quinta-feira, outubro 22, 2009

MAIS UMA DOS BOLIVARIANOS


Avisem urgentemente Lula, Obama, a OEA, a ONU, a imprensa, enfim, toda a “comunidade internacional”: um golpe de Estado acabou de acontecer em um país da América Central. Estou falando de Honduras? Não. De um país vizinho: a Nicarágua.

Ontem, houve um golpe institucional na Nicarágua. Como assim, um golpe institucional? Um grupo de juízes da Suprema Corte de Justiça, investindo-se de um direito não previsto na Constituição daquele país, simplesmente se reuniu e decidiu revogar um dos Artigos – o 147, precisamente aquele que impede a reeleição do presidente da República. Resolveram que um Artigo da Lei Maior não deve existir mais, e pronto. Simples assim. De acordo com a mesma Constituição da Nicarágua (Artigo 138), como, aliás, da maioria das Constituições democráticas, apenas uma Assembléia Constituinte, ou seja, o Legislativo, pode mudar a Carta Magna. Detalhe importante: todos os seis juízes que tomaram a decisão são aliados do atual presidente, o sandinista Daniel Ortega.

Para efeitos didáticos: imaginem se os juízes do Supremo Tribunal Federal, em Brasília, resolvessem mudar a Constituição Federal de 1988 da noite para o dia, sem consultar ninguém, estabelecendo, de uma canetada, que a reeleição do presidente da República passaria a ser, de agora em diante, ilimitada.
Seriam acusados, no mínimo, de usurpação de função, um crime contra a separação de Poderes. Pois foi isso que ocorreu na Nicarágua.

Um golpe não deixa de ser golpe por ter sido dado pelo Judiciário. E foi exatamente isso que ocorreu na Nicarágua. É uma situação completamente diferente da que se verificou em Honduras em 28 de junho, quando o Judiciário e o Legislativo hondurenhos afastaram Manuel Zelaya, que tentou violar a Constituição do país para convocar um referendo ilegal. Nesse caso, a Suprema Corte e o Congresso de Honduras agiram para preservar a Lei e a Constituição ameaçada. Na Nicarágua, os “juízes” sandinistas fizeram o contrário: rasgaram a Constituição para garantir a reeleição indefinida de Ortega. Deram um golpe.

O golpe continuísta patrocinado por Ortega confirma um padrão na América Latina nesses anos turvos. Os esquerdistas, agora chamados bolivarianos, com o trio parada dura Chávez-Morales-Correa à frente, e contando com o apoio cada vez mais explícito dos governos da esquerda “vegetariana” de Lula e Obama, investem cada vez mais no solapamento das instituições democráticas – não mais na porrada, como tentaram fazer no passado, mas de forma “legal”, usando os próprios instrumentos da democracia para destruí-la por dentro. E o fazem através dos mais diversos subterfúgios: plebiscitos, manipulação eleitoral etc. Está sendo assim na Venezuela. Está sendo assim na Bolívia. Está sendo assim no Equador. Em Honduras, Manuel Zelaya tentou, e foi barrado (mas não desistiu). Agora, é a vez da Nicarágua de Ortega.

Falando em Ortega, creio que é bom dar uma olhada no personagem. Ele já foi presidente antes, após a “Revolução Sandinista” que chegou a mexer com a imaginação de muita gente na esquerda, na década de 80 (entre seus admiradores, estava um certo Luiz Inácio Lula da Silva, que via no sandinismo uma fonte de inspiração). Mais ou menos como a Revolução Cubana de Fidel Castro e Che Guevara mexeram com a cabeça da esquerda nos anos 60, os sandinistas nicaragüenses despontaram como os novos heróis do povo e da luta antiimperialista (ou seja, antiamericana) no continente, vinte anos depois. Isso foi até a população nicaragüense descobrir que o país, sob os sandinistas, caminhava para virar um Estado totalitário, semelhante a Cuba, e resolver enxotá-los e a Ortega do poder na primeira oportunidade, nas eleições de 1990. Desde então, Ortega caiu numa espécie de ostracismo político, tendo de enfrentar, além disso, acusações de corrupção e até mesmo de estupro de uma enteada sua menor de idade.

Foi então que veio Hugo Chávez e sua “revolução bolivariana”. Esquerdistas semi-aposentados, como Ortega, viram nela uma excelente oportunidade de voltar à ribalta. Seguindo o figurino, ele conseguiu se eleger à presidência, inicialmente com um discurso moderado, que parecia mostrar que o Ortega de antes, o guerrilheiro que jamais deu um tiro na vida, era coisa do passado. Com isso, conseguiu enganar muita gente, como aliás também fez Chávez. Nesse meio tempo, foi preparando o caminho para sua permanência indefinida no poder, de maneira coordenada com os outros caudilhos bolivarianos. No episódio da "materialização" de Manuel Zelaya na embaixada do Brasil em Honduras, há um mês, ele teve um papel essencial. Agora, sentindo-se forte, ele mostra as garras. Caiu a máscara.

Claro, não faltará quem tente justificar o ocorrido na Nicarágua apelando para comparações com a emenda que aprovou a reeleição de Álvaro Uribe na Colômbia. Os bolivarianos precisam de um espantalho para desviar a atenção de seus desmandos. O vice-presidente de Ortega já se adiantou e chegou a comparar o golpe institucional dado pelos magistrados sandinistas com o que é habitual em democracias como os EUA (onde, ao contrário da Nicarágua, os juízes aplicam a Lei, e não a mudam) e a Espanha (um país parlamentarista, além de tudo). É pura tática de desinformação e manipulação política, que aposta na estupidez do público. A Colômbia não é a Nicarágua, assim como Uribe não é Ortega ou Chávez. A reeleição de Uribe é um erro, como já afirmei aqui, até porque dá munição à propaganda enganosa dos bolivarianos, mas qualquer comparação entre a Colômbia e o que se passa na Venezuela ou na Bolívia não tem qualquer cabimento. Nesses países, as regras foram mudadas para que o presidente se reeleja indefinidamente. A reeleição de Uribe, ao contrário, será limitada a um eventual terceiro mandato. Além disso, Uribe não trata seus oponentes da maneira como tratam Chávez e Ortega. Nem falo de Cuba para não parecer malcriado. Enfim, colocar todos no mesmo saco não passa de uma tentativa dos bolivarianos de desviar a atenção de seus ataques à democracia.

O bolivarianismo não passa de uma técnica para a perpetuação de caudilhos bananeiros no poder. É isso o que os últimos dez anos na América Latina demonstram cabalmente. Daniel Ortega era um político esquecido e fracassado antes de ser apresentado a esse “mapa da mina” descoberto por Hugo Chávez. Ele está apenas trilhando o mesmo caminho já trilhado por Chávez, Morales, Correa e Zelaya – e também por Lula, não se enganem: se o Apedeuta não conseguiu fazer passar o terceiro mandato, não foi porque não quis, ou porque tenha alguma consideração pela alternância democrática de governo – foi porque, felizmente, ele não pôde. O golpe na Nicarágua demonstra que os bolivarianos não vão desistir enquanto não transformarem a América Latina inteira no quartel de Chávez, ou na fazenda de Zelaya. Daniel Ortega, igual a Zelaya até no bigode, está fazendo aquilo que este último foi impedido de fazer.
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No caso de Honduras, a “comunidade internacional” ignorou um golpe em andamento e condenou um golpe inexistente, tratando um golpista como democrata, e democratas e defensores da Constituição como golpistas. E agora, diante do golpe constitucional na Nicarágua, que atitude irá tomar? O que fará a OEA, a ONU, Lula e Marco Aurélio Garcia? O que dirão o secretário-geral da OEA José Miguel Insulza e o presidente da Assembléia Geral da ONU, o ex-padre sandinista Miguel d’Escoto, de nome tão sugestivo? Irão condenar a manobra de Ortega como golpista? Irão exigir o “retorno imediato” do status quo ante? Irão defender a aplicação de sanções e o isolamento internacional da Nicarágua, até que o respeito à Lei e às regras da democracia seja restaurado no país? Obama e Hillary Clinton dirão que se abriu um “perigoso precedente” na América Latina? E Lula e Chávez, será que vão planejar a volta clandestina ao país de opositores ao golpe e ao governo de Ortega, abrigando-os na embaixada brasileira, para que de lá preguem a insurreição?

O chavismo está fazendo escola. A Nicarágua é sua mais nova presa. Qual será a próxima?

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