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terça-feira, julho 15, 2014

A MÁSCARA DO GIGANTE

por Mario Vargas Llosa
 
Não houve nenhum milagre nos anos de Lula, e sim uma miragem que agora começa a se dissipar


Fiquei muito envergonhado com a cataclísmica derrota do Brasil frente à Alemanha na semifinal da Copa do Mundo, mas confesso que não me surpreendeu tanto. De um tempo para cá, a famosa seleção Canarinho se parecia cada vez menos com o que havia sido a mítica esquadra brasileira que deslumbrou a minha juventude, e essa impressão se confirmou para mim em suas primeiras apresentações neste campeonato mundial, onde a equipe brasileira ofereceu uma pobre figura, com esforços desesperados para não ser o que foi no passado, mas para jogar um futebol de fria eficiência, à maneira europeia.
 
Nada funcionava bem; havia algo forçado, artificial e antinatural nesse esforço, que se traduzia em um rendimento sem graça de toda a equipe, incluído o de sua estrela máxima, Neymar. Todos os jogadores pareciam sob rédeas. O velho estilo – o de um Pelé, Sócrates, Garrincha, Tostão, Zico – seduzia porque estimulava o brilho e a criatividade de cada um, e disso resultava que a equipe brasileira, além de fazer gols, brindava um espetáculo soberbo, no qual o futebol transcendia a si mesmo e se transformava em arte: coreografia, dança, circo, balé.
 
Os críticos esportivos despejaram impropérios contra Luiz Felipe Scolari, o treinador brasileiro, a quem responsabilizaram pela humilhante derrota, por ter imposto à seleção brasileira uma metodologia de jogo de conjunto que traía sua rica tradição e a privava do brilhantismo e iniciativa que antes eram inseparáveis de sua eficácia, transformando seus jogadores em meras peças de uma estratégia, quase em autômatos.

Contudo, eu acredito que a culpa de Scolari não é somente sua, mas, talvez, uma manifestação no âmbito esportivo de um fenômeno que, já há algum tempo, representa todo o Brasil: viver uma ficção que é brutalmente desmentida por uma realidade profunda.
 
Tudo nasce com o governo de Luis Inácio 'Lula' da Silva (2003-2010), que, segundo o mito universalmente aceito, deu o impulso decisivo para o desenvolvimento econômico do Brasil, despertando assim esse gigante adormecido e posicionando-o na direção das grandes potências. As formidáveis estatísticas que o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística difundia eram aceitas por toda a parte: de 49 milhões os pobres passaram a ser somente 16 milhões nesse período, e a classe média aumentou de 66 para 113 milhões. Não é de se estranhar que, com essas credenciais, Dilma Rousseff, companheira e discípula de Lula, ganhasse as eleições com tanta facilidade. Agora que quer se reeleger e a verdade sobre a condição da economia brasileira parece assumir o lugar do mito, muitos a responsabilizam pelo declínio veloz e pedem uma volta ao lulismo, o governo que semeou, com suas políticas mercantilistas e corruptas, as sementes da catástrofe.
 
A verdade é que não houve nenhum milagre naqueles anos, e sim uma miragem que só agora começa a se esvair, como ocorreu com o futebol brasileiro. Uma política populista como a que Lula praticou durante seus governos pôde produzir a ilusão de um progresso social e econômico que nada mais era do que um fugaz fogo de artifício. O endividamento que financiava os custosos programas sociais era, com frequência, uma cortina de fumaça para tráficos delituosos que levaram muitos ministros e altos funcionários daqueles anos (e dos atuais) à prisão e ao banco dos réus.
 
As alianças mercantilistas entre Governo e empresas privadas enriqueceram um bom número de funcionários públicos e empresários, mas criaram um sistema tão endiabradamente burocrático que incentivava a corrupção e foi desestimulando o investimento. Por outro lado, o Estado embarcou muitas vezes em operações faraônicas e irresponsáveis, das quais os gastos empreendidos tendo como propósito a Copa do Mundo de futebol são um formidável exemplo.
 
O governo brasileiro disse que não havia dinheiro público nos 13 bilhões que investiria na Copa do Mundo. Era mentira. O BNDES (Banco Brasileiro de Desenvolvimento Econômico e Social) financiou quase todas as empresas que receberam os contratos para obras de infraestrutura e, todas elas, subsidiavam o Partido dos Trabalhadores, atualmente no poder. (Calcula-se que para cada dólar doado tenham obtido entre 15 e 30 em contratos).
 
As obras em si constituíam um caso flagrante de delírio messiânico e fantástica irresponsabilidade. Dos 12 estádios preparados, só oito seriam necessários, segundo alertou a própria FIFA, e o planejamento foi tão tosco que a metade das reformas da infraestrutura urbana e de transportes teve de ser cancelada ou só será concluída depois do campeonato. Não é de se estranhar que o protesto popular diante de semelhante esbanjamento, motivado por razões publicitárias e eleitoreiras, levasse milhares e milhares de brasileiros às ruas e mexesse com todo o Brasil.
 
As cifras que os órgãos internacionais, como o Banco Mundial, dão na atualidade sobre o futuro imediato do país são bastante alarmantes. Para este ano, calcula-se que a economia crescerá apenas 1,5%, uma queda de meio ponto em relação aos dois últimos anos, nos quais somente roçou os 2%. As perspectivas de investimento privado são muito escassas, pela desconfiança que surgiu ante o que se acreditava ser um modelo original e resultou ser nada mais do que uma perigosa aliança de populismo com mercantilismo, e pela teia burocrática e intervencionista que asfixia a atividade empresarial e propaga as práticas mafiosas.
 
Apesar de um horizonte tão preocupante, o Estado continua crescendo de maneira imoderada – já gasta 40% do produto bruto – e multiplica os impostos ao mesmo tempo que as “correções” do mercado, o que fez com que se espalhasse a insegurança entre empresários e investidores. Apesar disso, segundo as pesquisas, Dilma Rousseff ganhará as próximas eleições de outubro, e continuará governando inspirada nas realizações e logros de Lula.
 
Se assim é, não só o povo brasileiro estará lavrando a própria ruína, e mais cedo do que tarde descobrirá que o mito sobre o qual está fundado o modelo brasileiro é uma ficção tão pouco séria como a da equipe de futebol que a Alemanha aniquilou. E descobrirá também que é muito mais difícil reconstruir um país do que destruí-lo. E que, em todos esses anos, primeiro com Lula e depois com Dilma, viveu uma mentira que seus filhos e seus netos irão pagar, quando tiverem de começar a reedificar a partir das raízes uma sociedade que aquelas políticas afundaram ainda mais no subdesenvolvimento. É verdade que o Brasil tinha sido um gigante que começava a despertar nos anos em que governou Fernando Henrique Cardoso, que pôs suas finanças em ordem, deu firmeza à sua moeda e estabeleceu as bases de uma verdadeira democracia e uma genuína economia de mercado. Mas seus sucessores, em lugar de perseverar e aprofundar aquelas reformas, as foram desnaturalizando e fazendo o país retornar às velhas práticas daninhas.
 
Não só os brasileiros foram vítimas da miragem fabricada por Lula da Silva, também o restante dos latino-americanos. Por que a política externa do Brasil em todos esses anos tem sido de cumplicidade e apoio descarado à política venezuelana do comandante Chávez e de Nicolás Maduro, e de uma vergonhosa “neutralidade” perante Cuba, negando toda forma de apoio nos organismos internacionais aos corajosos dissidentes que em ambos os países lutam por recuperar a democracia e a liberdade. Ao mesmo tempo, os governos populistas de Evo Morales na Bolívia, do comandante Ortega na Nicarágua e de Correa no Equador – as mais imperfeitas formas de governos representativos em toda a América Latina – tiveram no Brasil seu mais ativo protetor.
 
Por isso, quanto mais cedo cair a máscara desse suposto gigante no qual Lula transformou o Brasil, melhor para os brasileiros. O mito da seleção Canarinho nos fazia sonhar belos sonhos. Mas no futebol, como na política, é ruim viver sonhando, e sempre é preferível – embora seja doloroso – ater-se à verdade.
 
(Para ler no original:

sábado, março 09, 2013

10 MOTIVOS POR QUE HUGO CHÁVEZ NÃO VAI DEIXAR SAUDADES

Não sou do tipo que se regozija com a morte de alguém. Esta sempre nos diminui, diz a sabedoria convencional. No entanto, é forçoso admitir que, em alguns casos - ditadores, por exemplo -, o desaparecimento físico de um indivíduo constitui, senão uma solução, pelo menos um alívio, uma libertação.

Hugo Chávez, o ditador in the making da Venezuela, encaixa-se perfeitamente nesse figurino. Falecido após longa doença no dia 5 de março - mesma data do 60. aniversário da morte de Josef Stálin, talvez o tipo perfeito de ditador -, Chávez não vai deixar saudades, a não ser para sua corriola.

Assim como Stálin, ele foi pranteado por milhões de admiradores, dentro e fora de seu país. Seu funeral, que se arrastou durante a semana, foi seu último gesto teatral, um espetáculo grotesco de necrofilia digno de Evita Perón, Khomeini e Kim Jong il. E, assim como nesses casos, há razões de sobra para não derramar uma lágrima por ele. Vejamos dez dessas razões:
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1 - Destruição da democracia - Chávez apareceu pela primeira vez para o mundo como o chefe militar de uma tentativa fracassada (e sangrenta) de golpe, em 1992, contra o governo constitucional do desacreditado Carlos Andrés Pérez. Preso, passou somente dois anos na cadeia, lançando-se então candidato a presidente. Nesse meio tempo, passou a cortejar a opinião pública, enquanto buscava o conselho político do tirano cubano Fidel Castro (a quem considerava seu mentor) e de uma figura hoje esquecida, o sociólogo argentino Norberto Ceresole, um personagem sinistro, defensor de idéias claramente neonazistas e antissemitas.

Chávez e Norberto Ceresole: o chefe da "revolução bolivariana" e seu guru
 
Munido da ambição de Castro e das teorias racistas e totalitárias de Ceresole, e
amparado num eficiente esquema de marketing político, Chávez conseguiu eleger-se em 1998, apresentando-se como um moderado. Uma vez no poder, rasgou suas promessas de campanha e pôs em ação seu projeto totalitário, à semelhança de Fidel. Em pouco tempo, impôs sua própria Constituição, interveio no Judiciário nomeando juízes dóceis e acabou com a independência dos Poderes, garantindo, por meio de referendos (como Hitler fez), uma permanência de 14 anos no poder, chamando a isso de "democracia participativa e protagônica".
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Não satisfeito com isso, o coronel tratou de dar sua própria interpretação casuística do texto constitucional sempre que os fatos teimavam em não se adaptar a seu esquema bolivariano, descumprindo a própria Constituição quando lhe convinha - a última vez que isso ocorreu foi em janeiro, quando, doente terminal em Cuba, conseguiu que fosse empossado ilegalmente na presidência o vice Nicolás Maduro, agora confirmado no cargo, novamente de forma ilegal (segundo a Constituição, em caso de morte ou ausência do titular, deve assumir a presidência da República o presidente da Assembléia Nacional, Diosdado Cabello).
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O candidato Chávez em 1998: e ele se dizia um democrata...

2 - Populismo desenfreado - Como todo tiranete que se preze, Chávez adotou o populismo com gosto, passando a adular as massas, sobretudo os mais pobres, ignorados por sucessivos governos oligárquicos. Desse modo, usou e abusou dos recursos públicos, garantidos pela renda do petróleo, para financiar projetos assistencialistas, as chamadas misiones, transformadas no carro-chefe de seu governo demagógico e paternalista (e que muitos vêem como seu "legado positivo").
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Como não poderia deixar de ser, as misiones transformaram-se num instrumento de controle político, criando uma grande rede de clientelismo e servindo para forjar uma legião de estadodependentes, que compõem, juntamente com os burocratas estatais e do PSUV (Partido Socialista Unificado da Venezuela, um nome copiado do partido criado por Fidel Castro em Cuba nos anos 60), o grosso da militância chavista. Esta, tornada dependente e infantilizada pelas benesses estatais, hoje chora a morte de seu "paizinho". 
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Nada disso, porém, adiantou muito: passados 14 anos de chavismo, os níveis de pobreza praticamente não mudaram, e 60% da população venezuelana continua pobre. Antes de Chávez, havia pobreza e democracia. Hoje, há pobreza e populismo. A política social foi talvez o maior fracasso do governo Chávez.
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3 - Desperdício de recursos públicos - O populismo não existe sem gastança, e nisso Chávez foi pródigo. Em seu governo, a gigantesca estatal de petróleo do país, a PDVSA, mandou às favas qualquer noção de meritocracia e virou um grande cabide de emprego para a militância, que se entregou gostosamente à tarefa de saquear o Erário. Recursos que deveriam ter sido investidos em tecnologia e produção foram desviados para financiar as misiones assistencialistas ou foram parar no bolso da companheirada. O resultado foi que o país aumentou sua dependência da exportação do petróleo, deixando de investir na diversificação da economia, o que gerou escassez e inflação (hoje, 80% dos alimentos consumidos no país são importados). Chávez também desperdiçou recursos para alimentar sua megalomania, gastando milhões em armas, iniciando uma corrida armamentista na América do Sul. Também desperdiçou recursos de outros países, como no caso da refinaria de petróleo Abreu e Lima, em Pernambuco, que já custou milhões aos cofres públicos brasileiros e que até agora não saiu do papel (não, presidenta Dilma, ele não era um "amigo do Brasil"...).   
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4 - Ataques à liberdade de expressão - Talvez a principal marca registrada de Chávez tenha sido os constantes atentados à liberdade de imprensa, que ele rotulava como "aliada das oligarquias". Chávez foi o presidente que fechou a emissora de rádio e TV mais antiga em funcionamento da América Latina, a RCTV, fundada em 1953. Perseguiu jornalistas, muitas vezes utilizando-se de subterfúgios, como acusá-los judicialmente de calúnia e de evasão fiscal, levando à prisão de vários e ao exílio de tantos outros. Embora a imprensa seja, ainda, teoricamente livre na Venezuela, seu espaço de atuação tem sido cada vez mais reduzido. Diariamente, militantes chavistas acossam jornalistas de oposição, e uma deputada chavista já chegou a invadir ao vivo uma emissão de TV para agredir um apresentador. Além disso, Chávez criou sua própria rede de TV, a Telesul, dedicada 24 horas a louvar seu governo e a fazer propaganda antiamericana. Outros políticos da região, como a argentina Cristina Kirchner e o equatoriano Rafael Correa, seguem na mesma direção. Deve ser por isso que Chávez angariou tantos simpatizantes também no Brasil, onde o governo Lula e o PT tudo fizeram para calar a imprensa não-alinhada - só não conseguiram porque o Brasil felizmente (ainda) não é a Venezuela.
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Milicianos chavistas: qualquer semelhança com o fascismo não é mera coincidência...

5 - Violência contra opositores - Em um regime como o chavista não poderia faltar o elemento da violência contra os que discordam do governo. Com a diferença de que, nesse aspecto, o chavismo resolveu inovar. Em vez de fuzilamentos, como em Cuba, Chávez preferiu terceirizar a repressão, entregando-a a milícias armadas pelo regime, inspiradas nos CDRs (Comitês de Defesa da Revolução) cubanos. Essas milícias, ou "círculos bolivarianos" intensificaram sua ação principalmente após o controverso "golpe" de abril de 2002, no qual Chávez foi temporariamente afastado (ou renunciou, até hoje não se sabe) depois do massacre de 15 manifestantes oposicionistas que participavam de uma marcha contra Chávez em Caracas. Desde então, a intimidação dos adversários políticos do chavismo, de forma ostensiva, tem sido comum na Venezuela, assim como começa a virar lugar-comum em outros países da região.

6 - Aumento do crime e da corrupção - Resultante diretamente dos fatores acima, o crime e a corrupção tornaram-se fora de controle na Venezuela do coronel Chávez.  Hoje, o país é o mais violento da América do Sul, com uma taxa de homicídios per capita superior a qualquer outro da região. Mais que isso, a Venezuela tornou-se, sob o chavismo, um paraíso do tráfico de drogas, convertendo-se num importante corredor de escoamento da cocaína proveniente da Colômbia para os EUA e a Europa. A isso soma-se a corrupção generalizada nos altos escalões governamentais, com o surgimento de uma burguesia bolivariana, tão entusiasta do "socialismo do século XXI" quanto rapace: nos últimos anos, a Venezuela tornou-se um dos maiores mercados consumidores mundiais de carros de luxo e de uísque, e a "revolução bolivariana" passou a ser conhecida popularmente como robolución. Sob Chávez, a Venezuela deixou de ser uma democracia corrompida para se tornar uma proto-ditadura corrupta.

7 - Apoio ao narcoterrismo - Se o regime chavista fosse somente corrupto e leniente com a violência, já seria um escândalo de grandes proporções. Mas Chávez foi além, e transformou a Venezuela num valhacouto de narcotraficantes e terroristas, apoiando abertamente as FARC colombianas, a quem classificou como uma "força beligerante". Em 2004, o "chanceler" das FARC, Rodrigo Granda, foi capturado em pleno centro de Caracas, onde vivia tranquilamente sem ser importunado pelo governo local, e entregue às autoridades colombianas. Chávez, em vez de reconhecer o absurdo de um chefe terrorista abrigado em seu país, ameaçou uma guerra com a Colômbia, ameaça que repetiu em 2008, quando Bogotá matou numa operação de guerra o número dois das FARC, Raúl Reyes, em cujo laptop foram encontradas provas incriminadoras das ligações dos narcoterroristas colombianos com o governo venezuelano (e também brasileiro, o que foi abafado). Pouco depois, descobriu-se que as FARC mantêm campos de treinamento em território venezuelano, e caixas de mísseis anti-tanque AT-4 pertencentes ao exército da Venezuela foram descobertas nos arsenais dos terroristas colombianos. A cada denúncia, Chávez respondeu sempre da mesma maneira: com ameaças de guerra e declarações de apoio às FARC. Foi também no seu governo que se descobriram planos do ETA basco juntamente com militantes chavistas de  assassinar membros do governo espanhol, denúncia esta que, uma vez feita, simplesmente sumiu do noticiário.    
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8 - Aliança com ditadores - O chavismo jamais escondeu suas ambições continentais e mesmo extra-continentais. Como todo regime autoritário e megalômano, sentiu-se atraído por regimes semelhantes, com os quais forjou, graças à ideologia antiamericana comum e aos dólares abundantes do petróleo, sólidas alianças. Entre as tiranias com as quais Chávez se aliou, está a de Cuba, cuja ditadura comunista sobrevive hoje à base dos 100 mil barris de petróleo diários e dos seis bilhões de dólares de ajuda anuais fornecidos pela Venezuela, que substituiu a finada URSS como principal lastro do falido regime cubano. Juntamente com os Castro e com outros governos afins da América Latina (Equador, Bolívia, Nicarágua etc.), Chávez criou uma organização, a ALBA (Aliança Bolivariana das Américas) para confrontar os EUA (seu antiamericanismo, porém, não o impediu de continuar a abastecer o Tio Sam com 15% do petróleo que os americanos importam). 

Outros regimes tirânicos que contaram ou contam com o apoio camarada de Caracas são o do finado ditador líbio Muamar Kadafi, a ditadura teocrática iraniana do antissemita, patrocinador do terrorismo, negador do Holocausto e louco nuclear Mahmoud Ahmadinejad, o regime assassino sírio de Bashar al-Assad e a Bielorússia do último ditador da Europa, Alexander Lukashenko. Todos eles (com a exceção, claro, de Kadafi) mandaram representantes, ou estiveram presentes, bastante emocionados, nas exéquias do coronel em Caracas. Chávez também assinou acordos militares e buscou uma aliança estratégica com a Rússia de Vladimir Putin e com a China dos burocratas comunistas, novamente com o objetivo de enfrentar o "imperialismo ianque". 
O mestre e o pupilo
 
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9 - Ingerência nos assuntos internos de outros países - A proto-ditadura chavista não se contentou em restringir-se a suas próprias fronteiras. Obcecado por Simón Bolívar, o "libertador das Américas", Chávez quis ser ele próprio o Bolívar do século XXI, esquecendo-se, porém, de que Bolívar lutou para libertar as colônias sul-americanas do jugo espanhol, enquanto ele, Chávez, tratou de intervir descaradamente em vários Estados soberanos. As ambições megalomaníacas de Chávez levaram-no a patrocinar uma tentativa de golpe no Peru, em 2005; a arquitetar a volta clandestina (com a vergonhosa cumplicidade do governo Lula) de um presidente golpista deposto legalmente em Honduras, em 2009; e a tentar insuflar um golpe militar para derrubar um presidente constitucional empossado após o impeachment de um aliado no Paraguai, em 2012 (em vez de ter sido repreendido por isso, Chávez foi recompensado com a entrada - ilegal - da Venezuela no Mercosul...). Sem falar no apoio às FARC e nas malas de dinheiro para a candidatura dos Kirchner na Argentina. 

Em todos esses movimentos, Chávez contou com o apoio e a cumplicidade dos companheiros do Foro de São Paulo, criado por Lula e por Fidel Castro em 1990 para "restaurar na América Latina o que se perdeu no Leste Europeu". Tentando emular seu ídolo Bolívar, o coronel igualou-se a Fidel Castro, que apoiou diversos movimentos terroristas na América Latina nos anos 60, tentando igualmente "exportar" sua "revolução". Só conseguiu, na verdade, equiparar-se a um Napoleão de hospício com sonhos grandiloquentes.


Chávez, o pistoleiro maluco
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10 - Falsificação da História - A exemplo de todos os ditadores, Chávez, um obcecado pela História, tentou reescrevê-la para que se ajustasse a sua "revolução bolivariana". O culto de sua personalidade precisava de um símbolo, um herói nacional, e ele foi encontrá-lo na figura de Simón Bolívar, que ele buscou apresentar sob uma roupagem "socialista". Logo Bolívar, um aristocrata que desprezava negros e mestiços, a quem o próprio Karl Marx, num célebre artigo de 1858, chamou de incompetente e covarde, um "Napoleão das retiradas"... Chávez não deu importância a esses fatos, tratando de levar o culto ao Bolívar por ele idealizado até o nome do país, rebatizado de República Bolivariana da Venezuela. E assim como inventou uma cabala da oligarquia colombiana para matar Bolívar, chegando ao ponto de desenterrar o corpo do Libertador para tentar provar essa tese, estimulou todo tipo de teorias conspiratórias. Estas seriam somente ridículas se não revelassem também um forte e inegável traço de insanidade: por exemplo, o terremoto que devastou o Haiti em 2010 teria sido obra de uma "arma secreta" da Marinha dos EUA, e o capitalismo teria destruído a civilização em Marte! (Aliás, os chavistas nem esperaram o defunto esfriar para começar a falar que Chávez foi vítima de um "ataque" de seus inimigos...)

A todos esses fatos poderíamos acrescentar, ainda, a desmoralização do Mercosul, transformado num palanque político para Chávez e suas diatribes antiamericanas, de um nível capaz de corar de vergonha até um militante da UNE. Ou a redução da política a um circo (literalmente), uma palhaçada comandada por um bufão que fez do próprio histrionismo uma forma de se comunicar com as massas... A lista seria interminável.  

Resta, porém, um alento: por suas próprias características, regimes autoritários personalistas, como o de Chávez, quase sempre chegam ao fim com a morte de seus líderes. Desaparecido o chefe, o guia genial e iluminado, simplesmente surge um grande vazio, pois em sua volta não floresce mais do que a sabujice e a mediocridade. Este parece ser o destino do chavismo: ser engolido por sua própria vacuidade ideológica.

Enfim, o legado de Chávez é uma prova de que o populismo não somente destrói as instituições; ele também emburrece e infantiliza. Chávez já vai tarde. Espero somente que a democracia retorne à Venezuela, e que não se cumpra o vaticínio do próprio Bolívar: “Lutar pela liberdade na América Latina é o mesmo que arar no mar".

domingo, julho 29, 2012

UMA CONSPIRAÇÃO A CÉU ABERTO - E A MAIOR OPERAÇÃO-ABAFA DA HISTÓRIA DO BRASIL

O vídeo que vocês verão a seguir deveria dispensar comentários. Digo deveria porque, apesar de ser a confissão de um crime - no caso, um crime contra a democracia em escala continental -, o delito e o delinquente certamente continuarão impunes. Pior: tanto um quanto o outro seguirão ignorados, como se o que está sendo dito logo abaixo não fosse real.

No vídeo, o Molusco Apedeuta, agora sem barba e com a voz rouca por causa da doença, envia uma mensagem de solidariedade aos "companheiros do Foro de São Paulo", que realizava então uma renião em Caracas, Venezuela, no começo de julho.  Praticamente não saiu uma linha sequer, não se falou absolutamente nada sobre o assunto, na imprensa brasileira. Mas Lula dá o serviço. Eis o que ele diz, com a cara mais lavada do mundo:

- Em primeiro lugar, ele lembra que, em 1990, quando o Foro foi criado (para, lembremos, restabelecer na América Latina o que se acabara de "perder" no Leste Europeu - ou seja: o comunismo), a esquerda estava no poder em apenas um país na América Latina - Cuba - e que, desde então, "governamos" - o "nós" inclui, obviamente, quem está hoje no poder na ilha caribenha - vários países do continente; 

- Afirma - e nisso está certo - que o Foro tem mudado radicalmente a face do continente, e que mesmo onde os partidos do Foro são oposição, eles têm uma influência crescente em seus países (o que também é verdade, infelizmente);

- Com a mesma desfaçatez com que nega, até hoje, a existência do mensalão, que está (finalmente!) para ser julgado no STF, repete mentiras deslavadas, afirmando que, graças ao Foro, os países por ele governados passam por uma fase de grande "crescimento econômico" - os números não mostram nada disso - e que "somos uma referência internacional de alternativa de sucesso ao neoliberalismo". Alternativa? De sucesso? Ao "neoliberalismo"?;

- Elogia as "conquistas extraordinárias" do governo populista e autoritário de Hugo Chávez na Venezuela, que vem arrastando o país para o caos econômico e social, dizendo que nunca as classes populares daquele país foram tratadas "com tanto respeito, carinho e dignidade" (sic); 

- Lamenta que Honduras e Paraguai, em que governos populistas e irresponsáveis foram destituídos de forma constitucional, tenham resistido às tentativas de Chávez de intervir nos assuntos internos para aniquilar as instituições. Lula não acha que Honduras e Paraguai sejam democracias. Democracia, para ele, é o que existe em Cuba e na Venezuela;

- Prosseguindo no desfile de cretinices, Lula fala ainda na existência de "colônias" na região, citando as Malvinas, cujos habitantes britânicos Cristina Kirchner quer porque quer converter em argentinos;

- Termina pedindo votos para seu companheiro Hugo Chávez - haverá eleições presidenciais na Venezuela em 7 de outubro -, dizendo "tua vitória será nossa vitória", no melhor estilo eternizado pelo deputado Cândido Vacarezza - aquele do "você é nosso, nós somos teu (sic)", lembram?.

Durante anos, o Foro de São Paulo foi um tabu na imprensa brasileira. Somente o Olavo de Carvalho falava do tema. Negava-se até mesmo a existência do Foro - falar sobre ele era coisa de alucinados e de teóricos da conspiração que viam comunistas em cada esquina etc. Somente em 2005, 15 anos depois da criação do Foro - isso mesmo: 15 anos depois! -, é que parte da imprensa brasileira, com a VEJA à frente, "descobriu" que a coisa existia de fato, e não era uma fantasia de mentes delirantes.  Mesmo assim, jornalistas companheiros acharam um jeito de botar panos quentes e evitar que a história crescesse: o Foro existia, mas era apenas um convescote sem consequências, uma simples reunião de amigos e nada mais, sem nenhuma influência na realidade dos países da região  - e isso apesar de farta documentação, que inclui resoluções (alguém já viu uma reunião de amigos com resoluções?). Enfim, uma coisa assim, sem importância (deve ter sido por isso que, assim que o assunto veio à baila, as atas do Foro sumiram do site oficial da Presidência da República). Agora essa teoria é desmentida, de forma acachapante, por ninguém menos do que um dos criadores do Foro, que faz questão de mostrar, até vangloriando-se, que a organização mudou e vem mudando radicalmente - para pior - a realidade política da América Latina. 

Um fato que vale a pena lembrar: quem até um dia desses participava ativamente do Foro de São Paulo, além de partidos como PT e PCdoB e da ditadura comunista cubana dos irmãos Castro, sem falar em governos "progressistas" como os de Hugo Chávez, Evo Morales e Rafael Correa, eram as FARC, os narcoterroristas colombianos.  Desnecessário dizer que, assim que a VEJA mencionou pela primeira vez a existência do Foro, não faltou quem se apressasse a "esclarecer" que as FARC dele não mais faziam parte e que isso era coisa do passado etc. e tal (isso depois de terem negado, durante uma década e meia, que o Foro existia). Só esqueceram de mencionar que tal organização narcoterrorista jamais foi expulsa, tendo-se retirado discretamente assim que se tornou impossível esconder a notícia da existência do Foro - e da vinculação das FARC com o PT. Vinculação que a descoberta dos arquivos do computador pessoal do número dois das FARC, Raúl Reyes, morto no Equador em 2008, tornou mais difícil esconder - outro assunto que estranhamente continua ignorado na grande imprensa nacional. Alguma relação com o fato de o governo brasileiro, pela voz de Marco Aurélio Garcia (ex-presidente do Foro e habitué de suas reuniões), declarar-se "neutro" em relação às FARC, colocando os narcobandoleiros, portanto, no mesmo nível de legitimidade do governo colombiano democraticamente constituído? Tirem suas próprias conclusões.

Em qualquer país sério, os fatos acima seriam suficientes para levar figuras como Lula às barras de um tribunal ou, pelo menos, a ser intimado a dar explicações numa CPI. Por muito menos do que está no vídeo, seria algemado e expulso da vida política para sempre. Mas estamos no Brasil, onde não há oposição. Por estas bandas, simplesmente proclamar um fato, juntar lé com cré, é visto como a pior das heresias. Daí vídeos asquerosos como este não causarem escândalo, sequer um comentário.

Nunca na História do universo uma conspiração internacional, envolvendo inclusive terroristas e narcotraficantes, para tomar o poder e destruir as instituições democráticas em um continente inteiro esteve mais bem documentada. E nunca - nunca mesmo - houve uma operação tão abrangente para ocultá-la dos olhos do público. E com tanto êxito. O que leva à seguinte conclusão: não basta divulgar a verdade; é preciso encontrar pessoas dispostas a ouvi-la.  Se estiverem narcotizadas por um estupefaciente mental chamado lulopetismo, continuarão cegas, surdas e mudas ao que se passa em sua volta. Os brasileiros, esses distraídos, estão anestesiados. Ou corrompidos.

Claro, certamente haverá quem procure diminuir o que está no vídeo, dizendo que ele não "prova" nada, no máximo que Lula e o PT se movem, em termos ideológicos, no terreno da ambigüidade e da duplicidade, o que não é nenhuma novidade etc. etc. Nesse caso, seria forçoso admitir que Lula e o PT têm uma agenda secreta. Com o detalhe de que nem secreta ela é.

Assistam e comprovem:

quinta-feira, junho 28, 2012

GOLPE? QUE GOLPE?

Marca de legítimo scotch made in Paraguay: a diplomacia brasileira deve ter tomado todo o estoque...

Em junho de 2009, o então presidente de Honduras, Manuel Zelaya, tentou usar o Exército para impor um referendo ilegal e se eternizar no poder. Foi afastado da presidência por decisão do Judiciário e do Legislativo. Falaram em golpe militar. Logo Zelaya, que fora expulso do país, materializou-se como que por encanto na embaixada do Brasil em Tegucigalpa, juntamente com uma multidão de partidários seus, que transformaram o lugar num quartel-general de onde passaram a pregar a derrubada do governo e o retorno de Zelaya ao poder. O Brasil, juntamente com vários outros países e grande parte da imprensa, tomou Zelaya como o presidente legítimo, e os que o tinham derrubado como golpistas.

Escrevi bastante neste blog sobre o assunto. Por causa disso, apanhei um bocado. Enquanto quase todos em minha volta repetiam a toada de que Zelaya era uma espécie de Salvador Allende, derrubado na calada da noite por uma bando de gorillas, quase fui queimado na fogueira por desafinar do coro e afirmar o óbvio, baseado não numa opinião, mas num fato: não tinha havido golpe coisíssima nenhuma. Ou melhor: houve, sim, uma tentativa de golpe – por parte de Zelaya. Esta foi (felizmente) abortada pelas Forças Armadas, que agiram completamente dentro da lei, seguindo determinação da Suprema Corte e do Congresso, conforme determina a Constituição do pais, que pune com a perda imediata do cargo quem tentar o que Zelaya fez (Artigo 239). O problema tinha sido a expulsão de Zelaya, que foi irregular (mas não configurou "golpe"). Expliquei isso em vários textos, de forma paciente, didaticamente. Só faltei desenhar: golpista é Zelaya e seus patrocinadores bolivarianos, como Hugo Chávez e Daniel Ortega, não os que o depuseram. (Golpista e maluco: o sujeito mandou cobrir as janelas da embaixada brasileira com papel-alumínio para se precaver de "raios" emitidos por uma conspiração sionista...)

Exatamente três anos depois, eis que a situação se repete no vizinho Paraguai. Mais uma vez, um candidato a caudilho ligado ao Foro de São Paulo perde o cargo por causa de suas estripulias. Mais uma vez, a lei foi cumprida. E mais uma vez o Itamaraty rói corda dos outros.

O impeachment do ex-padre garanhão Fernando Lugo seguiu à risca o que diz a lei do país, que pune com destituição o governante que revelar mau desempenho das funções (Artigo 255 da Constituição). Lugo perdeu o cargo após um choque violento entre sem-terra e policiais, nos quais 17 pessoas morreram, e que demonstrou a total incapacidade do governo de manter a ordem. A associação de Lugo com os sem-terra paraguaios, os quais, assim como seus congêneres além-fronteira, costumam invadir e depredar propriedades de brasileiros (os chamados "brasiguaios"), é tão notória quanto seu instinto reprodutor. Na lista de acusações contra ele, está a de usar um quartel do Exército para fazer um comício dos sem-terra. Está claro que ele extrapolou suas funções.

Assim como aconteceu em Honduras, a legalidade foi respeitada. Nenhum tanque saiu às ruas. Nenhum jornal foi colocado sob censura. Ninguém foi preso. Os direitos fundamentais da pessoa humana estão plenamente em vigor. As instituições democráticas funcionam normalmente. Golpe? Que golpe?

Fala-se em "rito sumário", e que Lugo não teria tido o direito de defesa respeitado etc. Bobagem. Lugo foi destituído por ampla maioria nas duas casas do Congresso, num ato soberano do Estado paraguaio. O mesmo aconteceu no Brasil em 1992 com Fernando Collor de Mello. Foi golpe?

É claro que toda essa gritaria dos cumpinchas de Lugo, como Cristina Kirchner, Evo Morales e Hugo Chávez, não tem nada a ver com defesa da legalidade, tal como ocorreu no caso de Honduras. Muito pelo contrário. O que essa patota teme é que o que aconteceu no Paraguai se repita em casa. Kirchner está em plena cruzada para calar a imprensa argentina. Morales está enrolado em acusações de todo tipo de abuso de poder. Nem falo em Chavez, porque aí já seria covardia. Acusam outros de golpistas enquanto preparam o golpe contra a democracia em seus próprios países. E são esses mesmos “democratas” que agora falam em “golpe” no Paraguai!

E ainda há quem pense que decisões como a do Itamaraty, de condenar o “golpe” em Assunção, não seriam ideológicas, mas “pragmáticas”. Ainda que fosse, a mentira permanece. Fico pensando: se em vez de Lugo, o deposto fosse um presidente "de direita", algum desses personagens acima estaria dizendo que houve golpe? Alguém estaria falando em "rito sumário" e em “cerceamento do direito de defesa"? Será que o Mercosul, que tem uma cláusula democrática mas abriga em suas fileiras até a Venezuela, suspenderia o país? E Dilma Rousseff, será que ela se negaria a apertar a mão do novo presidente empossado constitucionalmente? "Pragmatismo", é? Sei...

Para ver como esse é um discurso vigarista: ao mesmo tempo em que fala em "pragmatismo", o governo brasileiro, seguindo as pegadas dos companheiros bolivarianos, derrete-se em rapapés por ditaduras como a dos Castro em Cuba, que já dura 53 anos sem dar o menor sinal de que vai acabar um dia, mas fala de “golpe” e “quebra da democracia” no Paraguai. Silencia vergonhosamente diante da falta de liberdade e da existência de presos políticos na ilha-prisão, mas remexe na cadeira diante da destituição legal de um presidente por mau desempenho de suas funções... O que dizer disso? Desfaçatez é pouco.

Se a queda de Lugo foi golpe, então o impeachment de Collor em 92 também foi. Lugo caiu porque assim determina a Constituição, que, queiram ou não os chávez, kirchners e dilmas da vida, é a lei do país e deve ser respeitada. Assim como em Honduras, estes apostaram no pior, esperando que milhares saíssem às ruas em defesa do reprodutor de batina, provocando assim, quem sabe, um banho de sangue. E, assim como em Honduras, foram barrados pela legalidade. Se houve golpe, foi um legítimo golpe paraguaio.

sexta-feira, setembro 09, 2011

UM ANO DEPOIS, O DESMONTE DE UMA FARSA

No último dia do mês de maio de 2010, nove militantes da ONG turca IHH morreram quando soldados israelenses abordaram o navio Mavi Marmara, no Mar Mediterrâneo. O navio era parte de um comboio que se dirigia à Faixa de Gaza, onde pretendia romper o bloqueio militar criado por Israel desde 2006, quando os terroristas do Hamas tomaram o poder na região.

Foi um deus-nos-acuda. Seguiu-se imediatamente uma onda de indignação mundial, não pelo fato de os soldados israelenses terem sido recebidos com paus e pedras, mas por terem reagido e não se deixado linchar. Embora um vídeo deixasse claro que os militares foram atacados ao abordarem o navio, Israel foi acusado de assassinato a sangue-frio de inocentes ongueiros e militantes pacifistas, que só queriam levar ajuda humanitária aos palestinos. Como em outras situações, o Estado judaico foi execrado. Chegou-se mesmo à comparação infame dos métodos isralenses com os dos nazistas...

À época, confesso que quase senti o cheiro dos fornos crematórios nos campos de concentração. Tentei debater com alguns colegas de trabalho, chamando a atenção para fatos que, como em todas as situações envolvendo Israel, estavam sendo sistematicamente omitidos pelos jornais. Sobretudo para o fato de que a tal "flotilha da liberdade" (?!) sabia que estava se dirigindo para uma área sob bloqueio militar, e que certamente haveria reação do governo israelense à qualquer tentativa de rompê-lo. Argumentei - ou melhor: tentei argumentar - que de "humanitário" o comboio não tinha nada, e que a coisa toda tinha jeito de provocação contra Israel. Apanhei um bocado, no blog e fora dele. Não adiantou mostrar o vídeo (um dos soldados israelenses foi ferido à bala), nem as óbvias conexões da ONG turca com o Hamas. O veredicto já estava dado, antes mesmo do Mavi Marmara zarpar da Turquia: Israel era o inimigo da humanidade, e ponto final.

Pois bem. Passou-se mais de um ano, e não é que um relatório da ONU concluiu que o que houve foi uma... provocação contra Israel? O chamado Relatório Palmer, divulgado no último dia 4 de setembro, considera que o bloqueio israelense foi uma ação legal, dando razão a Tel-aviv quando sublinha que os militares enfrentaram “resistência organizada e violenta por parte de um grupo de passageiros”. Embora apresente críticas a Israel por ter usado o que chama de força “excessiva e não-razoável”, o relatório não deixa dúvidas: a começar pela tentativa de romper o bloqueio, Israel foi agredido, e reagiu a uma agressão - uma provocação, enfim. Tanto que, tão logo o Relatório saiu à tona, o governo da Turquia, que deu apoio ao tal comboio, saiu ameaçando cortar relações diplomáticas com Israel. Está falando grosso, para desviar a atenção de sua participação numa farsa.

A repercussão do Relatório Palmer, claro, não chegará nem perto da gritaria que se seguiu ao "massacre israelense" contra os "pacíficos militantes" da ONG turca IHH. Se fosse para dar o mesmo peso às duas notícias, as manchetes dos jornais do mundo inteiro teriam que só ter um assunto por semanas a fio. Mas é algo importante, sem dúvida, por servir para desmascarar mais uma gigantesca fraude montada pelos inimigos da única democracia do Oriente Médio, que muitos odeiam exatamente por isso, mas não têm coragem de dizê-lo.

Obviamente, os que detestam Israel e gostariam de vê-lo varrido do mapa não vão deixar de odiá-lo por causa disso. Tipos como o primeiro-ministro turco, Recep Tayyip Erdogan, que aspira a transformar a Turquia numa potência islâmica, sem falar em malucos como Mahmoud Ahmadinejad e os terroristas do Hamas, vão continuar a hostilizar Israel de todas as maneiras possíveis. Eles sabem que sempre poderão contar com o apoio de inocentes úteis e inúteis, alguns dos quais embarcaram na nau dos insensatos um ano atrás. Eles sabem que, para muitos ocidentais, não importa o que faça, Israel (assim como os EUA) estará sempre errado. Foi confiando nisso que armaram a palhaçada sangrenta do Mavi Marmara. Afinal, de que valem os fatos, se o ódio fala mais alto?

Quanto a mim, vou continuar esperando os que me desceram o malho no ano passado terem ao menos a dignidade de se retratarem e me pedirem desculpas. Desconfio, porém, que será uma espera inútil. Mais uma vez.

quinta-feira, junho 16, 2011

O ERRO DE VARGAS LLOSA (OU: REFLEXÕES SOBRE UM TABU)



"Em politica, a escolha não é entre o Bem e o Mal; é entre o preferível e o detestável". (Raymond Aron)



Não acreditei quando me disseram. Creio mesmo que, se não tivesse ouvido a informação de uma fonte fidedigna, merecedora de toda confiança, eu teria duvidado da sanidade mental de quem me deu a notícia. Acharia mesmo que a coisa não passava de calúnia ou maledicência. Mas era verdade, por mais incrível que fosse.


O escritor Mario Vargas Llosa, Prêmio Nobel de Literatura do ano passado (o Comitê do Nobel, depois de várias derrapadas nos últimos tempos, finalmente parece que resolveu se redimir), apoiou abertamente, nas eleições presidenciais peruanas, o candidato vencedor, Ollanta Humala.


Aí você me pergunta: quem é Ollanta Humala?


Pense num milico ultra-nacionalista, na pior tradição de caudilhismo destrambelhado da América Latina, com um discurso que beira o fascismo (ou quando não é o próprio, transplantado para os trópicos). Um Hugo Chávez dos Andes, com uma biografia bem parecida - foi tenente-coronel do Exército, e inclusive já tentou um golpe de Estado apoiado pelo coronel venezuelano. Assim como aquele, não conseguiu chegar ao poder na marra, então decidiu fazê-lo pelas urnas, dizendo-se um democrata. (O golpismo, aliás, está na família: seu irmão, Antauro, está preso por ter liderado a quartelada, na qual morreram quatro soldados em 2005.)


Agora imagine o sujeito acima, não tendo conseguido ser eleito na primeira vez, apresentando-se agora aos eleitores, graças aos feitiços de um bando de marqueteiros petistas contratados, numa embalagem "light", "soft", como um político "moderado", negando de pés juntos qualquer vinculação com o chavismo e se dizendo um ardoroso convertido à democracia, ao livre mercado e ao respeito à propriedade privada.


Parece familiar? Tem cheiro, sabor e forma de farsa? E é mesmo.


Você deve estar se perguntando: o que levou Mario Vargas Llosa, um intelectual respeitado, dono de impecáveis credenciais liberais - defendia o liberalismo quando isso ainda era um anátema na América Latina, e chegou a ser agredido pelos esbirros de Chávez na Venezuela algum tempo atrás -, a dar seu apoio a esse aleijão ideológico em roupagem "Humalinha paz e amor" (ou Hugo Chávez antes de cair a máscara)?


A resposta está na adversária de Humala - e na falta total de senso de proporções. Keiko Fujimori, a candidata derrotada, é filha de Alberto Fujimori, o ex-presidente peruano que, descobru-se depois, nem peruano era (nasceu no Japão).


Fujimori, o pai, foi, como todos sabem, um desastre. Seu governo, apesar de algumas conquistas importantes (a derrota do terrorismo comunista, principalmente), afundou em um festival de abritrariedades e de escândalos de corrupção (algo, aliás, que o aproxima de outros governos vizinhos). Com Keiko não será diferente, deve ter pensado o autor de Pantaleão e as Visitadoras. Ademais, Fujimori o derrotou nas eleições presidenciais de 1990 (pelo que os amantes da Literatura deveriam ser-lhe gratos, diga-se de passagem).


Pois bem. Mesmo com esses motivos pessoais para detestar Fujimori, a decisão de Vargas Llosa de apoiar Humala é incompreensível. Mais que isso: é de uma idiotice sem tamanho.


Fujimori é corrupto, ladrão e assassino, mas está preso, cumprindo pena. Além do mais, sua criminalidade jamais ultrapassou os limites do Peru: ele jamais esteve vinculado a um esquema criminoso continental como o Foro de São Paulo. Já Humala não só é um golpista, como é cria do Foro, assim como Evo Morales, Rafael Correa, Daniel Ortega e Manuel Zelaya. Tanto que Hugo Chávez só o chama de "bom soldado". E que membros dessa organização revolucionária estão atrás das grades? (Pelo contrário, com a vitória de Humala, mais um deles está no poder num país latino-americano.)


Recorrendo a uma metáfora zoológica, tomada emprestada do filósofo Olavo de Carvalho - talvez o único filósofo de verdade que sobrou no Brasil; por isso ele é tão odiado -: votar em Humala para não ter de votar na filha de Fujimori é como escolher ser feito em pedaços por um tigre para não ser mordido por uma raposa. Se eleita, Keiko Fujimori seria uma raposa tomando conta do galinheiro. Ollanta Humala é um tigre pastoreando um rebanho de ovelhas. Um tigre financiado e patrocinado por outros tigres, tão predadores quanto. E um tigre não deixa de ser tigre porque tem as unhas pintadas, como escreveu Olavo.


Alvaro, filho de Vargas Llosa, também escritor, cunhou a expressão "esquerda vegetariana" para se referir a esquerdistas "moderados", em contraposição aos esquerdistas "carnívoros" ou radicais como Hugo Chávez e Evo Morales. Trata-se de uma tremenda bobagem. Na categoria de "vegetarianos" estariam políticos como Humala e Lula, um sujeito que enganou a todos durante décadas, e que é amigo pessoal das FARC e de Fidel Castro, tendo sido co-fundador, com este último, do Foro de São Paulo. Como já escrevi várias vezes, essa estória de esquerda "vegetariana" não passa de conversa mole para boi dormir. Na verdade, não existe esquerda vegetariana. Existe esquerda herbívora (no sentido de ruminante).


Toda a idéia das "duas esquerdas", tão cara a tantos intelectuais esquerdistas latino-americanos, tem por único e exclusivo objetivo a salvação da esquerda, nada mais que isso. O que se quer é evitar, assim, o surgimento de uma direita séria e democrática. É isso, mais do que a ditadura cubana ou as fanfarronadas bolivarianas, o que mais escandaliza e o que mais causa horror a pessoas como Vargas Llosa, pai e filho.


Por que isso? Porque Vargas Llosa e seu filho, assim como muitos iguais a eles, são ex-comunistas (ou ex-esquerdistas), mas não são anticomunistas (nem anti-esquerdistas).


Sendo ex-comunistas, falta-lhes a coragem e a ousadia necessárias para dar o grande salto, declarando-se abertamente anticomunistas. E, como tal, sentem a necessidade, até mesmo psicológica, de se agarrarem ao cordão umbilical que os mantém presos ao útero esquerdista. Desse modo, podem criticar a esquerda (a "carnívora") sem parecerem "reacionários" ou "fascistas". Fazem, como Arnaldo Jabor em relação aos desmandos éticos do PT, uma crítica de esquerda ao bolivarianismo.


O exemplo de Mario Vargas Llosa ilustra à perfeição a persistência do talvez mais arraigado tabu de todos os tempos: o que os norte-americanos chamam de anti-anticomunismo. Consiste esse tabu na proibição de se declarar anticomunista, mediante a matização da esquerda, embora não se faça o mesmo com a direita, vista sempre como um bloco único, monolítico. Esse tabu é tão forte que se revela facilmente diante da escolha entre um esquerdista bolivariano travestido de democrata como Humala e uma picareta como Keiko Fujimori.


Basta um pequeno exercício para comprovar essa realidade. Existem milhares de ex-comunistas, que são vistos até com certa simpatia pelo mainstream. Todos conhecem pelo menos um. Mas quantas pessoas você conhece, prezado leitor, que, já tendo transitado um dia por algum partido ou organização comunista, declaram-se abertamente anticomunistas?


Fernando Gabeira, Dilma Rousseff, Antonio Palocci, José Dirceu - para citar os brasileiros - foram marxistas na juventude ou ligados, de uma forma ou de outra, à ideologia comunista. Quantos, porém, chegaram ao nível de um Arthur Koestler, um Vladimir Bukowski, um Raymond Aron, e se tornaram anticomunistas?


Ser ex-comunista (e nem precisa ser "ex"), no Brasil e na América Latina, continua a ter um certo charme, é algo considerado até mesmo sexy e aceitável. Mas, anticomunista? Ah, isso não... Dizer-se anticomunista (ou conservador) é declarar-se morto política e socialmente; é passar recibo de reacionário, de ultra-direitista, de intolerante, de anti-democrata e de anti-progressista. Curiosamente, não se diz o mesmo de quem se apresenta como antifascista. É permitido ser ex-comunista (ou mesmo comunista), mas não (nunca, jamais!) anticomunista. É a teoria do "totalitarismo favorito", tão brilhantemente analisada por Jean-François Revel.


Por não terem coragem de cruzar o Rubicão ideológico, muita gente contribui para manter acesa a ilusão comunistóide ou marxistóide, autoenganando-se com adjetivos eufemísticos como "moderado" ou "vegetariano". Em nome da conservação de uma antiga paixão ideológica de juventude, deixam-se cegar pela perda do senso de proporções. Nem um Prêmio Nobel como Vargas Llosa escapou dessa armadilha mental.

quarta-feira, junho 30, 2010

HONDURAS: UM ANO DE UMA FARSA GROTESCA


Ontem fez um ano do início de uma das maiores palhaçadas de que se tem notícia na história da América Latina. Em 29/06/2009, Manuel Zelaya, presidente de Honduras, foi destituído por ordem do Congresso e do Judiciário por ter tentado dar um golpe na Constituição do país. Ele foi deposto por tentar impor uma consulta ilegal e inconstitucional, que lhe permitiria eternizar-se no poder. Queria simplesmente governar o país como governa uma de suas fazendas.

O que fez o governo do Brasil, ao lado de Hugo Chávez da Venezuela e de Daniel Ortega da Nicarágua? Denunciaram o "golpe" - das instituições hondurenhas, não de Zelaya - e exigiram o retorno imediato e incondicional do golpista bolivariano ao poder.

O governo brasileiro, seguindo a orientação do Foro de São Paulo, foi mais além: patrocinou a volta clandestina de Zelaya a Honduras e o abrigou na embaixada em Tegucigalpa, a qual foi transformada, nos meses seguintes, em palanque político do candidato a ditador. Começou, assim, uma das maiores chanchadas de todos os tempos.
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Tenho muito orgulho do que escrevi sobre Honduras. Quem quiser, pode pesquisar no blog. Desde o dia mesmo do "golpe" - que só foi golpe na cabeça dos bolivarianos e de seus amigos -, mostrei aqui o que quase ninguém se dispôs a ver: que Zelaya foi deposto legalmente, de acordo com o que está na Constituição que ele tentou violar - em especial seu artigo 239. Mostrei - provei, para usar a palavra certa - que a atitude do governo Lula, ao permitir que Zelaya se instalasse na embaixada do Brasil em Tegucigalpa e a usasse como um quartel-general para instigar a insurreição e a guerra civil no país, era uma clara violação do direito internacional e da soberania de Honduras. Enquanto isso, o país, tal qual aldeia gaulesa, resistia à hostilidade internacional, puxada pelos bolivarianos frustrados e ressentidos, sofrendo um bloqueio diplomático que Cuba, por exemplo, não sofre atualmente. Durante dias, semanas e meses, fiquei em minoria, eu e mais uma meia dúzia de blogueiros, apontando esses fatos. Cada xingamento que recebi, cada ofensa que me lançaram, deixam-me ainda mais orgulhoso.

Em Honduras, o povo, a sociedade civil, as instituições democráticas, botaram um freio nas ambições caudilhescas de um demagogo bolivariano. Em nome da lei, com a lei, pela lei, enxotaram quem não a respeita. O governo Lula, por sua vez, entregou-se a um dos papéis mais lamentáveis e vergonhosos a que um governo já se prestou no exterior. Tentou aparecer como uma potência imperialista e terminou como cúmplice de uma farsa dos bolivarianos.
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Em Honduras, a turma do Foro de São Paulo tentou empurrar goela abaixo de todos um golpista como se fosse um democrata, enquanto rotulava democratas de golpistas. Contaram, para tanto, com a ajuda, no começo, de um governo Obama desorientado e de uma imprensa embasbacada. Tentaram, enfim, inverter a realidade, conseguindo enganar muitos desavisados no caminho. Mas, no final, perderam miseravelmente. Hoje, Honduras segue em frente, com as liberdades garantidas e as instituições preservadas. O mesmo não pode ser dito de outros países do continente, com voz ativa na ONU e na OEA, e que avançam rumo ao abismo totalitário. Pelo menos na pequena república da América Central, a democracia venceu. O mundo venceu.

Resta agora aos povos de Venezuela, Equador, Bolívia e Nicarágua, sem falar numa certa república mais ao sul, fazer com que o exemplo de Honduras não se torne exceção. Mas, a se depender do que se chama opinião pública nesses países, em especial no Brasil, os golpistas bolivarianos continuarão ainda a enganar os incautos. Sempre haverá idiotas úteis que se deixarão levar pela conversa mole dos inimigos da democracia. Em Honduras, ao menos, a razão prevaleceu.

sábado, janeiro 02, 2010

HONDURAS: O QUE NÃO ACONTECEU


É assim que a esquerda vê o que houve em Honduras.
Só faltou combinar com os fatos.
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Chile, setembro de 1973. O presidente civil e democraticamente eleito, Salvador Allende, decide implantar no país o socialismo por meios legais. Diante disso, e para salvaguardar as liberdades democráticas, o Congresso Nacional e a Suprema Corte, amparados na Constituição do país e no apoio da maioria da população chilena, decidem pela ilegalidade do governo socialista. Um grupo de militares, liderados pelo general Augusto Pinochet, recebe dos Altos Poderes da República a missão de depor o presidente, que é preso e deportado para Cuba. Nenhum tiro é disparado. Os militares, cumprindo ordem legal do Judiciário, mantêm o calendário eleitoral e as liberdades democráticas. A presidência é assumida pelo presidente do Parlamento, conforme determina a Constituição. Pouco tempo depois, ocorrem eleições presidenciais, conforme previsto. Um novo presidente, civil e democraticamente eleito, assume o cargo. O país volta ao normal.

Brasil, março de 1964. O presidente civil, João Goulart, encabeça um governo esquerdista que caminha célere para uma forma de ditadura sindicalista, apoiando-se cada vez mais nos comunistas e nos setores subalternos das Forças Armadas. O Congresso Nacional e o STF declaram então o governo ilegal e inconstitucional. O alto comando militar é incumbido pelo Legislativo e pelo Judiciário da tarefa de depor o presidente. Este é destituído do cargo, detido e enxotado para o Uruguai. Assumindo o poder interinamente, o presidente do Congresso exerce a presidência até o fim de seu mandato, entregando-a ao sucessor escolhido nas eleições presidenciais realizadas em 1965. Os militares retornam aos quartéis. A vida volta à normalidade.

Honduras, junho de 2009. Uma claque de militares, sob orientação da CIA e de mercenários israelenses que usam como arma potentes raios de alta freqüência que invadem o cérebro e embaralham o pensamento, agem na calada da noite e derrubam num sangrento golpe de Estado o presidente democraticamente eleito Manuel Zelaya, que é preso em casa de pijamas e despachado para a Costa Rica. Fazem-no sem qualquer respaldo legal, à revelia dos demais poderes da República e da maioria da população do país, que exige a volta imediata e incondicional do democrata Zelaya ao poder. Os milicos suspendem a Constituição, fecham o Congresso, prendem e cassam centenas de parlamentares. Tomam o poder, impõem uma junta militar e barbarizam: as prisões ficam lotadas de estudantes e trabalhadores, os soldados se divertem praticando tiro-ao-alvo em quem descumprir o toque de recolher. A censura é imposta, as eleições canceladas, os casos de tortura e assassinato se multiplicam. O país vira um imenso quartel.

Qualquer pessoa com um mínimo de discernimento e com um QI acima de 50 já deve ter percebido que nenhum dos quadros mostrados acima corresponde à realidade dos fatos. Já deve ter chegado à conclusão, se ainda tem um cérebro que funciona, que a História foi bem diferente do que está descrito acima. Nem os militares chilenos tomaram o poder de forma legal e incruenta, nem seus colegas brasileiros preservaram a legalidade após a queda de Goulart, nem Manuel Zelaya foi derrubado num golpe militar, muito menos sangrento. Nada disso é verdade.

Nada disso é verdade, exceto para o governo Lula da Silva, cuja diplomacia reduziu-se, nos últimos seis meses, à condição de escada para o retorno de Zelaya ao poder em Honduras, de onde foi defenestrado por tentar, seguindo o figurino chavista, reformar a Constituição do país a despeito da própria Constituição, que proíbe isso terminantemente. Para o governo brasileiro, assim como para o venezuelano e o nicaragüense, e, até há pouco, o norte-americano, Zelaya foi vítima de golpe militar, não tentou estuprar a Constituição hondurenha, as liberdades constitucionais não foram mantidas e asseguradas e eleições presidenciais limpas e democráticas - do tipo que não ocorre há cinqüenta anos em Cuba e há trinta no Irã, país cujos pleitos o governo Lula não hesita em reconhecer e em aplaudir com entusiasmo - não foram realizadas. Só falta apontar para os incontáveis cadáveres insepultos nas ruas de Tegucigalpa abatidos a tiros pelos militares hondurenhos para dizer que lá houve golpe.

O descolamento da diplomacia lulista da realidade no caso de Honduras já atingiu niveis de verdadeira paranóia, uma mistura de filme de ficção com comédia pastelão. Há umas duas semanas vi uma entrevista do capa-preta Marco Aurélio Top, Top Garcia na Band. Ao responder a pergunta sobre Honduras, o assessor especial da Presidência da República para encrencas cucarachas disse lamentar que o compañero chapeludo Manuel Zelaya, que há meses ocupa o prédio que um dia foi a embaixada brasileira, não tenha passado a noite de Natal na cadeira de presidente. E repetiu a cantilena de que o sucedido em Honduras desde 28/06 passado evoca os golpes militares da História recente latino-americana etc. Mais não consegui ver. Faltou-me estômago.

No próximo dia 27 de janeiro, a chanchada lulista-bolivariana em Honduras atingirá seu ápice, quando Porfirio Lobo receber das mãos de Roberto Micheletti a faixa de presidente da República. O "hóspede" brasileiro Manuel Zelaya, reduzido à insignificância política, tentará, quem sabe, um último gesto ousado contra os "gorilas" que o destituíram, teletransportando-se junto com a ex-primeira dama Xiomara e seus minguantes partidários para o palácio presidencial. Enquanto isso, o Itamaraty lançará nota desconhecendo a posse do novo presidente e, num gesto de profunda galhardia e patriotismo, em nome dos mais elevados princípios democráticos e à altura do papel cada vez mais protagônico desempenhado pelo Brasil no cenário internacional, declarará guerra à pequenina Honduras. Após duros combates, em que a capital hondurenha será bombardeada pelos novos caças Rafale entregues por Nicolas Sarkozy, e nos quais as tropas brasileiras lutarão bravamente ao lado das milícias bolivarianas arregimentadas por Hugo Chávez, os golpistas hondurenhos serão derrotados. Então, Dom Manuel Zelaya, com seu chapelão e bigode, cavalgando garboso pangaré branco, sairá da embaixada brasileira para adentrar triunfalmente o palácio do governo, tendo ao lado, como seus conselheiros, Celso Amorim e Marco Aurélio Garcia. Suas primeiras medidas serão declarar-se presidende perpétuo e mudar o nome do país para República Bolivariana de Honduras, anexando-o, em seguida, à Grande Venezuela. A política externa brasileira do governo Lula terá, enfim, alcançado seu momento de glória.

quinta-feira, dezembro 17, 2009

BRASIL DECLARA GUERRA A HONDURAS


Calma! Ainda não chegamos a esse ponto... Quer dizer, ainda não: com a diplomacia megalonanica do Itamaraty lulista, nada é impossível. Coloquei o título acima por causa do texto que vai a seguir, com algum atraso, de Augusto Nunes, publicado em seu blog em 12/12. Nada a comentar. Recomendo-o a todos que insistem em ver na chanchada do governo Lula em Honduras algo menos do que o maior fiasco da História da diplomacia brasileira.

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A MANHÃ DE JANEIRO EM QUE LULA ACORDOU INVOCADO

Na manhã de 28 de janeiro de 2010, o presidente Lula acordou invocado, saiu da cama sem falar com Marisa Letícia, vestiu o mesmo terno da véspera e foi para o Planalto sem fazer a barba. Entrou no gabinete em silêncio, chamou aos berros o secretário Gilberto Carvalho, ordenou-lhe que lesse em voz alta o noticiário sobre a posse festiva do presidente Porfírio Lobo, ocorrida na manhã anterior, e perdeu a paciência com Honduras.

Mais invocado que nunca, ligou para o Obama sem chamar o intérprete, exigiu que o companheiro conversasse em brasileiro, quis saber se a Uáite Rause iria mesmo reconhecer o segundo governo golpista e, ao ouvir que sim, soltou o tremendo iú ar a san ófi a bítichi que aprendera dois dias antes com Celso Amorim. Antes que o ianque desse um único pio, em inglês ou português, do outro lado da linha, proibiu Barack Obama de chamá-lo de Cara, rompeu relações com os EUA e jogou o celular pela janela.

Colocou os pés sobre a mesa, ordenou a Gilberto Carvalho que parasse de bater palmas e convocasse para uma reunião, em caráter de urgência urgentíssima, os companheiros Marco Aurélio Garcia, Celso Amorim, Dilma Rousseff e Nelson Jobim. Pediu o jornal da véspera, trancou-se no gabinete, escreveu duas letras na linha horizontal superior das palavras cruzadas, parou para descansar e começava a dormir quando ouviu batidas na porta. Os convocados estavam lá, avisou Gilberto Carvalho.

Na abertura da reunião, o presidente declarou instalado o Conselho de Guerra da República, composto pelos presentes, e nomeou o ordenança Gilberto Carvalho para cuidar da ata. No improviso de 25 minutos, encarregou Marco Aurélio Garcia da montagem da Frente Bolivariana de Combate aos Golpistas em Geral e da América Central em Particular, incumbiu Celso Amorim de conseguir o apoio logístico da Nicarágua, mandou Dilma Rousseff incluir no PAC as obras necessárias para a ocupação do país inimigo e promoveu Nelson Jobim a almirante-de-esquadra e chefe da Marinha Brasileira de Ataque e Conquista.

Depois de nomear-se Chefe Supremo do Conselho de Guerra, proclamou a independência do prédio da embaixada em Tegucigalpa, transformou-o em sede da República Bolivariana de Honduras, decidiu que a caçula da ONU teria como presidente o companheiro Manuel Zelaya e ordenou a Gilberto Carvalho que enviasse um buquê de rosas à primeira-dama Xiomara.

Terminada a reunião histórica, Lula resolver contar o que fizera ao amigo hondurenho, pediu a Dilma Rousseff que emprestasse o celular e ligou para o casarão em Tegucigalpa. E então soube pelo senhor Catunda, antigo encarregado de negócios, que não havia mais hóspedes por lá. No meio da madrugada, depois de reconhecer o novo governo, Zelaya abandonara a pensão. Sem pagar a conta.

terça-feira, novembro 03, 2009

UM VERMELHO-E-PRETO COM UMA ZELAYSTA ACADÊMICA (OU: DEIXEM AS CONSTITUIÇÕES DOS OUTROS EM PAZ!)


Caiu em minhas mãos um artigo de autoria de Deisy Ventura, professora de Relações Internacionais na USP. Saiu na Folha de S. Paulo de hoje, com o título "Brasil, Honduras e a nossa política externa". Vocês verão que as idéias que ela coloca já foram discutidas à exaustão aqui. Verão também que os defensores do golpismo bolivariano vestem inúmeros disfarces. Inclusive o de professor de Relações Internacionais da USP.

Deisy Ventura, Deisy Ventura... Esse nome não me é estranho. Onde foi que eu o vi antes? Já sei: vasculhando meus posts mais antigos, descobri um, de 19/11/2008, quase um ano atrás, em que eu rebato, parágrafo a parágrafo, outro texto da doutora Deisy, publicado na mesma Folha, dessa vez sobre a questão da luta armada e a tentativa patética de Tarso Genro et caterva de mudar a Lei de Anistia para punir apenas um lado dos "anos de chumbo"(http://gustavo-livrexpressao.blogspot.com/2008/11/eles-no-desistem-mais-falcias-dos.html). Como se vê, a doutora Deisy é reincidente. Vamos ao texto dela em vermelho. Meus comentários vão em preto.

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BRASIL, HONDURAS E A NOSSA POLÍTICA EXTERNA

Deisy Ventura

O precário e tardio desfecho da crise política em Honduras suscita numerosas questões sobre o papel da comunidade internacional em casos de ruptura do Estado de Direito e, particularmente, sobre o inegável, mas mutante, protagonismo dos Estados Unidos na América Latina. Permite, ainda, corrigir o lastimável tom do debate local sobre a guarida ao presidente deposto de Honduras, Manuel Zelaya, na embaixada brasileira em Tegucigalpa.

Desde 28 de junho, quando Zelaya foi deposto e expulso ilegalmente do país, o governo putschista de Roberto Micheletti, apesar da débil máscara de legalidade obtida com a ratificação a posteriori do golpe pela Corte Suprema e pelo Parlamento hondurenhos, sofre intensa pressão internacional: a Assembleia Geral e o Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU) pedem a restituição do chefe de Estado, a Organização dos Estados Americanos (OEA) mantém um esforço constante de negociação e nenhum país reconheceu o governo "interino".
Prestem atenção na frase: "deposto e expulso ilegalmente do país". A ambigüidade, talvez proposital, decorre do emprego meio esquisito do advérbio: afinal, em 28 de junho Zelaya foi "ilegalmente" deposto ou expulso? Ou foi "ilegalmente" as duas coisas? O pensamento não está claro.

Mas OK, vamos admitir, por um momento, que a autora quis dizer que Zelaya foi ilegalmente deposto e ilegalmente expulso do país. No último caso, ela deve estar se referindo ao Artigo 102 da Constituição de Honduras, que de fato proíbe a extradição de cidadãos hondurenhos. Já escrevi a respeito, e disse que sim, os militares erraram, e erraram feio, ao terem expulsado Zelaya do país, e que isso foi, sim, ilegal. Como também já escrevi que não é isso que caracteriza golpe de Estado.

Aqui é que entra outro Artigo da Constituição de Honduras, o 239, que a autora, infelizmente, ignora em todo seu texto. O Artigo 239 estabelece que quem propuser a reforma da Constituição visando à reeleição, própria ou não, perde imediatamente o mandato e fica inabilitado a exercer qualquer cargo público por dez anos. Foi exatamente isso que Zelaya tentou fazer, e que motivou sua deposição em 28/06. Deposto "ilegalmente"? Com base em que Lei?
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Em tempo: a "débil máscara de legalidade" do governo "interino" de que fala a autora não foi obtida "a posteriori" pela Corte Suprema e pelo Parlamento hondurenhos. Foram precisamente estes que deram o "golpe" e destituíram Zelaya, para fazer cumprir a Lei e instalar o governo "interino" - que é, na verdade, o governo CONSTITUCIONAL de Honduras.
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A reação mundial ao golpe torna econômica a crise política. Num orçamento público que depende em 20% da ajuda externa, o Banco Mundial e o Banco Interamericano de Desenvolvimento interromperam os seus aportes, assim como os Estados Unidos e a Venezuela.
Nada a comentar. Adiante.

Com a brusca queda dos índices de investimento, é certeira a redução do PIB, que já é um dos mais modestos do continente. Enquanto digladiam-se os líderes políticos, aprofunda-se a desigualdade social, eis que a instabilidade atinge com maior vigor a parcela mais pobre da população.
Idem. Ibidem.

Contudo, a pressão econômica não impediu a persistência da crise por longos quatro meses.

A ausência de sanções automáticas de maior impacto na Carta Democrática Interamericana faz da OEA uma organização "sem dentes". O governo norte-americano, por sua vez, tardou a agir pela importância marginal de Honduras, porque ainda se encontra em transição e diante do apoio explícito de alguns parlamentares republicanos ao golpe de Micheletti, homem de confiança dos conservadores.
Vejam que a doutora Deisy fala em "golpe", "golpe de Micheletti", "governo putschista" etc. Ela ignora, ou finge ignorar, quem são os verdadeiros golpistas na história. Quem deu o "golpe" em Honduras, minha senhora, foram as instituições de Honduras, a Corte Suprema, o Congresso, que simplesmente aplicaram o que está na Lei. As Forças Armadas foram apenas os executores da ordem legal emanada do Judiciário e do Legislativo. Golpe? De quem?

A influência dos Estados Unidos está, aliás, na origem da crise.
Errado. O que está na origem da crise é a influência de Hugo Chávez. Como a própria autora admite, meio obliquamente, logo em seguida.

Por um lado, Zelaya perdeu o apoio de seu partido ao afastar-se do histórico alinhamento automático com os norte-americanos, em benefício da temida aproximação com o chavismo.
Exatamente. E lembremos: Zelaya não apenas afastou-se do "alinhamento automático" com os EUA e aproximou-se do chavismo, como o abraçou com fervor, aderindo de cabeça, chapéu e botas ao golpismo bolivariano, que já engoliu a Venezuela, a Bolívia e o Equador, e agora ameaça a Nicarágua. Daí porque ele tentou dar um golpe civil, rasgando a Constituição do país para eternizar-se no poder.

De outra parte, a Constituição hondurenha, elaborada em 1982 com o beneplácito do governo Reagan, expressa uma curiosa obsessão quanto à possibilidade de reforma, a ponto de punir com a "perda da qualidade de cidadão" todo aquele que "incitar, promover ou apoiar o continuísmo ou a reeleição do presidente da República" (artigo 42, 5), criminalizando de modo esdrúxulo uma eventual convicção política.
Entendi. O cerne do problema é a Constituição hondurenha, que pune até com a perda da cidadania quem ousar reformá-la. O problema todo está nessa Constituição reacionária, ainda por cima elaborada na época do Reagan, que não deixa um caudilho bolivariano ficar o tempo que quiser no poder, criminalizando, assim, "de modo esdrúxulo uma eventual convicção política"... (como se mudar as regras do jogo para impor uma ditadura pessoal fosse uma questão, digamos, de convicção política). Vejam só que coisa! Os hondurenhos, esse povinho atrevido, têm uma Constituição. Ainda por cima, uma Constituição que não é do agrado da doutora Deisy e de Zelaya. Esse é o grande "crime" deles!
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Sem querer, a profa. Deisy matou a charada: é isso mesmo, doutora! A Constituição de Honduras, quer a senhora queira ou não, proíbe a reeleição, considerando isso uma cláusula pétrea. Os Artigos 42 e o 239, que a senhora não cita, são claríssimos a esse respeito. A senhora pode achar que isso é uma estupidez, pode discordar totalmente desse dispositivo, mas pode, francamente, querer que os hondurenhos mandem a Constituição deles para a lata de lixo? Mais: isso dá o direito de alguém querer mudá-la na marra, desrespeitando uma decisão da Suprema Corte do país e tentando reduzir o Exército a um bando de bate-paus a seu serviço? Pois foi isso que Zelaya fez.

Por conseguinte, o cerne do chamado Acordo de Guaymures, firmado pelos contendores em 29 de outubro último, é a renúncia, por Zelaya, a qualquer proposta de reforma constitucional em troca de seu retorno litúrgico ao poder até o mês de janeiro.

Embora dependa de um parecer da Corte Suprema e de aprovação no Parlamento, ambos francamente hostis ao presidente deposto, o sucesso do pacto é provável, na medida em que está em jogo o reconhecimento pela comunidade internacional do resultado das eleições presidenciais de 29 de novembro.
Única parte do texto com a qual concordo inteiramente. O Acordo de Guaymures significa, na prática, a derrota de Zelaya, que ficará simbolicamente na presidência até janeiro - um retorno litúrgico ao poder, como diz a doutora Deisy. Ele não terá controle sobre as Forças Armadas, que passará para o Judiciário, nem poderá convocar a tal "consulta popular" que levou à sua deposição legal em 28/06. Enfim, terá menos poderes do que tem agora na embaixada do Brasil em Tegucigalpa. Além do mais, as eleições de 29/11 foram mantidas. Por isso é que os bolivarianos, inclusive o governo Lula, sofreram uma dura derrota em Honduras. Algo bem diferente da propaganda triunfalista vigarista que querem nos impingir.

Independentemente do seu cumprimento, o Acordo de Guaymures reconduz a discussão ao seu eixo, qual seja, a solução efetiva do impasse, e não o que ocorre na embaixada brasileira em Tegucigalpa.
O eixo da discussão, ou seja, a solução do impasse, passa necessariamente também pelo que ocorre na embaixada brasileira desde 21 de setembro. Não devemos esquecer: o impasse foi criado por causa da ocupação da embaixada por Zelaya e seus partidários, que a transformaram num escritório de agitação política e de pregação insurrecional. Isso criou uma situação esdrúxula, não prevista em qualquer tratado ou convênio internacional, uma vez que o governo brasileiro se recusou a conceder o status de asilado político a Zelaya, que passou a usar o território brasileiro para fazer até comício - uma clara violação da soberania hondurenha por parte do governo Lula.

Árvore que esconde a floresta, o falso debate grassou nos meios de comunicação brasileiros e chegou até o Tribunal Internacional de Justiça, sediado em Haia, por meio de uma natimorta demanda contra o Brasil interposta pelo governo golpista (portanto, desprovido de legitimidade para demandar).
O debate só é falso na medida em que se considera coisas como soberania nacional uma falsa questão. Ora, Zelaya transformou a embaixada do Brasil em seu QG político! Pregou abertamente, de lá, a guerra civil no país! O Brasil se recusou a considerá-lo asilado político, dando-lhe o tratamento de "hóspede". Com isso, violou abertamente o que está na Carta da OEA e na própria Constituição Federal de 1988, intervindo diretamente num assunto interno de outro país. Ponto.

Imaginem se Collor, depois de deposto em 1992, se abrigasse na embaixada da Argentina e passasse a defender, desde lá, a derrubada violenta do governo que o sucedeu, incitando seus partidários. Conseguem visualizar o escândalo? Agora troquem "Collor" por "Zelaya" e "Argentina" por "Brasil" e vocês terão uma idéia aproximada do que vem ocorrendo em Honduras desde 21/09, e do papelão do Brasil nessa palhaçada.

Essa é a questão: o governo brasileiro deu abrigo a um GOLPISTA que foi destituído por afrontar a Constituição do país, e que tentou retornar ao poder na marra, no muque. Tudo o mais é balela. Como o estéril e, aqui sim, inteiramente falso debate sobre o "golpe" que teria ocorrido por causa de um... pijama!

Outra coisa: a representação do governo CONSTITUCIONAL de Honduras contra o Brasil no Tribunal Internacional de Haia não tem nada de natimorta. Assim como o governo hondurenho não tem nada de golpista, exceto para quem ignora a Constituição de Honduras e enxerga Zelaya como um mártir da democracia.

Ora, ao retornar a Honduras, Zelaya evitou a morte política, mas arriscou a própria vida. Porém, para além da questão humanitária, garantir sua incômoda presença gerou as condições para que não voltássemos a falar de Honduras apenas nas eleições de novembro, assimilando, por omissão, mais um golpe de Estado em nosso continente.
Digamos que Zelaya, ao retornar clandestinamente a Honduras com o apoio explícito de Daniel Ortega e Hugo Chávez, e implícito de Lula, tenha arriscado a vida. O que isso quer dizer? Absolutamente nada!!! Ladrões de banco e sequestradores também arriscam seus pescoços, e isso não torna legal o que fazem. Ou será que torna?
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O abrigo a Zelaya na embaixada brasileira não teve nada de "humanitário": foi tão-somente uma manobra para que ele retornasse ao poder. Ele não bateu à porta da representação brasileira em busca de proteção, porque estivesse sendo perseguido ou o que valha, mas porque isso era parte de um plano para incendiar o país e recuperar os amplos poderes. Se o refúgio a Zelaya foi uma questão humanitária, então foi a primeira vez na história da humanidade que um sujeito se refugia em uma embaixada não para fugir, mas para entrar no país e retomar o poder, levando junto uma legião de partidários.

O custo com o qual arca o Brasil ao acolher Zelaya nada mais é do que a rara coerência entre o discurso das cláusulas democráticas e a sua política externa, além do ônus natural de uma liderança emergente.
De que "rara coerência entre o discurso das cláusulas democráticas e a sua política externa" a autora está falando? Qual cláusula democrática, minha senhora? Rasgar a Constituição de um país - por mais "conservadora" ou "oligárquica" que seja, não importa -, por acaso agora faz parte dessa cláusula democrática? Ou seria a mesma cláusula democrática do MERCOSUL, que acabou de ser jogada no lixo pelos senadores brasileiros, alinhados com a "coerência" da política externa lulista, que aprovaram a entrada da Venezuela chavista no bloco? Ou seria a claúsula democrática presente na Carta da OEA, também lançada às baratas depois que a organização cancelou a suspensão da tirania comunista de Cuba? Então agora é coerente com a cláusula democrática servir de cabo eleitoral de um político golpista? É isso que a autora quer dizer quando fala no "ônus natural de uma liderança emergente"? Aliás, que liderança emergente é essa, que se viu totalmente desmoralizada no desfecho da crise, durante a qual se viu reduzida a caudatária do golpismo chavista, e que não teve qualquer participação em sua solução, afinal alcançada por mediação dos EUA?

Como tal liderança será doravante exercida e quem participa da elaboração da política externa brasileira, este, sim, é o bom debate que estamos por travar.
O Brasil não pode reduzir sua política externa a um apêndice do golpismo bolivariano. Deve firmar posição em defesa da democracia e do respeito às instituições políticas, colocando-se sem ambigüidades contra quem tenta destruí-las. É esse o bom debate que se deve travar.