sexta-feira, maio 30, 2008

MUDANÇA DE FONTE

Estou atendendo à sugestão de um atento leitor e mudando a fonte do blog para Verdana. Creio que assim fica mais fácil ler os textos. Agradeço a quem me deu a sugestão.
.
Para o Augusto Araújo, que me pediu para transcrever meu texto anterior no blog dele: pode ficar à vontade, Augusto. Se tem uma coisa que nunca vou cobrar, é copyright. Aliás, sempre que posso dou uma olhada em seu blog também. Ótimos textos. Continue assim.

quinta-feira, maio 29, 2008

1968: O ANO QUE PRECISA ACABAR


Algum tempo atrás, em um comício, o presidente da França, Nicolas Sarkozy, exortou os franceses a "liquidar a herança de Maio de 1968".
.
Sarkozy tem muitos defeitos - seu estilo está mais para Berlusconi, por exemplo, do que para De Gaulle -, mas, aparentemente, o deslumbramento e a reverência beata em relação ao que foi o "ano que não acabou" não é um deles. Ele não padece do mal bastante comum entre muitos de sua geração, e principalmente entre os mais jovens, que insistem em ver os acontecimentos de 1968 com devoção supersticiosa, como se tivessem sido uma espécie de catarse libertária coletiva, de revolta geral contra o autoritarismo dos mais velhos e pela libertação individual. A lucidez de sua exortação só é comparável a seu bom gosto para as mulheres e talento para a autopromoção. Palmas para ele.

Este ano, 1968 completa quatro décadas. Como ocorreu dez anos atrás, a efeméride está sendo lembrada com uma nova enxurrada de livros, filmes e entrevistas, entremeada por um clima irritante de nostalgia, em que senhores e senhoras grisalhos relembram aquele período áureo de sua juventude, em que sonhavam mudar o mundo (para melhor? duvido muito). Via de regra, os mais jovens só ouviram falar de 1968 e dos anos 60 em geral por intermédio dessas lembranças, bastante seletivas, de velhos intelectuais "meia-oito" ou soixante-huitards. Natural que sua visão sobre as barricadas de maio de 68 em Paris e os protestos estudantis ao redor do mundo, assim como sobre a flower generation e os hippies, seja tão fiel à realidade dos fatos quanto a série O Senhor dos Anéis...

Nos países ocidentais, o ano de 1968 já adquiriu o status de mito, um divisor de águas da segunda metade do século XX. E, como ocorre com todos os mitos, sua base fundamental não é a dura e feia realidade, mas o desejo, a vontade de que as coisas se encaixem em nossos sonhos. A lenda mais persistente sobre aquele período é que este teria sido um momento de explosão libertária. Trata-se de um equívoco, fruto da ignorância e da manipulação. De libertário, 1968 não teve nada, ou muito pouco. Basta ver os slogans dos estudantes rebelados em Paris: ao lado de bordões anarquistas como "É proibido proibir", ou românticos como "Sejamos realistas: exijamos o impossível", encontravam-se platitudes marxistóides como "Abaixo o imperialismo norte-americano no Vietnã", "Viva Che Guevara", ou "Deus: te suponho um intelectual de esquerda" (este último, um lema da então nascente teologia da libertação, de famigerada memória).

O caráter muito pouco libertário de 1968 pode ser atestado pelo seguinte fato: aquele foi o ano da retomada mundial das esquerdas, desgastadas após décadas de stalinismo e burocratismo dos antigos partidos comunistas, vistos com cada vez mais desconfiança pelos mais jovens. Foi o momento em que a geração nascida durante ou após a Segunda Guerra Mundial - a geração de meus pais - se insurgiu não apenas contra o "velho", tudo que era antigo e cheirava à autoridade, mas também contra o que, até os dias de hoje, é novo - os valores da democracia liberal, como a tolerância e a liberdade de pensamento, algo ainda tão estranho a nós, deste subdesenvolvido Brasil. De certo modo, o conjunto de revoltas estudantis ocorridas quase simultaneamente naquele ano - em Paris, Roma, Berlim, Tóquio, Rio de Janeiro - foi uma revolta não contra as velhas práticas e objetivos da esquerda, mas a favor delas. Buscava-se então recuperar aquilo que as esquerdas ocidentais haviam perdido durante os anos sombrios do pós-guerra na Europa - não por acaso, a palavra mais repetida em 1968 não foi "liberdade", mas "revolução". Daí o surgimento, nesse período, da "esquerda festiva" e da New Left, capitaneada por figuras como Noam Chomsky e Tariq Ali, campeões do antiamericanismo e do populismo terceiromundista mais vagabundos, recobertos com uma embalagem "pop-chique". Estes fizeram muito barulho protestando contra as atrocidades norte-americanas no Vietnã, onde trataram de transformar uma vitória militar numa derrota política, demonstrando assim os incríveis poderes de manipulação da televisão. Mas quase não se ouviu a voz deles quando se tratava de condenar os crimes do Vietcong... (é que estes, ao contrário das cenas de combate envolvendo os marines estadunidenses, não apareciam no noticiário da noite).

Que o libertarianismo associado aos anos 60 e às esquerdas seja uma farsa, não é algo muito difícil de constatar. Basta recordar que muitos dos estudantes franceses que ocuparam a Sorbonne ou seus colegas brasileiros que atiravam pedras na polícia tinham como modelos a China de Mao Tsé-Tung e a Cuba de Fidel Castro. Na China, na mesma época, o Grande Timoneiro, que já contava mais de setenta anos de idade, arregimentava a juventude fanatizada por seu Pequeno Livro Vermelho contra a "velha geração", na chamada "Revolução Cultural" (na verdade, anticultural). Milhares de adolescentes chineses, gritando slogans e usando o uniforme dos Guardas Vermelhos, dedicavam-se a espancar e a humilhar seus professores, em nome do presidente Mao. O resultado foi uma multidão de mortos, num dos períodos mais sombrios de um dos regimes mais sanguinários de todos os tempos. Em Cuba, o ditador Fidel Castro, visto como exemplo de revolucionário pelos jovens contestadores de então, mobilizava a polícia política para cortar à força os cabelos compridos dos jovens cubanos, enviando os homossexuais para "campos de reeducação" e tendo proibido, inclusive, o rock (em mais um exemplo de oportunismo ideológico, e percebendo o sex-appeal da cultura de 68, o tirano barbudo inaugurou em Havana, há alguns anos, uma estátua de John Lennon - um "antiimperialista", segundo ele...). O mesmo Fidel Castro, que na mesma época recolhia os dividendos do mito recém-criado em torno da morte de Che Guevara na Bolívia, justificou, num discurso vergonhoso, a invasão da Tchecoslováquia pelas tropas soviéticas, em agosto daquele mesmo ano. O que demonstra que toda a "onda jovem" geralmente associada aos anos 60 teve, na verdade, um forte componente de mentira e manipulação.
.
No Brasil, o ano de 1968 também foi agitado, como sabemos. Aquele foi o ano das grandes demonstrações de protesto estudantil contra os militares no poder, como a Passeata dos Cem Mil no Rio de Janeiro ("não vi um negro", escreveu Nelson Rodrigues, certamente o melhor cronista daqueles tempos). Ao mesmo tempo, cozinhava-se na caldeira dos protestos o que seria o plat du jour daqueles tempos de chumbo: o terrorismo. No Rio de Janeiro, em julho, um comando terrorista de esquerda assassinou a tiros um major do Exército da Alemanha ocidental, tomando-o pelo militar boliviano que prendera, no ano anterior, Che Guevara... Em São Paulo, alguns meses depois, outro grupo metralhou na frente de sua família um capitão do Exército norte-americano, julgando-o, sem provas, agente da CIA e torturador. No final do ano, um discurso idiota e infantil de um deputado oposicionista serviu de pretexto para o fechamento do Congresso e a decretação do AI-5, o famigerado Ato Institucional Número 5. Nos anos seguintes, os atentados terroristas da esquerda se multiplicaram, assim como a tortura, resultando no mito de que os militantes da esquerda armada eram lutadores contra o "autoritarismo" e a favor da democracia. Até hoje os sobreviventes da luta armada do período apresentam-se como tais, não raro apelando para suas credenciais de ex-torturados e supostos ex-combatentes da liberdade para justificar mensalões e dossiês.

Também na área da mudança comportamental, os efeitos de 68 trazem um inconfundível sabor de farsa. A apologia do "amor-livre", graças à popularização da pílula anticoncepcional, assim como das drogas como a maconha e o LSD, longe de constituírem uma celebração da liberdade, parecem, hoje em dia, simples manifestação de tendências autodestrutivas, uma espécie de tentativa de suicídio coletivo. Hoje, a liberdade sexual deu lugar ao flagelo da AIDS, e a "expansão da mente" por meio de alucinógenos pregada por Timothy Leary resultou não em liberdade e autoconhecimento, mas nas batalhas entre narcotraficantes e polícia nas favelas cariocas. Outros movimentos fortes na época, como o feminismo e a luta pelos direitos civis dos negros nos EUA, ensejaram não a tolerância, mas cretinices como o sistema de cotas e a moda totalitária do politicamente correto, com sua novilíngua.
.
No campo das idéias, a década de 60 também deixou um rastro de destruição em seu caminho. Assistiu-se, desde então, ao triunfo do relativismo, mediante a onda "desconstrucionista" e "pós-moderna", embalada pelas teorias de Marcuse e da Escola de Frankfurt, que buscavam injetar vida nova no velho marxismo. A conseqüência desse gigantesco exercício de desconstrução mental foi a produção de uma vasta literatura desbancando as certezas da moral e da ética - tidas como meros "preconceitos burgueses" - e a implantação, em lugar destas, de uma visão de mundo relativista, que rapidamente descambou para o niilismo. Em um mundo onde não se poderia mais ter certeza sobre nenhum assunto, a "desconstrução" tornou-se a nova palavra de ordem. Daí para a justificação de fenômenos como o terrorismo ("uma manifestação legítima de resistência contra a opressão colonial e capitalista") foi um pulo. De certo modo, pode-se traçar uma linha entre 1968 e Bin Laden.

Mas, acima de tudo, 68 foi o ano do surgimento, ou pelo menos da entronização no insconsciente coletivo, do "jovem". Este tornou-se, desde então, uma figura verdadeiramente totêmica, objeto de culto e de veneração respeitosa, acima do bem e do mal. Como reposítório das "idéias novas" de então, tudo passou a ser-lhe permitido. Nunca, em toda a História, a imaturidade foi tão louvada e reverenciada. "Não confie em ninguém com mais de 30 anos", tornou-se moda dizer. O resultado foi o surgimento de uma geração de adultos imaturos e despreparados, eternos adolescentes, mimados e narcisistas, incapazes de encarar a vida de forma serena e minimamente responsável. Seus filhos e netos, atingidos de irrestível nostalgia por aquilo que não viveram, se encarregaram de manter acesa a chama da religião meia-oito.

Enfim, 1968 passará à História não como o ano da liberdade, mas do flerte com o totalitarismo. Não o ano do surgimento de uma nova geração, mais consciente e politizada, mas de uma multidão de palermas e zumbis ideológicos. Muito mais importante, do ponto de vista político, foi 1989, a meu ver este sim o ano que não terminou. Não apenas porque, tendo nascido em 1974, pude presenciar, ao vivo e a cores, os acontecimentos desta última data, ao contrário daquela, que só existe para mim em livros e documentários em preto-e-branco. Mas principalmente porque, ao contrário de 1968, 1989 foi uma data verdadeiramente libertária, em que os ventos da mudança realmente sopraram em vários países, levando consigo o regime totalitário mais odioso da História. Infelizmente, esse processo ainda não se completou, abortado em nosso continente pelos remanescentes de 1968, que insistem em restabelecer, na América Latina, o que se perdeu no Leste Europeu. O ano de 1989 ainda não terminou. O de 1968 precisa acabar.
.
---
P.S.: Para mim, o legado de 1968 é como o Fusquinha da foto (aliás, ano 68): até simpático, mas caindo pelas tabelas, e dificilmente vai te levar muito longe...

quarta-feira, maio 28, 2008

Resposta a um leitor muito caridoso


Comentário a meu texto "O Bolsa-Família precisa acabar. Para o bem dos pobres", de 18 de março (o autor assina como "anônimo"):

"bem percebesse q o seu forte naum eh compreender a necessidade do carente

fala lah pro pai de familia q tah na seca ,tem 5 filhos pequenos pra criar e naum consegue emprego e q recebe a bolsa familia q ele tah sendo comprado o bolsa- familia tem q acabare q apatir de agora ele vai ter q si virar pois ele naum vai mais recebr o unico auxilo q ele tinha de sustntar a sua familia

acho tambem q vc naum compreendeu q o bolsa familia exige q as crianças estejam na escola e tenham acompanhamento medico. O bolsa familia eh uma das unicas esperanças q esses miseraveis tem de mudar a sua condiçao de pobrezacriaça na escola eh o primeiro passo para um brasil melhor vc naum acha?

e o bolsa familia eh um programa q naum visa a manuntençao da pobreza e sim uma escapatoria

revise as sua fontes de pesqisapara um professor de historia o seu ponto de vista eh bem estaguinado

Sexta-feira, 23 de Maio de 2008 22h50min00s BRT"

---
Para quem, assim como eu, teve dificuldades em compreender em que língua foi escrito o comentário acima, faço um favor e o traduzo para o idioma de Camões:
.
"Bem, percebe-se que o seu forte não é compreender a necessidade do carente. Fala lá para o pai de família que está na seca, tem 5 filhos pequenos para criar e não consegue emprego e que recebe a Bolsa-Família que ele está sendo comprado, que o Bolsa-Família tem que acabar e que a partir de agora ele vai ter que se virar, pois ele não vai mais receber o único auxílio que ele tinha para sustentar a sua família!

Acho também que você não compreendeu que o Bolsa-Família exige que as crianças estejam na escola e tenham acompanhamento médico. O Bolsa-Família é uma das únicas esperanças que esses miseráveis têm de mudar a sua condição de pobreza. Criança na escola é o primeiro passo para um Brasil melhor, você não acha?

E o Bolsa-Família é um programa que não visa à manutenção da pobreza, e sim uma escapatória. Revise as suas fontes de pesquisa. Para um professor de História, o seu ponto de vista é bem estagnado".

Traduzido o texto para a língua de Eça de Queiroz e Machado de Assis, vamos à minha resposta:

Esses petistas são mesmo estranhos. Durante mais de duas décadas eles vociferaram contra o assistencialismo, afirmando que este não passava de um instrumento da "zelite" e do capitalismo para manter o povão anestesiado e impedir a tão sonhada mudança social (a "revolução", diziam). Agora que estão no poder, mudaram completamente o discurso em relação a isso também. E usando os mesmos "argumentos" das elites que diziam combater, arrogando-se em porta-vozes das "necessidades dos carentes"...

Fico intrigado: mudaram os petistas ou mudou a realidade? Ou será que mudaram ambos? Ou, o que é mais provável, não mudou nem uma coisa nem outra - pelo contrário, tudo continua exatamente como sempre foi, apenas o Estado é que mudou de mãos?...

Concordo plenamente que criança na escola é o primeiro passo para mudar o País para melhor. Mas isso não tem nada a ver com o Bolsa-Família, assim como não tem nada a ver com os petistas. Países que alcançaram um alto nível de desenvolvimento na educação, como a Coréia do Sul, atingiram essa meta sem precisar de nenhum programa assistencialista do tipo. O Bolsa-Família não passa de um instrumento paternalista e eleitoreiro de reprodução da pobreza, a serviço dos interesses partidários dos "companheiros". Além do mais, se o governo do presidente Lula estivesse realmente interessado em melhorar a educação, poderia começar por ele próprio, voltando aos bancos escolares. Seria um primeiro passo muito importante, sem dúvida. Sem falar que, pelo visto, o autor do comentário, pela excelência do Português em que este foi escrito, deve ter sido um dos beneficiados pelo Bolsa-Família...

Fico aqui pensando... Que governo - e ainda mais um governo do PT, com seu apego ao populismo e à demagogia mais rasteiros - renunciaria voluntariamente à oportunidade de continuar manipulando uma ampla clientela de miseráveis estadodependentes, atrelados a ele por um programa assistencialista e paternalista, agindo assim contra seus próprios interesses? Quê? Voto de cabresto? Imagina...
.
O mecanismo político por trás do Bolsa-Família e outras Bolsas semelhantes é bastante conhecido. Passei um tempo na Venezuela. Lá, o companheiro Hugo Chávez também está implementando uma série de programas assistencais, chamados "missões". Depois de alguns anos, constatou-se que a desigualdade, em vez de diminuir, aumentou. A dependência política da população em relação ao Estado, porém, aumentou consideravelmente, ao mesmo tempo em que o clientelismo e a corrupção. Hoje, as "missões" são um dos principais instrumentos de manutenção do poder do caudilho Hugo Chávez. Alguma coincidência com um certo país e um certo presidente de língua presa?

Pois é. Como se vê, preciso revisar minhas fontes de pesquisa. Afinal, como diz o leitor caridoso que escreveu o comentário, estou mesmo "estaguinado"...

terça-feira, maio 27, 2008

De volta ao blog - e aos comentários dos leitores

Duas semanas atrás viajei à China para fazer um curso, por isso fiquei um tempo sem publicar nada no blog. Tenho alguns textos novos que vou colocar aqui nos próximos dias, à medida que o tempo livre me permitir. Enquanto isso, vou respondendo aos comentários de alguns leitores. Um deles, o Cássius Bertoni, me mandou o seguinte e-mail, que respondo em seguida:
.
"Caro gustavo:
.
Há umas duas semanas descobri seu blog e comecei a ler seus artigos. Até agora tenho concordado com vários dos seus pontos de vista (principalmente no tocante aos duplos padrões da esquerda), mas tem algumas coisas em tuas idéias que ainda me causam duvida, alem de outras nas quais tenho divergências, o que pretendo discutir depois. Eis aqui algumas de minhas questões (tenho outras mas não quero sobrecarrega-lo:

1-Você diz que a ditadura cubana é personalista, mas até onde sei não me parece haver grande enfase no culto a fidel (digo, não ha cartazes e estatuas espalhafatosos dele pela ilha, como por exemplo no Turcomenistão de niyazov). Mas talvez você tenha alguma informação que desconheça, neste caso agradeceria se a mostrasse.
Ps.:Isto não é uma tentativa de diminuir a ditadura cubana, mas apenas um questionamento quanto ao carater personalista dela.

2-Li você fazendo críticas ásperas a religião e em especialmente ao islamismo, criticas com as quais até concordo; mas queria saber se quando você critica o islamismo se trata de uma critica apenas a religião (com a qual concordo) ou se é uma crítica contra os 1 bilhão de muçulmanos. Sinceramente não acredito que tenha algo contra uma pessoa apenas pela fé que segue (ou diz seguir), mas queria que você esclarecesse esta questão.

3-Por que na tua opinião Rousseau e Platão são totalitaristas e Voltaire é democrata?

4-Você defende que a onu esta falida e ineficiente, algo que concordo; mas para resolver questões envolvendo conflitos, direitos humanos e guerras o que você defende: Uma criação de um novo organismo internacional mais rigoroso (ou uma reforma da onu) ou que tais questões fiquem simplesmente sob responsabilidade de certas potências democráticas e "responsáveis"?

5-Ví você criticando Gandhi em um de seus artigos. Poderia me dizer os teus pontos de critica contra ele? E entre ele e Bush, qual deles você acha mais admirável?

Ps:Fique a vontade para responder meus questionamentos em teu blog, para transcrver este e-mail (total ou parcialmente) e para citar meu nome.

Obrigado pela atenção".

---
Respondo
.
Cássius, obrigado pelas perguntas. Eis o que tenho a dizer sobre elas:
.
1 - Sobre a ditadura cubana: pelo que entendi, você afirma que esta não seria um regime personalista pois, entre outras coisas, não haveria grande ênfase no culto a Fidel (cartazes, estátuas etc.). Sobre isso, tenho a dizer o seguinte:
.
A ditadura cubana é totalitária e personalista, sim, Cássius. Isso significa que nela impera, sim, o culto da personalidade do "Líder Máximo", Fidel Castro, como em qualquer outro regime totalitário, como o da ex-URSS sob Stálin e na China de Mao Tsé-Tung ou na Coréia do Norte de Kim Jong-il. O culto da personalidade do líder, invenção dos regimes totalitários do século XX, pode expressar-se de diversas maneiras. Uma delas é a construção de estátuas e cartazes com a imagem do ditador. Mas esta não é a única forma.
..
À primeira vista, não haveria culto da personalidade em Cuba pois não existiriam estátuas de Fidel na ilha etc. Trata-se de um erro crasso, que confunde um fenômeno - o culto da personalidade - com uma das formas que ele pode assumir. A primeira coisa a ter em mente é que o culto da personalidade é uma característica intrínseca de todos os regimes totalitários. E Cuba é uma ditadura totalitária. Que não haja estátuas de Fidel ou cartazes com seu rosto espalhados ostensivamente na ilha não é prova de que o regime seja mais democrático, ou que não haja culto da personalidade.
.
O que caracteriza o culto da personalidade não é necessariamente a existência de estátuas ou cartazes, mas de uma veneração sistemática e quase religiosa da figura e das palavras do "líder". No caso de Cuba, este é um fato inegável, que caminha lado a lado com a própria natureza antidemocrática do regime. Nenhum outro líder latino-americano do século XX foi objeto de um culto e veneração de sua personalidade tão fortes quanto o tirano de Cuba. Sua imagem foi forjada durante décadas de propaganda intensiva, que buscava mostrá-lo como um líder da luta antiimperialista e benfeitor do povo cubano, na forma de centenas e milhares de livros e entrevistas com "intelectuais" esquerdistas cuidadosamente escolhidos - o brasileiro Frei Betto é um deles -, sem falar em incontáveis fotos e outros documentos iconográficos. Essa propaganda massiva foi responsável pela criação de um mito fortemente arraigado nas consciências de milhões de pessoas mundo afora sobre o regime cubano e seu principal líder, a ponto de ainda hoje ser difícil para muita gente reconhecer o óbvio: que Cuba é uma ditadura totalitária, com culto da personalidade. Diante disso, para que estátuas? (Lembremos ainda que algumas ditaduras, como a do Khmer Vermelho no Camboja nos anos 70, não dispunham de estátuas de seus líderes, como Pol Pot).
.
Além disso, é preciso lembrar que nenhum outro líder deixou sua marca pessoal tão profundamente no processo político de seu país quanto Fidel Castro. Os outros ditadores, como Stálin e Mao Tsé-Tung, eram agentes de seus partidos, sendo, portanto, funcionários destes. Fidel, ao contrário, superou a todos, criando, ele próprio, seu próprio partido comunista, em 1965. De certa forma, ele tornou a Revolução Cubana, graças à repressão política, sua revolução pessoal, apropriando-se da história e do Estado cubanos para instalar sua ditadura particular, castrista ou fidelista. Impossível, portanto, negar que se trata de uma ditadura totalitária e personalista.
.
2 - Quanto às minhas críticas ao Islã (e a todas as demais religiões), que fique claro: não tenho nada contra quem quer que seja por ser muçulmano, católico, protestante, judeu, budista, umbandista ou adepto da religião do grande espaguete voador. Nada tenho contra quem professe qualquer uma dessas crenças. Tenho, sim, contra as crenças em si, que são funestas pelos motivos já por mim apontados. Sinceramente, acredito que uma pessoa pode ser boa e ser profundamente religiosa, como pode haver ateus canalhas, e vice-versa. É por isso, aliás, que critico a religião - todas as religiões -: a moralidade e a ética podem perfeitamente prescindir da crença em Deus. Assim como a tolerância.
.
3 - Não critico Rousseau e Platão por serem "totalitaristas" - o totalitarismo é um conceito do século XX, logo não haveria como criticar esses dois autores por isso sem cometer um anacronismo -, mas sim porque as idéias totalitárias encontram neles sua base teórica. É inegável que, com suas teses da "República ideal" e da "vontade geral", Platão e Rousseau lançaram as bases do que viria a ser, no século XX, as ideologias totalitárias (o comunismo, o nazismo e o fascismo), que sempre buscam justificar-se como formas de "democracia popular". Do mesmo modo, não se pode considerar Voltaire um democrata - ele era, isto sim, um aristocrata, para quem o povo era "a canalha". A diferença entre Voltaire e esses outros autores era que, ao contrário destes, Voltaire considerava como a base fundamental de qualquer regime político não o "bem comum" ou outra ficção do gênero, mas a liberdade de expressão e de pensamento. Ironicamente, o grande aristocrata tornou-se o maior defensor da democracia, enquanto autores "democráticos", como Platão e Rousseau, forneceram o substrato ideológico para o totalitarismo.
.
4 - Sinceramente, não tenho uma resposta para a questão da falência da ONU, e que outro organismo internacional poderia substituí-lo - se eu tivesse uma resposta pronta sobre essa questão, eu seria provavelmente um esquerdista. Sei apenas que a ONU está falida como organização destinada a preservar a paz e a democracia no mundo, e que algo precisa ser feito a respeito. Sei também que, entre os EUA e países como o Sudão ou a Coréia do Norte, fico com o Tio Sam. Até que se encontre um caminho melhor, em que a palavra "multilateralismo" não seja uma desculpa para justificar regimes tirânicos e ditatoriais, os EUA continuarão a ser a polícia do mundo.
.
5 - Quanto a Gandhi, critiquei-o num artigo sobre o Lula. O motivo foi o seguinte: tanto Lula quanto Gandhi são mais conhecidos pelo mito criado em torno de suas figuras do que pelo que realmente fizeram ou disseram. No caso de Gandhi, a brecha entre o mito e a pessoa de carne e osso é bastante grande para ser ignorada - lembremos que ele foi contra a guerra na Europa contra o nazismo, por exemplo. Além disso, sempre desconfiei dos pacifistas. Principalmente quando vejo que o pacifismo é, na maioria dos casos, um instrumento a serviço dos piores tipos de regime.
.
Quanto a escolher entre Bush e Gandhi... francamente, acho essa comparação descabida. Creio que a melhor escolha não é entre Bush e o Mahatma, mas entre Bush e Saddam Hussein, ou entre Bush e o Talibã, ou entre Bush e Bin Laden. Nesse caso, minha escolha é clara e definida. Preciso dizer qual é?
.
É isso. Espero que tenha esclarecido suas dúvidas.
.
Um abraço.