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sábado, outubro 13, 2012

HOBSBAWN E A ERA DOS IDIOTAS

Está circulando na internet um troço curioso. Trata-se de um texto-manifesto, assinado por uma certa ANPUH (Associação Nacional de Professores de História), da qual eu, apesar de graduado em História, nunca tinha ouvido falar - e da qual, pelo que segue, orgulho-me de não ser sócio.

É uma resposta (ou deveria ser) ao obituário publicado na revista VEJA do historiador inglês Eric Hobsbawn, falecido no dia 1 de outubro aos 95 anos de idade. Os senhores da tal ANPUH se mostram indignados pelo que consideram um tratamento desrespeitoso dado pela revista ao historiador marxista inglês, uma das vacas sagradas da intelligentisia esquerdista mundial e, por tabela, brasileira - o que significa: um autor obrigatório nas universidades brasileiras, sobretudo para quem não conhece outro autor e acredita que a historiografia marxista é a única existente.

O texto é um típico produto coletivo de mentes que só sabem pensar coletivamente (ou seja: que não sabem pensar). Tanto que seus autores, na ânsia de darem uma "resposta" a quem teve a ousadia de criticar um de seus ídolos (um crime, enfim, de lesa-santidade), parecem esquecer-se de fatos básicos, fundamentais. O que apenas reforça minha convicção de que os esquerdistas são guiados por um misto de cegueira voluntária e amnésia. E por nenhum senso do ridículo.

Fiz questão de transcrever o texto na íntegra. Vai em vermelho. Meus comentários vão em preto.  

ANPUH- RESPOSTA À REVISTA VEJA

09/10/2012

Eric Hobsbawm: um dos maiores intelectuais do século XX

Na última segunda-feira, dia 1 de outubro, faleceu o historiador inglês Eric Hobsbawm. Intelectual marxista, foi responsável por vasta obra a respeito da formação do capitalismo, do nascimento da classe operária, das culturas do mundo contemporâneo, bem como das perspectivas para o pensamento de esquerda no século XXI. Hobsbawm, com uma obra dotada de rigor, criatividade e profundo conhecimento empírico dos temas que tratava, formou gerações de intelectuais.

Não se discute que Hobsbawn foi um historiador de talento, dotado de inteligência. Falo sobre isso depois. Tampouco está em questão sua influência sobre gerações de intelectuais. O debate é outro, como se verá adiante.

Ao lado de E. P. Thompson e Christopher Hill liderou a geração de historiadores marxistas ingleses que superaram o doutrinarismo e a ortodoxia dominantes quando do apogeu do stalinismo.

Nem tanto. Hobsbawn, se procurou distanciar-se do stalinismo, depois da denúncia dos crimes de Stálin feita por Kruschev em 1956, não teve a coragem e a ousadia de abandonar o barco do comunismo nos anos seguintes. Pelo contrário: até intensificou sua militância comunista, recusando-se a criticar abertamente a URSS e justificando os milhões de assassinatos de Stálin, como veremos em seguida. Ele sempre se manteve no campo marxista, dando "apoio crítico" ao Kremlin e considerando os EUA "a maior ameaça à humanidade". Nos últimos tempos, não cansava de elogiar Lula como um exemplo de governante marxista.

Deu voz aos homens e mulheres que sequer sabiam escrever. Que sequer imaginavam que, em suas greves, motins ou mesmo festas que organizavam, estavam a fazer História. Entendeu assim, o cotidiano e as estratégias de vida daqueles milhares que viveram as agruras do desenvolvimento capitalista.

Para começar, a função do historiador, como a de qualquer intelectual, não é "dar voz aos excluídos", ou, como está acima, "aos homens e mulheres que sequer sabiam escrever". Ele pode até fazer isso, mas como militante político, não como um investigador, que deve ter como único compromisso a realidade dos fatos. E a realidade da História é que as "agruras do desenvolvimento do capitalismo", ao contrário do que diz o texto, levaram à melhoria das condições gerais de vida dos trabalhadores em todos os países capitalistas europeus, conforme demonstraram, com dados e números inquestionáveis, estudiosos sérios como Ludwig von Mises (ver o seu As Seis Lições, se quiserem tirar a prova).

Mas Hobsbawm não foi apenas um "acadêmico", no sentido de reduzir sua ação aos limites da sala de aula ou da pesquisa documental. Fiel à tradição do "intelectual" como divulgador de opiniões, desde Émile Zola, Hobsbawm defendeu teses, assinou manifestos e escolheu um lado. Empenhou-se desta forma por um mundo que considerava mais justo, mais democrático e mais humano.

Aqui há uma falsidade disfarçada de verdade biográfica: Hobsbawn foi sim, além de historiador, um militante - ou um "divulgador de opiniões". Mas de maneira nenhuma essas se enquadram numa perspectiva fiel à tradição intelectual de autores como Émile Zola - Hobsbawn era comunista, Zola era um liberal e um democrata, um defensor da tolerância, famoso pela defesa do capitão Dreyfus no final do século XIX. Aliás, Hobsbawn, judeu como Dreyfus, assinou manifestos e participou de passeatas a favor do nacionalismo palestino (na época em que este sequer reconhecia o direito de Israel à existência). Aproximou-se, assim, portanto, muito mais dos detratores antissemitas de Dreyfus do que de Zola e outros paladinos da liberdade de imprensa. Algo, aliás, inexistente na defunta URSS, que Hobsbawn sempre tratou com simpatia em seus livros, como um paradigma daquilo que ele considerava um mundo "justo, democrático e mais humano"... Nada mais longe da verdade.

Claro está que, autor de obra tão diversa, nem sempre se concordará com suas afirmações, suas teses ou perspectivas de futuro. Esse é o desiderato de todo homem formulador de ideias. Como disse Hegel, a importância de um homem deve ser medida pela importância por ele adquirida no tempo em que viveu. E não há duvidas que, eivado de contradições, Hobsbawm é um dos homens mais importantes do século XX.

Deixando de lado o português arrevesado - isso de escrever "desiderato"... -, a frase de Hegel, no contexto em que está colocada, não significa rigorosamente nada: Napoleão, Hitler, Lênin e Stálin foram importantes no tempo em que viveram, e isso não acrescenta ou retira absolutamente nada do significado de suas ações. O que está em questão não é a importância de Hobsbawn - ele foi, sim, um historiador importante -, mas o valor de suas idéias. Ou, melhor dizendo: a moralidade delas.

Eis que, no entanto, a Revista Veja reduz o historiador à condição de "idiota moral" (cf. o texto "A imperdoável cegueira ideológica da Hobsbawm", publicado em www.veja.abril.com.br). Trata-se de um julgamento barato e despropositado a respeito de um dos maiores intelectuais do século XX.

Aqui, finalmente, entramos na questão principal. Vejamos quão "barato" e "despropositado" é o julgamento da revista sobre Hobsbawn.

Veja desconsidera a contradição que é inerente aos homens. E se esquece do compromisso de Hobsbawm com a democracia, inclusive quando da queda dos regimes soviéticos, de sua preocupação com a paz e com o pluralismo.

Pelo menos o texto reconhece que Hobsbawn tinha contradições... Mas somente para, logo em seguida, incorrer na maior das contradições, ao afirmar que o marxista Hobsbawn tinha uma compromisso com a democracia (!). Ora, de que democracia os autores do manifesto estão falando? Se é das "democracias populares" do Leste Europeu ou da ex-URSS, então acertaram em cheio. Mas não da democracia liberal, da democracia tal qual a conhecemos, com alternância de poder, eleições livres e liberdade de associação e de expressão, a qual Hobsbawn, como todo bom marxista, dedicava um desprezo solene, tachando-a de "burguesa". E isso mesmo após a queda dos regimes soviéticos, ao contrário do que está dito acima. Preocupação com a paz e com o pluralismo? Qual pluralismo existia na finada URSS? Existe tal coisa na moribunda ditadura cubana (que Hobsbawn admirava)? Uma coisa é a contradição que é inerente a todos os homens. Outra, é a idiotice moral de justificar a morte de milhões de seres humanos em nome do que quer que seja. 

A Associação Nacional de História (ANPUH-Brasil) repudia veementemente o tratamento desrespeitoso, irresponsável e, sim, ideológico, deste cada vez mais desacreditado veículo de informação.

A tal ANPUH considera desrespeitoso e irresponsável (!?) chamar Hobsbawn, por sua posição esquerdista pró-URSS, de idiota moral. E investe contra o mensageiro e não a mensagem. Deixando de lado o ódio da esquerda brasileira ao "cada vez mais desacreditado veículo de informação" - ódio que se estende aliás a todo e qualquer órgão de imprensa que não esteja sob seu controle -, devo dizer que, a meu ver, a denominação de idiota moral para referir-se a Hobsbawn não lhe faz justiça. Isso porque, ao contrário do que afirma a revista, ele não era um idiota. Idiota é quem não sabe o que faz. E Hobsbawn sabia. Ao se negar a criticar a URSS e ao justificar o morticínio de milhões de pessoas em nome de "um mundo melhor", ele mostrou mais que idiotice: mostrou cumplicidade moral com o terror e com a barbárie. Se ele fosse um idiota, desses de babar na gravata, seria melhor para ele: seria um álibi. Portanto, a VEJA foi até boazinha com ele...

O tratamento desrespeitoso é dado logo no início do texto "historiador esquerdista", dito de forma pejorativa e completamente destituído de conteúdo. E é assim em toda a "análise" acerca do falecido historiador.

Em primeiro lugar, o tratamento de "historiador esquerdista" (na verdade, "comunista"), não é dado pela revista, mas por outro historiador eminente, o igualmente britânico e também recentemente falecido Tony Judt. Este, citado no texto da VEJA, advertira Hobsbawn em 2008 que, com sua insistência ideológica em tratar de forma benigna a ex-URSS, ele seria lembrado pela posteridade não como "o" historiador, mas como "o historiador marxista" (ou "comunista"). E, de fato, foi isso que Hobsbaw sempre foi, e jamais escondeu que fosse.

Nós, historiadores, sabemos que os homens são lembrados com suas contradições, seus erros e seus acertos. Seguramente Hobsbawm será, inclusive, criticado por muitos de nós. E defendido por outros tantos. E ainda existirão aqueles que o verão como exemplo de um tempo dotado de ambiguidades, de certezas e dúvidas que se entrelaçam. Como historiador e como cidadão do mundo. Talvez Veja, tão empobrecida em sua análise, imagine o mundo separado em coerências absolutas: o bem e o mal. E se assim for, poderá ser ela, Veja, lembrada como de fato é: medíocre, pequena e mal intencionada.

São Paulo, 05 de outubro de 2012

Diretoria da Associação Nacional de História

ANPUH-Brasil

Gestão 2011-2013

Sempre desconfiei de textos escritos na primeira pessoa do plural, ainda mais referentes a toda uma categoria profissional ("Nós, historiadores"). Como se todos os historiadores estivessem representados etc. Mas deixa pra lá. É curioso como, ao mesmo tempo em que afirmam, corretamente aliás, que "os homens são lembrados com suas contradições, seus erros e seus acertos", os autores do manifesto buscam isentar Hobsbawn de qualquer julgamento crítico. Como se ele, Hobsbawn, estivesse acima de qualquer análise que não fosse hagiográfica - em outras palavras: acima do bem e do mal. E isso ao mesmo tempo em que caem num relativismo fácil, negando a própria validade de conceitos como bem e mal, vistos como categorias absolutas, mais em termos teológicos do que históricos ou ideológicos. (Menos, claro, se for para atacar o "imperialismo ianque" ou a besta-fera do capitalismo, mas já desisti de tentar explicar para esse pessoal que o capitalismo não é um jogo de soma zero.) 

Basta fazer um pequeno exercício para desmontar essa falácia. Imaginem se um historiador se propusesse a escrever "a" História do século XX e que, ao fazê-lo, denunciasse acerbamente os crimes do comunismo mas evitasse, de propósito, qualquer menção ao nazi-fascismo. Seria chamado, no mínimo, de intelectualmente desonesto. Agora imaginem que esse mesmo historiador fizesse declarações nas quais buscasse justificar os crimes de Hitler e de Mussolini. Algum dos signatários do manifesto da ANPUH se oporia a que se criticasse tal historiador, no mínimo como cúmplice moral dos crimes do totalitarismo nazi-fascista? Quem, em vez disso, acusaria o crítico de não levar em conta as contradições e ambiguidades do historiador, considerando a condenação moral deste como uma visão "medíocre, pequena e mal-intencionada"?

Mas deixemos que o próprio Hobsbawn responda essa questão. No artigo da VEJA, do qual o manifesto dos "historiadores" é, supostamente, uma réplica, há o relato de um episódio que os autores da "resposta" estranhamente não citam. E que apenas aumenta minha certeza de que os devotos brasileiros de Hobsbawn realmente mal e mal conhecem o pensamento e a obra do autor. Eis o episódio, uma entrevista dada em 1994 por Hobsbawn ao jornalista da BBC Michael Ignatieff (conforme relatado pelo historiador britânico Robert Conquest, autor do clássico O Grande Terror):

Segundo o historiador, o Grande Terror de Stalin [mais de 20 milhões de mortos apenas na principal de três ondas, fora outros milhões de mortes fora dos Expurgos] teria valido a pena caso tivesse resultado na revolução mundial. Ignatieff replicou essa afirmação com a seguinte pergunta: “Então a morte de 15, 20 milhões de pessoas estaria justificada caso fizesse nascer o amanhã radiante?” Hobsbawm respondeu com uma só palavra: “Sim”.

Este era Hobsbawn. O verdadeiro Hobsbawn. Aquele que em nenhum momento aparece no manifesto da ANPUH.

Não pensem vocês que não reconheço, na obra de Hobsbawn, qualidades, inclusive literárias. Entre suas obras, estão livros interessantes como A Era das Revoluções, A Era do Capital e a A Era dos Impérios (A Era dos Extremos, que trata do "breve século XX" [1914-1991], é o mais fraco da série, por razões ideológicas - Hobsbawn passa ao largo dos crimes do comunismo, como se tivessem sido uma nota de rodapé). Mesmo obras como Bandidos, se foram pioneiras em suas áreas de pesquisa, por enfocar temas até então relegados a um plano secundário pela historiografia tradicional, trazem consigo um forte ranço ideológico (no caso, a tese marxista do "banditismo social", que trata criminosos como "rebeldes primitivos" em luta contra uma ordem social injusta etc.).  Ele certamente foi um grande historiador e um intelectual importante, que não se rebaixava à condição de panfletário produtor de agitprop. Não era um agitador vulgar, como Noam Chomsky, ou um filósofo de quinta, como Slavoj Zízek. Mas, sinto dizer, ele foi, assim como estes, um idiota moral. A exemplo de intelectuais e figuras proeminentes da esquerda, como Jean-Paul Sartre, José Saramago e Gabriel García Márquez, que não quiseram ou não foram capazes de deixar suas preferências ideológicas e seus preconcentos anticapitalistas e antiamericanos fora de suas análises, Hobsbawn justificou o terror stalinista.  Flertou, para dizer o mínimo, com uma das faces do Mal. Talvez a pior de todas.

Hobsbawn foi um historiador inteligente, mas colocou a sua inteligência a serviço de um projeto totalitário que deixou mais de 100 milhões de mortos no século XX. E se recusou a fazer uma autocrítica consistente. Seu talento e capacidade acadêmica apenas aumentam sua culpa. E ainda há quem escreva manifestos defendendo (ou omitindo) essa sua atitude. Enfim, isso sim, uma visão pequena, medíocre e mal-intencionada. Coisa de idiotas.

quarta-feira, agosto 29, 2012

CONVERSA FIADA - POR FERREIRA GULLAR


CONVERSA FIADA

Publicado na Folha deste domingo

FERREIRA GULLAR
Sabe a razão pela qual a empresa estatal dificilmente alcança alto rendimento? Porque o dono dela ─que é o povo ─ está ausente, não manda nela, não decide nada. Claro que não pode dar certo.

Já a empresa privada, não. Quem manda nela é o dono, quem decide o que deve ser feito ─quais salários pagar, que preço dar pela matéria-prima, por quanto vender o que produz─, tudo é decidido pelo dono.

E mais que isso: é a grana dele que está investida ali. Se a empresa der lucro, ele ganha, fica mais rico e a amplia; se der prejuízo, ele perde, pode até ir à falência.

Por tudo isso e por muitas outras razões mais, a empresa privada tem muito maior chance de dar certo do que uma empresa dirigida por alguém que nada (ou quase nada) ganhará se ela der lucro, e nada (ou quase nada) perderá se ela der prejuízo.

Sem dúvida, pode haver, e já houve, casos em que o dirigente de uma empresa estatal se revelou competente e dedicado, logrando com isso dirigi-la com êxito. Mas é exceção. Na maioria dos casos, indicam-se para dirigir essas empresas pessoas que atendem antes a interesses políticos que empresariais.

Isso sem falar nos casos ─atualmente muito frequentes─ de gerentes que estão ali para atender a demandas partidárias.

Tais coisas dificilmente ocorrem nas empresas privadas, onde cada um que ali está sabe que sua permanência depende fundamentalmente da qualidade de seu desempenho. Ao contrário da empresa estatal que, por razões óbvias, tende a se tornar cabide de empregos, a empresa privada busca o menor gasto em tudo, seja em pessoal, seja em equipamentos ou publicidade.

E não é por que na empresa privada reine a ética e a probidade. Nada disso, é só porque o capitalista quer sempre despender menos e lucrar mais. Não é por ética, é por ganância.

A empresa pública, por não ser de ninguém ‼─já que o dono está ausente─ é “nossa”, isto é, de quem a dirige, e muitas vezes ali se forma uma casta que passa a sugá-la em tudo o que pode.

A Petrobras pagava a funcionários seus, se não me engano, 17 salários por ano e o Banco do Brasil, 15. Os funcionários da Petrobras gozavam também de um fundo de pensão (afora a aposentadoria do INSS), instituído da seguinte maneira: cada funcionário contribuía com uma parte e a empresa, com quatro partes.

Conheci um desses funcionários que, depois que se aposentou, passou a ganhar mais do que quando estava na ativa. Numa empresa privada, isso jamais acontece, não é? No governo Fernando Henrique aquelas mamatas acabaram, mas outras continuam.

Não obstante, o PT sempre foi contra a privatização de empresas estatais, “et pour cause”. Lembram-se da privatização da telefonia? Os petistas foram para a rua denunciar o crime que o governo praticava contra o patrimônio público.

Naquela época, telefone era um bem tão precioso que se declarava no Imposto de Renda. Hoje, graças àquele “crime”, todo mundo tem telefone, e a preço de banana.

Mas o preconceito ideológico se mantém. Os governos petistas nada fizeram para resolver os graves problemas estruturais que comprometem a competitividade do produto brasileiro e impedem o crescimento econômico, já que teriam de recorrer à privatização de rodovias e ferrovias.

Dilma fez o que pôde para adiá-la, lançando mão de medidas paliativas que estimulassem o consumo, mas chegou a um ponto em que não dava mais.

O PIB vem caindo a cada mês, o que a levou à hilária afirmação de que, mais importante, era o amparo a crianças e jovens… Disse isso mas, ao mesmo tempo, mandou que seu pessoal preparasse às pressas ─já que as eleições estão chegando─ um plano para a recuperação da infraestrutura: investimentos que somarão R$ 133 bilhões em 25 anos. Ótimo.

Como privatização é “crime”, pôs o nome de “concessão” e impôs uma série de exigências que limitam o lucro dos que investirem nos projetos e, devido a isso, podem comprometê-los.

Nessa mesma linha de atitude, afirmou que não está, como outros, alienando o patrimônio público. Conversa fiada. A Vale do Rio Doce, depois de privatizada, tornou-se a maior empresa de minério do mundo e das que mais contribuem para o PIB nacional. Uma coisa, porém, é verdade: cabe ao Estado trazer a empresa privada em rédea curta.

quarta-feira, novembro 09, 2011

A CRISE DO EURO. E AS BESTEIRAS QUE ESTÃO DIZENDO POR AÍ

Tem assuntos que, de tão manjados, já dá para dizer exatamente o que vão falar a respeito. É o caso da crise do euro, que esta semana pareceu chegar a um ponto culminante, com a idéia aparentemente tresloucada do primeiro-ministro grego, George Papandreou, de convocar um referendo para decidir sobre o pacote de resgate financeiro decidido no dia 27 de outubro com o FMI, o Banco Central Europeu e a Comissão Européia (a chamada "troika"), para evitar que o país vá à falência.

A idéia de convocar um referendo para perguntar à população se concorda que o governo corte empregos, aumente impostos e diminua salários e aposentadorias – as condições impostas pela "troika" para liberar uma parcela de 8 bilhões de euros de um empréstimo de 130 bilhões de euros acordado no ano passado e renovado em julho último – é, obviamente, um disparate, e tem mais a ver com a política interna grega, onde reinam a demagogia e o populismo, do que com qualquer verdadeira disposição de enfrentar as raízes da crise e reconduzir o pais ao eixo da racionalidade econômica, num momento em que sua permanência na zona do euro e na UE está em perigo. Mas não é sobre isso que quero falar.

O que me chama a atenção nesses momentos, em que o euro parece fazer água e o exemplo grego ameaça contagiar outros países do bloco europeu, como Itália e Espanha, é a quantidade pantagruélica de besteiras que alguns auto-proclamados "especialistas" começam a despejar por aí, e que passa, nesses dias turbulentos, por sabedoria e racionalidade.

Vejamos a principal linha de raciocínio desse pessoal: segundo os sábios de plantão, a crise grega, como a do próprio euro, seria uma prova (mais uma vez!) da (novamente) falência do (lá vamos nós de novo...) "modelo neoliberal" e da "irracionalidade dos mercados". Esta é a tese favorita (na verdade, a única) dos anticapitalistas empedernidos, que botaram a culpa igualmente nos mercados pela crise americana de 2008 (e na de 1987, de 1973, de 1929, de 1873...).

É a turma do "mais Estado, menos mercado", que parece ainda não ter engolido – e parece que não vão engolir nunca – a derrocada da finada URSS, na qual viam um paradigma de racionalidade econômica (!) e de (não riam!) justiça social (o que, segundo dizem, não existiria no capitalismo).

Quanta bobagem! Quanta besteira!

Fico me perguntando o que esses devotos da estatolatria e inimigos figadais da sociedade livre andaram bebendo para dizer o que vai aí em cima. Culpar o "neoliberalismo" e a "irracionalidade dos mercados" (ou "a voracidade do capital financeiro", como também gostam de dizer) pelo estado lastimável das finanças da Grécia é coisa de quem não consegue enxergar um palmo à frente do nariz, só conseguindo "pensar" em bloco, no modo automático.

Para começo de conversa, a crise da Grécia não é uma crise do setor bancário (como na Islândia e, até certo ponto, Portugal), tampouco o resultado do estouro de uma bolha imobiliária (como nos EUA em 2008), mas uma crise de insolvência, decorrente de décadas de populismo e de gastança irresponsável por parte de um Estado inflado ao máximo. A dívida pública grega, que chega a mais de 160% do PIB do país, saiu do controle por causa não de políticas "neoliberais", mas, exatamente ao contrário, devido a práticas assistencialistas e paternalistas do Estado-protetor, organizado em padrões quase bolcheviques (aliás, o partido que está no poder em Atenas, é bom lembrar, atende pelo nome de "socialista", e seu líder, George Papandreou, é presidente da Internacional Socialista).

Durante décadas, essa crise foi-se gestando, à medida que governo após governo se dedicava a fazer aquilo que os populistas mais gostam de fazer: gastar, gastar muito, para acomodar suas clientelas políticas. Em 2009, a farra acabou, e desde então os que bancavam a festa resolveram cobrar a conta. Sem condições de honrar a dívida, com as contas em frangalhos, o governo grego viu-se obrigado, então, a fazer o que nenhum governo gosta de fazer: adotar medidas de austeridade econômica, obviamente impopulares.

Se existe um país na Europa em que a palavra "neoliberal" é praticamente desconhecida, é a terra de Péricles e de Homero. O Estado grego é mastodôntico, e controla praticamente 70% do PIB do país, cuja economia gira basicamente em torno do turismo e da navegação. Para se ter uma idéia do tamanho da mamata, filhas solteiras de funcionários do governo gozam de pensão vitalícia (!) e a folha de pagamento do Estado grego é tão grande e o descontrole das contas públicas tão generalizado que o governo não sabe sequer quantos funcionários tem – o número é estimado em algo como 700 mil (quase 10 por cento da população, que é de 11 milhões de habitantes), muitos em funções redundantes e irrelevantes. Para piorar, o poder quase absoluto dos sindicatos impede qualquer reforma e deu origem a aberrações, como dezenas de profissões "fechadas", ou seja, vedadas à concorrência interna ou externa, como taxistas, médicos, farmacêuticos e caminhoneiros. Soa como "neoliberal" para você?

Aí vão outros dados importantes: assim como no Brasil, a burocracia estatal é enorme, e as privatizações são um anátema (simples rumores de venda de empresas pelo governo são suficientes para levar milhares às ruas e causar um terremoto político no país). As universidades, todas estatais – a Constituição proíbe universidades particulares –, são de baixa qualidade, e viraram há décadas redutos de agitação política de grupos radicais de esquerda, onde "estudantes eternos" que vivem às custas do dinheiro público dedicam-se a realizar protestos e enfrentar a polícia nas ruas (se você lembrou da USP, acertou em cheio). Para complicar as coisas, a poderosa Igreja Ortodoxa grega (que é, na prática, oficial) não paga impostos, e os milhares de padres são sustentados pelo Erário, com óbvias conseqüências para o equilíbrio das contas públicas.

O sistema político também não ajuda. Desde 1974, quando terminou a ditadura militar, os dois principais partidos do país – o PASOK, socialista, e a ND, de centro-direita – criaram uma máquina político-estatal clientelista de fazer inveja ao PT e ao PMDB. Com a entrada da Grécia na UE, em 1981, e com a adoção do euro em lugar da dracma, em 2000, a brincadeira simplesmente ultrapassou todos os limites, e a corrupção atingiu níveis quase petistas. Em vez de aproveitar o dinheiro da UE para diversificar a economia, o governo preferiu viver de renda. Resultado: as coisas fugiram completamente do controle, enquanto a evasão fiscal aumentava e as estatísticas da economia – para garantir a ajuda dos demais Estados da UE – eram maquiadas. Até hoje não se sabe, por exemplo, quanto custaram as Olimpíadas de 2004 em Atenas (as estimativas variam de 7 a 50 bilhões de euros).

Pois bem. Foi essa situação - hipertrofia do Estado, gastos excessivos, fiscalização deficiente, clientelismo político, populismo desenfreado - o que levou à atual crise grega. É uma crise, portanto, do welfare state keynesiano, e não do "neoliberalismo". Se há uma solução para a Grécia, é menos, e não mais, intervencionismo estatal. É mais, e não menos, capitalismo (ou "neoliberalismo", como queiram – aliás, isso é extensivo a outros países).

Os fatos acima, claro, são e serão ignorados por quem já resolveu substituir o senso crítico pelo pensamento em bloco (neste caso, de cunho antiliberal e anticapitalista - na verdade, mais antiliberal do que anticapitalista). É mais um exemplo de como a ignorância e a soberba costumam andar juntas, encontrando-se no discurso esquerdista. Este, na verdade, só se sustenta atualmente por meio da dissonância cognitiva, como já afirmei: quanto mais desacreditado pelos fatos, mais ele se renova, adiando para a próxima crise o anunciado fim iminente do capitalismo.

Se os devotos do culto marxista e inimigos da liberdade deixassem de lado, por um instante, os slogans e os preconceitos ideológicos e enxergassem a realidade como ela é, teriam a chance de aprender alguma coisa. Mas adianta explicar o que está acima para quem não quer saber? Afinal, para quê investigar, se o culpado já foi escolhido?

sábado, julho 23, 2011

DE COSTAS PARA A REALIDADE

Se tem uma coisa que me deixa nauseado - talvez nauseado não seja a palavra certa, mas fico realmente intrigado - é a capacidade, aparentemente ilimitada, de muitos intelectuais, subintelectuais e mini-intelectuais daqui e de alhures de se iludirem e de insistirem em não enxergar o óbvio. É algo para deixar vermelho de raiva até o mais franciscano dos monges.

Vejam, por exemplo, a quantidade de besteira que se escreveu - e que, certamente, continurá a ser escrita, por muitos anos ainda - sobre a crise econômica eclodida nos EUA em 2008. De repente, pipocaram de todos os lados "especialistas" com um discurso bem coordenado, eu diria mesmo sincronizado, sobre o assunto. Com poucas variações, os "argumentos" apresentados podem ser resumidos nas seguintes idéias-força (ou melhor, idéias-clichês):

- "A culpa da crise é do capitalismo, um sistema que instiga os piores instintos no homem, como o egoísmo, a falta de solidariedade etc.";

- "A crise comprova - mais uma vez - que o sistema capitalista está em seus estertores no mundo todo";

- "A solução para a crise é um grau maior de intervenção do Estado na economia";

- "Portanto, Marx estava certo e devemos retornar a ele".

Difícil dizer qual idéia acima é a mais falsa, a mais idiota, a mais ofensiva à inteligência. Comecemos com a primeira. Nada mais cretino do que falar nas "boas intenções" socialistas em contraste com as "más intenções" dos capitalistas. Se a idéia é condenar moralmente o lucro individual, tal como fazia a Igreja Católica na Idade Média, isso já foi rechaçado há mais de duzentos anos por ninguém menos do que o pai do liberalismo econômico, Adam Smith, na famosa afirmação de que é o desejo de lucro do padeiro, e não qualquer elevado princípio altruísta, que garante o pão diário na mesa do consumidor. Ou, como disse certa vez Roberto Campos, numa frase que jamais foi refutada: "No capitalismo, os resultados são melhores do que as intenções; no socialismo, as intenções são melhores do que os resultados".

Se alguém duvida ou se sente desconfortável com isso, então que olhe para o outro lado e veja a maravilha em que deram as "boas intenções" dos bolcheviques em todos - todos, sem exceção - os países em que se instalou uma "ditadura do proletariado"... (Aliás, gostaria de saber qual revolucionário marxista ou político social-democrata aceitaria ser um simples operário em um país comunista; qual deles toparia participar de uma revolução proletária para virar trabalhador em alguma fábrica ou fazenda coletiva em Cuba ou na Coréia do Norte... alguém se habilita?)

Quanto à segunda idéia, o capitalismo está em crise desde pelo menos 1929, e de lá para cá, todos sabemos o que aconteceu: os regimes totalitários que tentaram destruir o capitalismo liberal e substituí-lo pela estatolatria, como o comunismo e o nazi-fascismo, naufragaram miseravelmente. A previsão do ex-premiê soviético Nikita Krushev, feita nos anos 50 e dirigida às democracias ocidentais lideradas pelos EUA - "Nós vamos enterrar vocês" - entrou para a galeria de frases irônicas e risíveis da História. Alardear o fim iminente do capitalismo e defender o maior intervencionismo e o dirigismo estatal, ainda mais em países que jamais conheceram nada parecido com uma economia de livre mercado, é algo que só pode ser entendido como recusa a ver o mundo em volta, e como insistência psicótica no erro.

Com a mesma certeza e com a mesma teimosia típicas dos ignorantes soberbos, os inimigos da livre iniciativa e da propriedade privada anunciam a ressurreição de Marx, visto sempre como um filósofo e economista genial e como um grande humanista, cuja obra, como Cristo em relação ao Vaticano, teria sido distorcida e não teria tido, portanto, nenhuma relação com o que aconteceu depois de sua morte. (Ou seja: os fuzilamentos em massa, a repressão política, a censura e o exterminío de mais de 100 milhões de pessoas devem ter sido, pelo visto, obra do acaso.) Já é quase uma tradição: de tempos em tempos, sempre que surge o menor sinal de crise no horizonte, alguém tenta ressuscitar Marx. Basta o índice Dow Jones balançar e aparecerá uma revoada de abutres gritando pela enésima vez "o capitalismo morreu" e propondo, também pela enésima vez, um "retorno a Marx". (Outros são mais escancaradamente imbecis e saem dizendo coisas como "agora, somos todos socialistas".)

É impressionante. O Muro caiu, a URSS virou peça de museu, mas o culto a Marx sobrevive como verdadeiro fetiche de acadêmicos e militantes esquerdistas (muitas vezes, as duas coisas se confundem). Talvez não haja cadáver mais insepulto em toda a História. Esse culto necrofílico baseia-se, como todo culto do tipo, na idealização de um passado mítico - no caso, as idéias do pai-fundador de uma religião secular -, extraindo sua força da pura e simples negação da realidade.

É um caso mesmo de psicopatia, de dissonância cognitiva: quanto mais os fatos desmentem a crença, mais esta se fortalece, por um mecanismo mental de auto-engano, da mesma maneira como ocorre em cultos messiânicos e apocalípticos que se vêem constrangidos a explicar por que o mundo não acabou na data prevista. Há quase cem anos os antônios conselheiros do marxismo de galinheiro anunciam o fim do mundo capitalista e o advento do paraíso socialista, no qual todos serão felizes e correrá leite e mel. Como isso nunca acontece, resolvem adiar a previsão. É precisamente assim que agem os devotos de São Carlos Marx, padroeiro do Gulag e do paredón.

Pois bem, senhores fãs do velho Marx, que o vêem como uma espécie de oráculo que explica tudo: em que capítulo de O Capital ele explica o colapso da URSS e o fracasso do marxismo no Leste Europeu - o maior fiasco de todos os tempos? Em que trecho do Manifesto Comunista ele prevê a conversão da China comunista à economia de mercado? Aliás, foi o capitalismo que salvou o regime comunista na China, transformando um país outrora miserável em uma potência mundial (somente nos últimos trinta anos, cerca de 400 milhões - mais de dois brasis - de chineses saíram da miséria graças ao capitalismo na terra de Mao Tsé-tung). Muito antes, nos anos 20, foram grandes empresários capitalistas ocidentais que, atendendo a um apelo desesperado de Lênin, reergueram a economia da finada URSS. Marx previu isso?

Se acharem esses assuntos muito difíceis, tentem então o seguinte: procurem explicar, com base no marxismo, a atual crise do euro que, tendo começado na Grécia, ameaça espalhar-se para os outros países e ameaça a própria existência da União Européia. Tentem mostrar que papel o "livre mercado" e a "ganância capitalista" tiveram na explosão da dívida grega, resultado, na verdade, de décadas de gastança e de irresponsabilidade fiscal - e que revela, isto sim, o fracasso do welfare state na Europa. Tentem explicar a crise fiscal européia da atualidade com base em Marx. Podem citar a bibliografia se quiserem.

Gostaria que algum anticapitalista de plantão, algum crente na superioridade moral do socialismo e adorador de Barack Obama - cujo governo, é curioso, só fez aumentar o déficit público dos EUA, mas que ainda tem muitos devotos fiéis que o vêem como o salvador da humanidade - me explicasse o que está nos parágrafos acima. Gostaria que alguém me dissesse que outro sistema econômico, além do capitalismo, pode gerar prosperidade e igualdade (sim, igualdade: que outro nome se deve dar à mobilidade social proporcionada pelo trabalho e pelo dinheiro?), num ambiente de constante inovação e de liberdade individual.

Como, para responder as indagações acima, é preciso antes de tudo um mínimo de honestidade intelectual, desconfio, porém, que ficarei sem resposta. Ainda espero ver um dia um adorador de Marx admitir que seu objeto de culto era um farsante e um idiota, que só ajudou a trazer infelicidade para o mundo, e que a humanidade não inventou, até agora, nada melhor para superar a pobreza do que o capitalismo. Nesse dia, porém, os oceanos irão secar, o Saara será inundado e o inferno vai virar um bloco de gelo.