defesa dos animais).
 
Art. 4: No tocante a piadas com temática religiosa, estão liberadas apenas as que versarem sobre a religião cristã, em qualquer de suas vertentes, sobretudo evangélica e católica. Permanecem vedadas piadas com outras confissões religiosas, particularmente a religião islâmica que, sendo exótica e especialmente militante, deve gozar de status especial e não ser alvo de brincadeiras, como disse o Fábio Porchat e o pessoal do Porta dos Fundos.
 
Cumpra-se e publique-se.
 
 
Brasília, 1 de novembro de 2013
Décimo ano da refundação da República
Dilma Rousseff
Presidenta da República Federativa do Brasil
Maria do Rosário
Secretária Nacional dos Direitos Humanos

quinta-feira, abril 25, 2013

ESQUERDA É COISA DE ELITE


"Não vi um negro", escreveu o jornalista e dramaturgo Nelson Rodrigues – talvez a única mente lúcida do Brasil na época – sobre a famosa "passeata dos cem mil" no Rio de Janeiro contra o regime militar, em 1968. O que mais lhe chamou a atenção na maior marcha de protesto daquele ano seminal da esquerda moderna (ou pós-moderna) foi a ausência quase completa de pobres, ou de gente com cara de pobre, em um movimento que se dizia a favor dos pobres e contra os ricos etc. "Não havia ali um único negro, um desdentado, um mísero torcedor do Flamengo", observou, intrigado. Nenhum operário, nenhum favelado, nem mesmo um morador de subúrbio. Apenas gente bonita e com todos os dentes no lugar, garotões e gatinhas da juventude dourada da zona sul carioca, bem-nascidos, bem-nutridos, de pele alva ou "bronzeados como um havaiano de cinema", desfilando seus slogans contra a ditadura, no que poderia muito bem, comentou Nelson, ser um comercial de dentifrício.
 
Ele sabia do que falava. "Como é marxista a nossa burguesia!", exclamava, com ponto e tudo, o jornalista e dramaturgo, que tinha o costume, talvez para colher material para suas peças e romances, de frequentar saraus de grã-finos, uma moda na época. Em um deles, escreveu em uma de suas crônicas, chegou a conhecer uma auto-proclamada "amante espiritual de Guevara" (!). Esta iria fazer companhia, no universo rodrigueano, a outras figuras icônicas da sociedade e especialmente da esquerda brasileira, como o "padre de passeata", a "freira de minissaia", a "estagiária da PUC" etc. Nessas ocasiões, o autor de O Casamento pôde constatar a ilimitada admiração, que beirava o fanatismo ("só faltavam abanar o rabo como cadelinhas amestradas"), dos habitantes do grand monde pela figura de Marx, a qual somente rivalizava com a total ignorância que demonstravam pelas ideias do "Velho" (era assim que chamavam o fundador do soi-disant "socialismo científico", com a intimidade de alguém da família).

Nelson Rodrigues era um dramaturgo, um homem de teatro, mas suas crônicas, reunidas em livros como O Reacionário e A Cabra Vadia, estão longe de ser obra de ficção. Suas observações, escritas em estilo suculento, foram argutas e precisas, valem mais do que muita obra de sociológo que existe por aí. Assim como assistiu bestializado à Proclamação da República em 1889, o povo passou longe da passeata dos cem mil, e mais longe ainda da luta armada contra a ditadura militar. O historiador Marcelo Ridenti, em seu livro O Fantasma da Revolução Brasileira (publicado em 1993), apontou esse fenômeno: em um levantamento, ele constatou que entre os membros processados dos grupos terroristas de esquerda nos anos 60 e 70 (ALN, VPR, MR-8, VAR-Palmares etc.), 57,78% eram estudantes de classe média ou alta. Pouquíssimos podem ser considerados "operários" ou "trabalhadores". Enquanto isso, o povão, entusiasmado com o "milagre" econômico e com os dribles de Pelé e Rivelino na seleção tricampeã mundial de futebol no México, assistia indiferente, ou mesmo com franca hostilidade, às aventuras da esquerda armada (da qual, aliás, frequentemente era vítima). A conclusão de Ridenti, corretíssima, é que os grupos guerrilheiros não eram o oposto da elite, mas uma fração desta, uma espécie de "contra-elite". Um dos membros dessa elite guerrilheira que pegou em armas contra a ditadura foi Nelsinho, filho de Nelson Rodrigues. Outra foi uma tal de Dilma Vana Rousseff.
 
Não se trata de um fenômeno restrito ao Brasil. Sempre houve, em todos os países, um divórcio radical, ou melhor, um abismo entre a esquerda e as massas populares. Apesar de nomes pomposos escolhidos para batizar os movimentos e partidos esquerdistas ao longo da História – "dos trabalhadores", "operário", "popular" etc. –, o povão, ou, para usar o jargão marxista, o "proletariado", sempre deu as costas à propaganda revolucionária e socialista, brandida quase sempre por membros desgarrados da elite. Basta ver a biografia dos principais líderes revolucionários. Lênin vinha da aristocracia rural russa (seu pai tinha inclusive um título de nobreza). Mao Tsé-tung era filho de proprietários de terras. Fidel Castro também. Sem falar no próprio Karl Marx, de origem burguesíssima, assim como seu amigo Friedrich Engels, rico herdeiro de fábricas de tecidos na Inglaterra. Todos vieram da classe dominante. (Não que ser do povo traga, em si, alguma virtude moral intrínseca: Stálin, por exemplo, era de origem proletária, assim como Lula – aliás, uma invenção da elite.) Mesmo assim, sempre se apresentaram como a "vanguarda" da "classe operária"... E isso em TODOS os movimentos e partidos de esquerda e de extrema-esquerda no mundo nos últimos cento e tantos anos. (Antes mesmo de Lênin e da Revolução Russa de 1917, tornou-se célebre o caso dos jovens anarquistas russos que, abandonando uma vida de luxo e conforto nas cidades, embrenharam-se no campo, tentando sublevar as massas. Foram expulsos a pontapés pelos camponeses. O mesmo aconteceu com Che Guevara na Bolívia, melancolicamente delatado pelos mesmos que dizia querer "libertar"...)
 
Por que estou dizendo tudo isso? Porque historicamente a esquerda, no Brasil e alhures, sempre insistiu em falar em nome do "povo". Desde os antigos comunistas, até os que se apresentam atualmente sob as mais diversas bandeiras, como "direitos humanos", indigenistas, feministas, ambientalistas, desarmamentistas, maconhistas, cotistas, gayzistas etc., os representantes desses movimentos alegam defender as camadas sociais mais desfavorecidas. Se os pobres concordam ou não com sua agenda política, é outro assunto.
 
Nada mais falso do que a ideia da esquerda como "representante do povo". Um exemplo recente: há alguns dias, em São Paulo, um jovem, Victor Hugo Deppman, foi assassinado a sangue-frio, quando chegava em casa, por um menor de idade, que roubou seu celular. A morte brutal e estúpida foi filmada pelas câmeras do condomínio, que deixaram claro que foi um homicídio covarde e sem sentido, pois a vítima estava rendida e não esboçou qualquer reação, e mesmo assim levou uma bala na cabeça. Imediatamente, elevou-se um clamor nacional em defesa da redução da maioridade penal e de repúdio à lei vigente, que garante a impunidade - o assassino, que completou 18 anos três dias após o crime, só poderá ficar no máximo três anos em uma instituição de amparo ao menor, de onde sairá com a ficha limpa. Quem ficou contra, inclusive com o "argumento" de que toda a comoção com o caso só ocorrera porque o jovem assassinado era "de classe média" etc.? O governo e a esquerda, claro. Já o povo – 93% dos paulistanos, que não moram todos no Morumbi ou em Higienópolis – quer a revisão do Estatuto da Criança e do Adolescente. Rejeita a ideia do tiro na cabeça como forma de justiça social... 
 
Eis o fato incontestável, que muitos “intelequituais” uspianos não querem encarar: a esquerda não representa o povo coisa nenhuma. Aliás, não representa ninguém, a não ser a si própria. Ela é, acima de tudo, um fenômeno da ELITE. O povo – e falo aqui dos mais pobres dentre os pobres – está simplesmente se lixando para o que dizem os esquerdistas. Mais: na quase totalidade dos casos, o povo é radicalmente contra as propostas da esquerda.
 
Façam um teste, se duvidam de mim. Experimentem fazer um plebiscisto sobre a maioridade penal aos 16 anos (ou aos 15, 14 etc.). Ou sobre pena de morte. Ou sobre legalização da maconha. Ou sobre casamento gay. Ou sobre aborto. Aposto o quanto quiserem que a grande maioria da população, sobretudo os mais pobres e que mais sofrem com a criminalidade e outros problemas, daria uma resposta diametralmente oposta ao que defendem o PT ou o PSOL. 
 
Para ser mais preciso, imaginem uma consulta com a seguinte pergunta: "Você é a favor do casamento gay e da legalização da maconha?". Ou: "Você é a favor da liberação do aborto?". Preciso dizer que a resposta seria um NÃO bem redondo? Agora, troquem a pergunta para "Você é a favor da redução da maioridade penal?" Quem duvida que a resposta, nesse caso, seria um retumbante SIM? E quem pode negar que a resposta-padrão da esquerda diante desse fato ("é porque o povo é ignorante" etc.) trai, na verdade, um inegável ranço elitista, no pior sentido da palavra? (A opinião do povo só deve ser ouvida se coincidir com a da esquerda.) Afinal,  de que “povo” falam os esquerdistas?
 
(A propósito: observem quem participa das marchas feitas pela esquerda, como a "marcha das vadias", a "marcha da maconha" etc. Notaram algum trabalhador em uma delas?)

A maioria da população brasileira, que trabalha, anda de ônibus e paga imposto, não tem tempo nem paciência para os delírios e platitudes esquerdistas. E, quanto mais é assim, mais a esquerda se diz a única e legítima representante das causas populares... Trata-se de uma falácia, de um óbvio embuste. Os esquerdistas sabem que o povo não tem nada de "progressista"; pelo contrário, é instintivamente conservador e "de direita". Por isso, nem falam mais em plebiscitos (como o do desarmamento em 2005, em que sofreram uma derrota humilhante). Em vez disso, resolveram mudar de tática, tentando enfiar suas propostas liberticidas de contrabando, via Congresso ou STF. Para os moradores das favelas e da periferia, rapagões e moçoilas criados na base de sucrilhos e toddyinho falando em seu nome e lhes dizendo o que é melhor para eles só pode ser piada. Para eles, os "oprimidos", os esquerdistas não passam de playboyzinhos entediados em busca de alguma "causa" para se entreterem e despejarem sua revolta juvenil. A esquerda não os representa.

Assim como não havia negros na "passeata dos cem mil", não há nada de "popular" nos slogans "progressistas" dos militantes politicamente corretos de hoje. Desconfio que, se fosse vivo, Nelson Rodrigues ficaria admirado ao ver o espetáculo surrealista da beautiful people do Leblon e de Ipanema falando em nome das massas. O carnavalesco Joãosinho Trinta tinha razão: "Pobre gosta de luxo; quem gosta de miséria é intelectual". De miséria e de socialismo. 

terça-feira, abril 02, 2013

COMO CRIAR UM "MOVIMENTO". OU: PEQUENO MANUAL DO LIBERTICIDA MODERNO

- Politize a vida privada - Esqueça o discurso manjado de "revolução socialista", pelo menos em público. Isso está totalmente out. O verdadeiro militante do século XXI está antenado com as novas causas da moda. Nada de "proletariado", "burguesia", "comunismo" etc, essas palavras abstratas e cafonas, que não convencem mais ninguém e que somente afastam as pessoas. Em vez disso, use e abuse de conceitos como "raça", "gênero" e "opção sexual", dividindo a sociedade não mais em classes sociais, mas em tribos. Troque “revolução” por cotas para "afro-descendentes" nas universidades e "socialismo" por “casamento gay“ (ou "união homoafetiva", para não assustar). Se alguém lhe lembrar que cotas por raça são uma forma de racismo, algo estranhíssimo num país de mestiços, e que preferências privadas não podem ser fontes de direitos, finja que não ouviu.
 
- Apresente-se como uma "minoria perseguida" - Espalhe aos quatro ventos que você faz parte de um grupo historicamente marginalizado e oprimido, cujos direitos são sistematicamente negados por uma sociedade má e injusta. Vá mais além, e, com base na teoria da suposta superioridade moral do oprimido, apresente sua grei como formada por pessoas maravilhosas, supermodernas (ou edenicamente pré-industriais, como os índios), mais evoluídas, mais sensíveis e até mais inteligentes do que os demais seres humanos. Para reforçar essa impressão, se você for um militante gayzista, associe a defesa do casamento gay à luta contra o racismo ou pelos direitos das mulheres. Não dê bola se alguém lembrar que alguns dos personagens mais pervertidos e sinistros da História, como vários imperadores romanos e os membros das SA nazistas, eram homossexuais. Tampouco se importe com o fato de que mulheres eram impedidas de votar e trabalhar, e que a luta dos negros nos EUA e na África do Sul era motivada por leis de segregação racial, algo que jamais existiu no Brasil, onde gays gozam dos mesmos direitos dos héteros. Mantenha a pose e mude de assunto.
 
- Falsifique estatísticas – Para dar um ar "científico" à sua causa, é imprescindível amparar-se em dados e estatísticas, ainda que estas digam exatamente o contrário do que você está afirmando. Por exemplo, para justificar as cotas raciais nas universidades, cite aquela pesquisa que ninguém leu segundo a qual 52% da população brasileira é "negra". Aprenda com os desarmamentistas do Viva Rio, fazendo o mesmo com os números da violência, que apontaram o assassinato de um número X de homossexuais no Brasil no ano passado (não esqueça de usar palavras como "genocídio" e "holocausto" para se referir a essas mortes). Ninguém vai se dar ao trabalho de investigar os critérios adotados, segundo os quais todos os que não se declararam "brancos" (pardos, índios, mulatos, cafuzos, japoneses etc.) foram considerados automaticamente "negros". Tampouco vai procurar saber que uns 70% dos 200 ou 250 "mortos por homofobia" (num país com 50 mil assassinatos todos os anos…) foram assassinados por motivos passionais (brigas de casais, o programa que não deu certo etc.), ou seja, homossexuais matando homossexuais. Lembre-se: você é sempre vítima e o Brasil é um país extremamente racista e homofóbico, ainda que os fatos não o demonstrem.
 
- Distorça o sentido da palavra "igualdade" – Santificado com a auréola de eterna vítima oprimida, mostre-se como um paladino da luta por "direitos iguais", ainda que os direitos fundamentais (o direito à vida, à propriedade, à liberdade de expressão, de reunião, de voto etc.) já lhe sejam plenamente assegurados pela Lei, que é cega para diferenças individuais (como "raça" e "opção sexual"). Afirme que as leis existentes não bastam para inibir os crimes contra homossexuais (não esqueça de brandir as estatísticas acima) e que é preciso instituir uma lei especial criminalizando a "homofobia". Ignore que "homofobia" é um conceito extremamente vago, assim como o fato de que tal lei seria uma forma de criar direitos especiais, sacralizando a divisão da sociedade em categorias de cidadãos com mais e menos direitos (ou seja: o inverso da igualdade). Vá adiante e diga que um direito básico seu, por exemplo o de casar com uma pessoa do mesmo sexo, está sendo violado. Se alguém lembrar o óbvio e disser que o casamento está longe de ser um direito ilimitado (algo que, aliás, não existe); que um direito não pode se fundar em preferências sexuais, que podem mudar (ao contrário do sexo, que ninguém escolhe ao nascer); e que até o momento a natureza não descobriu nenhuma maneira de garantir a reprodução da espécie humana que não seja a partir da união sexual entre um homem e uma mulher, tache quem diz isso de "homofóbico" e outros adjetivos. Passe ao próximo estágio.


- Estigmatize quem pensa diferente – Quando deparar com alguém com idéias minimamente discordantes das suas, não perca tempo debatendo: chame-o logo de "racista", "homofóbico", "reacionário", "hater" e outros adjetivos ultrajantes. No limite, apele para a Lei de Godwin e tasque-lhe um "fascista" ou mesmo "nazista". Use e abuse desse recurso retórico, sem dar importância a se tais adjetivos correspondem ou não à verdade. O importante é criar um clima de paranóia, no qual todos ficarão inibidos em falar o que pensam e passarão cada vez mais a se autocensurarem para não serem malhados pelas patrulhas do "politicamente correto". Imponha um novo vocabulário, com o apoio de grande parte da imprensa e dos artistas da Televisão. Faça de conta que não sabe que, se a atração pelo mesmo sexo é um direito, também o é a repulsa por essa opção, e que portanto ninguém deve ser obrigado a ter as mesmas opiniões sobre este ou qualquer outro assunto. Não hesite em mirar abaixo da linha da cintura quando necessário, por exemplo chamando de "negro traidor" um juiz do STF que se negou a repetir os slogans do "movimento" e lançando dúvidas sobre a sexualidade daquele pastor acusado de "homofobia" (somente os militantes negros e gays podem ser racistas e homofóbicos). Diante das objeções de cunho religioso ao casamento gay ou ao aborto, por exemplo, arvore-se em teólogo, impondo uma reinterpretação dos textos sagrados, ditando o que padres e pastores devem dizer a respeito. Não dê a mínima se lhe lembrarem que a liberdade religiosa é um direito sagrado (sem trocadilho) do cidadão, sem a qual não há democracia. Tampouco se importe com o fato de que impedir alguém de expressar sua fé é instituir o delito de opinião, e que isso só existe em ditaduras. Aliás, é justamente por isso que você está lutando.
 
Pronto. Agora você só precisa encontrar gente desonesta ou tola o suficiente para montar um "movimento" a fim de impor sua agenda política. Pode começar tentando expulsar da presidência da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados um parlamentar que não é da turma, baseado em alguma besteira que ele disse no Twitter alguns anos atrás. Se preciso na marra. Acima de tudo, jamais se esqueça que você pertence a um grupo ou raça superior, que os fins justificam os meios e que todos os que discordam de você são vermes que merecem ser esmagados. Se alguém disser que isso lembra certo regime politico do passado, não perca a pose de libertário, seguindo à risca o conselho do principal propagandista desse regime: “uma mentira dita cem vezes torna-se verdade”. A tática funciona.

domingo, março 24, 2013

LIBERTÁRIOS OU LIBERTICIDAS? OU: A INTOLERÃNCIA DOS TOLERANTES


Lá vou eu, pedir para ser crucificado de novo. Já estou de dedo fino de tanto escrever e de tanto ser ser mal-interpretado nesta questão. Mas é o preço a pagar por não seguir a manada e pensar com a própria cabeça. Além do mais, alguém tem que ser o advogado do diabo. Vamos lá.
 
Antes, porém, faço questão de repetir o que já afirmei aqui: é triste constatar que, hoje em dia, questões como "raça", "gênero" e "opção sexual" sejam as únicas causas mobilizadoras capazes de provocar ondas de revolta e retirar as pessoas de seu habitual torpor. Quem tem raça é cachorro, já disse João Ubaldo Ribeiro. Gênero, por sua vez, é uma palavra inventada por feministas para substituir, metafórica e literalmente, o sexo. Quanto a opção sexual, o nome já diz tudo: trata-se de uma opção, uma questão privada, pertencente unicamente à esfera particular. Como tal, deveria fazer tanta diferença quanto gostar de manteiga ou de geléia no café da manhã. Pelo menos é assim que deveria ser.
 
Deveria, mas, infelizmente, cada vez mais se politiza essas questões. Aí está todo o escarcéu dos "militantes" gayzistas por causa de alguns comentários de um pastor evangélico, feitos no Twitter dois anos atrás, e interpretados - erradamente, diga-se - como "racistas" e "homofóbicos" para demonstrar que, no Brasil de hoje, a estupidez virou regra. No país da indignação seletiva, uma alusão bíblica (ainda por cima, equivocada) em uma rede social é motivo para uma insurreição para expulsar o autor das frases da presidência da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados. Em seu lugar, deveria entrar um parlamentar realmente comprometido com a causa dos direitos humanos e das minorias, como o deputado-BBB Jean Wyllys, cujo partido, o PSOL, defende uma ditadura, a dos Castro em Cuba, e tem um terrorista, o italiano Achille Lollo, como um de seus fundadores... Mas isso não causa escândalo, nem gera atos de repúdio, assim como não causa nem um muxoxo a gastança de Dilma e da companheirada no Vaticano, ou o fato de outras comissões do Congresso, como a de Constituição e Justiça (de Justiça!) e a de Ética (de Ética!), serem integradas, respectivamente, por mensaleiros condenados como José Genoíno e João Paulo Cunha e por aliados de Renan Calheiros.  Tampouco leva às ruas o silêncio indecoroso de Lula da Silva, que já dura mais de 120 dias, sobre as relações nada decorosas de sua "amiga íntima" com o poder. Indignar-se com isso é coisa de moralistas de classe média, decretaram os monopolistas do bom, do belo e do justo...  
 
Se tem uma coisa que a fúria dos gayzistas e simpatizantes contra o pastor Marco Feliciano deixou clara como água benta é que a intolerância mudou de lado e que, definitivamente, "militantes" não sabem o que é democracia. Sim, o deputado Marco Feliciano não é a pessoa mais apropriada para presidir a CDH. Sim, as idéias dele são boçais. Sim, ele explora os fiéis de sua igreja. Tenho, aliás, um motivo a mais para querer vê-lo longe da comissão, pois ele foi para lá conduzido por um conchavo do PT com o PSC (o que mostra, pela enésima vez, que os petistas apenas usam as minorias para alcançar seus objetivos políticos, descartando-as quando deixam de ser politicamente convenientes). Tudo isso é certo. Mas não, senhores. Marco Feliciano não é "racista", muito menos "homofóbico" - é idiota, apenas. Quem tiver curiosidade que dê uma olhada no que ele escreveu no Twitter e veja por si mesmo. Dizer "africanos (e não "negros" ou "afrodescendentes") descendem de um ancestral amaldiçoado de Noé" não é racismo: é ignorância, inclusive religiosa. É algo lamentável, ainda mais se tratando de um deputado federal, e se dependesse de meu voto ele não estaria no Congresso, em primeiro lugar. Mas onde está escrito, em que Lei, em que artigo da Constituição, que é crime ser tolo e escrever bobagens no Twitter? (E o vídeo em que ele pede dinheiro dos fiéis?, perguntaria alguém. Respondo lembrando que tal prática não difere no essencial de outros dízimos que existem por aí - o PT que o diga.) 
 
É essa a questão, e que passou despercebida entre tantos abaixo-assinados e atos de repúdio organizados pelo Facebook. Estão linchando um deputado por declarações obscuras no Twitter. E estão usando táticas de quem não dá a mínima para coisas como democracia e direitos humanos. Há alguns dias, um grupo de "militantes" tumultou a sessão da CDH presidida pelo deputado na base do berro e da violência. Criaram, assim, um precedente perigoso, com o apoio e a cumplicidade da maior parte da grande mídia: de agora em diante, qualquer baderneiro poderá interromper a seu bel-prazer uma sessão da Câmara, se não concordar com o que lá se diz. Agiram, assim, como os trogloditas que tentaram calar, também na base do berro e da agressão física, a blogueira dissidente cubana Yoani Sánchez quando da visita desta ao Brasil, no mês passado. "Ah mas foi em nome do bem"... Os gorilas fascistóides que vaiaram e ameaçaram Yoani pensam da mesma maneira.
 
Ainda que Marco Feliciano fosse racista e, vá lá, "homofóbico", a indignação contra ele teria um indisfarçável odor de hipocrisia e de duplo padrão ideológico e moral. Francamente, não vejo diferença nenhuma entre um religioso que faz declarações racistas ou machistas contra negros, mulheres e homossexuais e um militante gay ou feminista que, em nome da tolerância, quer impor sua agenda política à sociedade, às custas da pluralidade. Não vejo diferença entre quem ofende minorias e quem invade igrejas pelado tentando perturbar a missa. Ambos são, para mim, fundamentalmente intolerantes. Os últimos são até mais, pois contam com o apoio da maior parte da imprensa e com um discurso hegemônico desonesto construído durante décadas. Este discurso se baseia na auto-vitimização e na demonização de quem pensa diferente, a ponto de tolher qualquer debate.

Uma coisa é alguém incitar a violência física contra negros, mulheres, gays etc. Isso é crime, e ponto final. Outra coisa, muitíssimo diferente, é simplesmente manifestar uma crença religiosa, ainda que erradamente. Por mais absurda que pareça uma religião, este ateu que vos escreve defenderá até o fim o direito – e é um direito! – de padres, pastores, rabinos e mulás praticarem seu credo como bem entenderem, desde que não avancem sobre os direitos dos outros (o que está na Lei, não no programa de nenhum partido ou “movimento”). Concordando-se ou não com o que dizem, é um direito deles citar a Biblia, o Talmude ou o Corão, assim como é um direito de gays e lésbicas fazer o que quiserem em suas vidas privadas sem serem importunados. E esses direitos fundamentais de ambas as partes, ao contrário do que dizem muitos militantes, já existem! Felizmente, Estado e religião são, pela Lei, coisas distintas e separadas no Brasil, assim como deve ser o Estado de qualquer “movimento” (assim, pelo menos, espero).

Hoje, no Brasil, quem quer que ouse criticar qualquer demanda do movimento gay, ainda que timidamente, é imediatamente rotulado como “homofóbico”, ainda que ninguém – repito: ninguém – saiba definir exatamente o que seria “homofobia”. Mesmo (ainda) sem Lei alguma que estabeleça o que seria isso, já se pretende impedir que pessoas se manifestem livremente sobre o assunto, pois não estariam fazendo isso de acordo com a cartilha “politicamente correta”. A pretexto de coisas como “tipificar o crime de ódio” (francamente, é possível tipificar um sentimento?), o que me parece cada vez mais claro é que se quer separar os cidadãos em categorias com mais e menos direitos. Isso significa acabar, na prática, com a igualdade jurídica. Pior: instituir o delito de opinião. E delito de opinião, meus caros, só existe em ditaduras. E todas as ditaduras são essencialmente más – seja uma ditadura teocrática, seja uma ditadura gay.

Tentar excluir de uma comissão de Direitos Humanos um membro por ser pastor, ou por ter crenças consideradas absurdas, é uma atitude tão intolerante quanto querer obrigar todos a rezarem a Bíblia toda manhã. Se o caso pertence à esfera criminal, não há o que discutir, mas, se é devido à uma opinião considerada "politicamente incorreta", não há como negar o viés ideológico da exclusão. Ninguém está obrigado, por Lei, a não ter preconceitos, tampouco a gostar de quem quer que seja. Até porque, se for para excluir deputados de comissões por suas crenças absurdas, não sobraria um deputado ou senador do PCdoB ou do PSOL no Congresso.


Às vezes é preciso repetir o óbvio: todos são iguais perante a Lei. Esta não distingue entre quem é e quem não é crente, ateu, branco, negro, mulato, índio, hétero, homo, bi ou assexuado. É por esse motivo que a Justiça é representada com uma venda nos olhos: ela é cega para essas questões. Espero que continue a ser.


Sim, Marco Feliciano não me representa. Mas quem disse que gente como Jean Wyllys representa o lado da tolerância e da democracia?

quarta-feira, fevereiro 27, 2013

EM DEFESA DA PIADA

 


Li há pouco na internet um texto de um humorista, ou, melhor dizendo, ex-humorista – e acredito que o que vem a seguir deixa claro por que ele, em minha opinião, abandonou o humorismo –, queixando-se de alguns colegas de profissão. Segundo o autor do texto, o humor brasileiro enveredou por um caminho de deboche e ofensa gratuita contra grupos sociais específicos, esbaldando-se em piadas de gosto duvidoso e abusando de estereótipos, como a "loira burra", o "gay travesti", o "português idiota" etc. Ele critica comediantes da nova safra do humor nacional, como Danilo Gentilli, por piadas supostamente sexistas e racistas sobre negros ("macacos"), judeus etc. No final, há um link para um documentário estrelado, entre outros, pelo deputado-BBB Jean Wyllys, figura de proa do "movimento gay" no Brasil, "denunciando" (o tom é de denúncia) os comediantes por fazerem piadas consideradas "homofóbicas" etc.
.
Isso tem virado uma rotina no Brasil: uma anedota ou um comercial mais ousado fere a sensibilidade de algum militante e este resolve chamar a polícia. É espantoso que um ex-humorista – e aqui espero deixar claro o porquê do "ex" – escreva um longo texto em que pede nada menos do que a criação de um manual de correção política para comediantes!
.
Na boa, fico preocupado quando vejo alguém reclamar de uma... piada! Não consigo encontrar outra palavra no dicionário para definir qualquer tentativa de enquadrar o humor em um molde "politicamente correto" do que CENSURA.
.
Todo humor é necessariamente anárquico e do contra, não tem nenhuma obrigação de ser "a favor", "do bem" ou de bom gosto, apenas de ser engraçado. Também não tem nenhum dever de ser um tratado sociológico, ou mesmo fiel à realidade. Pode ser, inclusive, preconceituoso. Realismo é para cientistas. E bom gosto é para socialites.
.
Se uma piada ofende as suscetibilidades de quem quer que seja (gays, loiras, feministas, militantes negros, judeus, portugueses etc.), o problema está com quem se sente  “ofendido”, e não com a piada. Nesse caso, os “ofendidos” têm a liberdade de não assistirem ao show do humorista. Ou, então, que respondam na mesma moeda, fazendo piadas com machistas, racistas etc. E vamos rir todos juntos!
.
Piada é piada, não manifesto político-partidário. No momento em que um humorista, ou suposto humorista, adota uma agenda política e passa a se censurar, aceitando limites ditados não pelo humor, mas pelas conveniências de "movimentos", deixa de ser humorista. Vira militante. E todo militante é um chato que merece ser ridicularizado.
.
E não pensem que tudo isso se limita às piadas ou à publicidade. Até na Literatura (com L maiúsculo), os novos censores e paladinos da moral e dos bons costumes já se imiscuíram. Há algum tempo, um burocrata ocioso incrustado em algum departamento improdutivo do MEC lulopetista entrou com um processo para censurar ninguém menos do que Monteiro Lobato, tentanto extirpar de sua obra genial passagens consideradas "racistas". Daqui a pouco vão querer censurar Shakespeare por antissemitismo, Voltaire por antiislamismo e a Bíblia por homofobia. Provavelmente, é isso mesmo que querem.
.
Pessoas que não têm humor e que se levam demasiadamente a sério, além de insuportavelmente aborrecidas, são burras e autoritárias. Não se contentam em impor limites e regras para o que deve e não ser dito. São contra o próprio humor, a forma mais livre e subversiva de crítica. São contra a critica, enfim o próprio pensamento livre. O riso é a maior arma contra o autoritarismo. Não por acaso, ditaduras odeiam o humor.
.
Ninguém, nenhum comportamento humano está acima da chacota, e isso é ótimo! Se é pra fazer piada com poderosos e que podem se defender, então ainda espero ver alguém fazer piada com o Islã e com Maomé. As com a Igreja, de tão repetitivas, já perderam a graça. O riso não tem agenda política nem ideologia.
.
Só não aceito um tipo de piada: a que não é engraçada. E isso não vai ser uma feminista de cara amuada ou um sindicalista do gayzismo que vão determinar. Humor é liberdade. O resto é discurso ideológico de minorias afetadas e que não sabem rir. Principalmente de si mesmas. No país da piada feita, motivos para isso não faltam.

domingo, fevereiro 17, 2013

O FASCISMO GAYZISTA EM AÇÃO

 
Vejam que coincidência. Eu estava prestes a começar a escrever um texto sobre intolerância na internet e um sujeito, que se assina como "Tiago Calazans", resolveu confirmar de antemão minha tese de que os sindicalistas do gayzismo - essa ideologia "politicamente correta" - são mesmo um bando de fascistas, que não estão nem aí para a liberdade. O rapaz, que deve ser um desses militantes que não vêem problema algum em tentar calar a boca de religiosos e em impor a censura em nome da "liberdade" de gays e lésbicas, como se estes fossem uma categoria especial de cidadãos, acima da sociedade, deixou um, digamos, comentário sobre meu texto DE GAYS, CABRAS E ASNOS que apenas justifica, em cada letra, o que está lá escrito. Bastou eu contestar, com fatos e argumentos, um texto do deputado-BBB Jean Wyllys para que eu recebesse os seguintes qualificativos:

Você é um nazi-fascista,
coitada das mentes despreparadas que entraram no seu blog e lêm a descrição que a priori parece ser libertária, ridiculo.
Viva a nova esquerda!
nota:
pesquise sobre a nova esquerda no wikipedia.
seu asno.
funde uma página dedicada ao jovem, e ponha o nome juventude hitlerista.

Normalmente eu nem me daria ao trabalho de responder a uma criatura que já na primeira linha apenas comprova a Lei de Godwin - aquela que diz que, mais cedo ou mais tarde, alguém sacará os adjetivos "fascista" ou "nazista" num debate, a fim de desqualificar o oponente, ocultando a própria falta de argumentos.  Ainda mais numa mensagem em que a estupidez aparece ao lado do desrespeito à concordância nominal ("coitada [sic] das mentes despreparadas" etc.). Chamar de asinina a mente de onde saíram tais impropérios seria uma injustiça para com as alimárias. Mas abro uma exceção e comento, pois o caso tem um valor, digamos, pedagógico.
 
Comecemos pelo adjetivo - "nazi-fascista". Sabe por que, caro leitor, fui brindado com epíteto tão infamante? Porque ousei dizer - vejam que coisa! - que aquilo que é feito por duas ou mais pessoas debaixo dos lençóis não deve ser considerado critério para garantir-lhes (ou retirar-lhes) direitos ou deveres. Porque  disse  que - olhem que absurdo! - todos são iguais perante a Lei num Estado de Direito Democrático, e assim deve ser. E fiz isso citando o próprio Jean Wyllys, que no texto mencionado se afasta diversas vezes do bom senso e da lógica, inclusive com estatísticas falsas sobre um totalmente inexistente "holocausto gay" no Brasil, talvez o país menos homofóbico do mundo. Está tudo lá, quem quiser tirar a prova que leia meu texto, cujo link está aí em cima.
 
Pois é, por dizer tais coisas, que deveriam ser óbvias até para uma criança de seis anos de idade, fui tachado de simpatizante de Hitler e Mussolini. Logo de Hitler, que tinha entre seus mais ferozes apoiadores as tropas de assalto da SA, formadas por notórios homossexuais (ele mesmo, o Führer, segundo alguns historiadores, também seria homossexual). E isso porque defendo a igualdade jurídica e a liberdade de expressão, inclusive a liberdade religiosa, que tanto parece incomodar os militantes gayzistas. Assim como também incomodava Hitler e Mussolini (e Stálin). Enfim, todos os totalitários.
 
Sem falar que o rapaz deve ter errado de blog, pois em minha descrição não há nada que possa sugerir alguma inclinação "libertária" de minha parte. Pelo contrário, lá eu me defino como um liberal-conservador, algo bem diferente. Mas certamente discernir uma coisa da outra está além da capacidade intelectual de quem ignora a diferença entre democracia e nazi-fascismo... Não por acaso, o dito-cujo ainda proclama vivas à nova esquerda (que ele conhece da Wikipédia, certamente sua maior fonte de pesquisa...). Nesse caso, talvez fosse interessante para clarear as idéias do rapaz  que ele desse uma olhada no livro Fascismo de Esquerda, de Jonah Goldberg, que eu recomendo e cujo título já diz tudo. Quem sabe ele aprende alguma coisa.
 
Paro por aqui. Discutir tal assunto com um membro da juventude hitlerista-gayzista é algo que me dá náuseas. Ainda estou à procura de algum militante da "causa" gay intelectualmente honesto e que, diante de quem pensa diferente, não se comporte como um veadinho histérico e afetado, infenso ao debate. A se julgar por reações idiotas como a do leitor acima, porém, tal objetivo parece improvável. A intolerância mudou de lado.      

sábado, fevereiro 09, 2013

RINDO DA ESTUPIDEZ

Apenas para encerrar com um toque de humor o episódio do imbecil que me escoiceou no Facebook e achou que poderia ficar por isso mesmo (leiam o post anterior), faço aqui umas últimas observações, que revelam o nível mental realmente pré-púbere desse tipo de criatura. 

Sabem que autor o rapaz que me injuriou tem em alta conta?... Slavoj Zizek!  O filósofo dos sanitários! 

Convenhamos: é preciso uma dose cavalar de sonsice ou a total falta de noção para levar a sério um sujeito que se presta a reeditar textos de Mao Tsé-tung, o genocida de mais de 70 milhões de pessoas. E que, ainda por cima, tem merda na cabeça. Literalmente. 

Acham que exagero? Então vejam por si mesmos e me digam se não é verdade:


Então? O que acharam? Que grande "pensador", heim?

Esperem, tem mais! Sabem quem o cara considera um herói da "democracia real"?... Julian Assange! Isso mesmo, o amigo de Putin, do Hezbollah e de Rafael Correa!

Antigamente, se alguém se dizia a favor da liberdade de expressão e se refugiava na embaixada de um país cujo governo censura jornais, seria chamado de hipócrita e demagogo. Se fosse amigo de ditadores e terroristas, então, seria execrado como um farsante. Hoje em dia, porém, esse mesmo sujeito é louvado como herói por uma legião de idiotas.

Quanto à "desorientação ideológica" e "banalidade teórica" que o aprendiz de Apedeuta diz ter encontrado em meu blog, convido os leitores a lerem meus textos e a fazerem, eles mesmos, seu julgamento. Os arquivos do blog estão aí à disposição para quem quiser ver. Convidei meu injuriador a fazer o mesmo, mas pelo visto ele deve estar muito ocupado analisando hermeneuticamente a profundíssima teoria pop-slavojzizekiana dos mictórios...

E nem falo da "pobreza estilística": se tem uma coisa que jamais vou escrever, é "mulçumano" e "a tantos anos atrás"...

É ou não é um verdadeiro esteta da linguagem?

O mais engraçado é que, antes da agressão gratuita que ele fez a meu blog, jamais fiz qualquer menção ao estilo untuoso, tipo Gabriel Chalita, dos textos de auto-ajuda marxistóide do autoproclamado "filósofo" (na verdade, um "poser"). Tampouco fiz qualquer insinuação sobre sua sanidade mental, como ele fez a meu respeito. E, ao contrário dele, posso PROVAR o que digo. É só ele pedir.   

Sempre achei que esquerdismo aguado e maconha, somados à falta de coragem, não podem dar bom resultado. Ao que parece, os fatos me dão razão. 

É, amigo velho (parafraseando o "filósofo"), parece que a inteligência humana ficou mesmo pelo caminho...

quinta-feira, fevereiro 07, 2013

POR UM MUNDO MENOS BOIOLA*

Certa vez, quando eu tinha uns dez ou onze anos de idade, fui desafiado para uma briga por um menino mais velho e mais forte do que eu. Nem lembro direito o motivo (inveja? medição de forças? uma namoradinha?), só sei que, um belo dia, no intervalo da aula, o moleque, um valentão, do nada me empurrou pelas costas e começou a me provocar e a me xingar. Lembro que, atônito, na hora fiquei com muita raiva, atiçada pelos gritos e urros dos outros meninos, ansiosos para verem correr sangue. Tive muita vontade de reagir às humilhações e, furioso como estava, acho que não seria difícil arrebentar a cara do atrevido. Mesmo assim, e a muito custo, consegui me segurar. Não revidei. Engoli os desaforos e deixei passar.

Durante vários dias fiquei remoendo aquela situação. Não me perdoei por não ter reagido e avançado contra o pequeno troglodita que me empurrava e insultava tão descaradamente, fazendo pose de machão (hoje se chamaria a isso de “bullying”). Com um travo na garganta, as pernas trêmulas de raiva, acho que fiquei uma semana sem ousar olhar-me no espelho, tampouco encarava as outras pessoas, tomado de imensa vergonha de mim mesmo. Não por receio do que os outros coleguinhas iriam pensar de mim – até porque ele era maior do que eu, e já naquela tenra idade eu não dava muita bola para o que os outros pensavam a meu respeito –, mas, principalmente, por minha própria consciência, por uma voz interior que me impelia a defender minha honra e meu orgulho feridos, e que não cessava de sussurrar: “cagão, cagão…”. Senti-me um maricas, um verme, um nada, um frouxo, um covarde.

Hoje, quase três décadas depois, eu me arrependo de não ter reagido à altura. Perdi, agora vejo com clareza, uma ótima chance de vivenciar uma experiência formadora de caráter, extremamente pedagógica. Sei que hoje é fácil dizer, mas eu deveria ter topado a parada. Mesmo correndo o sério risco de levar uma surra – provavelmente eu chegaria em casa com um olho roxo e alguns hematomas –, percebo que a decisão acertada teria sido a de atracar-me com meu agressor, responder suas ofensas e xingamentos com um bom murro na boca ou no estômago. Não porque eu fosse um brigão (pelo contrário, eu era até bem-comportado), mas por uma questão de respeito, ou melhor, de auto-respeito. Compreendo que o que me incomodou não foi o desafio em si, mas o fato de eu ter desistido da luta. Cercado como estava, acuado contra um muro, eu deveria ter enfrentado a provocação, e não fugido dela. Apanhando ou não, o importante é que eu teria mostrado coragem, pois eu poderia dizer que, na hora do perigo, não arreguei, não me acovardei e não fugi da raia. O fato de meu desafiante ser maior e mais robusto somente aumentaria meu mérito. (E antes que digam: não, não estou fazendo "apologia da violência", não me obriguem a apertar a tecla SAP, por favor...)

Recordo esse fato, há muito enterrado no fundo do baú de memórias de minha infância, porque verifico, com pesar, que os tempos mudaram. Há alguns dias, um rapaz que se apresenta como filósofo me fez uma série de insultos gratuitos no Facebook, visando a atingir minha honra pessoal. Omito aqui o nome do personagem, por razões humanitárias e também para não lhe dar a satisfação de achar que tem alguma importância. O que importa não é o sujeito, mas a atitude, ou a falta de atitude, dele. Muito bem. Reagi imediatemente à cafajestada, e exigi provas do que ele dissera a meu respeito ou, então, que se retratasse – o mínimo, creio, que se espera de alguém com alguma honestidade e vergonha na cara. De forma nada surprendente para mim, porém, o dito-cujo recusou o desafio, fugindo da raia. Para justificar sua tibieza, disse que não aceitaria se envolver num “UFC virtual” (como se a coisa toda fosse uma demonstração pueril de “macheza” ou uma disputa pelo tamanho do pênis). Não contente, ainda me lançou mais impropérios, negando-se novamente a apresentar qualquer prova, e saiu correndo. Fugiu da briga, como eu fiz na escola vinte e poucos anos atrás (pior: nesse caso, foi ele o provocador).

No começo até achei graça da situação, e dei boas risadas da falta de coragem do rapaz (ele deve achar que eu sinto "ódio" dele, como se um sentimento tão precioso devesse ser desperdiçado com esse tipo de bocó...). Mas depois percebi que, por trás de todo aquele ridículo, esconde-se algo bem mais sinistro. Não foi exatamente a postura galinácea, de lebre assustada, o que me surpreendeu – eu já esperava que ele agisse dessa maneira –, mas que tal postura seja vista por muita gente hoje não como o que é – leviandade e covardia moral –, e sim como prova de inteligência, até mesmo de superioridade. Ao contrário de mim, o sujeito que me insultou não sente nenhuma vergonha por ter fugido da luta. Pelo contrário: ele xinga e ofende, nega-se a assumir o que diz e ainda há quem veja isso com bons olhos. Mais: ele mesmo, provavelmente, deve achar que se saiu vencedor... Porque encarou o desafio e fez picadinho dos argumentos do oponente? Não: porque jogou lama nele e saiu correndo como um preá!

Só posso concluir, do que está acima, o seguinte: vivemos uma época realmente efeminada, em que coragem e hombridade não significam mais nada. Pelo contrário, deixaram de ser vistas como virtudes, enquanto a pusilanimidade, a covardia e a sonsice passaram a ser valorizadas e louvadas. O simples debate de idéias, a discussão franca e honesta – ou, pelo menos, o simples assumir o que se diz –, parecem ter dado lugar à tergiversação e à canalhice mais abjeta. Pior: com o manto da "inteligência" (!). Verdadeira prova de desvirilização da sociedade, esse tipo de atitude desonesta, que nada mais é do que uma pose, é cada vez mais frequente, potencializada pelas redes sociais.

Tivesse meu adversário virtual aceito o desafio de apontar onde, quando e como eu demonstrei o que ele disse que eu demonstrei, eu não teria problema algum em admitir a superioridade de seus argumentos e louvar sua honestidade intelectual. Tivesse ele, pelo menos, reconhecido que errou e pedido desculpas, eu teria enaltecido sua grandeza em fazê-lo. Mas, em vez disso, ele preferiu agir não como um homem, mas como um rato. Perdeu assim totalmente a dignidade e o pouco de respeito que eu ainda tinha por sua pessoa (o respeito intelectual por ele eu já tinha perdido há tempos; desde, pelo menos, que ele excluiu comentários meus de seu site, por causa de uma palavra de que não gostou – além de tudo, o rapaz é muito sensível...).

Em todas as culturas, desde os gregos antigos, a coragem pessoal, a bravura, constitui uma virtude cantada em verso e prosa. Não somente a coragem física, a coragem no campo de batalha, mas sobretudo a coragem moral. O filósofo Sócrates, ao enfrentar com altivez seus acusadores na Atenas de 399 a.C., preferindo a morte a ter de abjurar suas idéias, talvez seja o maior exemplo dessa virtude de caráter. Era isso o que os romanos chamavam virilitas (virilidade), cuja raiz etimológica é a mesma de virtus (virtude); por sua vez, a palavra grega para coragem, ándria, é a mesma para "homem" (no sentido sexual e também de hombridade, honra). Não deixa de ser irônico, portanto, que um auto-proclamado “filósofo” revele tanto desprezo por essa qualidade,  mais do que masculina, humana. No Brasil, não é comum o debate, nem alguém assumir o que disse ou fez. Para isso, seria preciso, além do que está aí em cima, uma cultura democrática, algo que falta em nossa formação.  

Quando vejo quem me injuriou fugir tão covardemente do debate e fechar-se em copas, bem como um ex-presidente da República esconder-se há mais de dois meses de perguntas incômodas sobre as relações pouco republicanas de uma "amiga íntima" com o poder, é inevitável chegar à conclusão de que algo de muito errado está acontecendo. Somente o mau-caratismo e a safadeza não são suficientes para explicar esse fenômeno. Deve haver algum distúrbio, digamos, físico, na raiz do problema. Quem sabe falta de testosterona. Só isso para explicar tanta boiolice.

---
* Se o leitor se incomodou com os termos "boiola" e "boiolice", acreditando tratar-se de uma ofensa de natureza sexual, talvez lhe interesse ler o seguinte texto: http://gustavo-livrexpressao.blogspot.gr/2011/05/chega-de-boiolice.html