segunda-feira, junho 30, 2008

UMA LEI IDIOTA


Situação 1: uma pessoa heterossexual flerta com outra, do sexo oposto, e é rechaçado(a) por seu objeto de desejo. Ferido(a) em seu orgulho de macho - ou fêmea - heterossexual, a pessoa em questão se sente vítima de preconceito. Pior: sente-se discriminado(a) por sua opção sexual. Ofendido(a) em seus brios, apela para a lei e ganha na Justiça o direito a ser ressarcido(a) pela ofensa sofrida. A pessoa que o(a) repudiou vai parar na cadeia.

Situação 2: numa roda de amigos, alguém brinca com o jeito peculiar de um dos presentes, conhecido por sua fama de "machão", e brinda-o com uma sucessão de piadas, que o retratam como um "porco chauvinista", um "troglodita homofóbico", um "cafa". Considerando-se vítima de preconceito, o sujeito processa o piadista e ganha uma generosa indenização.

Acharam um despautério? Eu também acho. As duas situações descritas acima, claro, são absurdas. Não há lei que obrigue alguém a aceitar as propostas amorosas de outra pessoa, nem que penalize o autor de uma piada de mau gosto. Não há - ainda. Porque, se depender dos militantes gays, não estamos tão longe do dia em que situações semelhantes se tornarão corriqueiras, somente com o detalhe de que as alegadas vítimas de preconceito serão os homossexuais.

O PLC 122/06 - o tal projeto de lei contra a discriminação a homossexuais, que já passou pela Câmara e encontra-se atualmente no Senado, e que tanto barulho tem provocado - abre uma janela para que tais situações absurdas ocorram. O projeto de lei pune com a força do Estado qualquer um que cometer uma ação que possa ser considerada uma manifestação de homofobia. Desde o começo, existe uma questão semântica envolvida. Homofobia, no sentido do dicionário, é aversão a pessoas do mesmo sexo. Não necessariamente, a homossexuais. Logo, é algo mais adequado para descrever o comportamento de certos homossexuais, que têm verdadeiro horror às práticas geralmente associadas ao próprio sexo, do que aos chamados "homofóbicos". No entanto, as palavras "homofobia" e "homofóbico" passaram ao léxico como sinônimos de preconceito e discriminação contra os praticantes de uma determinada modalidade sexual. O que demonstra que, antes mesmo de tal lei ter sido aprovada - e espero, sinceramente, que não o seja -, já conseguiram realizar uma verdadeira revolução no vocabulário.

Isso por si já demonstra o nível de manipulação que cerca o tal PLC. Realmente, há uma grande confusão nessa questão. Prova disso é que se está confundindo, propositalmente ou não, homossexual e gay. Ser homossexual é uma questão pessoal, de foro íntimo. É como preferir este ou aquele tipo de comida, ou professar esta ou aquela religião. Ser gay, ao contrário, é uma postura política, algo bem diferente. O sujeito pode ser homossexual e não compartilhar a causa gay. Pode, por exemplo, viver uma vida homossexual, aberta ou não, ter um companheiro, ser reconhecido como tal e até orgulhar-se de sua condição, sem que nem por isso carregue a bandeira gay ou GLS. Pelo mesmo motivo, há uma Parada do Orgulho Gay, não uma Parada do Orgulho Homossexual. Há militantes gays, não militantes homossexuais.

Os militantes gays, assim como os defensores da política de cotas raciais, construíram um discurso eficiente. Convenceram a muitos de que são os arautos da tolerância e da liberdade, e que todos aqueles que ousarem criticá-los são terríveis homofóbicos e inimigos da civilização. Tentam de todas as maneiras - e estão conseguindo - tachar todos os que discordam do PLC 122/06 como adversários dos direitos humanos. Assim, evitam o debate, desviando a questão.

Na semana passada, um grupo de evangélicos invadiu o Congresso, em protesto contra o PLC 122/06. Alguns pastores levaram Bíblias e gritaram imprecações contra o homossexualismo, condenando a lei que iria transformar o Brasil numa "Sodoma e Gomorra". Ao invadirem o prédio do Congresso, estavam errados, pois tumultuaram um procedimento do regime democrático. Ao invocar a Bíblia para condenar os homossexuais ao fogo do inferno, estavam sendo boçais. Muita gente, certamente, passou a acreditar que o tal PLC é mesmo importante e necessário, diante de tamanha manifestação de intolerância. Os evangélicos, como quaisquer outros, não têm o direito de invadir o Congresso, e isso vale para todos os que já fizeram isso um dia, como os estudantes da UNE e os sindicalistas da CUT. Mas nem por isso se pode querer que sejam penalizados por suas opiniões. A menos que invoquem a Bíblia para insuflar uma turba a se armar de paus e facas e linchar quem pensa ou age de forma diferente deles, estão no seu direito. Têm o direito, inclusive, a ter seus preconceitos.

A questão não é religiosa, como crêem os evangélicos, nem uma questão de vida e morte para garantir os direitos humanos, como querem os militantes gays. É uma questão de liberdade de opinião. É isso, e não uma medida necessária para deter um suposto "genocídio" de homossexuais no Brasil - há quem fale a sério nisso, num país que tem a maior Parada Gay do mundo e em que grande parte dos artistas de TV são homossexuais assumidos. É, enfim, uma conquista da democracia que está sendo ameaçada pelo PLC 122/06, sob o pretexto de impedir-se a discriminação a uma minoria sexual, com base num discurso vitimista. Pelo mesmo motivo por que as leis do País não podem guiar-se por princípios religiosos, não se pode proibir as pessoas de professarem livremente suas crenças. Na verdade, há muito em comum entre os discursos dos gays e dos evangélicos. Ambos são movidos pela intolerância a quem pensa diferente deles. Por já ter exposto meu ponto de vista sobre isso, já fui, inclusive, tachado de homofóbico. O que demonstra a que ponto chegou a manipulação da questão pelos militantes gays.

Sou contra o PLC 122/06 pelo mesmo motivo por que sou contra as cotas raciais nas universidades: porque essa lei, se aprovada, institucionaliza aquilo que pretende coibir - no caso, a discriminação por motivo de opção sexual (contra os heterossexuais) -, é uma clara violação do princípio da igualdade de todos perante a lei e impõe uma polícia da linguagem e do pensamento. Sou contra porque me oponho a qualquer tipo de censura, ainda mais quando travestida de "respeito à diversidade". Porque não aceito a idéia de uma polícia mental ditando regras desde cima, estabelecendo por decreto qual deve ser a expressão mais adequada a ser utilizada para se referir a quem quer que seja, sob pena de multa ou prisão caso se use a palavra errada. Porque, do mesmo modo que não posso aceitar que alguém me diga o que devo ou não devo fazer com meu próprio corpo, não posso admitir que o Estado venha me dizer o que devo ou não dizer, o que devo ou não pensar, para não ferir as suscetibilidades de quem quer que seja. Enfim, porque a lei é um atentado à liberdade de opinião e de expressão. Alguns poetas do politicamente correto chamam isso de "discriminação positiva". Eu chamo de discriminação, pura e simples.

Somos ensinados que as leis existem para tornar a convivência entre os contrários possível, e para evitar que as diferenças - de opinião, de raça, de etnia, sobre futebol - degenerem em guerra civil. É para isso, aliás, que existe o Parlamento, como um espaço da diferença, e não da uniformidade de pensamento. Pois bem. A tal lei anti-homofobia, se aprovada, vai tornar a convivência inviável. Ao determinar o que e como se deve falar sobre o homossexualismo, vai instituir uma polícia da linguagem para regular as relações sociais, vai matar a espontaneidade que lhes deve ser característica, instituindo, em lugar dessa, a ditadura do politicamente correto.

O PLC 122/06 vai na direção da uniformidade, e não da diversidade. Aponta no sentido de impedir a livre expressão do pensamento, e não de garantir a convivência dos contrários. Vai de encontro, portanto, à lei vigente, que garante a liberdade religiosa. O respeito à diversidade, principal bandeira dos grupos gays, ficará permanentemente prejudicado, pois é negado na prática aos que, por um motivo ou outro, não compactuam com essa opção sexual. Estes ficarão impedidos de dizer o que pensam - sempre que quiserem externar uma opinião sobre o assunto, irão primeiro morder a língua e olhar em volta, certificando-se de que não estão sendo vigiados por algum censor de plantão.

Imaginem se fosse baixado um decreto proibindo as pessoas de usarem termos como "judiar" - para se referir aos judeus -, ou "mourejar" - com relação aos árabes. Já estamos bem perto disso, pois, dependendo da interpretação, chamar alguém de "crioulo" ou "negão" já é considerado, graças à praga do politicamente correto, uma ofensa passível de punição penal (tascar um "branquelo azedo", ao contrário, não é visto como manifestação racista). Imaginem se o legislador, em sua sabedoria, resolvesse estabelecer regras para as músicas ou os programas de TV com base em iniciativas como o PLC 122/06. Marchinhas de carnaval como "cabeleira do Zezé" ("olha a cabeleira do Zezé/será que ele é?/será que ele é?"...) e programas humorísticos seriam podados até ficarem irreconhecíveis. Muitos compositores e comediantes terminariam seus dias compondo e contando piadas detrás das grades. Parece exagero? Então leiam o projeto de lei.

Para justificar tamanho engodo, os militantes gays inventaram vários pretextos. Argumentam que a lei anti-homofobia é um avanço na luta pelos direitos humanos, algo semelhante às leis anti-racistas. Dizem ainda que a liberdade de expressão não será prejudicada, pois o que se está tentando coibir é a prática de ações violentas e discriminatórias. Um articulista da VEJA, André Petry, escreveu nesta semana defendendo esse ponto de vista. Os argumentos não se sustentam. Não há analogia com o racismo - os gays, ao contrário dos negros, não estão segregados da sociedade. Não podem dizer que são uma minoria oprimida, como eram os negros no sul dos EUA ou na África do Sul. Em outras palavras: não há escolas segregadas - para heteros somente -, como havia nesses países até há pouco tempo. Também não há qualquer regulamento que impeça a entrada de gays no serviço público - eles estão em todo lugar, e hoje em dia não escondem a cara nem mesmo no Exército, dando-se ao luxo de encenar uma monumental farsa posando de perseguidos e enxovalhar publicamente a imagem da instituição, como ocorreu recentemente no caso dos dois sargentos gays de Brasília. O PLC 122/06 também não irá coibir a violência contra homossexuais, pois para isso já existem outras leis, que garantem os direitos fundamentais do indivíduo. Para que servirá, então?

Não há dúvida de que os homossexuais sofrem discriminação, e inclusive intolerância, por parte de setores da sociedade. É inegável também que certos direitos civis - o de casar-se e adotar filhos, por exemplo - ainda lhes são negados. Pode-se discutir isso. Mas daí a dizer que o Brasil é um país homofóbico, um verdadeiro campo de extermínio de gays e travestis, ou que para conter certos comportamentos é preciso regular a linguagem cotidiana, vai uma grande diferença. Caso seja aprovado, o PLC 122/06 será uma vitória da intolerância, não da civilidade. Uma lei absolutamente idiota, a serviço da cretinice.

Nunca é demais lembrar: a democracia moderna surgiu para garantir a liberdade de opinião. Inclusive, e sobretudo, a liberdade religiosa. Tolher essa liberdade para beneficiar um grupo social é um passo atrás, e não adiante, na luta para tornar reais os princípios democráticos na sociedade. O PLC 122/06 não vai fazer do mundo um lugar melhor. Pelo contrário.

sexta-feira, junho 27, 2008

UMA AULA DE LIBERDADE COM REINALDO AZEVEDO

O texto abaixo, de Reinaldo Azevedo, é uma verdadeira aula sobre o significado de individualismo e democracia. Serve como um bálsamo contra a maré de burrice e estupidez politicamente correta que nos está sufocando a todos nesses tempos sinistros. Se você ainda acha que os que defendem coisas como a liberdade de pensamento e a autonomia do indivíduo são "reacionários" e outros adjetivos afins, deveria lê-lo e relê-lo. Se, mesmo assim, persistir acreditando nas velhas falácias esquerdóides, que tente ao menos refutar o que vem a seguir, com argumentos e não insultos boçais. Texto impecável, argumentos incisivos. Uma ilha em meio a um oceano de mediocridade. Nada que eu acrescentasse poderia melhorá-lo.
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Indivíduos, não manada
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Vocês sabem, não? 99,4% do nosso material genético é igualzinho ao dos chimpanzés. Assim, há, é inegável, um macaco em nós. É um tanto assustador que tenhamos feito todo o resto só com 0,6%... É nessa parte ínfima que está o ser que pondera. A esmagadora maioria do que vai no nosso íntimo ainda sobe em árvore e faz cocô na cabeça alheia, pratica canibalismo, infanticídio, assalto em bando... Isto mesmo: bando é coisa de chimpanzé. Eu tenho horror a bando. Só os indivíduos na sua singularidade me interessam.
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É por isso, por exemplo, que acho que o estado deve ser contido e vigiado pelo indivíduo, e não o contrário, como ocorre costumeiramente. Sim, o meu ideal político — e dizem que isso é ser de direita — é ter um estado cada vez menor e um espaço cada vez maior para a arbitragem individual. Dou um exemplo: faz sentido proibir cigarro em restaurante? Faz. Num restaurante de não-fumantes, sim. Mas por que não pode haver um outro para fumantes? Sei, cigarro predispõe ao câncer. No limite extremo, as pessoas têm o direito de optar por isso, por mais estranho que a muitos possa parecer. Ter de vir o estado para determinar: “É proibido fumar em local fechado”, sem abrir a brecha para seres privados fumarem em locais privados, previamente combinados, é uma estupidez da tentação legiferante.
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“Ah, mas você é contra a descriminação das drogas no Brasil”. Sim, sou. Mas não posso ser contrário a que a pessoa decida cheirar cocaína até virar uma uva passa, ainda que eu ache que ela não deva fazê-lo. O que eu tenho com isso? No que respeita à organização social, no entanto, a minha restrição é de outra natureza: o Brasil não pode fazer tal opção sozinho. E, como não pode, a comercialização de determinadas substâncias constitui crime e é a base que financia o chamado “crime organizado”. Assim, é inescapável considerar que optar por consumir cocaína ou maconha faz do consumidor um elo da cadeia criminosa. E, segundo cá o meu tribunal, o certo seria que respondesse por isso.
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Mas não quero que essa questão da droga — falo dela porque é recorrente — contamine o espírito do texto: ser contra a manada. As imposições politicamente corretas mundo afora (com maior determinação no Brasil) fazem justamente isto: tiram do indivíduo o direito à arbitragem e tentam, o que é grave, perigoso, cassar o direito à opinião. Peguemos o tal projeto que criminaliza a chamada “homofobia”: ora, as leis já punem a discriminação de homossexuais. Ir além disso, tentando policiar a linguagem, é avançar no arbítrio individual. “Ah, e se o sujeito pregar a organização de hordas para intimidar homossexuais?”. Bem, aí é crime — ou melhor: isso já é crime.
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O mesmo vale para publicações desta ou daquela natureza. Alguns militantes islâmicos que hoje acusam a existência de “islamofobia” no mundo acham perfeitamente aceitável que sua religião persiga um escritor acusado de... ofender o Islã! E o que é, afinal, que ofende o Islã? Bem, só sendo islâmico para sabê-lo. Aí não dá. Devemos nos subordinar a eles? Eu acho que não. Como acho uma bobagem que se proíba a publicação de Mein Kampf, dos Protocolos ou de livros que neguem o Holocausto. Negar pode: não pode é se organizar em hordas — ou pregar tal organização — para perseguir judeus. Peguem o caso do delinqüente Mahmoud Ahmadnejad, presidente do Irã: ele afirma que o fato de alguns países ocidentais proibirem a publicação de livros revisionistas é exemplo de que a revisão faz sentido...
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O espírito da democracia está contido na máxima de Tocqueville de que os males da liberdade se corrigem com mais liberdade — desde que, é claro, você não permita que grupos organizados solapem as bases do sistema que supõe a convivência entre as diferenças. Não posso corrigir o mal do terrorismo com mais liberdade ao terror, por exemplo: afinal, ele não pretende dialogar com o “outro”, mas eliminá-lo. Então, do ponto de vista da democracia, trata-se de um mal essencial.
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Tenho horror a isso que chamo espírito de manada — ainda que uma manada pequena, minoritária. Faço uma brincadeira com Fernando Pessoa, assim: “Como sou Rei(naldo) absoluto da minha simpatia, basta que ela exista para que tenha razão de ser”. Não é uma apologia da incoerência, mas do individualismo.
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Sou, por exemplo, católico e compreendo que os católicos considerem pecanimosa a prática homossexual. Na sua Igreja, têm todo o direito de criar obstáculos à admissão de homossexuais na hierarquia — embora a tarefa, convenham, ande um tanto difícil, não é mesmo? Mas eles existem na sociedade — constituem, desde sempre, uma parcela da humanidade —, e são seres de direito. Têm de estar abrigados pelas leis como qualquer um de nós. Sou contra o tal projeto que pune a homofobia porque o considero autoritário e contraproducente, já disse as razões, não porque, como asseguram alguns apocalípticos, os gays estão tomando conta do mundo. Isso é de uma tolice sem tamanho. Daqui a pouco vai ter gente dizendo que os sodomitas são culpados pelos terremotos. Qual é...
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Aí um católico bravo comigo — ele até decidiu me excomungar; será que já virou papa? — afirma estar muito decepcionado; segundo ele, Deus ama o homossexual desde que este não pratique o ato nefando. Não vou entrar no mérito religioso da consideração, que daria pano pra manga, e prefiro me ater à questão, digamos, puramente civil: acho absurda a proposição que condene alguém à solidão Ela me parece muito pouco amorosa. E isso nada tem a ver com a pletora de tolices que se dizem por aí sobre as virtudes do “fim da família tradicional” e outras bobagens para alimentar publicações ligeiras, de entretenimento.
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O que eu não quero é o estado vigiando e determinando o que posso dizer ou não, o que posso pensar ou não, o que posso fazer ou não. Precisamos, sim, de uma Constituição que garanta a todos a igualdade perante as leis e que assegure, vejam só, o direito às desigualdades — porque somos desiguais. Se e quando grupos organizados ameaçarem o direito à igualdade legal, então é correto e desejável que o estado se faça presente, por meio da Justiça, para restaurar esse direito agravado.
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Mas calma lá. É preciso tomar muito cuidado com o “estado sábio”, dotado de suposta neutralidade moral, que venha nos dizer o que é e o que não é saudável PENSAR.

quinta-feira, junho 26, 2008

ELES QUEREM REVANCHE, NÃO JUSTIÇA


Atentado à bomba no aeroporto dos Guararapes, Recife, 25/07/1966: violência não foi só da ditadura

Os "anos de chumbo" da ditadura militar no Brasil já renderam uma vasta literatura bastante desigual, vários filmes (alguns assistíveis, a maioria nem isso) e uma infinidade de mitos. Alguns deles já analisei aqui. A moda agora é defender a revisão da Lei de Anistia de 1979, que perdoou os crimes praticados tanto pela esquerda quanto pela repressão político-militar. O Secretário Nacional de Direitos Humanos, Paulo Vanucchi, já defendeu publicamente a idéia, colocando-se a favor da punição dos agentes da repressão que cometeram torturas e outras barbaridades. Que ponham as barbas de molho, advertiu.

Alguns órgãos da imprensa colocaram-se a serviço dessa causa. Um deles, a revista Carta Capital, publicou nesta semana reportagem de capa sobre o assunto. Talvez alguém se surpreenda ao me ver comentando matéria da Carta Capital, uma publicação chapa-branca, a qual já reservei aqui alguns comentários. Mas às vezes é preciso, como disse aquele ator da Globo que quis justificar o mensalão, meter a mão na merda. Antes eu tinha algumas dúvidas sobre as reais motivações da esquerda em querer reabrir algumas feridas do passado. Ao final da leitura da reportagem, não as tinha mais (a reportagem completa está aqui: http://www.cartacapital.com.br/app/materia.jsp?a=2&a2=8&i=1207).

Em resumo: a reportagem da Carta Capital informa que dois promotores do Ministério Publico Federal (MPF) encaminharam ação à Justiça Federal para responsabilizar civilmente torturadores e autoridades da época da ditadura militar no Brasil por crimes cometidos no DOI-Codi paulista, entre 1970 e 1976. A Procuradoria-Geral da República de São Paulo avalia que agentes públicos, “notadamente da União Federal”, praticaram abusos e atos criminosos contra opositores ao regime, e que as ilegalidades ocorridas naquela instituição militar, como as prisões ilegais, torturas, homicídios e desaparecimentos forçados, são consideradas pelo Ministério Público como crimes de “lesa-humanidade”. A ação lembra que o Comitê de Direitos Humanos da ONU recomendou ao governo brasileiro que torne públicos os documentos sobre violações aos direitos humanos no País e responsabilize os autores de todos esses crimes.

O.k. A tortura é mesmo horrível, um crime de lesa-humanidade. Quanto a isso creio que ninguém que regule bem das idéias pode discordar. Mas e o terrorismo, não é? Pendurar alguém no pau-de-arara, aplicar-lhe choques elétricos, espancar prisioneiros, é algo repulsivo e contrário à dignidade humana. Merece, pois, toda condenação. Explodir bombas em locais apinhados de gente como um aeroporto, executar friamente um militar aprisionado, colocar em risco a vida de civis inocentes em assaltos a bancos, também. Por que então o MP está exigindo a responsabilização penal de um lado apenas? A ONU, inclusive, já aprovou diversas declarações e resoluções condenando o terrorismo, assim como a tortura. Duplo padrão, viés ideológico, está claro. Adiante.

A política de repressão e perseguição ampla “mediante violência” partiu, naquele momento da história do País, da Presidência da República e do Ministério do Exército, avalia o procurador regional Marlon Alberto Weichert, autor da ação juntamente com a colega Eugênia Gonzaga Fávero. Assim, se os responsáveis pelas torturas não tiverem seus nomes execrados publicamente, por não estarem vivos, espera-se, pelo menos, que não continuem dando nomes a escolas, pontes e viadutos pelo País afora. Um dos mais sanguinários policiais do País, o delegado Sergio Paranhos Fleury, do antigo Dops (Departamento de Ordem Política e Social), por exemplo, é nome de rua hoje na cidade de São Carlos (SP). O general Milton Tavares também foi agraciado com um viaduto acima do rio Tietê, em São Paulo. Seu nome está lá estampado.

Entendi. A idéia é expor os torturadores e seus mandantes. Ou, pelo menos, caso não estejam mais vivos, não permitir que seus nomes batizem ruas e outros locais públicos. Acho justo. Não gostaria nem um pouco de morar numa rua chamada Sérgio Paranhos Fleury, ou Milton Tavares, ou Emílio Garrastazu Médici (sei que existe uma cidade chamada Presidente Médici, se não me engano no Amazonas). Mas ficaria também muito incomodado se meu endereço fosse Rua Carlos Mariguella, ou avenida Carlos Lamarca... Afinal, esses não atuaram também, "mediante violência" como diz a denúncia do MP, no período? Mariguella, por sinal, não chegou mesmo a proclamar em vários documentos o orgulho de ser terrorista? E o terrorismo não é condenado pela ONU? Querem execrar todos os que fizeram uso da violência durante a ditadura militar, tudo bem, acho ótimo, não tenho nada a opor. E retirar seus nomes de ruas, escolas, pontes e outros locais públicos? Perfeito. Então, que se retirem os nomes de Carlos Mariguella e Carlos Lamarca das placas também. Lamarca, aliás, foi promovido postumamente a general, e sua família recebeu uma indenização do governo. Não me consta que o mesmo tenha acontecido aos parentes de Fleury ou de qualquer outro torturador. Por que execrar uns e louvar outros?

A ação de Weichert e Eugênia tem o objetivo de impedir que os abusos praticados no passado voltem a se repetir. Subscrita por outros quatro procuradores, ela foi encaminhada e aceita pela Justiça Federal no fim de maio. A Procuradoria pede a devolução para a União de todos os valores pagos em indenizações a 64 familiares de mortos e desaparecidos políticos. São presos mortos no DOI-Codi, reconhecidos oficialmente pelo governo brasileiro no documento Direito à Memória e à Verdade, produzido pela Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, da Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República. O total a ser devolvido aos cofres do governo, conforme a ação, ultrapassa 9 milhões de reais.

Estou entendendo cada vez mais. Não se trata apenas de expor os nomes dos torturadores à execração pública - coisa, aliás, que vem sendo feita há bastante tempo, e que a própria Carta Capital faz em sua capa desta semana, mostrando, com foto e legenda, o rosto de um policial do interior de SP acusado de ter sido torturador no DOI-CODI nos anos 70. A questão vai um pouco mais além. Trata-se, também, de exigir que os responsáveis pelas mortes e desaparecimentos de presos políticos desembolsem a quantidade gasta pela União com as indenizações. Que foram concedidas prodigamente, diga-se de passagem, às famílias de muitos que pegaram em armas contra o regime militar, e que em suas ações deixaram mortos e feridos. Mais uma vez: acho justíssimo. Só não consigo entender por que não propor que os remanescentes da luta armada façam o mesmo em relação aos familiares das pessoas que eles assassinaram, feriram e seqüestraram. Aliás, não entendi por que os familiares das pessoas que foram mortas pelas organizações armadas de esquerda, ao contrário das vítimas da repressão, ainda não receberam nenhuma indenização. O caso do cidadão que perdeu uma perna em um atentado à bomba em 1968 em São Paulo e que hoje vive com uma magra pensão de aposentadoria por invalidez, enquanto o autor do crime foi indenizado regiamente por ter sido preso e torturado, é emblemático disso. Isso é justiça?

"O Brasil não teve uma comissão de verdade para identificar os torturadores e afastá-los do exercício de funções públicas. O Exército sonega informações à sociedade brasileira”, observa Weichert. Ele diz ainda: "Manter hoje acusados de tortura em cargos públicos é um risco para a sociedade", assegura Weichert. “É preciso reconhecer que a tortura funciona. Uma pessoa que pratica tortura, que se acostumou com isso e exerce a função de delegado, traz um risco para a sociedade".

Mais uma vez, estou de pleno acordo com o procurador. É preciso identificar e afastar das funções públicas todos aqueles que participaram em torturas e outros crimes da repressão. Mantê-los em cargos públicos é um risco para a sociedade. Assim como é manter todos aqueles que tiveram algum envolvimento com grupos de luta armada e em atos de terrorismo e que foram, igualmente, beneficiados pela Anistia. Concordo, aliás, que não existe ex-torturador, assim como não existe ex-espião e ex-terrorista. Portanto, figuras como Dilma Rousseff (VAR-Palmares), Franklin Martins (MR-8), Carlos Minc (VAR-Palmares), José Dirceu (ALN, Molipo), José Genoíno (PCdoB - guerrilha do Araguaia), Marco Aurélio Garcia (POC) e Paulo Vanucchi (ALN) devem ser imediatamente expurgados do serviço público, e impedidos para sempre de ocupar qualquer cargo no Estado brasileiro. Aguardo o dia em que esse ato seja publicado no Diário Oficial da União.

Os nomes citados aí acima são de ministros do atual governo, deputados, políticos. O rosto deles está na mídia todos os dias. São algumas das personalidades mais respeitadas e influentes do Brasil na atualidade. E os ex-agentes da repressão, que influência exercem sobre a vida política do País? Resposta: ZERO. Nada mesmo.

Para Weichert, incutiu-se no imaginário nacional a idéia de que a Lei de Anistia implica o esquecimento integral de toda a violência ocorrida no País. “Isso não se sustenta nem judicialmente nem sociologicamente. A Corte Interamericana de Direitos Humanos diz que não se faz reconciliação com esquecimento. Isso pressupõe verdade, transparência e justiça”, acredita o procurador.´

Corretíssimo. Também concordo que Anistia não quer dizer esquecimento. É preciso lembrar, por mais doloroso que seja, até para que nunca mais ocorra de novo. Daí porque não consigo entender o critério adotado pelo MP, de lembrar apenas uma parte da História. Aprendi que lembrar pela metade é esquecer pela metade. Que os crimes da repressão sejam lembrados e execrados. Que os crimes da esquerda também. Somente assim se vai alcançar alguma reconciliação com o passado.

O jurista Dalmo Dallari, professor aposentado da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), aponta como uma “contradição gritante” da Lei de Anistia a ampliação do indulto a todos aqueles que estavam a serviço do Estado. “Esses acusados não eram políticos, eram agentes públicos envolvidos em torturas. É uma legislação feita em causa própria, durante um governo ditatorial”, pontua.

Assim como os que praticaram torturas e outras atrocidades não eram políticos, os que praticaram ações armadas contra o regime também não o eram. E os delitos que eles cometeram, assim como a tortura, não foram crimes políticos, mas comuns. A menos que se considere assaltar bancos, seqüestrar diplomatas e explodir bombas crimes políticos. É verdade que a Anistia foi uma legislação em causa própria, pois beneficiou os agentes do próprio regime. Mas é verdade que perdoou também os que queriam derrubar o regime, e substituí-lo por uma ditadura comunista. A Lei de Anistia certamente não é perfeita, mas a situação por ela criada só permite duas soluções: ou se perdoa a todos ou não se perdoa ninguém. Nesse caso, não somente os torturadores, mas os terroristas, deveriam estar na cadeia.

É verdade que outros países seguiram pelo mesmo caminho durante um tempo. Era necessário evitar o conflito. Mas a Argentina e o Chile estão punindo seus repressores. Nós, 20 anos após a redemocratização, nem sequer abrimos os arquivos da ditadura. O brasileiro tem uma tradição de conciliação absolutamente exagerada.

Na Argentina, a ditadura caiu depois da desastrosa aventura das Malvinas. No Chile, alguns militares foram punidos por crimes cometidos fora de suas fronteiras, como o assassinato do ex-Chanceler de Allende nos EUA, em 1976. No Brasil, não houve nada disso. Além do mais, em ambos os países não foram apenas os militares, mas também integrantes de organizações armadas de esquerda, como os Montoneros e o MIR, que foram punidos após a redemocratização. Logo, não há analogia possível. Mas concordo que o brasileiro é exageradamente conciliador e evita os conflitos. Tanto que a ditadura militar aceitou perdoar, junto com seus agentes, aqueles que quiseram derrubá-la, inclusive pela violência. Alguém consegue imaginar o mesmo acontecendo em Cuba, por exemplo?

No Brasil, a situação está muito aquém dos exemplos dos vizinhos do Cone Sul. Até agora nem sequer conseguimos responsabilizar na área cível um único agente de repressão. Que dirá colocá-los na cadeia. A Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos, por exemplo, insiste há anos na abertura dos arquivos da ditadura. “Não precisa abrir tudo. Há documentos que podem comprometer a soberania nacional ou provocar incidentes diplomáticos. Como também existem pessoas que não estão dispostas a ver a vida de familiares devassada”, pondera o advogado Marco Antônio Barbosa, presidente da comissão. “Mas é necessário criar um critério justo e claro para revelar alguns documentos e avançar nesse trabalho de resgate da memória”, completa.
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Hummm... Não precisa abrir tudo, é? Por que será? Acho estranha essa seletividade. Como estudante da História nacional, e como cidadão brasileiro, gostaria que fossem abertos todos os arquivos, não somente uns. Quem vai definir os critérios? Será que vão fazer um comitê para estabelecer que documentos podem ser divulgados, e quais não podem, porque podem "comprometer a soberania nacional", "provocar incidentes diplomáticos" ou porque - meu argumento preferido - "existem pessoas que não estão dispostas a ver a vida de familiares devassadas"? Mas os torturadores, não têm sua vida devassada o tempo todo? Afinal, do que têm medo que venha a público? Será que é o destino dos dólares que Cuba deu a Brizola? Ou o nome de algum traidor? Os arquivos ainda nem foram abertos, e já desconfio que, se forem um dia, será mais para esconder do que para revelar...

Fábio Konder Comparato, professor emérito da Faculdade de Direito da USP, não poupa argumentos para defender a punição exemplar a todos os que atuaram na repressão política. Autor da representação que levou o MPF a ajuizar a ação civil pública contra os antigos comandantes do DOI-Codi, ele atuou em outros três casos contra a União movidos por familiares de vítimas. Para Comparato, o recente processo “pode abrir caminho para punir tanto os executores como os mandantes dos crimes."

Embora considere difícil identificar todos os que ajudaram no aparato da repressão, até porque muitos documentos da época continuam sob sigilo de Estado, o advogado acredita ser possível, inclusive, estender esses processos aos colaboradores civis da ditadura. “Os empresários que ajudaram a financiar a repressão também devem ser punidos. É o princípio da co-autoria. E tem muita gente viva gozando dessa impunidade. Os filhos e netos deles têm o direito de olhar nos olhos dos pais e avós e perguntar: vocês foram responsáveis por mortes e torturas?”

Novamente: uma iniciativa justa, justíssima. Os colaboradores civis da repressão são co-autores dos crimes da ditadura. Devem portanto, ser responsabilizados por isso. Mas não só eles. O que dizer dos colaboradores civis, os "simpatizantes", das organizações armadas de esquerda? Muita gente, inclusive gente do meio artístico e empresarial, deu guarida e ajuda aos guerrilheiros. De acordo com o mesmo raciocínio, deveriam ser penalizados também. Seus filhos e netos, portanto, têm o direito de olhar nos olhos dos pais e avós e perguntar: papai, vovô, você foi responsável por mortes e assaltos a banco?

A reportagem inteira, como se vê, é, da primeira à última linha, pura peça de propaganda ideológica, proselitismo político disfarçado de jornalismo. A essa altura, quem chegou até aqui já deve ter percebido, e nem é preciso lembrar, mas eu vou dizer assim mesmo: com a exceção de um pequeno trecho em que se fala, de passagem, das torturas sofridas na OBAN por dois guerrilheiros, pai e filho, presos sob a acusação de terem executado um empresário em SP, NÃO HÁ QUALQUER MENÇÃO AO TERRORISMO DA ESQUERDA.

Certamente, punir quem torturou e assassinou friamente prisioneiros indefesos é uma mais que justa reivindicação, um ato de justiça. O problema é quando essa condenação vem acompanhada de uma manipulação muito peculiar e seletiva da memória histórica, como se apenas um dos lados tivesse feito uso da violência. Como se só houvesse algozes, de um lado, e vítimas, de outro.

A violência da esquerda não apenas precedeu a fase mais dura da repressão, e ajudou a desencadeá-la - sendo, portanto, co-responsável pelos piores crimes da ditadura -, como foi, em termos relativos, mais intensa do que a violência dos militares. Em números absolutos, estes mataram mais - no Brasil, 376 pessoas foram mortas pelo aparato da repressão durante a ditadura militar, de 1964 a 1985 -, mas, em números relativos, as guerrilhas foram mais mortíferas. Cerca de uma centena de pessoas, pelo menos, foi morta pelos grupos da esquerda armada entre 1965 e 1974. Um número que adquire especial importância, visto que tais grupos, ao contrário da ditadura, agiam sempre no limite da precariedade: dispunham para suas ações de algumas dezenas de militantes e, quando muito, um número um pouco maior de simpatizantes, algumas metralhadoras e, como arma padrão, um revólver ou uma pistola. E mesmo assim mataram mais de 100 brasileiros e alguns cidadãos estrangeiros, durante nove anos. A repressão, com toda a máquina do Estado - as três Forças Armadas, o SNI, os serviços militares de inteligência, a Polícia Federal, as polícias estaduais militares e civis -, fez 376 cadáveres em vinte e um anos. Basta fazer uma conta matemática rápida para saber quem foi mais letal. Os defensores da luta armada argumentam que os guerrilheiros não torturaram. Pergunto: por acaso manter alguém em cativeiro após seqüestro ou apontar uma arma para simples transeuntes apanhados na fila do banco durante um assalto não pode também ser considerado uma forma de tortura?

E não se trata apenas de uma questão numérica. Mesmo no momento mais duro da repressão, os grupos de esquerda achavam tempo para se matarem uns aos outros. Jacob Gorender, em seu livro Combate nas Trevas, fala em pelo menos quatro "justiçamentos" - o nome que os terroristas davam aos assassinatos de seus próprios companheiros -, todos por meras suspeitas de traição. Um outro caso bastante exemplar é de um guerrilheiro do Araguaia, assassinado a tiros por ter se envolvido amorosamente com a esposa de um companheitro - um crime passível da pena capital, pelos critérios bastante peculiares do "tribunal revolucionário" do PCdoB. Os nomes dessas vítimas da esquerda, que podem ser encontrados na internet, não constam de nenhuma lista e de nenhum livro sobre os mortos e desaparecidos políticos durante a ditadura militar, inclusive do que o governo lançou no ano passado, com pompa e circunstância. É como se essas pessoas nunca tivessem existido.

Não dou a mínima para os torturadores: os crimes que cometeram foram bárbaros, e acho mesmo que eles devem ter seus nomes execrados e ser punidos por isso. Mas nem por isso concordo que se deve fechar os olhos para um dos lados da violência, a ponto de negá-la completamente. Por que punir um dos lados somente? Isso não é justiça. É outra coisa. A palavra é feia, ninguém gosta, lembra discurso de milico. Mas é preciso dizê-la com todas as letras: é revanchismo.

Millôr Fernandes escreveu que a luta armada dos anos 60 e 70 era um investimento para o futuro. Depois do Bolsa-Terrorismo, a esquerda quer revisar a Lei de Anistia. O terrorismo compensa.

quarta-feira, junho 25, 2008

Resultado da enquete

Terminou há algumas horas a segunda enquete do blog. A pergunta era : "O Ministério da Pesca contratou, a pedido de Dilma Rousseff, a esposa do 'embaixador' das FARC no Brasil, Olivério Medina. Quem mais você acha que o governo deveria contratar?"
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- Para 22% dos internautas que votaram, Osama Bin Laden deveria ser o novo contratado pelo Ministério da Defesa, e a Mulher Melancia pela Secretaria de Políticas para as Mulheres.
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- 33% acham que a Presidência do Banco Central deveria ser entregue a Paulo Maluf, e que o palhaço Tiririca deveria ocupar uma sala no Ministério da Cultura.
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- 44% votaram em Fernandinho Beira-Mar para um cargo comissionado no Ministério da Justiça.
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- O vencedor, com 66% dos votos, para assumir uma cadeira na Secretaria Especial da Presidência da República para Direitos Humanos, foi o Coma Andante de Cuba, Fidel Castro.
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O resultado não me surpreendeu. Depois das declarações do atual titular da Pasta dos Direitos Humanos, Paulo Vanucchi, a favor da revisão da Lei de Anistia, para punir os torturadores - mas não os terroristas que queriam transformar o Brasil numa nova Cuba ou Coréia do Norte -, a contratação do eterno ditador cubano para aquela Secretaria seria mais do que esperada. Fidel certamente se sentiria à vontade ao lado de Lula e dos companheiros Paulo Vanucchi, Dilma Rousseff, Franklin Martins, Carlos Minc e Marco Aurélio Garcia. Ah claro, tem o Zé Dirceu também - como pude esquecer? Nenhum lugar mais apropriado para um tiranossauro gagá do que junto a velhos camaradas de luta que sonharam, um dia, em fazer de Havana a capital do Brasil.
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Mais uma vez agradeço a todos que participaram. Em breve, mais uma enquete.

UM ARTIGO PRIMOROSO DE JOÃO UBALDO RIBEIRO


Segue artigo de João Ubaldo Ribeiro, publicado no Estado de S. Paulo em 22/06. Volto depois.

Pode ser que ele esteja maluco

(João Ubaldo Ribeiro , no Estadão , 22 de junho de 2008)

Sei que, para os lulistas religiosos, a ressalva preliminar que vou fazer não adiantará nada. Pode ser até tida na conta de insulto ou deboche, entre as inúmeras blasfêmias que eles acham que eu cometo, sempre que exponho alguma restrição ao presidente da República. Mas tenho que fazê-la, por ser necessária, além de categoricamente sincera. Ao sugerir, como logo adiante, que ele não está regulando bem do juízo, ajo com todo o respeito. Dizer que alguém está maluco, principalmente alguém tido como sagrado, pode ser visto até como insulto, difamação ou blasfêmia mesmo. Mas não é este o caso aqui. Pelo menos não é minha intenção. É que às vezes me acomete com tal força a percepção de que ele está, como se diz na minha terra, perturbado da idéia que não posso deixar de veiculá-la. É apenas, digamos assim, uma espécie de diagnóstico leigo, a que todo mundo, especialmente pessoas de vida pública, está sujeito.

Além disso, creio que não sou o único a pensar assim. É freqüente que ouça a mesma opinião, veiculada nas áreas mais diversas, por pessoas também diversas. O que mais ocorre é ter-se uma certa dúvida sobre a vinculação dele com a realidade. Muitas vezes - quase sempre até -, parece que, quando ele fala "neste país", está se referindo a outro, que só existe na cabeça dele. Há alguns dias mesmo, se não me engano e, se me engano, peço desculpas, ele insinuou ou disse claramente que o Brasil está, é ou está se tornando um paraíso. Fez também a nunca assaz lembrada observação de que nosso sistema de saúde já atingiu, ou atingirá em breve, a perfeição, até porque está ao alcance de qualquer cidadão, pela primeira vez na História deste país, ter absolutamente o mesmo tratamento médico que o presidente da República.

Tal é a natureza espantosa das declarações dele que sua fama de mentiroso e cínico, corrente entre muitos concidadãos, se revela infundada e maldosa. Ele não seria nem mentiroso nem cínico, pois não é rigorosamente mentiroso quem julga estar dizendo a mais cristalina verdade, nem é cínico quem tem o que outros julgam cara-de-pau, mas só faz agir de acordo com sua boa consciência. Vamos dar-lhe o benefício da dúvida e aceitar piamente que ele acredita estar dizendo a absoluta verdade.

Talvez haja sinais, como dizem ser comum entre malucos, de uma certa insegurança quanto a tal convicção, porque ele parece procurar evitar ocasiões em que ela seria desmentida. Quando houve o tristemente célebre acidente aéreo em Congonhas, a sensação que se teve foi a de que não tínhamos presidente, pois os presidentes e chefes de governo em todo o mundo, diante de catástrofes como aquela, costumam cumprir o seu dever moral e, mesmo correndo o risco de manifestações hostis, procuram pessoalmente as vítimas ou as pessoas ligadas a elas, para mostrar a solidariedade do país. Reis e rainhas fazem isso, presidentes fazem isso, primeiras-damas fazem isso, premiers fazem isso. Ele não. Talvez tenha preferido beliscar-se para ver ser não estava tendo um pesadelo. Mandou um assessor dizer umas palavrinhas de consolo e somente três dias depois se pronunciou a distância sobre o problema. O Nordeste foi flagelado por inundações trágicas, o Sul assolado por seca sem precedentes, o Rio acometido por uma epidemia de dengue, ele também não deu as caras. E recentemente, segundo li nos jornais, confidenciou a alguém que não compareceria a um evento público do qual agora esqueci, por temer receber as mesmas vaias que marcaram sua presença no Maracanã.

Portanto, como disse Polônio, personagem de Shakespeare, a respeito do príncipe Hamlet, há método em sua loucura. Não é daquelas populares, em que o padecente queima dinheiro (somente o nosso, mas aí não vale) e comete outros atos que só um verdadeiro maluco cometeria. Ele construiu (enfatizo que é apenas uma hipótese, não uma afirmação, porque não sou psiquiatra e longe de mim recomendar a ele que procure um) um universo que não pode ser afetado por cutucadas impertinentes da realidade. Notícia ruim não é com ele, que já tornou célebre sua inabalável agnosia ("não sei de nada, não ouvi nada, não tive participação nenhuma") quanto a fatos negativos. Tudo de bom tem a ver com ele, nada de ruim partilha da mesma condição.

Agora ele anuncia que, antes de deixar o mandato, vai registrar em cartório todas as suas realizações, para que se comprove no futuro que ele foi o maior presidente que já tivemos ou podemos esperar ter. Claro que se elegeu, não revolucionariamente, mas dentro dos limites da ordem (?) jurídica vigente, com base numa série estonteante de promessas mentirosas e bravatas de todos os tipos. Não cumpriu as promessas, virou a casaca, alisou o cabelo, beijou a mão de quem antes julgava merecedor de cadeia e hoje é o presidente favorito dos americanos, chegando mesmo, como já contou, a acordar meio aborrecido e dar um esbregue em Bush. Cadê as famosas reformas, de que ouvimos falar desde que nascemos? Cadê o partido que ia mudar nossos hábitos e práticas políticas para sempre? O que se vê é o que vemos e testemunhamos, não o que ele vê. Mas ele acredita o contrário.

Acredita, inclusive, nas pesquisas que antigamente desdenhava, pois os resultados o desagradavam. Agora não, agora bota fé - e certamente tem razão - depois que comprou, de novo com o nosso dinheiro, uma massa extraordinária de votos. Não creio que ele se julgue Deus ainda, mas já deve ter como inevitável a canonização e possivelmente não se surpreenderá, se lhe contarem que, no interior do Nordeste, há imagens de São Lula Presidente e que, para seguir velha tradição, uma delas já foi vista chorando. Milagre, milagre, principalmente porque ninguém vai ver o crocodilo por trás da imagem.

Voltei

João Ubaldo, quando não está no bar, escreve coisas bem interessantes. O texto acima é primoroso. Poucos escritores brasileiros conseguem expor com tanta verve e eficiência essa monstruosa impostura histórica que se chama Luiz Inácio Lula da Silva. Serve como um antídoto às babações-de-ovo de um Luís Fernando Veríssimo ou de um Frei Betto.

Há algum tempo João Ubaldo começou a botar suas impressões sobre Lula no papel. Entre outras coisas, ele foi um dos primeiros a perceber aquilo que é mais que óbvio, mas que para muita gente ainda é um tabu: que Lula é não só um ignorante, mas o responsável por um verdadeiro culto da ignorância, que ele habilmente maneja e estimula, com a ajuda, paradoxalmente, de intelectuais apaixonados pelo líder operário. Foi por isso chamado, claro, de preconceituoso. Nunca entendi como apontar uma falha evidente na formação de alguém - a falta de educação formal - pode ser visto como preconceito. Já escrevi aqui que Lula teve tempo suficiente para preencher essa lacuna e até cursar uma faculdade. Se não o fez, foi porque não quis. Claro que também fui chamado de preconceituoso e elitista por causa disso. É a vida.

De fato, Lula e os lulistas vivem numa espécie de universo paralelo. No mundo encantado do lulo-petismo, Lula é o melhor presidente que o Brasil já teve ou terá um dia, o Bolsa-Família não é uma forma de reprodução clientelística da pobreza e da dependência estatal, a corrupção é exclusiva da direita, as FARC não são um grupo terrorista, Fidel Castro e Hugo Chávez são líderes democratas e Cuba é um paraíso da igualdade e dos direitos humanos. Para eles, lulistas, assim como para o Cândido de Voltaire, o Brasil é o melhor dos mundos, devendo todos os seus problemas às intrigas da oposição. Todas as notícias boas, por sua vez, são mérito deles, os lulistas, e de seu Guia Genial, Lula. Também pudera: quem foi durante trinta anos incensado todos os dias como um Messias que iria redimir a nação e conduzi-la em direção à Terra Prometida só pode mesmo perder contato com a realidade e virar um alienado, no sentido que se dava antigamente ao termo.
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Certamente, como diz o escritor baiano, há método nessa loucura toda. A falta de contato com a realidade é uma característica de todo líder político messiânico. Muitos ditadores eram assim. Acostumados a ser bajulados, cercados de uma corte de capachos, eles se crêem indispensáveis e insubstituíveis. E, de certo modo, dado o movimento que eles encarnam, caudilhesco e personalista, eles são mesmo. O cinismo e a hipocrisia ficam por conta de seus cortesãos, de seus ministros, de seus intelectuais orgânicos. Quem pode dizer que Hitler não acreditava naquele papo-furado de raça superior, ou que Stálin não era um crente ardoroso no radiante futuro comunista da humanidade? Malucos, sem dúvida, mas com método.

Faço apenas uma pequena ressalva ao texto do escritor baiano: pode ser que ele esteja maluco não, João Ubaldo. Ele está. E nós também, que elegemos e reelegemos esse farsante.

Grande João Ubaldo. Pobre Brasil.

terça-feira, junho 24, 2008

ENFIM, VIDA INTELIGENTE NA UNIVERSIDADE BRASILEIRA


Andei trocando correspondência com o professor Marco Antonio Villa. Seguem os e-mails, que ele gentilmente permitiu que eu transcrevesse aqui:

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Parabéns e artigo‏
De: Gustavo Henrique Marques Bezerra (ghmb_2003@hotmail.com)
Enviada: sexta-feira, 20 de junho de 2008 21:12:05
Para:
marcovilla@uol.com.brCaro

Professor Marco Antonio Villa,

Antes de tudo, quero dar-lhe os parabéns por seu trabalho, em especial por sua coragem e competência em demolir velhos mitos históricos inventados pela esquerda. O senhor está demonstrando que é possível escrever sobre História no Brasil com honestidade, sem recair em velhos chavões ideológicos.

Sou formado em História, diplomata de carreira e, antes de ingressar no Itamaraty, lecionei durante alguns anos. Li seu livro "Jango, um Perfil" assim que foi lançado, e recomendo-o a todos que me pedem um estudo realmente sério e honesto sobre o período pré-64. No momento estou terminando um livro sobre as relações Brasil-Cuba, baseado em minha dissertação de mestrado.

Quero parabenizá-lo também por seu excelente artigo "Falácias sobre a luta armada na ditadura", publicado na "Folha de S. Paulo" em 19/05. Transcrevi seu artigo, assim como sua entrevista à VEJA (também excelente), na íntegra, em meu blog . Escrevi um texto refutando o texto do Aloysio Castelo de Carvalho e do Lizst Vieira ("Luta armada a favor ou contra a ditadura?"), que pretende ser uma resposta ao seu artigo de 19/05. Além deste, há um texto meu que procura dialogar com seu artigo da Folha, no qual analiso os fatores que conduziram ao fim do regime militar.

Muito agradeceria receber seus comentários sobre minhas observações. Eu ficaria muito lisonjeado.

Cordialmente,

Gustavo Bezerra

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Date: Sun, 22 Jun 2008 17:47:24 -0300
Subject: Re: Parabéns e artigo

Prezado Gustavo.

Obrigado pelo comentário. Li os seuss (inclusive a sobre a China). No caso da ditadura, os livros do Elio Gaspari dão uma boa visão. O final dela deve-se a um conjunto de razões e as "internas", que você apontou, também são relevantes.Faltam estudos sobre os últimos governos militares, especialmente o de Figueiredo. Mas estudos históricos, mais cuidados, trabalhando com diversas fontes. De análises generalizantes estamos cheios. Também a análise mais cuidadosa da transição, recuperando alguns fatos e personagens hoje esquecidos, seria muito importante. Pode ser que o papel tão louvado de Tancredo Neves caia por terra. O tipo de transição construído por Tancredo acabou criando uma paralisia de uma década ao país. Volto outra vez à história: a pesquisa mais rigorosa poderia obter bons resultados. Eu até gostaria de tentar fazer este trabalho mas agora tenho de fechar alguns projetos sobre história de SP.

Um abraço.

Villa.

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RE: Parabéns e artigo‏
De:
Gustavo Henrique Marques Bezerra (ghmb_2003@hotmail.com)
Enviada:
segunda-feira, 23 de junho de 2008 15:14:39
Para:
Marco Villa (marcovilla@uol.com.br)Gustavo Henrique Marques Bezerra escreveu:

Prezado Professor,

Muito obrigado por sua resposta. Eu ficaria muito feliz de saber sua opinião, inclusive suas críticas, sobre qualquer de meus textos. Para mim, o senhor é uma referência. Além dos dois que escrevi sobre a questão da luta armada, há outros em que eu comento sua entrevista à VEJA. Concordo em quase 100% com sua análise sobre a onda atual de populismo na América Latina e a atual política externa brasileira.

Li os livros de Elio Gaspari, e achei-os excelentes. Claro que a esquerda não gostou, acusando o autor de ter, entre outras coisas, se concentrado nos movimentos de bastidores e "desprezado os movimentos sociais"... Creio, aliás, que esse é o principal mérito do Gaspari, pois com isso ele se afastou da velha cantilena ideológica marxista que ainda domina o ambiente universitário, em especial os estudos históricos.

Resolvi escrever sobre seu artigo na "Folha de S. Paulo" pelo seguinte motivo: assim como sobre a luta armada, ainda há muita mistificação sobre o período da "abertura" política. Muitos políticos remanescentes da esquerda e do MDB, por razões óbvias, costumam exagerar a importância própria, assim como dos movimentos sociais. Como eu escrevi, estes foram sem dúvida importantes, mas não se deve superestimar o papel desses movimentos. O caso das diretas-já, por exemplo, é emblemático: teria sido possível a campanha se o regime, que começa a dar sinais de fraqueza a partir de 1974, não tivesse criado as próprias condições para o retorno das liberdades democráticas? De fato, faltam estudos mais acurados sobre o período, em especial sobre o governo Figueiredo. Nesse sentido, concordo inteiramente que o papel de figuras como Tancredo Neves deve ser reavaliado. Assim como Tiradentes, ele é mais um mito político da História nacional, instrumentalizado, até hoje, mais como um "símbolo" do que como uma figura real. Sempre que se opta pela idealização, a vítima é a verdade histórica.

Gostaria de pedir sua permissão para transcrever nossa comunicação em meu blog. Caso não tenha nada a opor, eu ficaria honrado.

Abraços,

Gustavo

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Re: Parabéns e artigo‏
De:Marco Villa (marcovilla@uol.com.br)
Enviada:
segunda-feira, 23 de junho de 2008 22:41:11
Para: Gustavo Henrique Marques Bezerra (
ghmb_2003@hotmail.com)

Prezado Gustavo,

Claro que pode transcrever no blog a nossa comunicação.Gostei dos artigos sobre a China. A descrição do céu como uma eterna noite é de apavorar qualquer um.No Brasil a democracia tem muitos adversários, algumas vezes funcionam como verdadeiros inimigos. A direita sempre teve enorma dificuldade de conviver com a democracia e a esquerda desejou durante décadas "assaltar o céu". 1964 é um triste momento deste embate. Mas vamos aprendendo. Claro que seria bom que fosse em ritmo mais rápido. Porém, 2010 será a sexta eleição consecutiva presidencial, um recorde. Sabemos que o eleitorado não é um maravilha, mas qual eleitorado no mundo é formado por 100% de cidadãos conscientes, informados?Devemos continuar a batalha das idéias e remando contra a corrente quando necessário. Afinal, as maiorias são momentâneas. O que mais importa é mantermos a consciência tranquila.

Um abraço.

Villa.

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Voltei

Vocês sabem que não sou de rasgar seda. Mas nesse caso vou abrir uma exceção. O professor Marco Antonio Villa é um dos melhores historiadores, se não o melhor, do Brasil na atualidade. Um dos mais honestos, certamente. Desde pelo menos que publicou, em 2004, uma biografia de João Goulart ("Jango, um Perfil"), lembrando vários fatos incômodos da vida do ex-presidente incensado até hoje pelas esquerdas - por exemplo, o papel da esquerda na destruição da democracia em 1964 -, ele é reconhecido como um dos maiores demolidores de mitos históricos do País. Poucas pessoas têm-se dedicado a denunciar, com tanta lucidez e competência, as falácias e mentiras produzidas em série pelas esquerdas nas últimas décadas. Não surpreende que ele já tenha feito tantos detratores. Ele é um autêntico "myth buster" da História pátria, um verdadeiro alento, um sopro de honestidade e de vida inteligente em meio à tanta impostura intelectual e propaganda ideológica travestidas de estudos acadêmicos, um antídoto aos Emir Sader e Moniz Bandeira da vida.

O professor Marco Antonio Villa, para minha grata surpresa, também parece ser uma pessoa bastante acessível. Tanto que se deu ao trabalho de responder a este obscuro blogueiro e permitir que eu transcrevesse nossa comunicação aqui. Muito diferente de tantas mediocridades coroadas que existem por aí, aboletadas nos departamentos de História e Ciências Sociais das universidades brasileiras, e que, empanturradas de empáfia e de marxismo vagabundo, arrotam autoridade por todos os poros. Com ele pode-se discutir de forma aberta, e inclusive discordar - como discordo em alguns pontos, vide meu texto sobre o fim da ditadura militar -, sem medo do politicamente correto. Ele é a prova de que o historiador não deve ter outro compromisso senão com a verdade dos fatos e com sua própria consciência. Deveria ser um modelo para os intelectuais brasileiros, a maioria dos quais já abandonou há muito tempo o compromisso com a verdade, substituída por conveniências ideológicas e pela bajulação aos donos do poder de plantão. Mas, como isso aqui é o Brasil lulista, pessoas como ele só podem estar em minoria.

Durante um tempo, pensei em seguir carreira acadêmica. Mas esbarrei numa muralha de proselitismo político e de desnonestidade intelectual que, devo confessar, me desestimulou. Em vez de pesquisa séria, o que encontrei foi muita politicagem, muita safadeza ideológica. Se você não fosse de esquerda, e se não fosse um inimigo do "neoliberalismo" e da "globalização", você estava fora. Lá, não havia espaço para o pensamento crítico, para o debate de idéias: apenas para a militância. Contra tudo e contra todos, eu insistia em estudar e em dar aulas, e não em repetir slogans. Até mesmo muitos alunos meus, na época, estranhavam essa minha atitude. Após algum tempo, desisti de ser uma voz solitária e mudei de profissão. Somente para constatar que a onda esquerdóide já se alastrou por todos os poros da sociedade.

A leitura dos textos do professor Marco Antonio Villa restaurou em mim a esperança nos estudos de História produzidos no Brasil. Enfim, um sinal de vida inteligente na universidade brasileira.

sexta-feira, junho 20, 2008

"IMPARCIALIDADE", O NOVO NOME DO PATRULHAMENTO IDEOLÓGICO


Já escrevi aqui antes (http://gustavo-livrexpressao.blogspot.com/2008/02/ideologia-dos-sem-ideologia.html e http://gustavo-livrexpressao.blogspot.com/2007/10/da-necessidade-de-tomar-partido.html) que imparcialidade não é comigo. Aliás, já deixei claro que não acredito na dita-cuja. Pelo menos, não quando se trata de analisar o governo de Lula e do PT. Para estes, reservo minha parcialidade mais estreita, minha ausência de neutralidade mais furiosa. Se eu estiver num debate e o mediador ou quem quer que seja me pedir para ser neutro em relação a eles, eu nem penso duas vezes: levanto da cadeira e vou para casa, pois saberei que estarei diante de mais uma farsa.

A "neutralidade", no tocante aos petralhas, não tem nada a ver com honestidade; pelo contrário: é cumplicidade com o crime e a mentira. Por isso sempre desconfiei de análises ditas "neutras", presentes no discurso "isentista" ou "nenhumladista". É possível ser "neutro" em relação às ditaduras de Hitler e Stálin? Do mesmo modo, não acredito ser possível ser neutro diante de tiranias totalitárias como a dos irmãos Castro em Cuba, ou de seus clones Hugo Chávez e Evo Morales. Assumo inteiramente minha parcialidade, minha posição contrária a tudo isso, em favor da vergonha na cara.

Atualmente, o discurso "isentista" é brandido como um álibi, um pretexto para toda sorte de malandragem, desde que praticada pelos companheiros no poder. "E o escândalo do PSDB no RS, não vai falar nada?". É o que mais se ouve atualmente quando se critica os petistas. Não, não vou falar do caso gaúcho, assim como não vou falar de nenhum caso que sirva para desviar a atenção, por exemplo, do escândalo da venda da Varig. Por um motivo muito simples: os mesmos que tentam a todo custo abafar o caso em Brasília enchem-se de indignação contra a governadora gaúcha. Acreditam que os desvios dos outros justificam e enaltecem os próprios. Mais: fazem com que todos se esqueçam deles. Danem-se os tucanos e os democratas, ex-pefelistas. Os escândalos deles serão apurados, e o dia deles chegará, com certeza. Por ora, o que interessa é desmascarar os petralhas. Não me importo de ser chamado de parcial por causa disso. A mim eles não pautam.

Eis como agem os petistas. Os aliados do governo foram pegos com a mão na massa pilhando o BNDES? Alguém lembra de um caso envolvendo o DEM ou o PSDB. O compadre do presidente age como um PC Farias, mandando e desmandando na venda de uma companhia aérea? É preciso investigar a corrupção do governo paulista com uma empresa francesa, dizem. Os ministros se refestelam com cartões corporativos, pagos com dinheiro público? Que se faça a devassa nas contas do governo anterior, inclusive na forma de dossiês, um instrumento de chantagem. Descobriram que o governo anda fazendo dossiês, uma prática criminosa? Prenda-se quem vazou para a imprensa, não quem o fez (ou mandou fazer). E assim por diante. Antes, faziam questão de se mostrar diferentes, e faziam alarde disso. Agora, esforçam-se para dizer que são iguais a todos. E ai de quem diga que não são! É capaz de ser tachado de "reacionário" e outros títulos do gênero.

O mesmo nos temas de relações internacionais. Há alguns dias, o ditador perpétuo de Cuba, o Coma Andante Fidel Castro, veio da tumba para bater boca publicamente com Caetano Veloso, que teria pedido desculpas aos EUA por causa de uma música sua, "Baía de Guantánamo", em que critica - como se fosse necessário - as violações aos direitos humanos dos prisioneiros. Fidel atacou Caetano por sua suposta concessão ao "imperialismo ianque", porque Caetano, entre outras coisas, reconheceu o óbvio: que, entre a Suprema Corte americana e a castradura cubana, fica com a primeira em matéria de direitos humanos. Para Fidel, só valeria se o baiano mantivesse o que está na letra da música - uma cretinice, aliás, como quase tudo que faz o Goethe de Santo Amaro da Badalação. Enquanto isso, ninguém fala das mais de duzentas Guantánamos existentes em Cuba. Fidel, o imparcial, não aceita que critiquem as violações dos direitos humanos na ilha-prisão. Só em Guantánamo ou em Abu Ghraib.

É esse tipo de patrulhamento ideológico que se esconde - ou nem isso - por trás do discurso da "isenção" ou da "imparcialidade". Existe nisso uma mudança de paradigma. Antes, as patrulhas ideológicas exigiam que não se falasse mal da esquerda. Agora, zelam para que se fale mal também de seus adversários. Isso é sintomático da desmoralização da esquerda nos últimos anos, com a sucessão de escândalos no governo Lula. Se antes eles posavam de santos, clamando contra a podridão moral dos políticos de sempre, agora, desmascarados em sua hipocrisia, não têm outra saída senão apelar para a mediocridade generalizada do "todos são iguais". E parte da imprensa brasileira, obcecada pela busca da tal objetividade, acaba bancando a Suiça e caindo na armadilha.

O que está por trás dessa tal "imparcialidade"? Uma coisa só: salvar a cara dos esquerdistas. Nada mais que isso. A imparcialidade, como já afirmei, é uma espécie de tábua de salvação para os larápios, sempre que eles são apanhados com a mão na massa. Do que eles mais necessitam não é a conversão das pessoas; a imparcialidade destas é suficiente.

Estranha imparcialidade essa, a exigida pelos esquerdistas... É curioso como eles a cobram de órgãos como a Veja e O Estado de S. Paulo, enquanto não parecem muito incomodados com a postura parcial e panfletária - no pior sentido - de revistas como a Carta Capital, a Fórum e a Caros Amigos. Que vivem de subvenções estatais, diga-se de passagem. É que estas, ao contrário da Veja e do Estadão, falam bem do governo, logo podem ser parciais à vontade... Em nome dessa abordagem supostamente imparcial, já tentaram empurrar goela abaixo de todos um tal Conselho Federal de Jornalismo e ressuscitar a censura, para impor sua visão "imparcial" à sociedade...

O mais esquisito é que esse pessoal da esquerda se acostumou a falar mal da "mídia" e de todos aqueles que não batem palmas para eles como se fossem inimigos do povo, verdadeiros ogros contra a humanidade, e durante anos isso passou a ser visto como um dogma. Falar mal da Veja ou da Globo, para muita gente ainda hoje, é uma espécie de prova de fidelidade ideológica, um sinônimo de inteligência, de senso crítico e até de bom gosto. Eu mesmo, quando mais novo, vez ou outra me via vociferando contra a revista dos Civita ou contra a Rede Globo, assim como contra a "imprensa burguesa" em geral, e isso já bastava para ser considerado alguém "crítico". Outro dia vi, num desses canais estatais de TV - me recuso a usar o termo "pública" aplicado a esses tevês, pois de públicas elas têm muito pouco - uma menina, filiada ao PCdoB e presidente da UNE, criticando, tatuagem no braço e piercing no nariz, o "monopólio da informação" nas mãos dos "grandes veículos de imprensa" e advogando em defesa da "democratização" dos meios de comunicação no País. Quando um esquerdista fala em "democratização" dos meios de comunicação, pode ter certeza: o que ele ou ela quer é o controle da imprensa pelo Estado. Em outras palavras: estão advogando em causa própria, contra a liberdade de imprensa. Imprensa boa, para esse pessoal, é imprensa a favor (deles, claro). O que é o mesmo que imprensa nenhuma. Para eles, não vale a frase de Tocqueville: "A solução para os males da liberdade de imprensa é mais liberdade de imprensa".

Sempre que vejo alguém cobrando "imparcialidade" em relação ao atual governo, coisa que o próprio Lula e os esquerdistas sempre negaram em relação aos demais governos, lembro de outra frase muito boa, do Millôr Fernandes: "imprensa que se preza tem que ser do contra. O resto é armazém de secos e molhados". Imparcialidade, para os petistas, só se for a favor.

quinta-feira, junho 19, 2008

COMO ACABOU A DITADURA


Ernesto Geisel, Sylvio Frota e João Figueiredo: ditadura acabou por suas contradições internas


Comentei aqui, alguns posts atrás, um artigo de dois professores universitários sobre a luta armada nos "anos de chumbo" da ditadura militar no Brasil. O artigo, só para lembrar, era uma réplica chinfrim e rastaqüera a um outro artigo, do historiador Marco Antonio Villa, publicado na Folha de S. Paulo em 19/05. No artigo em questão, Villa desmonta eficientemente, e de maneira brilhante, um dos maiores mitos criados pela esquerda sobre o período: o de que a luta armada dos anos 60 e 70 teria contribuído, de certo modo, para "enfraquecer" o regime de 64.

Já refutei essa balela, que serve apenas para tentar incutir nas mentes incautas a falsa idéia de que a democracia brasileira é filha da esquerda armada - e de que todos nós, portanto, devemos prestar-lhe reverência. Agora vou me concentrar mais no artigo de Marco Antonio Villa.

O texto de Villa é, como já afirmei, excelente. Isso não me impede, porém, de fazer algumas observações ou reparações a ele. Não vou me referir à sua análise sobre a luta armada, que é perfeita. O que me chamou a atenção e, a meu ver, merece um tratamento mais crítico são os dois parágrafos que aqui transcrevo. Neles, ao refutar a tese esquerdista de que a luta armada ajudou a enfraquecer a ditadura, ele afirma:

[...] A luta pela democracia foi travada nos bairros pelos movimentos populares, na defesa da anistia, no movimento estudantil e nos sindicatos. Teve na Igreja Católica um importante aliado, assim como entre os intelectuais, que protestaram contra a censura. E o MDB, nada fez? E seus militantes e parlamentares que foram perseguidos? E os cassados?
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Quem contribuiu mais para a restauração da democracia: o articulador de um ato terrorista ou o deputado federal emedebista Lisâneas Maciel, defensor dos direitos humanos, que acabou sendo cassado pelo regime militar em 1976? A ação do MDB, especialmente dos parlamentares da "ala autêntica", precisa ser relembrada. Não foi nada fácil ser oposição nas eleições na década de 1970.

Tenho algumas ressalvas a fazer ao que está dito acima. Embora eu concorde com a opinião de Villa exposta em seu artigo, de que a luta armada não teve qualquer importância na restauração da democracia, creio ser um erro atribuir o mérito por isso aos movimentos ditos "legais" de oposição ao regime militar. Isso porque, se há um fator que não deve ser superestimado para explicar o fim da ditadura, são as pressões da chamada "sociedade civil organizada". Explico-me.

A ditadura militar não chegou ao fim por causa de nenhuma mobilização popular, mas devido às contradições do próprio regime dos generais. Seu término não ocorreu como resultado de nenhuma sublevação das massas, mesmo que de forma ordeira e pacífica, contra o arbítrio: foi, isto sim, o produto da própria evolução do regime, dividido, desde o primeiro dia do golpe, em "duros" e "moderados". Foram os primeiros, a "linha-dura", representados sobretudo nos governos Costa e Silva (1967-1969) e Emílio Médici (1969-1974), os principais responsáveis - com a ajuda da esquerda armada - pelo prolongamento da ditadura por mais de vinte anos. Por sua vez, foram os "moderados", organizados em torno da Escola Superior de Guerra (ESG) e nos governos Castello Branco (1964-1967) e Ernesto Geisel (1974-1979), os principais responsáveis pela abertura política.

A idéia de devolver o poder aos civis e restabelecer a normalidade constitucional estava presente já no próprio movimento que derrubou o governo esquerdista e populista de João Goulart, em 1964. Naquele momento, é bom lembrar, a totalidade da direita brasileira apoiou o golpe, inclusive a Igreja, a grande imprensa e a classe média. Tratava-se de afastar um governo subversivo e corrupto, que arrastava o País rumo a alguma forma de regime ditatorial de esquerda, e depois retomar a vida. O presidente Castello Branco assumiu prometendo eleições presidenciais em 1965 e deixar o governo em 31 de janeiro de 1966. Após o AI-2, porém, que extinguiu os partidos políticos e anulou as eleições, prorrogando o mandato de Castello, a situação mudou. Em 1967, com a subida ao poder de Costa e Silva, a linha-dura se instala no poder, obrigando-o a decretar, em 1968, o AI-5, que inaugura o período mais sombrio da repressão político-militar. Foi preciso esperar até o aniquilamento da luta armada de esquerda e a ascensão de Ernesto Geisel, em 1974, para que o regime, combalido pela crise do "milagre" econômico que lhe dava sustentação, começasse a dar sinais de esgotamento.

Foi a partir daí que teve início, de fato, a chamada abertura política "lenta, gradual e segura", controlada e levada adiante, desde o primeiro momento, pelo governo. De forma negociada, institucional, planejada, sem qualquer participação popular. É assim que ocorrem os principais avanços democráticos do período: fim da censura (1976), revogação do AI-5 (1978), Anistia (1979), reforma eleitoral (1979), eleições diretas para governadores de estados (1982), até culminar, em 1984-85, na campanha das diretas-já e na eleição - indireta - de Tancredo Neves no Colégio Eleitoral.

Todos esses avanços, todas essas manifestações, só foram possíveis porque os militares as permitiram, em primeiro lugar. Se quisessem, poderiam ter mantido a censura e a repressão, assim como as eleições indiretas. Se não o fizeram, não foi porque estivessem acuados por nenhuma revolta popular generalizada, mas porque a redemocratização era um projeto há muito adiado, que já estava presente no próprio movimento de 64.

Quem contribuiu mais para o fim da ditadura no Brasil: os deputados Marcos Freire, Alencar Furtado e Lisâneas Maciel ou o general Ernesto Geisel, que em 1977 peitou e demitiu no ato o então Ministro do Exército, general Sylvio Frota, que queria manter a repressão e estava articulando um golpe? Quem teve um papel mais relevante: Ulysses Guimarães ou o general Golbery do Couto e Silva?

A resistência de muitos setores em admitir isso se deve, em parte, ao fato de que a transição política, no Brasil, obedeceu a um paradoxo: foi o governo do presidente pessoalmente mais autoritário e centralizador do ciclo militar, o general Geisel, que enquadrou a linha-dura e deu início ao processo de abertura democrática. E isso não foi feito por meio de consulta popular, de forma democrática: foi com murro na mesa mesmo. O AI-5, por exemplo, passou a ser usado contra os próprios militares contrários à distensão política. Não foi o culto ecumênico na Praça da Sé pela morte de Vladimir Herzog, em 1975, mas o gesto autoritário do general Geisel, que levou à queda do comandante do II Exército e ao enquadramento da extrema direita militar. Por trás desse gesto, não estavam quaisquer considerações humanitárias por parte do general-presidente, mas única e simplesmente a defesa intransigente da hierarquia e da disciplina contra a anarquia militar. Ninguém quer admitir isso hoje em dia, pois seria reconhecer que a transição política, no Brasil, deveu-se mais a um conchavo de generais do que às "grandes manifestações populares", das quais todos se dizem os guias e mentores. Todos querem tirar uma casquinha da redemocratização.

Quando Geisel sai de cena e começa o governo do último presidente militar, o do general João Figueiredo (1979-1985), todas as condições estavam dadas para a redemocratização do País. Tanto que o governo Figueiredo, às voltas com a crise econômica, foi um anticlímax de desmoralização, terminando melancolicamente, pela porta dos fundos.

Mais importante ainda: o fim da ditadura militar no Brasil deve-se ao próprio caráter político do regime. Sendo um regime autoritário, que manteve pelo menos uma aparência de legalidade e de alternância política, não tendo criado nenhum partido político (pelo contrário: extinguiu todos, instituindo em seu lugar o bipartidarismo), o regime de 1964 pôde evoluir, embora de forma atabalhoada e não sem obstáculos, rumo à democracia parlamentar. Assim como evoluíram, de uma maneira ou de outra, todas as ditaduras militares sul-americanas. Em um regime totalitário, baseado no domínio do partido único e na repressão absoluta sobre todos os aspectos da sociedade, como o de Cuba ou o da ex-URSS, ao contrário, não existe essa possibilidade: ou ele desaparece, ou se perpetua. Os militares brasileiros, chilenos e uruguaios concordaram em sair de cena e em devolver o poder à sociedade. E Fidel e Raúl Castro, quando farão isso?

As denúncias de tortura, os discursos dos parlamentares da ala autêntica do MDB, as publicações da imprensa de oposição e as manifestações populares tiveram certamente um papel, e um papel importante, no processo de distensão política, e nada disso deve ser desprezado. Mas tudo isso está longe de ter sido o principal fator responsável pela restauração das liberdades democráticas. Mais determinante do que todos esses fatores foi, sem dúvida, o jogo político verificado no interior do próprio sistema repressivo criado a partir de 1964, com a cisão entre "duros" e "moderados". Mais ainda, foi o próprio caráter do regime militar - autoritário, e não totalitário - que trouxe consigo o germe de sua própria dissolução.

Repetindo, caso não tenha ficado claro: as manifestações da oposição legal foram importantes. Algumas delas, heróicas até. Mas não foram o fator decisivo. Não teria havido Anistia, nem diretas-já, nem qualquer outra manifestação de protesto, não tivesse sido o fim da censura e a revogação do AI-5. E isso só ocorreu devido à própria evolução do regime, de cima para baixo, e não de baixo para cima.

Certamente, não é muito edificante, nem algo muito positivo para a auto-estima de muitos políticos brasileiros, admitir o que está escrito acima. Mas é preciso dizê-lo, para o bem da honestidade intelectual e da verdade histórica. Nem o MDB, nem o movimento estudantil, nem os sindicatos, nem os intelectuais, nem a Igreja dita "progressista", nem o PT, nem, muito menos, a luta armada foram responsáveis pela redemocratização do Brasil. A democracia brasileira não tem pai nem dono. A História também não.

Errata

Na pergunta que constitui a nova enquete do blog - "O Ministério da Pesca contratou, a pedido de Dilma Rousseff, a esposa do 'chanceler' das FARC no Brasil...", cometi um pequeno erro. Onde se lê "chanceler", leia-se "embaixador" ou "representante".
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Como alguém já votou, não posso editar a enquete e corrigir o erro. Deve ter sido alguma alusão inconsciente a nosso Chanceler, Celso Amorim. Como diz o Molusco, talvez Freud explique. Espero que me perdoem esse pequeno ato falho.

quarta-feira, junho 18, 2008

Nova enquete

Já está no blog a nova enquete. Encerra dia 25.

terça-feira, junho 17, 2008

ELES TÊM MINHA COMPAIXÃO, NÃO MEU RESPEITO

Lembrei-me agora do bocó e Ignorante Soberbo que escreveu, alguns posts atrás, que era preciso enxergar a ditadura castrista de Cuba à luz do pensamento de Platão e de Maquiavel, pois "nenhum governo se sustenta se não for amado pelo povo"... O idiota argumentava que a ditadura dos irmãos Castro só existe há tanto tempo porque o povo cubano os adora. Ou seja: adora não ter eleições livres, nem liberdade de expressão, nem de ir e vir etc. É... A fuga de Erislandy Lara para a Alemanha é mais uma prova - há mais 2 milhões delas - de que os 11 milhões de cubanos forçados a viver (?) na ilha-presídio realmente são apaixonados por Fidel e Raúl.
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O cretino que defendeu a teoria exposta aí em cima ficou chateado porque achou minha linguagem desrespeitosa. Fez beiçinho e resolveu deixar de comentar no blog porque, segundo ele, não acredita em ofensas pessoais. Tudo porque eu tive a audácia de chamar conhecidos defensores brasileiros da ditadura cubana, como Oscar Niemeyer, "Frei" Betto e Chico Buarque, daquilo que são: idiotas morais. Foi logo criticando minha "baixeza" por causa disso, dizendo que não concorda com "esse método de Schopenhauer" etc.
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Esses esquerdistas são esquisitos. Sempre usaram e abusaram do insulto e da calúnia para desqualificar seus críticos, substituindo qualquer argumentação racional pela argumentação ad hominem, e agora querem posar de bons-moços, e inclusive de professores de boas maneiras. É mais uma armadilha da ditadura do "politicamente correto", que substituiu o debate franco por um linguajar de dondocas. Mas somente quando o debate for sobre algum tema embaraçoso para a esquerda, que fique bem entendido. Pois, quando se trata de criticar a "zelite" ou o que o valha, esse pessoal costuma ser bem desbocado. Assim como se crêem os donos exclusivos da moral e da ética, eles acreditam que têm o monopólio do insulto.
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Querem saber por que esses senhores não merecem meu respeito? Aí vão apenas alguns motivos:
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- Babam por uma tirania que arruinou um país antes próspero e já deixou 95 mil mortos;
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- Tentam a todo custo justificar uma ideologia genocida que deixou um saldo de 100 milhões de cadáveres no século XX;
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- Enchem-se de indignação farisaica quando se trata de criticar os supostos ou reais abusos cometidos pelos EUA em Guantánamo, enquanto fecham os olhos para os crimes cometidos em Cuba, onde há umas duzentas Guantánamo;
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- Consideram o crime e a mentira uma questão de ponto de vista ("os fins justificam os meios"), e não penal;
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- Tentam de todos os modos pautar seus críticos, exigindo-lhes "imparcialidade" ("E o escândalo do PSDB? Não vai falar nada?"); assim, tentam atirar lama para todos os lados e livrar a própria cara, inventando a "imparcialidade a favor";
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- Cobrem de insultos e ofensas pessoais todo aquele que ousar discordar deles, mas exigem respeito para eles próprios.
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Entenderam por que não posso me referir de outro modo a essa gente? Eles só podem merecer meu desprezo. É uma questão de honestidade. Mas, como sou um sujeito de coração mole, ofereço-lhes minha compaixão, como se oferece a alguém com graves distúrbios mentais. Chamá-los pelo nome, nesse caso, pode servir como uma espécie de remédio amargo, mas necessário. Talvez, quem sabe, um dia algum deles acorde do torpor cerebral em que mergulhou, despertando para a realidade. Ainda não perdi a esperança de impedir que mais alguém enverede pelo mesmo caminho de estupidez que eu quase segui quando tinha 15 anos de idade. E, quanto maior a idiotice, mais forte o tratamento de choque. É um erro acreditar que se pode debater civilizadamente com um esquerdista. O que eles querem não é debater, não é pôr à prova suas idéias: é conversão a elas, nada menos que isso. Eles podem ter minha compaixão. Não meu respeito.
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Querem saber? Vão todos lamber sabão, seus idiotas morais, amantes de tiranos!