segunda-feira, novembro 09, 2009

YOANI SÁNCHEZ, UMA AGENTE CASTRISTA?


A blogueira cubana Yoani Sánchez incomoda muita gente. Ela narra em seu blog Generación Y ter sido agredida fisicamente, na última sexta-feira, por capangas da ditadura cubana, que tentaram seqüestrá-la em plena luz do dia e lhe cobriram de pancada. Enquanto a espancavam e tentavam forçá-la a entrar num carro da polícia, os bate-paus dos irmãos Castro repetiam que ela já tinha ido "longe demais" e que iam acabar com sua "palhaçada".

É claro que você não vai ler em nenhum lugar, exceto talvez na VEJA, sobre mais essa violência da tirania comunista cubana, um regime que começou prometendo liberdade à população e que hoje lhe nega até papel higiênico. Nenhum coletivo de intelectuais da USP ou da Unicamp vai se mobilizar para fazer um manifesto de repúdio, o Itamaraty não vai divulgar nenhuma nota à imprensa, nenhum advogado dos direitos humanos ligado ao PT irá fazer um protesto, nem Chico Buarque vai compor uma música genial cheia de metáforas sobre a liberdade e a censura. É que Yoani Sánchez milita no lado errado: não é de esquerda, nem é puxa-saco do ditador certo. É uma, como é mesmo que eles dizem?, "contrarrevolucionária": contra ela os esbirros do totalitarismo castrista podem descer o malho, literalmente, que quase ninguém no Brasil vai mexer uma palha.

O curioso é que por estes dias li na internet alguns artigos, aliás de autores de direita, questionando a sinceridade de Yoani. Um deles, num longo texto, levanta uma série de dúvidas, inclusive a hipótese mesmo de ela ser uma agente a serviço do castrismo. Motivo: ela gozaria de algumas regalias impensáveis para o grosso da população da ilha, como morar numa casa luxuosa para os padrões cubanos, numa das áreas mais nobres de Havana, e ter "livre acesso à internet". Mais: ela se movimentaria com uma liberdade suspeita dentro da ilha-prisão, e, como mostram alguns vídeos por ela mesma postados em seu blog, costuma dar esbregues homéricos nos funcionários da tirania, o que seria no mínimo suspeito. O blog e sua notoriedade no exterior seriam apenas um disfarce, um engenhoso ardil da ditadura cubana, uma pérfida operação de desinformação e contra-inteligência destinada a mostrar ao mundo, por vias tortuosas, que afinal não é tão ruim assim viver na ilha dos Castro, pois uma dissidente pode movimentar-se com relativa liberdade, ter um blog e até distribuir carões aos agentes do regime.

Sou, por natureza, desconfiado - considero a credulidade, ao lado da vaidade e da hipocrisia, o pior dos defeitos humanos. Logo, fiquei com um pé atrás também em relação a essa idéia que está circulando na internet, que me cheira a pura teoria conspiratória. Sim, é bem possível que a castradura cubana utilize fakes e agentes duplos em suas operações de contra-informação, distribuindo, por exemplo, notícias falsas e infiltrando agentes seus em grupos de oposição - isso já aconteceu no passado, e nada impede que aconteça de novo. Aliás, de regimes totalitários como o cubano ou o norte-coreano, devemos esperar mesmo o pior. Mas, nesse caso, com a devida vênia a quem enxergou algo de estranho nas críticas de Yoani à tirania de Havana, sou forçado a dele discordar veementemente. A menos que seja apresentado algo mais do que está sendo dito, continuarei a acreditar que Yoani Sánchez é uma dissidente, não uma agente, do castrismo.

Em primeiro lugar, por mais "luxuosa" que pareça a casa em que vive Yoani, é preciso lembrar que ela mora com o marido, o veterano jornalista cubano e também dissidente Reinaldo Escobar, e que o apartamento em que vivem, se parece acima da média das residências cubanas, apresenta algumas de suas deficiências estruturais, que Yoani faz questão de descrever em detalhes. Lembro que um dos primeiros textos que li no blog de Yoani, há uns dois anos, era justamente sobre o elevador russo do edifício onde ela mora em Vedado, que insistia em não funcionar e a obrigava a subir vários lances de escada todos os dias. Sem falar em outras dificuldades enfrentadas, como luz (apagões freqüentes e diários), vestuário, comida etc. Convenhamos: é difícil dizer que isso caracteriza a atividade de uma espiã do regime.

Outra coisa importante: ao contrário do que está sendo dito por aí, Yoani Sánchez, a se confiar no que está em seu blog, não desfruta de "livre acesso à internet". Pelo contrário: uma das coisas que mais me chamou a atenção inicialmente foi a verdadeira odisséia, por ela narrada em minúcias, que ela tem de enfrentar para postar seus textos e manter seu blog, cujo portal em que está hospedado, DesdeCuba.com, está inacessível para quem tenta entrar nele a partir de Cuba. Em Cuba, a internet é um sonho distante para a maioria da população, estando restrita aos hotéis de luxo para turistas, que cobram preços astronômicos, para os padrões cubanos, para que se tenha acesso à rede. Para burlar esse obstáculo, Yoani escreve seus textos em casa ou usa outro meio - o último de seus posts, narrando a agressão covarde de que foi vítima, ela ditou por telefone -, e ela mesma ou amigos no estrangeiro com acesso à web os publicam no blog (não por acaso, ela se descreve como uma "blogueira cega"). O notebook em que ela escreve, pelo que sei, foi doado por uma ONG de defesa da liberdade de expressão, se não me engano espanhola (há ONGs úteis, embora pareça que não). Nada a ver com a imagem de uma blogueira privilegiada, conectada livremente e com banda larga generosamente concedida pelo regime para falar mal dele próprio.

Tudo isso, claro, não impede que eu esteja errado, e que um dia seja descoberto que Yoani Sánchez, o flagelo cibernético de Raúl e Fidel Castro, é, pasmem, uma assalariada da Direção Geral de Inteligência cubana. Mas, reitero, seria um dos casos mais estranhos e surpreendentes de pena de aluguel a serviço do totalitarismo já engendrados em toda a História.

Mesmo que Yoani morasse numa mansão com TV a cabo e piscina, e mesmo que ela pudesse se conectar à internet 24 horas, é preciso mais do que isso para provar que ela não está sendo sincera em suas críticas à falta de pão e de liberdade na ilha-presídio. Sobretudo diante do fato de que Yoani Sánchez, que no mês passado foi impedida pelo regime cubano de viajar ao Brasil para o lançamento de seu livro, é autora de frases como as seguintes:

[...] Quando se trata de Cuba, as estatísticas oficiais divulgadas pelas nossas embaixadas não podem ser levadas a sério. Sou defensora da diplomacia popular, aquela que se inteira da realidade diretamente com o cidadão. Não sou uma analista política. Não sou especialista em nenhum tema. Não sou diplomata. Simplesmente vivo e conheço a realidade do meu país. Aqueles que roubam o estado, que recebem dinheiro enviado por parentes do exterior ou fazem trabalhos ilegais vivem melhor que os demais. Uma pessoa que escreve em um blog pode ser condenada sob a acusação de fazer propaganda inimiga. Os outros países não podem repercutir o clichê de que Cuba é uma ilha de música e rum. É preciso olhar para o cidadão. Aqui, nós vivemos e morremos todos os dias.

[...]
Antes da revolução, nosso país já ostentava um dos menores índices de analfabetismo da América Latina. Uma das primeiras ações do governo autoritário de Fidel Castro foi ensinar o restante da população a ler e escrever. A questão principal hoje não é a taxa de alfabetização, e sim o que vamos ler depois que aprendemos. A censura controla totalmente o que passa diante de nossos olhos. E isso começa muito cedo. As cartilhas usadas na alfabetização só falam da guerrilha em Sierra Maestra ou do assalto ao quartel de Moncada pelos guerrilheiros barbudos. Meu filho tem 14 anos. Na sala de aula dele há seis fotos de Fidel Castro. Tudo o que se ensina nas escolas é o marxismo, o leninismo, essas coisas. Não se sabe o que acontece no resto do mundo. A primeira vez que vi imagens da queda do Muro de Berlim foi em 1999, dez anos depois de ela ter ocorrido. Foi num videocassete que um amigo trouxe clandestinamente. Para assistir às imagens do homem pisando na Lua, foi necessário esperar vinte anos.

[...]
[Sobre os dados a respeito da expectativa de vida em Cuba] É uma estatística oficial, sem comprovação, que não resistiria a um questionamento mínimo feito por uma imprensa livre. Pelo que vejo nas ruas, é difícil acreditar que os cubanos possam sobreviver tantos anos. Os idosos estão em estado deplorável. Há uma avalanche de dados que poderiam ilustrar o que digo, mas estes nunca são divulgados. Jamais fomos informados sobre o número de pessoas que fogem da ilha a cada ano. Ninguém sabe qual é o índice de abortos, talvez o mais alto da América Latina. Os divórcios são inúmeros, motivados pelas carências habitacionais. Como há cinquenta anos quase não se constroem casas, é normal que três gerações de cubanos dividam uma mesma residência, o que acaba com a privacidade de qualquer casal. Também nunca se falou do número de suicídios, um dos mais altos do mundo.

[...]
O país construiu hospitais e formou médicos de boa qualidade na época em que recebia petróleo e subsídios soviéticos. Com o fim da União Soviética, tudo isso acabou. O salário mensal de um cirurgião não passa de 60 reais. A profissão de médico é hoje a que menos pode garantir uma vida decente e cômoda. A carência nos hospitais é trágica. Quando um doente é internado, todos os seus familiares migram para o hospital. Precisam levar tudo: roupa de cama, ventilador, balde para dar banho no paciente e descarregar a privada, travesseiro, toalha, desinfetante para limpar o banheiro e inseticida para as baratas. Eles não devem esquecer também os remédios, a gaze, o algodão e, dependendo do caso, a agulha e o fio de sutura.

[...]
Cuba só é reverenciada por quem nunca morou aqui. Eu já conheci um montão de gente que idolatrava Fidel e, depois de um mês vivendo conosco, mudou de opinião. Quando as pessoas descobrem como é receber em moeda sem valor, enfrentar as filas de racionamento ou depender do precário transporte público, começam a pensar de modo mais realista. Não estou falando dos turistas que ficam uma semana, dormem em hotéis cinco-estrelas e andam em carros alugados. Convido quem vê Cuba como um exemplo a vir para cá, sentir na pele como vivemos.

(entrevista à revista VEJA, edição 2133, 7 de outubro de 2009)

Repito: a ditadura castrista é capaz de tudo, até mesmo de ter pessoas como Yoani Sánchez em sua folha de pagamento. Mas é preciso um pouco mais do que rumores sobre o tamanho da casa onde vive ou a suposta liberdade de movimentos que teria dentro da ilha para caracterizá-la como uma espiã a soldo do castrismo. Enquanto não me mostrarem algo mais sólido, seguirei acreditando em Yoani e lendo diariamente seu blog.

4 comentários:

Anônimo disse...

Desculpe, não poderia perder a oportunidade.

Mas de tudo isso, só me resta uma dúvida:

Quer dizer que ser "do contra" também pode ser "a favor" ?

Gustavo disse...

Depende, anônimo. Se ser "do contra" é referendar um rumor sem nenhum dado concreto que o confirme, venha de onde vier, então eu sou "a favor". A favor da inteligência.

Nesse caso da Yoani, ainda espero que me apresentem algo mais sólido, algum dado, fato, qualquer coisa. A casa? O "livre acesso" à net? As brigas com os funcionários do regime? Francamente, não me parece "prova" de nada. Sou Do Contra, mas não sou maluco, nem burro.

Anônimo disse...

Ok!

- nada como o benefício da dúvida!

Talvez o governo Lula também precise de alguém "do contra" para legitimar a própria legitimidade da inteligência.

Zek disse...

Ja acompanho o blog da Yoani a algum tempo além do " Voces cubanas" e do " Payolibre " que divulga os dados de presos políticos.
Mas há um detalhe importante Cuba não é o " paraíso " pintado pelos esquerdistas que você mencionou mas também não é o inferno na terra como Haíti, Somalia etc, então há que se ter equilibrio ao falar de Cuba, eu mesmo reconheço que viver em um país onde não há liberdade é realmente muito dificil, mas ainda assim há pontos importantes que o proprio Brasil negligencia como por exemplo Educação, Segurança e Saúde.