sexta-feira, julho 31, 2009

A ÚLTIMA DOS BOLIVARIANOS: ARMAS, SÓ SE FOR PARA AS F.A.R.C.


O presidente Luiz Inácio Lula da Silva declarou ontem que está preocupado com o acordo militar entre a Colômbia e os EUA. Ele não vê com bons olhos a presença de militares norte-americanos no país vizinho. O acordo prevê o acesso destes a três bases colombianas por mais dez anos. Ao lado de Hugo Chávez, da Venezuela, e de outros presidentes latino-americanos, Lula pretende levar o tema para discussão no âmbito do Conselho de Defesa Sul-Americano, órgão pertencente à UNASUL - União Sul-Americana (uma espécie de OEA mais à esquerda, sem os EUA). Para Lula, o acordo militar pode provocar uma corrida armamentista no continente etc. etc.

Realmente... Os EUA, mesmo com Obama, são um perigo. Imaginem só, um acordo militar com a Colômbia? Onde já se viu isso? Só porque, reparem, o país enfrenta há mais de quarenta anos os narcobandoleiros das FARC, a maior organização terrorista do Ocidente, responsável por milhares de mortes e inúmeros seqüestros, além da maior parte da cocaína produzida no mundo? E que recebem - como mostram PROVAS abundantes - ARMAS de países vizinhos, como a Venezuela (vejam mais adiante)? Como? A Colômbia, assinando um acordo militar com o Tio Sam para se defender dessa ameaça? Que absurdo, não acham?

Ainda mais porque, vejam só que coisa!, o tal acordo militar, segundo Lula, pode acarretar uma corrida armamentista na América do Sul, o que não é bom para ninguém. É verdade... Afinal, como todos sabem, é a Colômbia de Álvaro Uribe a grande encrenqueira da região, servindo de instigadora da instabilidade na América Latina, com seu apoio em dinheiro a movimentos golpistas no continente e a governos antiamericanos como os de Evo Morales e Rafael Correa. Ora, ora: só porque a vizinha Venezuela, sob a batuta de Chávez, esse grande democrata, comprou um lote de caças russos Sukhoi, além de milhares de fuzis russos, e assinou acordos até com o Irã de Mahmoud Ahmadinejad (!), que quer ser uma potência nuclear, a Colômbia agora também quer se armar para enfrentar um inimigo interno que prometeu destruir a democracia e transformar o país numa ditadura comunista? Só porque Chávez, QUE ARMA A NARCOGUERRILHA COLOMBIANA, já interveio diretamente em vários países da região, o último deles Honduras, para exportar a sua "revolução bolivariana"? Só porque o laptop do número dois das FARC, Raúl Reyes, morto em março de 2008, revelou detalhes escabrosos de contatos secretos entre a organização terrorista e membros do alto escalão dos governos da Venezuela e do Equador? Só por isso o presidente colombiano quer assinar um acordo militar com os EUA? Mas que sujeito mau esse tal de Uribe, heim?

Lula, como sempre, dá seu total respaldo ao companheiro Chávez contra mais essa perfídia de Bogotá. Ele está com Chávez e não abre. Há alguns dias, foi noticiado com alarde (menos no Brasil, onde a notícia passou praticamente despercebida) que lança-foguetes antitanque AT-4, de fabricação sueca, foram encontrados nas mãos de narcoterroristas das FARC (ver foto acima). Foi constatado que as bazucas vinham de um lote entregue na década de 80 pela fabricante SAAB Bofors Dynamics ao (adivinhem quem) exército da Venezuela. Por causa da revelação, o governo da Suécia suspendeu imediatamente qualquer venda de armas à Venezuela e, assim como o da Colômbia, exigiu explicações de Hugo Chávez, que ele deve até agora. Em vez de explicar o que lança-foguetes do exército venezuelano faziam num acampamento das FARC, Chávez preferiu cortar relações com a Colômbia, e agora grita contra o acordo miltar de Bogotá com os EUA. Lula, também, está indignadíssimo com o acordo. Mas não com o apoio - militar, inclusive - de Chávez às FARC, nem com os dólares que estas doaram a Rafael Correa do Equador. Contra isso, ele não deu um pio. Nem dará (a propósito: o Tribunal Penal Internacional acabou de protocolar um pedido de informações ao Brasil sobre as atividades das FARC no País. Mas isso você também não verá no Jornal Nacional).

O quê? A Colômbia, uma democracia, assinando um acordo militar com o diabo imperialista? De jeito nenhum! Acordo, só se for para fornecer armas às FARC, esses anjos de idealismo e pureza. De preferência, de forma escondida, secreta, clandestina, para não dar muito na vista e garantir, com a cumplicidade de certa imprensa mancomunada ou covarde, uma certa "plausible deniability", ocultando o que a cada dia fica mais evidente. Assim, fingindo-se de "vegetarianos", jogando areia nos olhos de todos, os companheiros poderão continuar posando de "moderados" e até mesmo se oferecerem para "mediar" futuras negociações entre uma parte e outra, em que pese o óbvio comprometimento com um dos lados - o lado das FARC, obviamente. Agindo assim, é garantido, ninguém vai perceber o engodo. Afinal, esse pessoal do Foro de São Paulo é expert nesse tipo de coisa. Não é, Lula?
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Assinar acordo militar com os EUA? Não pode: é um crime de lesa-pátria e uma agressão à soberania - é o que dizem os bolivarianos e seus aliados. Já fornecer lança-foguetes aos narcoterroristas das FARC... Por que não lhes dar logo a bomba atômica?

quinta-feira, julho 30, 2009

A AMÉRICA LATINA EXPLICADA DIDATICAMENTE


Imagem meramente ilustrativa
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Digamos que o presidente da Colômbia, Álvaro Uribe, resolvesse mudar radicalmente as instituições do país, de modo a garantir, via uma série de plebiscitos, sucessivas reeleições até o ano de 2021 (ou mais além, sabe-se lá). Para tanto, ele subordina, mediante uma série de medidas legais, os demais poderes da República, o Judiciário e o Legislativo, acabando, na prática, com a separação de poderes no país. Não contente com isso, Uribe decide fechar um canal de TV oposicionista, enquanto ameaça jornalistas de prisão, usando os mais variados pretextos legais. Enquanto isso, organiza a criação de milícias armadas, formadas por militantes fiéis a seu ideário político, que não hesitam em intimidar e agredir fisicamente a oposição.
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Não satisfeito em assegurar seu poder internamente, Uribe resolve usar as riquezas do país para intervir abertamente nos assuntos de países vizinhos. Passa então a distribuir fartamente dinheiro a grupos políticos de direita na Bolívia e no Equador, ajudando a eleger os presidentes nesses dois países. Faz o mesmo no Paraguai e na Argentina, inclusive com malas recheadas de dólares. Onde enfrenta resistência a seu projeto expansionista, como no Peru, trata de apoiar, também com largas somas em dinheiro, uma tentativa de golpe por um grupo ultra-nacionalista e racista que resulta em várias mortes. Ele quer porque quer se impor como um novo Napoleão, o senhor absoluto do continente latino-americano.
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Suponha que Álvaro Uribe, indo mais longe em seu projeto de exportar a "revolução adamsmithsoniana" (também conhecida como "capitalismo do século 21"), apóia de forma explícita a tentativa de golpe civil de um seu aliado em Honduras. Este, visando a repetir o que ele, Uribe, fez na Colômbia, convoca um referendo ilegal e inconstitucional, chocando-se com os demais Poderes, sendo por eles deposto, num movimento de resistência cívico-militar que conta com o apoio da maioria da população. O aliado de Uribe, deposto, tenta voltar ao poder, e conta para isso com o apoio declarado de seu mentor, que inclusive ameaça intervir militarmente no país caso seu aliado não seja reconduzido ao cargo e mude a Constituição para eternizar-se no poder. Uribe planeja, inclusive, um banho de sangue, para que seu aliado seja restituído ao trono. O plano macabro tem até um nome: "Plano Bogotá".
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Imagine ainda que as forças armadas da Venezuela, em uma operação de combate aos narcoterroristas de extrema-direita que operam a partir de território colombiano, apreendem um laptop do número dois da organização, morto em combate, no qual constam provas irrefutáveis de que altos funcionários do governo Uribe mantêm contatos regulares com os terroristas, aos quais fornecem proteção e abrigo. O caso provoca uma grave crise diplomática entre os dois países, que por pouco não resulta em guerra aberta.
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Pouco tempo depois, o exército da Venezuela descobre provas concretas, apreendidas com os narcoterroristas, de que lança-foguetes de fabricação sueca, pertencentes ao exército da Colômbia, foram parar nas mãos dos tais narcoterroristas de extrema-direita que atuam contra o governo de Caracas. As provas de que os mísseis apreendidos com os paramilitares de direita foram repassados pelo exército colombiano são contundentes e irrefutáveis, mas Uribe nega tudo, e, numa manobra diversionista, até rompe relações com a Venezuela, acusando a vítima.
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Entenderam aonde eu quero chegar?
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Pois é, caro leitor. Se você captou a mensagem, então entenderá perfeitamente a pergunta que vem a seguir:
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SE FOSSE ÁLVARO URIBE VÉLEZ, E NÃO HUGO CHÁVEZ FRÍAS, O AUTOR DAS FAÇANHAS DESCRITAS ACIMA, SERÁ QUE A ATITUDE DO GOVERNO LULA (e da OEA, e da ONU, e da União Européia, e de Barack Hussein Obama...) SERIA A MESMA? CONSEGUEM VISLUMBRAR O ESCÂNDALO?
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Quem tem olhos para ver e cérebro para pensar já sabe a resposta. Para os demais, nem desenhando.

quarta-feira, julho 29, 2009

PERGUNTAR NÃO OFENDE

Aí vão algumas perguntas que NÃO serão feitas neste dias:
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- Se o presidente do Paraguai, o pai de muitos paraguaios Fernando Lugo, fosse "de direita", e não um "hermano" e "companheiro" da trupe bolivariana, o governo Lula teria engolido com tanta facilidade suas exigências no novo acordo sobre Itaipu (o "acordo Lu-Lu")?
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- O mesmo com relação a Evo Morales, o índio de araque e cocalero boliviano: fosse ele um político conservador e liberal, teria sido a mesma a reação (ou falta de reação) do governo Lula da Silva ante a expropriação das refinarias da Petrobras na Bolívia em 2006?
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- Se Rafael Correa, o aprendiz de Chávez que manda no Equador, fosse, digamos, um direitista, o governo brasileiro teria agido da mesma forma diante do seqüestro, ordenado pelo governo daquele país, de dois funcionários brasileiros de uma empreiteira, alguns meses atrás?
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- Fosse Manuel Zelaya, o bigodudo de Honduras, outra coisa senão um convertido ao bolivarianismo chavista, e os que o derrubaram fossem, digamos, companheiros de esquerda, estaria o Brasil condenando com tanta veemência o movimento que o destituiu e defendendo seu retorno ao poder sem condições?
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- Se o presidente da Venezuela fosse outro que não o coronel Hugo Chávez Frías, teria o Brasil justificado como justificou o fechamento arbitrário de uma rede de rádio e TV que desagradava ao governante do país?
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E, finalmente:
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- Se a Colômbia fosse governada não por Álvaro Uribe, mas por companheiros bolivarianos do Foro de São Paulo, e estivesse sob cerco de paramilitares de direita que recebem apoio e armas, inclusive mísseis, de governos vizinhos, o Brasil manteria sua neutralidade no conflito, como afirma Marco Aurélio Top Top García? Mais: ignoraria solenemente essa clara ingerência externa no país?
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Ou, em Português mais claro:
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AFINAL, OS CONCEITOS DE NÃO-INTERVENÇÃO E DE AUTODETERMINAÇÃO DOS POVOS, BEM COMO DE SOBERANIA E DE INTERESSE NACIONAL, TÃO CAROS À DIPLOMACIA BRASILEIRA - E PILARES MESMO DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS -, SÓ VALEM PARA PAÍSES QUE NÃO SEJAM GOVERANDOS POR "COMPANHEIROS"? PARA ESTES, TUDO É PERMITIDO? É ISSO MESMO?
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É óbvio que todos sabemos a(s) resposta(s). Por isso as perguntas não serão feitas. Não convém fazê-las. Isso, afinal de contas, é para blogueiros reacionários como eu.
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É... Pelo visto, a companheirada mandou mesmo a lógica e a coerência para a Cuba que os pariu.

terça-feira, julho 28, 2009

POR QUE NÃO SOU ISENTO


Em dois textos meus, publicados aqui alguns dias atrás, esmiucei a falácia relativista, o truque filosófico que, sob a capa da "neutralidade" e da "imparcialidade" ou "isenção", procura negar a própria verdade, indo mesmo contra os fatos mais elementares para se refugiar numa postura "nem-nem" (de "nem isso, nem aquilo"). Tentei mostrar que, por trás dessa atitude de aparente "equilíbrio", tão ao gosto de muitos jornalistas e pessoas "sofisticadas", o que existe, na verdade, é o medo de ferir suscetibilidades politicamente corretas ou, então, a pura e simples covardia moral. Mostrei, com exemplos facilmente demonstráveis, que tal discurso relativista quase sempre visa a justificar tiranias, estando vinculado, atualmente, a um discurso de esquerda. Agora vou retomar esse tema, que me apaixona, para mostrar como o relativismo, sobretudo em política, é uma fraude.

O exemplo que eu dei para demonstrar a falácia essencial do discurso relativista é, na verdade, uma pergunta. Vou recordá-la: Por que ditaduras de direita, como a de Pinochet no Chile, são execráveis, mas as de esquerda, como a dos irmãos Castro em Cuba, não o são? O mesmo pode ser indagado sobre as ideologias: Por que condenar o nazi-fascismo é justo e correto, mas fazer o mesmo com o comunismo é extremismo de direita? Em outras palavras: Por que os que defendem uma visão "equilibrada" e "neutra" em relação a Cuba e ao comunismo não adotam o mesmo discurso "imparcial" em relação a outras ditaduras de sinal ideológico trocado?

Pois bem. Mesmo não tendo recebido, até o momento, nenhuma resposta a essas perguntas - e, provavelmente, continuarei sem resposta -, vou reforçar o que quero dizer com mais uma pergunta, adaptada ao momento que estamos atravessando na América Latina. Lá vai: Por que é justo e correto, em nome da "isenção" e da "imparcialidade", condenar o "golpe" que derrubou Manuel Zelaya em Honduras, mas não dizer uma palavra sobre o que ele quis fazer - e continua querendo - com a Constituição do país? Ou, dito de outro modo: Por que os que, dizendo-se "neutros", condenam o "golpismo" naquele país não estendem sua condenação ao golpismo bolivariano de Zelaya e seu mentor, Hugo Chávez?

Novamente, desafio qualquer um a responder essa pergunta. Desafio qualquer pessoa a justificar, com argumentos racionais sólidos, a posição adotada pela OEA, ONU, União Européia, Lula e Barack Obama em relação à crise em Honduras. Mesmo desconfiando que esperarei em vão por uma resposta, repito aqui o desafio. Mesmo assim, vou esperar. Sou paciente.

Ao contrário dos que pregam a "neutralidade" entre a corda e o pescoço, não uso esse truque barato para esconder minhas intenções. Afirmo e declaro abertamente, para quem quiser saber, que não sou, nem quero ser, "neutro", "imparcial", "isento" ou coisa que o valha. Aliás, repudio radicalmente esses rótulos. Não porque eu seja o "dono da verdade", mas por uma questão, se quiserem, de coerência. Quando se trata de ditaduras, por exemplo, acredito que só há uma atitude correta a tomar: a condenação total, sem ambigüidade e da forma mais clara possível. Isso significa condenar TODAS as ditaduras, não importa que cor ideológica tenham. Para mim, Hitler, Stálin, Fidel e Pinochet devem estar no mesmo círculo do inferno, com agravantes para quem matou mais ou ficou mais tempo no poder (como Fidel em comparação com Pinochet, que, perto daquele, era um mero aprendiz). O mínimo que espero dos que se dizem "neutros" e "imparciais", portanto, é que condenem igualmente ambos os lados. Se se limitam a condenar apenas um lado, como geralmente ocorre, então sua "imparcialidade" não passa de preferência ideológica disfarçada. Se deixam de condenar qualquer um dos lados, declarando-se neutros, então essa neutralidade é simplesmente omissão diante do crime, logo uma forma de cumplicidade com o mesmo. Em qualquer caso, trata-se de um engodo e uma mentira.

Além disso, não sou isento por motivos, também, de Lógica. Darei um exemplo didático. Digamos que dois cientistas divergem radicalmente um do outro em relação a um fenômeno natural, como, por exemplo, o movimento da Terra: um, defensor da tese heliocêntrica de Ptolomeu, afirma que a Terra gira em torno do Sol; o outro, apegado à tese geocêntrica, defende o ponto de vista contrário, ou seja, é o Sol que gira em torno da Terra. Diante dessa controvérsia, há duas situações possíveis: 1) os dois lados estão errados; e 2) um dos lados está certo e o outro, errado. Os dois contendores podem estar errados - não é o que ocorre nesse caso específico, mas pode ocorrer -, mas, em hipótese alguma, os dois lados podem estar certos sobre o assunto. A conclusão, óbvia até para quem ignora completamente as duas teorias astronômicas, só pode ser a seguinte: um dos lados está certo e o outro, errado. Simplesmente não é possível que a verdade esteja "no meio".

Hoje em dia, esse exemplo pode até parecer banal, visto que todos sabemos, graças à evolução da Ciência, que é a Terra que gira em torno do Sol, e não o contrário. Mas, trezentos anos atrás, quando essa teoria foi levantada por Galileu Galilei diante da Inquisição, não havia como constatar, empiricamente, que ela fosse verdadeira. Foram necessários séculos até que cálculos complexos e o desenvolvimento da Astronomia, com telescópios cada vez mais possantes, pusessem por terra a tese geocêntrica, demonstrando com provas concretas, de forma cabal e irrefutável, o engano dessa teoria. Hoje, a tese heliocêntrica é dominante, e ninguém, a menos que queira passar por lunático, se atreve a colocá-la em dúvida. Mas, na época de Galileu, era uma questão de "opinião", o que o levou a retratar-se, sob pena de morrer na fogueira, diante do Tribunal da Inquisição. O mesmo pode ser dito de várias teses hoje tidas como científicas, como a existência das bactérias e a seleção natural: ninguém, pelo menos ninguém que se pretende racional, as questiona. Mas, um dia, elas foram apenas "pontos de vista".

Creio que o exemplo citado acima é suficiente para demonstrar a falsidade do relativismo como o oposto e a negação da verdade. E isso tanto em Ciência quanto em Política. Sim, é certo que Política não é Ciência, e que envolve, ao contrário desta, uma dose muito maior de subjetividade. Mas é inegável que ditaduras são ditaduras, assim como terrorismo é terrorismo, e que adotar uma postura relativista em relação a esses dois fenômenos não tem nada a ver com a verdade. Muito pelo contrário. É por me negar a condescender com quem pratica o crime e não esconder minha opinião a respeito que eu não sou isento. Chamem-me de parcial, se quiserem. Só não me chamem de mentiroso ou covarde. Entre a corda e o pescoço, eu torço contra a corda.

sexta-feira, julho 24, 2009

LULA E A BANALIDADE DO MAL

É da filósofa alemã Hannah Arendt um dos conceitos mais importantes e influentes do século XX, o da "banalidade do mal". Este surgiu quando Arendt cobriu como jornalista o julgamento do criminoso nazista Adolf Eichman em 1960, em Jerusalém. Eichman, um dos responsáveis pela implementação da "Solução Final" de Hitler, fora capturado por um comando israelense na Argentina, onde vivia escondido desde o final da guerra, e enviado a Israel para julgamento. Sobre suas costas pesava parte da culpa pelo extermínio de seis milhões de judeus nos campos de concentração do regime hitlerista.

Muitos esperavam, Hannah Arendt inclusive, ver em julgamento uma espécie de monstro de maldade e vileza, um sádico cruel e sanguinário. Pois Arendt, que era judia, se surpreendeu, assim como todo o mundo, quando viu, no banco dos réus, não o que se poderia esperar de um assassino monstruoso, mas um sujeito absolutamente comum, pai zeloso e pacato, um burocrata frio e cinzento, incapaz de ação e pensamento próprios, e que o tempo todo se escudou num único argumento: fez o que fez não porque odiasse suas vítimas, mas porque assim fora ordenado por seus superiores hierárquicos. Em outras palavras: deportou milhares de judeus para campos de concentração não porque nutrisse qualquer sentimento genocida, mas simplesmente porque era seu dever como funcionário do Reich fazê-lo. Para ele, Eichman, enviar milhares de velhos, mulheres e crianças para a morte era apenas mais uma tarefa, como carimbar documentos ou organizar um fichário - ele mostrou mesmo um certo orgulho de sua eficiência. O contraste chocante entre a personalidade apagada de Eichman e a enormidade dos crimes que lhe foram imputados levou à idéia da "banalidade do mal", que Arendt desenvolve em seu livro Eichman em Jerusalém.

O conceito de banalidade do mal me vem à mente com freqüência desde que Luiz Inácio Lula da Silva assumiu a presidência da República, em 2003. Não, não estou comparando o Apedeuta ao criminoso nazista. Ainda não perdi a noção de proporcionalidade, algo que parece desconhecido para muitos que apóiam o atual governo brasileiro, e que não vêem contradição alguma em reclamar de um editorial de jornal que chamou de "ditabranda" um regime político que matou 424 pessoas em 21 anos e aplaudir, ao mesmo tempo, uma tirania que ja dura 50 anos e fez cerca de cem mil mortos. Ao contrário desses, sei que os crimes são diferentes, tanto em suas proporções, quanto em suas circunstâncias. Mas é inevitável não lembrar de Hannah Arendt e de sua perplexidade ante a frieza burocrática de Eichman quando me deparo com a sucessão interminável de escândalos de corrupção que constituem a marca registrada do governo Lula da Silva e, principalmente, com a maneira como ele lida com esses fatos.

Guardadas as devidas proporções, tanto em um caso como em outro o que se vê é uma banalização total da idéia de bem e de mal, de certo e de errado. Desde que assumiu o poder, Lula não tem feito outra coisa senão jogar na cara de todos que o elegeram e que não o elegeram que está se lixando para o que as convenções da moral e da ética estabeleceram como bom e justo, escarnecendo de tudo que nos foi ensinado como mais sagrado desde a mais tenra infância ("não mentir" e "não roubar", para começo de conversa).

O último dos escândalos a freqüentar o noticiário, os quais, por já se tornarem corriqueiros, nem parecem mais causar indignação, é a crise no Senado Federal decorrente das denúncias contra seu atual presidente, José Sarney, que usou e abusou do cargo para nomear parentes em atos secretos. Com o intervalo de alguns dias, Lula disse que Sarney, um aliado fundamental do governo,"não pode ser tratado como se fosse uma pessoa comum", reclamou que "é preciso levar em conta sua biografia", e tentou minimizar as acusações de que ele é alvo, queixando-se dos que as vêem "como se fosse um crime de pena de morte". Nesse último caso, sob a aparência de hierarquização do crime, o que ele quis, na verdade, foi justificar a impunidade e o nepotismo. No primeiro caso, zombou da igualdade de todos perante a lei, justificando uma mentalidade colonial. Ao apelar para a biografia de Sarney, exigindo-lhe respeito, somente reforçou a velha idéia, tão velha quanto o Brasil, do "sabe com quem esta falando?" Em todos os casos, uma amostra explícita de escárnio em relação à opinião pública.

Por falar em biografias, vale a pena dar uma olhada na de Lula. Ele construiu sua biografia em cima de uma serie de mitos, o maior deles o de que ele e seu partido, o PT, eram a parte sadia e "ética" da política brasileira. Como tal, especializou-se, durante mais de duas décadas, em enlamear a reputação de adversários políticos, enquanto construía cuidadosamente a própria. Até outro dia - até 2002, para ser mais exato -, o atual presidente da República tinha uma opinião muito diferente sobre o atual presidente do Senado (está no Youtube para quem quiser ver um vídeo daquela época, em que Lula se refere a Sarney com adjetivos não menos suaves do que "pai dos ladrões", entre outras delicadezas). Agora, com a cara mais lavada do mundo, pede respeito a seu aliado.
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Em sua marcha para o Planalto, os petistas não pouparam meios: reputações foram destruídas, carreiras foram arruinadas. Conquistado finalmente o poder, após três tentativas frustradas e uma passagem inexpressiva pelo Congresso, Lula assumiu-se de forma explícita como um cínico bravateiro. A partir de então, o que antes era a esperança de renovação da política no Brasil e o partido mais ético da História nacional mostrou-se, na verdade, apenas mais do mesmo. Uma gigantesca máquina de cooptação política, feita de troca de favores e do mais puro fisiologismo, com sua sucessão de mensalões, valeriodutos, dossiês, renans, jaders e severinos - a maior máquina de sujar e lavar reputações da História do Brasil.

Se a "conversão" de Lula e do PT ao fisiologismo mais escrachado de velhas raposas como Sarney e partidos como o PMDB demonstra alguma coisa de forma clara e definitiva, é que o único critério petista em relação a seus aliados é o seguinte: Está comigo? Então pode tudo. Não está comigo? Então tome denúncia sensacionalista, tome calúnia e difamação. Esse é o único critério da política petista, é sua motivação básica. Nisso Lula e o PT superam todos os que os antecenderam. Inclusive em termos de inteligência. À diferença de FHC, em relação a quem nutre um indisfarçável complexo de inferioridade, Lula não pode sequer pedir que esqueçam o que escreveu. Simplesmente porque ele nunca escreveu - nem leu - nada na vida.
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Vale a pena aqui analisar um pouco mais de perto a evolução do pensamento esquerdista em relação à corrupção. Trata-se de algo bastante instrutivo. Para fins didáticos, pode-se dizer que o "discurso ético" das esquerdas passou por três fases distintas:

1a Fase: "O partido dos trabalhadores" - Essa primeira fase cobre quase toda a história dos partidos esquerdistas no século XX e se encerra no final dos anos 80. Durante esse período, as esquerdas consideravam as denúncias de corrupção uma mera manifestação de "moralismo udenista" e uma "afetação pequeno-burguesa". O mais importante era combater as injustiças sociais e derrubar o capitalismo, fonte de todos os males. Tudo o mais era secundário e deveria se subordinar a esse objetivo glorioso. Foi nesse período que se consolidou no imaginário coletivo a imagem clássica do esquerdista como revolucionário radical, sempre pronto a convocar uma greve.

2a Fase: "O partido da 'ética na política'" - Tem início com o impeachment de Collor, em 1992. Caracteriza-se por uma mudança radical em relação ao discurso anti-corrupção: se antes denunciar a roubalheira era visto com suspeitas pelos esquerdistas como uma demonstração de udenismo, agora abria-se, pela primeira vez em décadas, a perspectiva de as esquerdas chegarem ao poder. Estas então abraçam os mesmos slogans que condenavam antes em seus adversários da direita, adotando entusiasticamente o discurso da "ética na politica". Com isso, também, tentaram afastar-se da imagem radical construída nos anos anteriores, aproximando-se das classes médias. A idéia agora era que a "ética" era representada por eles, os esquerdistas, enquanto seus adversários, a "direita", estavam identificados indelevelmente com a corrupção. É esse o período áureo do denuncismo petista, encarnado por figuras como o procurador do Ministério Público Luiz Francisco de Souza (lembram dele?), que se especializou em usar os holofotes da mídia para jogar lama de forma irresponsável em figuras proeminentes do governo FHC que anos depois seriam inocentadas de qualquer acusação pela Justiça. Nos anos seguintes, o "discurso ético" seria praticamente o único discurso das esquerdas, abaladas e desorientadas momentaneamente pelo colapso do comunismo e pela queda do Muro do Berlim, tendo sido empregado sistematicamente, até a exaustão, durante os anos do governo de Fernando Henrique Cardoso, condenado no tribunal esquerdista por suas alianças espúrias com Antônio Carlos Magalhães e o ex-PFL (o "Fora FHC" foi o mote desse periodo).

3a Fase: "Todos fazem igual" - Comeca em 2003, com a chegada de Lula à presidência da Republica. Desde então, a inflexão esquerdista em relação à corrupção ocorreu de maneira muito mais radical. Com a explosão de casos escandalosos como o do mensalão e (muitos) outros, tornou-se impossível para os esquerdistas no poder sustentarem o discurso da "ética na política". Constatada sua inutilidade, este foi logo abandonado, em favor das realidades do poder. Inicialmente, a reação de Lula e dos petistas foi a de qualquer um pego com a boca na botija: tentaram negar as denúncias, atribuindo-as a uma fantasmagórica "conspiração das elites e da mídia". Em seguida, veio o "não vi nada, não sei de nada" e o ainda menos convincente "fui traído". É nesse momento que ocorre uma nova virada: sai de cena o "partido mais ético da História do Brasil" e entra o "todos fazem igual". Não sendo mais possível manter a máscara de bons-moços, não resta nada aos petistas e seus aliados senão espalhar lama para todos os lados, de modo a que, todos enlameados, seja impossível para o cidadão médio perceber as diferenças entre eles, os esquerdistas, e os demais políticos. Assim, nivelados todos por baixo, os petistas garantem sua impunidade, tal qual o bandido que, pego em flagrante delito, grita "pega ladrão" na esperança de que possa, assim, desviar a atenção de todos e escapar de fininho.
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Com efeito, esse passa a ser, desde então, o discurso ofical petista para defender-se de qualquer crítica e justificar a bandalheira, enquanto o velho dogma esquerdista que considera as denúncias mera "afetação moralista burguesa" é, dialeticamente, ressuscitado. Hoje, Lula e seus aliados apegam-se a esse discurso com sofreguidão, não concebendo nada mais sofisticado do que dizer-se iguais aos demais partidos (antes diziam-se diferentes de todos) e que "ninguém é santo". Se antes apostavam na revolução ou no exclusivismo ético, a aposta agora é no cinismo e no esquecimento.
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A tática parece estar dando certo, como demonstram os índices de popularidade de Lula, sempre nas alturas. Na cabeça da maioria dos brasileiros, educados na escola do clientelismo e do assistencialismo fisiológico, a corrupção petista e a associação com figuras como Sarney e Collor não passam de "coisas da política". Como pequenos maquiavéis, acreditamos que entre um governo corrupto de direita e um governo corrupto de esquerda, o segundo é melhor. Mas esse maquiavelismo tosco esquece-se de um fato essencial. A banalização da corrupção pelos companheiros petistas, se tem efeitos deletérios a curto e médio prazo, a longo prazo é simplesmente catastrófico. Lula e o PT não são apenas o que há de mais sujo e imoral já surgido na política brasileira - faço essa afirmação literalmente, e desafio qualquer um a mostrar um governo que tenha alcançado o nível de excelência do governo Lula em matéria de saque dos cofres públicos -; trata-se de um governo que, ao banalizar a corrupção, introduziu o cinismo na vida cotidiana, levando a um rebaixamento institucional sem precedentes na História do Brasil. Em outras palavras: conseguiram desmoralizar a própria corrupção, tida hoje como algo perfeitamente normal e aceitável.
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Não foram somente os hábitos e costumes políticos brasileiros que sofreram um rebaixamento, mas o nível moral da população e a saúde das instituições democráticas que foram afetados seriamente, talvez de forma irreversível. Não por acaso, a alternância no poder, base mesma da democracia, foi diariamente ameaçada pelos petistas, que insistiram no terceiro mandato de Lula até o limite do possível. Do mesmo modo, instituições antes tidas como sérias e símbolos de rebeldia e resistência cívica, como a UNE, viraram exemplos do mais abjeto servilismo ao poder (falando nisso, onde estão os "carapintadas" que saíram às ruas pedindo a saída de Collor em 92? Aliás, Collor é hoje aliado e amigo de Lula, com quem compartilha até palanque).

O resultado disso tudo é o embotamento moral de todos, mergulhados num oceano de mentiras e de bravatas vistas como a coisa mais normal do mundo. Esse sentimento anda de mãos dadas com a perplexidade, que termina levando à indiferença, à crença generalizada de que, não importa quem esteja no poder, são todos farinha do mesmo saco - o "todos fazem igual". Nessas condições, a sucessão quase diária de denúncias e escândalos, ao invés de gerar indignação, provoca apenas tédio e uma sensação anestesiante e entorpecedora de impotência, pois afinal "são todos a mesma coisa". Ou, então, leva à fórmula pragmática de Paulo Betti ("não se faz política sem meter a mão na merda"). Ao propagar esse tipo de mentalidade cínica e conformista, o petismo triunfou completamente (a propósito: não gosto de política; nem por isso sou indiferente ao assunto - não se pode ser indiferente diante da nojeira).

Com Lula, a mentira e a corrupção se tornaram verdadeiros objetos de culto. Estamos sob o domínio do mal. Da banalidade do mal.

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P.S.: Quanto a Adolf Eichman, os juizes israelenses não se sensibilizaram com a justificativa de que estava apenas cumprindo ordens: ele foi condenado à morte e enforcado. Para os que o julgaram, o mal não podia ser banalizado. É uma pena que nesta parte do mundo a escrita seja diferente.

quinta-feira, julho 23, 2009

O FIM DO MITO OBAMA


O que dizer do que vem em seguida? Só uma coisa: eu avisei.
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Sei que parece meio arrogante dizer isso, mas eu já sabia que ia acontecer. Já sabia que, mais cedo ou mais tarde, o rei iria ficar nu, o príncipe iria virar sapo. Só não esperava que isso fosse acontecer tão rápido.
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Do blog do Reinaldo Azevedo. Os grifos são meus.

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OBAMA JÁ ERA!

Em Honduras, a história ofereceu a Barack Obama, presidente dos EUA, a chance de começar a pôr termo ao chavismo sem derramar uma gota de sangue e sem a intervenção direta de Washington na política interna de um país aliado. Mas Barack Hussein não quis. Não quis porque parte de sua força — e do mito criado em torno de sua figura — deriva justamente do ódio que muita gente, mundo afora, devota aos EUA. Sim, os que odeiam o que aquele país representa — incluindo nativos — criaram a metafísica Obama. E agora Barack Hussein é um tanto refém dessas demandas antiamericanas, antiimperialistas, anti-Ocidente… Cada um chame como quiser. Mas o fato é que ele está pautado pela obsessão de ser visto como “confiável” por aqueles que odiavam em George W. Bush não apenas os seus erros e exageros, mas também os seus acertos. Odiavam George. W. Bush porque ele era presidente dos EUA, não porque fosse “republicano”, “reacionário”, “direitista” ou o que seja. Esses eram apenas rótulos que serviam para disfarçar a real natureza do rancor.

Sim, senhores! Barack Hussein é refém da necessidade de fazer o que Bush NÃO faria, mesmo que aquele, eventualmente, pudesse, ocupando a cadeira da Casa Branca, fazer a coisa certa. Quem age assim é escravo de expectativas alheias. Na verdade, por mais que se tente fazer do atual presidente dos EUA um evento singularíssimo, sinto dizer que ele não existe como indivíduo. É a construção de uma época, e essa personagem das circunstâncias se mostra mais disposto a ser conduzido por elas do que a conduzi-las. Não é um líder, é um liderado; não conduz, é conduzido.

No episódio, observe-se, com um pouco mais de tarimba — e, quem sabe?, com a eventual colaboração de quem já esteve lá —, Hillary Clinton, a secretária de Estado, tentou ao menos uma certa neutralidade, apostando nas eleições vindouras, quem sabe na sua antecipação, para esfriar a crise. E o chavismo estaria devidamente denunciado. Mais do que isso: o alerta teria sido dado à safra de novos golpistas da América Latina. Eles agora não recorrem mais aos militares, mas às urnas — e, com elas, pretendem corromper, inclusive, a disciplina castrense. Assim se deu na Venezuela, na Bolívia e no Equador. Na Nicarágua, o mesmo Daniel Ortega dá início a um novo surto de autoritarismo.

Mas Obama e seus radicais não quiseram saber. Ignoraram solenemente o golpe que Zelaya estava dando em Honduras, de que sobejam provas, e trataram como golpistas os que encaminharam a solução prevista na Constituição. Afinal, assim fizeram todos, não é? Então Obama faz também. Porque ele é o presidente desse estranho consenso. E Hillary endureceu a posição. Sob o silêncio cúmplice e constrangedor dos EUA, ninguém menos do que o secretário-geral da OEA, José Miguel Insulza, previu, justificou e estimulou o confronto armado. Chávez intervém abertamente no país. Cento e vinte agitadores estrangeiros já foram presos, a maioria vinda da Venezuela e da Nicarágua. De Manágua, Zelaya prega abertamente o que chama de “insurreição”, numa clara violação de qualquer princípio internacionalmente consagrado.

Obama parece disputar com Chávez a primazia do discurso contra o governo provisório de Honduras. E os delinqüentes já perceberam que ele é fraco e se deixa pressionar por ondas de opinião. Quando o mundo ficou chocado com as evidências de fraude nas eleições iranianas, ele se animou um tanto e deu um declaração contrária a medidas de força adotadas por aquele governo. Ali Khamenei acusou a interferência americana no país, e o que fez Barack Hussein? Correu para se justificar, oferecendo as evidências de que o outro não falava a verdade. Em matéria de política externa, Obama é um garotinho assustado, de calças curtas. Alguém fala alto, e ele treme os lábios para tentar se explicar.

No caso de Honduras, Chávez e a ditadura cubana acusam, claro — e por que não o fariam — a eventual interferência americana em favor do governo provisório (o que, obviamente, é mentira), e Obama endurece as ações contra os hondurenhos para provar a seus adversários (que, parece, no íntimo, ele gostaria de ter como aliados) que eles estão errados. A exemplo do que escrevi anteontem, se Barack Hussein ficar oito anos no poder — o que rezo para não acontecer —, o país que tem sido o principal fiador das democracias e que tem garantido a segurança do Ocidente estará de joelhos, justificando-se perante ditaduras, entendendo-lhes os motivos, condescendendo com as ruas “razões”.
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Não! Obama nem precisava ter-se alinhado com o que chamam “governo de fato” de Honduras. Teria bastado a secretária de Estado dizer que a melhor maneira de assegurar a democracia é zelar por ela, no estrito cumprimento das leis; teria bastado a secretária de estado dizer que os EUA não apóiam golpes de estado de nenhuma natureza, muito menos aqueles embalados numa farsa eleitoral, que frauda a legalidade; teria bastado a secretária de estado enviar observadores ao país para verificar se a Constituição estava ou não sendo respeitada. Mas não se fez nada disso.
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Obama decidiu ser o coadjuvante no picadeiro, que pode vir a se manchar de sangue, em que Chávez é o palhaço principal. Observem que, até agora, não se viu uma palavra sua ou de Hillary contra a interferência do ditador em Honduras. Nada! Interferência que não precisa ser atribuída ao presidente venezuelano. Ele a confessou.
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Narcoestados
Sabe-se, ademais, agora com provas, que as Farc deram dinheiro para a eleição de Rafael Correa no Equador. O mesmo narcoterrorista que confessa a doação declarou em vídeo que documentos provando a colaboração de Chávez com a narcoguerrilha também tinham ido parar nas mãos das autoridades colombianas. Evo Morales está criando um novo “departamento cocalero” na Bolívia, na fronteira com o Brasil. Anteontem, um avião carregado de cocaína caiu um Honduras. O novo governo já havia denunciado que o país se tornara rota de traficantes venezuelanos, que pousavam livremente suas aeronaves no país. .

Há indícios (no caso de Chávez e Correa, há provas) de que esses governantes estão fazendo uma parceria com o narcotráfico na América Latina — ou, se quiserem, com o narcoterrorismo. Não se trata de uma ilação, mas de dados. Não obstante, Obama parece empenhado em conquistar esses “líderes”. E que se note: o Brasil é aliado de toda essa gente e é uma das vozes mais estridentes contra o que chama “golpe” em Honduras.
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Obama, com efeito, já é aquele que foi sem nunca ter sido. Se Honduras resistir, terá sido só pela sua coragem. Se sucumbir, terá sido pela covardia de Barack Hussein — ou, na hipótese menos generosa, pela sua conivência com o bolivarianismo. Este senhor nunca será muito mais do que o chefe de uma ONG. É uma pena que a ONG da hora é a tal América.

Que Deus tenha piedade de Honduras, já que o presidente dos EUA se ausentou por uns tempos.

quarta-feira, julho 22, 2009

PARA QUE SERVE A U.N.E?


Responda depressa: para que serve a UNE (União Nacional dos Estudantes)?

Opção A: Para representar, como entidade autônoma e suprapartidária, os legítimos interesses dos estudantes, lutando pela melhoria da educação em todos os níveis, de forma democrática e pluralista;

Opção B: Para ser um apêndice do governo federal, de quem recebeu R$ 10 milhões desde 2004, e claque eleitoral de petistas e esquerdistas;

Opção C: Para servir de trampolim para a carreira política de seus presidentes, todos, desde 1979, pertencentes ao mesmo partido - o PCdoB (detalhe: eleitos pelo voto indireto);

Opção D: Para fazer farras homéricas com o dinheiro público, regadas a muito álcool, sexo e drogas - inclusive tomando banho pelado ao ar livre e depredando colégios públicos.

Se você respondeu a Opção A, você está se referindo a algo que deveria existir, mas que, infelizmente, não existe; ou então você, provavelmente, vive em outro planeta. Se escolheu qualquer uma das demais opções, você acertou na mosca: é exatamente para isso que a UNE serve atualmente. E só.

A UNE realizou seu último "Congresso" (chamemos assim) há alguns dias, em Brasília. Foi uma festa. Ou melhor: uma esbórnia. O Correio Braziliense publicou matéria sobre o que ocorreu. Eis alguns trechos:

Por Erika Klingl:
Garrafas de bebidas alcoólicas, preservativos, drogas e muito lixo. Nada disso combina com escola. Mas, a uma semana do retorno das aulas, foi esse o cenário encontrado pela Secretaria de Educação do Distrito Federal nos 10 centros de ensino usados pelos mais de 6 mil universitários que ficaram hospedados na cidade em virtude do Congresso da União Nacional dos Estudantes (1)(UNE), entre quarta-feira da semana passada e domingo. “A gente viu uns jovens tomando banho na horta das crianças e eles ainda fizeram as necessidades em cima das plantações”, lamentou a diretora do Centro de Ensino Fundamental 01, do Lago Norte, Claudia Regina Justino Fernandes.

Mais adiante:

A horta tinha sido preparada em seis meses de trabalho com os alunos de 1ª a 6ª série do ensino fundamental. E agora, de acordo com Cláudia, com a volta às aulas, o monitor responsável pela horta, Leandro Nunes, vai ter que replantar tudo. “Não podemos permitir que as crianças comam as verduras nem mexam na terra contaminada”, completa. Cláudia conta ainda que esse foi apenas um dos problemas da presença dos estudantes na escola. “Esperávamos 400 alunos e vieram mais de 600. Muitos tomaram banhos nus no pátio da escola e constrangeram os funcionários e vizinhos. Além disso, nunca vi tanta sujeira. E a escola estava pronta para a volta às aulas”, lamenta.

Mais:

Problema semelhante ocorreu na Escola Classe do Varjão. Lá, estudam crianças de cinco a 12 anos. “Foi uma pena ver tudo sujo e alguns projetos danificados. As plantas do Ciência em Foco, por exemplo, foram todas destruídas”, conta o servidor administrativo Éder da Silva. Ele chegou a chamar os coordenadores da escola quando notou que havia consumo de drogas no ambiente. “Escola não é para isso”, completa.

Finalizando:

“Isso ocorreu em todas as escolas que eles usaram. Foi lamentável e preocupante porque deu para ver que eles não valorizam o patrimônio público”, observa a funcionária da Regional de Ensino de Brasília responsável pela acomodação dos alunos da UNE, Isabelmille Costa Militão Carneiro. De acordo com ela, a secretaria esperava receber 4 mil alunos e, no decorrer do congresso, mais de 6 mil foram alojados. (...)

A UNE já virou um assunto, literalmente, fecal. Fazer as necessidades fisiológicas em hortas plantadas por crianças em escolas públicas é o de menos. Seria somente um caso, vá lá, de falta de higiene e desrespeito ao patrimônio público. Coisa de porcalhões, enfim. Mas a nojeira deixada pela UNE vai além disso. No mesmo congresso, BANCADO COM O DINHEIRO PÚBLICO, os remelentozinhos da UNE aplaudiram até fazer calo na mão - adivinhem - o Apedeuta em pessoa, que compareceu à abertura do bundalelê. Foi a primeira vez que um presidente da República compareceu a um Congresso da UNE (também foi a primeira vez que um presidente da República foi convidado). Foi recebido por uma claque animada por slogans como "Lula, guerreiro do povo brasileiro" e gritos de "Dilma presidente!", puxados pela "presidente" da UNE, uma gaúcha de 27 anos com piercing no umbigo, militante do PCdoB, que passou a "presidência" a um - adivinhem - militante do PCdoB, de 27 anos, estudante universitário do primeiro semestre (!). Com 27 anos e no primeiro semestre da faculdade? Isso mesmo. Para ser militante da UNE, não é preciso sequer ser estudante. Basta ser idiota.

Fico cá pensando o que achariam disso os fundadores da UNE, lá no ano de 1938. O que pensariam ao ver a entidade que sempre se orgulhou de sua rebeldia e independência e de ter lutado pela democracia, primeiro no Estado Novo varguista, depois no regime militar, transformada numa correia de transmissão e comitê eleitoral do governo, dedicando-se a promover orgias com o dinheiro público? A UNE, um aparelho do PCdoB há três décadas - onde mais esse partido teria essa força eleitoral? -, é hoje mais um departamento do governo, com um discurso completamente chapa-branca, vivendo da mitologia criada em torno de 1968 e de regabofes pagos pelos impostos dos trouxas. Não admira que seus congressos sirvam apenas para ratificar o apoio incondicional ao companheiro Lula e como uma oportunidade para um desregramento total dos sentidos, se é que vocês me entendem... O extravasamento dos baixos instintos, nesse caso, vai além dos namoricos e das rodinhas de maconha, chegando à política. Ou melhor: à politicagem, mistura de política com sacanagem. Uma das "manifestações" dos filhotes de Che Guevara foi, para vocês verem, contra a CPI da Petrobras - que, por acaso, era uma das patrocinadoras da festança.

Enquanto, por estas bandas, o "movimento estudantil" tupiniquim afunda no peleguismo mais descarado, na Venezuela ele renasce com toda força, saindo às ruas contra um governo despótico e lutando por aquilo que foi esquecido no Brasil: democracia.

Quando a UNE não faz na entrada, faz na saída.

Para que serve a UNE?

segunda-feira, julho 20, 2009

APERTANDO A TECLA SAP: A CRISE EM HONDURAS

Manifestação popular a favor do novo governo de Honduras:
golpe, só se for bolivariano, diz a "comunidade internacional"
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Vamos lá. Desta vez vou tentar ser o mais didático possível.

Imagine que o presidente da República foi eleito democraticamente. Na época da eleição, ele vence com um programa político e econômico conservador, "neoliberal". Lá pelas tantas, porém, ele muda de idéia, e passa a defender uma mudança radical nas regras da Constituição. Quer porque quer convocar um referendo, no qual se decidirá se ele poderá ou não reeleger-se.

O referendo é julgado ilegal e inconstitucional pela Suprema Corte e pelo Congresso do país, uma vez que a Constituição proíbe terminantemente a reeleição. Mesmo assim, o presidente - chefe do Poder Executivo - ignora a decisão dos demais Poderes (Legislativo e Judiciário) e ordena às Forças Armadas que o ajudem na convocação do tal referendo.

Os comandantes das Forças Armadas se recusam a obedecer uma ordem ilegal e inconstitucional, e fazem a única coisa que lhes resta fazer em um caso assim: depõem o presidente e o expulsam do país (a Constituição não prevê o impeachment). Um governo provisório então é formado, com o presidente do Legislativo à frente. O novo governo promete realizar eleições na data marcada, tal como estabelecido pelas leis do país.

Apesar disso, a maioria dos governos estrangeiros, e até mesmo a ONU, tacha o sucedido de "golpe" e não reconhece o governo provisório. Em vez disso, exige que o presidente deposto retorne imediatamente ao país e seja restituído no cargo. Não há qualquer garantia de que, uma vez de volta, ele não irá tentar violar mais uma vez a Constituição - pelo contrário: a expectativa é que ele insista no referendo ilegal, trazendo mais desordem e instabilidade. Enquanto isso, alguns governos vizinhos intervêm abertamente, enviando militantes para organizar uma revolta, talvez sangrenta, em favor do presidente deposto em nome da ordem constitucional. Este declara que, caso não seja reinstalado no poder o quanto antes, haverá uma guerra civil, e prega abertamente a insurreição.

Quem acompanha as notícias com olho crítico e não bovinamente já deve ter adivinhado de que país estou falando. Trata-se, claro, de Honduras. O presidente deposto, claro está, é Manuel Zelaya, "El Bigodón".

Talvez eu não tenha sido suficientemente claro. Vamos recapitular, então, o que vai acima:

- Um presidente, eleito democraticamente, tenta, porém, jogar a democracia no lixo e convoca um referendo visando com isso a eternizar-se no poder, segundo o modelo bolivariano;

- A Justiça e o Legislativo hondurenhos, em defesa da Constituição ultrajada, declara a consulta ilegal e inconstitucional;

- Em claro desrespeito à Constituição e à separação de poderes, Zelaya insiste no referendo e tenta usar as Forças Armadas do país para atingir seu objetivo;

- Diante dessa clara tentativa de violação da ordem constitucional - por parte de Zelaya -, e tendo em vista que a Constituição de 1982 não prevê o impeachment, o Parlamento, o Judiciário e as Forças Armadas, com o apoio da maioria da população, decide afastar o presidente e instala em seu lugar um governo provisório, que promete manter o calendário eleitoral. O presidente deposto é declarado traidor da pátria e é avisado que, se voltar ao país, será preso e julgado como tal.

Agora, responda: quem, nessa história toda, é o "golpista", o "gorila", o violador da legalidade e da ordem constitucional? O Congresso e o Judiciário hondurenhos, que agiram estritamente dentro da legalidade e da Constituição, ou Manuel Zelaya, que, em um arroubo de bolivarianismo, tentou violar a legalidade e tornar-se um novo Hugo Chávez ou um novo Evo Morales? Quem tentou um golpe civil ou quem impediu que isso acontecesse, preservando a democracia?

Vou refazer a pergunta, em bases ainda mais didáticas. O que é golpe: 1) salvaguardar as leis do país contra um governante que quer violá-las; ou 2) usar a própria democracia para rasgar a Constituição e se instalar no poder como um tiranete?

Mais: é justo e correto um governo legal e democrático ser condenado e isolado internacionalmente, a ponto de ser ameaçado de intervenção armada por parte de dois governos vizinhos - a Venezuela e a Nicarágua - e a "comunidade internacional" silenciar diante disso? Onde está o discurso da não-intervenção e da autodeterminação numa hora dessas?

As conclusões, lógicas e inexoráveis, dos acontecimentos em Honduras são as seguintes (segundo os que condenaram o "golpe militar" em Honduras):

- Rasgar a Constituição em Honduras - ou na Venezuela, ou na Bolívia, ou no Equador... -, pode; afastar quem tenta fazê-lo para salvaguardar a democracia, não;

- Rasgar a Constituição em nome do bolivarianismo nao é golpismo; impedir que isso aconteça, é;

- As Forças Armadas não são uma instituição profissional e apartidária, a serviço da Constituição, mas uma milícia partidária, a serviço da "revolução bolivariana";

- Isolar internacionalmente o governo provisório de Honduras, pode; fazer o mesmo com Cuba ou a Venezuela, não;

- Ameaçar de agressão armada outro país, a ponto de enviar militantes e arruaceiros profissionais para causar o caos, e inclusive planejar um banho de sangue, pode - desde que seja em Honduras;

- Democracia se resume a ganhar as eleições; depois disso, pode-se fazer qualquer coisa - inclusive acabar com a democracia.

Das duas uma: 1) ou a ONU, a OEA, o governo Lula e Barack Hussein Obama perderam completamente a noção do que é legal e ilegal, do que é democracia e golpismo, e nesse caso estão loucos, ou 2) não perderam, e, nesse caso, são cúmplices conscientes do projeto golpista boliviariano. Vocês escolhem.

Acho que desta vez eu desenhei. Ou será que não está claro ainda?

UMA INICIATIVA HISTÓRICA

Vem de Portugal uma das iniciativas mais transcendentes e importantes dos últimos tempos. O deputado Alberto João Jardim, do PSD (Partido Social-Democrático) da Ilha da Madeira, irá apresentar projeto de revisão constitucional no qual defende a inclusão, na Lei, do comunismo ao lado do fascismo no rol das ideologias autoritárias e contrárias ao Estado de direito democrático. Ele propõe a reforma dos artigos 46, n. 4, e 160, n. 1, alínea d, da Constituição Portuguesa, que citam nominalmente o fascismo como uma ideologia a ser proibida pelo Estado.
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A Constituição Portuguesa, promulgada em 1976 - dois anos apenas depois da "Revolução dos Cravos" que pôs fim à ditadura direitista de Antonio de Oliveira Salazar - é uma das poucas do mundo a se referir nominalmente ao fascismo. No Art. 46 ("liberdade de associação"), está dito textualmente:
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"4. Não são consentidas associações armadas nem de tipo militar, militarizadas ou paramilitares, nem organizações racistas ou que perfilhem a ideologia fascista."
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O Art. 160 ("Perda e renúncia do mandato") reforça essa idéia, deixando claro que "1. Perdem o mandato os Deputados que: (...) d) Sejam judicialmente condenados por crime de responsabilidade no exercício da sua função em tal pena ou por participação em organizações racistas ou que perfilhem a ideologia fascista."
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Na nota introdutória ao projeto de reforma constitucional de autoria de Alberto João Jardim (Ponto VII. Outras Alterações), destaca-se a referência ao "esclarecimento de que a Democracia não deve tolerar comportamentos e ideologias autoritárias e totalitárias, não apenas de Direita, como é o caso do Fascismo" - esta expressamente prevista no texto constitucional - "como vem a ser o caso do Comunismo" - não previsto no texto constitucional.
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O projeto do deputado madeirense merece entrar para a História como um dos mais importantes, em todos os tempos. Deveria ser imitado por todos os países que prezam pela democracia e pelos direitos humanos. Trata-se de uma verdadeira revolução, no sentido positivo da palavra: pela primeira vez - pelo menos até onde eu sei - um deputado de um país democrático propõe colocar o comunismo no mesmo patamar do fascismo num texto legal. Com isso, percebeu o óbvio, vindo a público tocar o dedo na ferida e recolocar as coisas no lugar. Merece, pois, todo o aplauso. Parabéns a Alberto João Jardim pela inteligente e corajosa iniciativa!
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Apesar de uma tendência minha a concordar com a frase de Paulo Francis, segundo a qual, para desmascarar um comunista, a única coisa necessária é deixá-lo falar, sou obrigado a dizer que o deputado português está certíssimo. O comunismo, assim como o fascismo, é uma ideologia totalitária, logo inimiga da liberdade e da democracia. Não tem por que estar ausente, portanto, de um texto constitucional nascido da luta pela democracia e que faz referência clara à ideologia concorrente fascista. Se há algo que a História dos últimos oitenta anos demonstra com clareza, é que não se pode ser tolerante com os intolerantes, com os que usam a democracia para sabotá-la e destruí-la. Se iniciativas semelhantes tivessem sido adotadas em países como a Venezuela e a Bolívia, palhaços como Hugo Chávez e Evo Morales não teriam usado os mecanismos da democracia para acabar com ela. Entendeu, José Saramago?
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Como é natural, já se ouvem vozes criticando o projeto. Não somente da parte dos óbvios prejudicados pela iniciativa - os comunistas e seus simpatizantes -, mas, principalmente, da legião infindável de idiotas úteis que vêem no projeto um "atentado à liberdade de associação e de expressão" etc. Besteira. Em primeiro lugar, porque os comunistas estão se lixando para a liberdade de expressão ou de associação, como basta olhar para Cuba para constatar. E, em segundo lugar, porque a proibição das organizações comunistas está perfeitamente em sintonia com a proibição - que ninguém contesta - das fascistas e racistas, presentes no texto constitucional. Do contrário, ou seja, se não se inclui o comunismo ao lado do fascismo, há uma clara discriminação - inconstitucional em todos os sentidos - a favor de uma corrente totalitária em detrimento da outra. Não faz sentido proibir o fascismo se não se condena, também, o comunismo. Ou se condena a ambos ou não se faz referência a nenhum. Simples assim.
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No Brasil, iniciativas semelhantes a de Alberto João Jardim jamais teriam sucesso. Por um motivo muito simples: os comunistas estão no poder. E não somente nos órgãos de Estado. Eles estão em todos os lugares: na imprensa, nas escolas, nos sindicatos, nas universidades, nas artes etc. São uma verdadeira elite, dona da hegemonia intelectual e cultural no País, no sentido gramsciano do termo. Criticá-los, ainda que seja por cuspir no chão, ainda é visto por estas plagas como o máximo da "intolerância" e até "autoritarismo".
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De fato, dizer-se anticomunista, aqui, é um tabu, corresponde a se excluir automaticamente do debate político. Ainda persiste entre nós a lenda de que comunismo e fascismo são antípodas, quando são, na verdade, irmãos siameses, unidos no mesmo ódio à liberdade. Duas décadas de regime militar e sete décadas de intensa propaganda ideológica criaram a ilusão de que o comunismo e os comunistas estão do lado da democracia, e que todos que se lhes opõem são "fascistas" e "reacionários". Aqui, um idiota político como Chico Buarque de Holanda, que age há décadas como embaixador informal da ditadura comunista cubana, é considerado um verdadeiro deus, e um stalinista senil como Oscar Niemeyer ainda é tido na alta conta de "gênio", em que pesem suas declarações absurdas e claramente mentirosas - como o artigo que escreveu enaltecendo uma biografia de Stálin como se esta reabilitasse o ditador soviético, quando na verdade o livro faz exatamente o contrário. O governo Lula e seus associados na imprensa e na academia não vêem problema algum em estar cercados de comunistas, e até se orgulham disso. Afinal, eles são de esquerda, e a esquerda é o lado bom e brilhante da humanidade, como sabemos...
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A iniciativa é tão mais importante por vir de Portugal, país que esteve submetido, durante quarenta anos, a um regime político, o salazarismo, de laivos claramente fascistizantes (embora não tanto quanto na Itália ou na Espanha). Algo que jamais ocorreu no Brasil, pelo menos não com a mesma intensidade - o Estado Novo varguista de 1937-1945 é o que mais se aproxima do que teria sido uma ditadura "fascista" em terras tupiniquins (quanto ao regime de 64, não teve nada de fascista, como já expliquei aqui antes: foi, na verdade, um regime autoritário, não totalitário). Isso significa que lá, ao contrário de cá, há uma noção mais clara do que seja o fascismo. Isso deveria, em tese, tornar o país mais tolerante em relação ao comunismo, certo? Nada disso. O fato de se mencionar abertamente o fascismo em sua Constituição não quer dizer que se deve dar respaldo ou ter simpatia com o totalitarismo comunista, é o que diz o projeto de revisão constitucional. Trata-se de um imperativo lógico e moral: sendo ambas ideologias antidemocráticas, devem ser ambas igualmente rechaçadas em uma Constituição democrática. O comunismo é tão condenável quanto o fascismo, assim como o obscurantismo religioso católico ou protestante devem ser condenados do mesmo modo que o fundamentalismo islamita, malgrado as suscetibilidades "politicamente corretas". E isso não é intolerância, muito pelo contrário. Assim como se pode falar em islamofascismo, pode-se falar perfeitamente em comunofascismo.
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Nós, brasileiros, gostamos de fazer piada com os portugueses, a quem, talvez por algum ressentimento de ex-colonizado, julgamos pouco inteligentes. Com projetos como o do deputado Alberto João Jardim, verifica-se que os pouco dotados de luzes não são nossos primos lusitanos, mas nós, os "malandros" e "espertos", que fechamos os olhos para questões como essa. É uma pena que no Brasil não tenhamos um Alberto João Jardim para mandar o "politicamento correto" às favas e chamar as coisas pelo devido nome. Por aqui, o Muro de Berlim ainda não caiu.

sexta-feira, julho 17, 2009

FÉ: UM DELÍRIO


Dizem que religião, assim como futebol e política, não se discute. Eu discordo totalmente, e já escrevi aqui por quê. Religião se discute, sim. A velha questão, tão antiga quanto a humanidade - Deus existe? -, é, mais do que nunca, discutível. Mais que isso: colocá-la em debate, hoje, não tem nada de inútil, é algo extremamente necessário. Uma questão até mesmo de saúde mental, digamos assim.
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Atualmente há um certo boom editorial de autores que se declaram abertamente ateus, e que questionam a religião e a crença em Deus, santos e demônios. Alguns desses livros, como Deus: Um Delírio, do biólogo evolucionista inglês Richard Dawkins, já viraram verdadeiros best-sellers. Trata-se de uma novidade, certamente bem-vinda, que esse tema esteja sendo objeto de debate - sobretudo em um país como o Brasil, onde mais de 95% da população diz acreditar em Deus e onde se dizer ateu ainda é sinônimo de ser visto de esguelha, como um criminoso ou um louco. Mas, nesse terreno movediço, é bom ir devagar com o santo porque, como dizem os crentes, o andor é de barro.
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Pode-se dividir os autores da atual safra de literatura ateísta em duas grandes categorias. De um lado, há os adeptos do ateísmo científico, como Dawkins, Sam Harris (The End of Faith, Carta a uma Nação Cristã) e Daniel C. Dennet (Quebrando o encanto: a religião como um fenômeno natural), que usam as ferramentas da ciência - no caso de Dawkins, a biologia evolutiva; no de Harris e Dennet, a neurociência - para desacreditar a fé, apresentando as religiões como o produto de temores irracionais ou de atavismos supersticiosos, quando não de certa programação neurolingüística. De outro, há os que professam o que se poderia chamar de ateísmo moral ou filosófico - Michel Onfray (Tratado de Ateologia) e Christopher Hitchens (Deus Não é Grande) são seus principais representantes -, que questionam a religião e seu principal dogma, a crença em Deus, a partir dos pressupostos éticos dessa crença. A idéia de que a ética religiosa é necessariamente superior a uma ética atéia é implacavelmente demolida por esses autores, que apresentam o fenômeno do fundamentalismo religioso (sobretudo das três grandes religiões monotéistas - judaísmo, cristianismo e islamismo) como prova irrefutável de que crer em Deus, ao contrário do que afirma o senso comum, não torna ninguém mais pacífico e bondoso. Pelo contrário: como demonstram o 11 de setembro de 2001 e Osama Bin Laden, não há qualquer contradição entre ser um fiel devoto e em promover um banho de sangue, movido a fanatismo e intolerância.
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O sucesso editorial de algumas dessas obras, principalmente a de Dawkins, tem suscitado, é claro, críticas severas. E, pelo caráter deliberadamente polêmico desses livros, não poderia ser diferente. As críticas partem não somente de quem seria óbvio esperar uma reação desfavorável, como padres, pastores, imans e rabinos, mas também de gente que não tem nada de carola, muito pelo contrário. Acabei de ler um artigo de um filósofo conhecido meu, o Pablo Capistrano (http://colunas.digi.com.br/pablo/dawkins-um-delirio/), aliás insuspeito de qualquer ultramontanismo, em que ele desce o pau em Dawkins, o qual acusa de não ver a beleza intrínseca às religiões, pois não enxerga que “doutrinas religiosas são construções literárias que servem como instrumentos de produção de experiências místicas e precisam ser lidas com ferramentas hermenêuticas específicas”. De fato, se formos analisar o livro de Dawkins, ou qualquer outro autor, com base nessas "ferramentas hermenêuticas específicas", estaremos fazendo não ciência ou filosofia, mas literatura ou teologia, e a obra de Dawkins não é, em nenhum aspecto, literária ou teológica. Trata-se, na verdade, de um livro de divulgação científica, que usa os instrumentos da ciência e da razão para se contrapor à crença religiosa. O que faz, diga-se de passagem, de forma razoavelmente competente.
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O mais curioso é que muitos dos argumentos utilizados agora contra Dawkins e outros autores partem de pessoas que costumam usar pesos diferentes para medir o mesmo fenômeno. Muita gente que contesta Dawkins com argumentos filosóficos e mesmo literários enche-se de indignação contra alguma declaração considerada ultra-ortodoxa do Papa Bento XVI sobre aborto e casamento gay, assim como não hesita em apontar "intolerância" em algumas charges do Profeta Maomé publicadas em um jornal dinamarquês. São as mesmas pessoas que não vêem problema algum em defender com unhas e dentes, em nome do "multiculturalismo" e do "respeito às diferenças", o "direito" de os muçulmanos apedrejarem mulheres adúlteras ou arrancar com gilette o clitóris de meninas em idade pré-púbere. Também não vêem contradição alguma em condenar o que lhes parece "intolerância" na Igreja Católica em relação a homossexuais e fechar os olhos para, ou mesmo justificar, intolerância bem maior contra os mesmos homossexuais nos países islâmicos. É que condenar a Igreja é algo "progressista", enquanto fazer o mesmo com os muçulmanos é "eurocentrismo"... Por que o que é condenável no cristianismo é aceitável no Islã?
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Vejam o caso acontecido alguns meses atrás em Pernambuco, da menina de 9 anos que teve que abortar por estar grávida do padrasto, que a estuprara. O caso incendiou a opinião pública, e levou à condenação praticamente unânime do arcebispo local, que excomungou a mãe da menina e os médicos que realizaram o aborto. Até o ministro da Saúde entrou na discussão, condenando de forma veemente o "obscurantismo" do clérigo. O que ninguém parece ter se dado conta é que a excomunhão, nesse caso, não foi um ato da vontade do arcebispo, mas uma medida automática da Igreja Católica, que considera o aborto, em qualquer circunstância, um pecado mortal. Mais importante, ninguém pareceu se preocupar com o fato de que a condenação da Igreja, em casos assim, não tem efeito algum sobre a integridade física ou a liberdade de quem quer que seja, sendo, antes, uma questão teológica da Igreja Católica e dos que nela acreditam. Em outras palavras: ninguém será queimado na fogueira por causa da decisão da Igreja. Já quanto às fatwas muçulmanas, como a que foi decretada pelo falecido aiatolá Khomeini contra o escritor Salman Rushdie, prometendo o Paraíso a quem o assassinasse em nome de Alá, não se pode negar que se trata de algo muito mais grave e literalmente letal, pois diz respeito não somente a crer ou não num artigo de fé, mas a intolerância e obscurantismo puro e simples. Mas ainda há quem se escandalize com a atitude de um arcebispo católico num país laico, e não veja problema algum na jihad.
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Sempre que se toca no assunto religião, nunca me contento com argumentos do tipo "isso é uma questão de foro íntimo" ou "acredito em Deus porque eu sinto que Ele existe" etc. Também acho fraquíssimas afirmações como "não existem ateus na hora da morte". Francamente, não vejo diferença entre esse tipo de afirmação e uma alucinação ou expressão de vontade - e contra uma expressão de vontade, a Razão é impotente. Mas, ao mesmo tempo, sei que muita gente se declara atéia por modismo, ou por desesperança, ou, ainda, no caso dos marxistas, por ideologia. Uns poucos o são por motivos puramente fiósóficos ou morais. Procuro situar-me nesse último grupo.
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Sou ateu. Isso significa que não sou dado a arroubos místicos, nem considero qualquer "experiência transcedental" um critério de verdade objetiva. Mas nem por isso deixo de reconhecer, em algumas religiões, ensinamentos morais importantes ("não matarás" e "não furtarás", por exemplo, parecem-me ensinamentos bastante razoáveis). Assim como nem por isso deixarei de defender até o fim o direito dos crentes professarem suas crenças, por mais que eu discorde delas e as considere irracionais e até perigosas para a saúde. Ao contrário dos marxistas, que se opõem à religião muito mais para se livrar de um rival incômodo a seus deuses profanos, e dos multiculturalistas, que restringem suas críticas geralmente ao cristianismo (na verdade, à moral judaico-cristã ocidental), coloco-me a favor da liberdade, inclusive, e sobretudo, da liberdade religiosa. Exatamente por isso, ou seja, exatamente por reconhecer e defender que cristãos, muçulmanos, judeus, budistas e macumbeiros professem suas crenças sem serem perturbados, espero não ser apedrejado ou linchado na rua por, se me perguntarem, responder que não creio em Deus. Crer, ou não crer, para mim, mais do que uma questão de fé, é um direito. Fora disso, só existem as trevas, o obscurantismo, a barbárie.

quinta-feira, julho 16, 2009

SLAVOJ ZIZEK, OU: O DEVER DE ENTERRAR A "HIPÓTESE COMUNISTA"


Alguns anos atrás, quando eu ainda nutria alguma simpatia pelo marxismo - era, então, simpatizante trotskista -, escrevi um artigo para um jornal local, intitulado "O mal que o Stalinismo fez". Era uma crítica meio pedante, embora sincera e apaixonada, ao totalitarismo soviético e suas variantes, que eu, reverberando minhas leituras de Trotsky e Victor Serge, considerava um desvirtuamento, uma traição ao "verdadeiro" comunismo, o comunismo de Marx, Engels e Lênin, supostamente seqüestrado e deformado por Stálin e sua gangue burocrática, e representado pelo "profeta banido" Leon Trotsky. Eu acreditava, à época, que tudo que se dizia na imprensa e nos livros didáticos sobre "fim do comunismo" e coisas que tais estava errado, era fruto da ignorância ou da "propaganda burguesa": bastaria retomar o curso do marxismo original, pensava, expulsando os traidores e construindo uma autêntica liderança revolucionária dos trabalhadores, tal como defendia Trotsky após sua expulsão da URSS, que a História faria o resto.

Passados mais de dez anos daquele artigo - felizmente, hoje, esquecido -, é com uma mistura de alívio e certa melancolia que constato: tola ilusão! Como eu estava enganado! A derrocada do comunismo (ou dos "Estados operários burocraticamente degenerados", como dizíamos), bem como o próprio totalitarismo soviético, não foram o produto de nenhuma falsificação dos belos e nobres ideais marxistas pela brutal e infame camarilha stalinista, mas, sim, o resultado lógico e quase inevitável desses mesmos ideais. Hoje, isso está claríssimo para mim, e ainda espero ser desmentido pelos trotskistas, os sebastianistas da esquerda.

Minha convicção de que o marxismo é uma ideologia essencialmente totalitária, logo incompatível com a democracia, sai reforçada diante da leitura de textos como o do filósofo esloveno Slavoj Zizek (revista PIAUÍ, n. 34, páginas 58-60). Com o título "A hipótese comunista: começar do começo", Zizek, uma espécie de celebridade pop em certos círculos esquerdistas europeus, seguidor de Marx e Lacan e editor de coletâneas de textos de Lênin e de Mao Tsé-tung, propõe uma retomada da "hipótese" ou "Idéia" comunista. A cada frase, ele parece repetir o refrão daquela música de Raul Seixas: "tente outra vez". Parece parafrasear, quando se refere a "começar do começo", uma propaganda governamental até há pouco veiculada na TV: "sou comunista e não desisto nunca".
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Vejamos o que diz Zizek, para quem os acontecimentos de 1989 no Leste Europeu foram um "désastre obscur": citando Kierkegaard, ele diz que "um processo revolucionário não é um progresso gradual, mas um movimento de repetir o começo e voltar a repeti-lo muitas vezes". O que ele quer dizer com isso? O seguinte: que, após o fim da pátria-mãe soviética e a queda do Muro de Berlim, os comunistas encontram-se diante da possibilidade - melhor, do dever - de voltar ao ponto onde pararam e "começar do começo". Mais que isso: citando Lênin, ele afirma que é necessário "reafirmar a hipótese comunista" constantemente, sem dar bola para o coro das vozes derrotistas que vêm de baixo e torcem, maldosamente, para que o excursionista caia da montanha. "Tente de novo. Fracasse de novo. Fracasse melhor", ele diz textualmente. Nisso, Zizek proclama sua total concordância com seu colega marxista Alain Badiou, que, na mesma PIAUÍ* (n. 23), afirmou o seguinte: "Se precisarmos abandonar essa hipótese, então não valerá mais a pena fazer nada no campo da ação coletiva. Sem o horizonte do comunismo, sem essa Idéia, nada no devir histórico e político tem qualquer interesse para um filósofo". Logo, prossegue Badiou, "o que cabe a nós filósofos como tarefa, e até mesmo obrigação, é ajudar no surgimento de uma nova modalidade de existência da hipótese comunista".

Pausa para reflexão. O que está aí em cima é bastante revelador. Nas palavras sábias de M. Badiou (e também, portanto, de Zizek), "sem o horizonte comunista, sem essa Idéia" - com I maiúsculo - "nada no devir histórico e político tem qualquer interesse para um filósofo". O que isso significa, exatamente? Significa que, sem a gloriosa e redentora Idéia comunista, sem esse fetiche, nada, absolutamente nada, se pode fazer, nem pensar. A própria Filosofia (com F maiúsculo) torna-se, portanto, impossível. Ou, dito de outro modo: sem o marxismo, sem a perspectiva comunista e revolucionária, não há Filosofia. Toda a enorme tradição filosófica de milênios, portanto - desde Platão e Aristóteles até Heidegger e Wittgeinstein, de Confúcio a Karl Popper, passando por S. Agostinho e S. Tomás de Aquino -, perderia todo o sentido, seria nada mais do que um exercício fútil e descartável de onanismo mental. A Filosofia, se não estiver a serviço da "hipótese comunista", não é Filosofia, é isso que nos dizem Badiou e Zizek. Daí não ser surpreendente a afirmação que vem logo em seguida: a tarefa dos filósofos - na verdade, sua obrigação, como diz Badiou - se resume a tentar ressuscitar o cadáver, "ajudar no surgimento de uma nova modalidade de existência da hipótese comunista". Tudo o mais - as complexas questões da metafísica e do ser, o debate interminável sobre a realidade das coisas e o infinito etc. - perde completamente qualquer relevância diante desse objetivo sublime (pelo visto, Raymond Aron não estava sendo metafórico quando definiu o marxismo, em um lance de genialidade, como o ópio dos intelectuais...).

Não é preciso ser filósofo para perceber que, por trás desse palavreado empolado, o que existe é uma tremenda picaretagem, a mais pura vigarice intelectual - uma tentativa canhestra de negar o óbvio, a fim de manter acesa a chama da "Idéia" que a História tratou de jogar na lata de lixo junto com outras ideologias totalitárias, como o fascismo e o nazismo. Isso fica claro quando Zizek apresenta a definição do que seria a tal "hipótese comunista", que deve ser preservada apesar de tudo.

Segundo Zizek, o capitalismo global está assentado em quatro antagonismos, a saber: 1) "a ameaça premente de catástrofe ecológica"; 2) "a inadequação da propriedade privada para a chamada propriedade intelectual"; 3) "as implicações socioéticas dos novos desenvolvimentos tecnocientíficos, especialmente no campo da engenharia genética"; e - o mais importante para Zizek - 4) "as novas formas de segregação social - os novos muros e favelas". Os três primeiros são o que Zizek chama de "commons", usando uma terminologia emprestada dos teóricos marxistas Michael Hardt e Antonio Negri: são os bens comuns a toda a humanidade, que constituem "a substância compartilhada do nosso ser social, cuja privatização é um ato violento ao qual se deve resistir, se necessário, pela força". "Contudo", prossegue Zizek, "é apenas o quarto antagonismo, o dos excluídos, que justifica o termo comunismo".

Olhemos um pouco mais de perto esses quatro "antagonismos do capitalismo global", no dizer de Zizek. O primeiro, a "ameaça premente de catástrofe ecológica", pode ser traduzido assim: o capitalismo é mau, frio e perverso, movido unicamente pela ganância e pelo lucro, o que resulta, inexoravelmente, em destruição do meio ambiente e em poluição. Uma caracterização muito atraente, sem dúvida, que cairia bem em uma cartilha ginasiana ou em uma escolinha do MST. A dedução lógica é que o sistema antagônico ao capitalismo - o socialismo, o comunismo, enfim a "hipótese comunista" -, por colocar o "coletivo" acima do vil egoísmo e da ambição individual, é automaticamente superior e deve-se, portanto, lutar por ele. Objetivo certamente sedutor, sobretudo para adolescentes revoltados de classe média em busca de uma "causa", mas que, infelizmente, não responde às seguintes questões inconvenientes: 1) onde está cientificamente comprovado, senão na mente paranóica dos ecoxiitas, que o capitalismo é necessariamente incompatível com a preservação do meio ambiente e conduzirá, inexoravelmente, a uma catástrofe ecológica? (o desenvolvimento sustentável e o eco-turismo, por exemplo, seriam, nesse sentido, atividades sem fins lucrativos - o próprio Zizek, aliás, parece reconhecer a fragilidade desse "antagonismo"); e 2) se a "hipótese comunista" é mesmo superior ao capitalismo no quesito preservação ambiental, então se deveria concluir que tragédias como a de Chernobyl e o secamento do Mar de Aral, sem falar nas fábricas mais poluentes do mundo, ocorreram em outro lugar, e não na finada União das Repúblicas Socialistas Soviéticas. Quanto a isso, Zizek silencia.

Sobre o segundo "antagonismo" (a "inadequação da propriedade privada para a propriedade intelectual"), suponhamos, por um momento, que a propriedade privada seja mesmo inadequada à propriedade intelectual. Nesse caso, teríamos que admitir que os artistas e intelectuais, sem falar nos cientistas, que lucram com as patentes e royalties de seus livros, filmes e invenções, viveriam em outro planeta. Já os escritores, músicos e cineastas vinculados à UNEAC - União dos Escritores e Artistas de Cuba -, obrigados a entregar seus direitos autorais ao Estado, e que vivem em um país onde vigora, segundo Zizek, a "idéia comunista", seriam os mais ricos do mundo.

Quanto ao terceiro ponto ("as implicações socioéticas dos novos desenvolvimentos tecnocientíficos" etc.), parece-me que Zizek confunde o avanço da ciência com o próprio capitalismo (no que, aliás, pode estar certo: afinal, foi o capitalismo, e não qualquer outro sistema socieconômico, o responsável pelas maiores descobertas científicas e pelo maior salto de qualidade na vida da humanidade, em toda a História). Além do mais, comete um erro crasso, ao inferir que, por estarem supostamente submetidos à lógica implacável do mercado, tais avanços estariam além de qualquer controle: qualquer ameaça potencial à segurança genética da humanidade - a clonagem de embriões humanos ou os vegetais transgênicos, por exemplo - encontra-se, há anos, sob intenso escrutínio governamental e da opinião pública na maioria dos países, e o simples debate acalorado entre defensores e inimigos da engenharia genética demonstra-o cabalmente. O mesmo não pode ser dito, porém, dos antigos países socialistas, nos quais a vigência da "Idéia" levou a aberrações como o lyssenkismo, com todos os funestos resultados conhecidos na produção de alimentos. É inegável que, em sociedades totalitárias, a ciência, como tudo o mais, está subordinada ao Estado, constituindo, assim, uma ameaça muito mais temível. O problema, portanto, não é a ciência em si, mas sua utilização por regimes totalitários. Quem leu Admirável Mundo Novo, de Aldous Huxley, sabe do que estou falando.

Mas é no quarto "antagonismo" apontado por Zizek ("as novas formas de segregação social") que a "idéia comunista" se mostra, para ele, mais forte e necessária. Para Zizek, o pecado maior do capitalismo, aquilo que ele, Zizek, não pode perdoar, não é a devastação dos rios e florestas, a incompatibilidade com a noção de propriedade intelectual ou as ameaças inerentes à manipulação dos genes, mas o antagonismo incluídos (a "classe dominante" de outrora), de um lado, e excluídos (a "classe dominada"), de outro. É, enfim, a velha luta de classes, hoje ampliada para além da dicotomia clássica "burguesia versus proletariado" para abarcar a questão dos muros e favelas etc. A "hipótese comunista", nesse sentido, seria a busca por reduzir a distância - social e geográfica - entre esses dois setores, ao mesmo tempo em que rejeita a "noção liberal predominante" de democracia como inclusão dos excluídos "como vozes minoritárias" em favor da "universalidade corporificada dos excluídos". Esta seria, segundo Zizek, a concretização da "hipótese comunista" em seu mais alto grau: "Desde a Grécia Antiga, temos um nome para a intrusão dos excluídos no espaço sociopolítico: democracia". E arremata: "Em contraste com a imagem clássica dos proletários que não têm 'nada a perder além de seus grilhões', o que nos une é o perigo de perdermos tudo".

Mais uma vez: algo muito lírico, muito bonito, poético até. Pena que essa descrição da "hipótese comunista" como o éden dos excluídos-tornados-incluídos seja tão verdadeira quanto o conto de fadas marxista que quer preservar a qualquer custo. Em primeiro lugar, a definição dessa "idéia" como "a intrusão dos excluídos no espaço sociopolítico" - que corresponde, de fato, ao conceito clássico de democracia, desde Atenas - tem tudo a ver com o capitalismo da atualidade, e nada a ver com o que quer que seja identificado com o comunismo, seja como realidade estatal, seja como "hipótese" ou "idéia". Pois é somente no capitalismo que floresceram, até agora, sociedades plenamente democráticas - se Zizek tem alguma dúvida quanto a isso, sugiro olhar para os países da Europa onde vive, por exemplo. É verdade que o capitalismo pode conviver com regimes autoritários (o Chile de Pinochet e a China atual são dois exemplos), mas é um fato inegável que, até o momento em que escrevo estas linhas, não surgiu ainda nenhum exemplo de país não-capitalista que fosse, também, uma democracia. Isso sem mencionar a brutal separação incluídos/excluídos nas "democracias populares" do Leste Europeu entre 1945 e 1989, onde uma elite privilegiada de burocratas do Partido excluía a maioria da população das delícias da "ditadura do proletariado" (foi o que ocorreu em TODOS os países socialistas). Inclusive com o mais famoso Muro da História - o Muro de Berlim -, uma prova cabal de separação política e social não só interna, mas de um regime em relação ao resto da humanidade. Zizek jamais irá reconhecer, mas a inclusão dos excluídos nos espaços de decisão coletiva é, na verdade, uma característica do... capitalismo.

A obstinação dos marxistas de hoje, como Slavoj Zizek, no que chamam de "hipótese comunista" só se explica por uma necessidade platônica e psicológica de separar o "ideal" do "real', da mesma forma como ainda hoje muitos filósofos e cientistas sociais persistem na distinção entre "socialismo ideal" (a "hipótese comunista" de Zizek e Badiou) e "socialismo real" (a dura e feia realidade dos países comunistas). Assim, pretendem manter as consciências limpas, preservando o ideal da juventude ao mesmo tempo em que o inocentam de qualquer responsabilidade pelos crimes dos comunistas. Estes seriam culpa da maldita realidade, que insiste no péssimo hábito de não se curvar ante nossos mais puros desejos...
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É uma tática eficiente, não se pode negar. Muitos que jamais leram uma linha de Marx na vida, e que sabem tanto sobre o comunismo e a Revolução Russa quanto de física quântica, repetem automaticamente essa tese. Mas isso demonstra apenas o triunfo não da verdade, mas da propaganda e do wishful thinking. É fora de dúvida que, por mais que queiram o contrário os órfãos da utopia marxista, o fato é que a realidade comunista é inseparável da "Idéia". O Gulag e os processos de Moscou, os milhões de mortos em sangrentos expurgos ou em fomes generalizadas e induzidas pelo Estado na Ucrânia e na China, os campos da morte no Camboja, o paredón em Cuba... nada disso surgiu do nada, do vazio; tampouco foi o resultado de um desvio de rota, de um desvirtuamento do plano revolucionário original, supostamente puro e imaculado, devido, talvez, ao caráter intrinsecamente mau e pervertido da natureza humana, ainda não tocada pela vara de condão redentora do marxismo. Pensar assim é pura auto-ilusão, mera racionalização da derrota. O "socialismo real" nada mais foi do que a aplicação, na prática, do "socialismo ideal"; a tradução, no plano da realidade, dos pressupostos e dogmas marxistas e comunistas. Os que hoje negam esse fato e se refugiam no engano neomarxista ou neocomunista - como se repetir o mesmo erro resultasse, um dia, em acerto -, deveriam ter a honestidade e a coragem intelectual de admitir que toda a obra marxista, e inclusive o comunismo pré-marxista, contém em germe a semente do totalitarismo, assim como as teorias eugenistas e racistas do século XIX forneceram a base pseudo-científica à "Solução Final" e a Auschwitz - tese que nenhum estudioso sério do nazismo ousa contestar.
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Os verdadeiros pais intelectuais do extermínio de 100 milhões de seres humanos não foram Stálin ou Mao, nem Lênin e Trotsky, mas Marx e Engels. Aqueles foram apenas seus operadores, tendo acrescentado muito pouco ao que os mestres disseram. Querer dar uma nova chance a essa "Idéia" responsável por tanta morte e sofrimento é, para usar uma imagem do próprio Marx, tentar fazer a História repetir-se, seja como tragédia, seja como farsa (ou, o que é mais provável, como as duas coisas ao mesmo tempo). Transformar a distopia em utopia é a melhor maneira de iludir os incautos. Contra essa monumental impostura, contra essa tentativa de coletivização do pensamento, é necessário resistir, aqui sim, se necessário, pela força. Comunismo nunca mais. Nem como hipótese.
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* = A PIAUÍ é aquela revista moderninha que posa de "independente" e que vez ou outra publica artigos de Tariq Ali ou de Alain Badiou, mas que nunca publicou nada, pelo menos não que eu saiba, de Jean-François Revel, Bernard Lewis ou Victor Davis Hanson. É, novamente, a "imparcialidade" a favor de um lado só.