terça-feira, novembro 17, 2009

AINDA SOBRE YOANI SÁNCHEZ: MOSTREM-ME PROVAS, NÃO TEORIAS CONSPIRATÓRIAS


Tenho recebido alguns comentários de pessoas que dizem acompanhar e gostar muito de meu blog, mas que discordam de mim em uma única coisa: minha opinião sobre a "tese", apresentada até agora sem nenhuma prova que a sustente, de que a blogueira cubana Yoani Sánchez seria uma agente da ditadura castrista.

Antes de mais nada, permitam-me uma breve digressão: não defendo esta ou aquela posição, nem sustento esta ou aquela opinião, porque queira me ajustar a este ou àquele grupo, a esta ou àquela tendência política ou igreja ideológica. Chamam-me de direitista e anticomunista porque, por minha própria cabeça, cheguei às mesmas conclusões em diversos assuntos dos que militam na direita. Descobri isso por minha própria conta, procurando basear-me unicamente na lógica e na razão, e não por qualquer outror fator, como amizade, afinidade pessoal etc. Enfim, descobri que sou conservador e de direita não porque eu gosto de fulano ou sicrano, mas porque os FATOS, principalmente os fatos sobre ditaduras, se mostraram de direita.
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Feito isso, vamos ao tema deste post: a suposta "traição" de Yoani Sánchez, que seria uma "espiã infiltrada" do castrismo etc.
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Abordei a questão em dois outros posts sobre o assunto. No primeiro, apontei os diversos furos na teoria conspiracionista, que se baseia tão-só em elementos circunstanciais, como se diz em Direito Penal. Segundo a teoria, Yoani seria espiã porque:
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- mora numa boa casa para os padrões cubanos (com o marido jornalista e com o elevador do conjunto habitacional quebrado, acrescentei);

- tem "livre acesso à internet" (só usa a internet quando consegue se passar por turista em algum hotel da ilha, vedado aos cubanos comuns);

- (o principal "argumento", até agora) goza de uma "liberdade incomum" dentro da ilha-cárcere (já foi proibida de sair do país inúmeras vezes e na semana passada levou uma surra dos meganhas da tirania).

Há outros "argumentos" do mesmo naipe. Por exemplo:

- ela tem boa saúde (já chegou a dizer que é magra de tanto passar fome quando criança);

- ela tem celular (até na Coréia do Norte existe celular).
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E mais esses:
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- é bonita;
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- veste boas roupas para uma cubana;
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- está viva.
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Trocando em miúdos, para ser dissidente em Cuba é preciso, segundo quem defende que Yoani é uma "infiltrada": morar num muquifo, desconhecer internet e celular, estar preso incomunicável, ter péssima saúde, vestir-se com farrapos, ser feio e estar morto... Ou seja: os únicos dissidentes em Cuba só podem ser ou exilados ou cadáveres.
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Uma outra grave "evidência": o blog de Yoani está hospedado na Alemanha, com registro na Espanha. Logo ela só pode ser espiã, dizem os teóricos da conspiração. Pois é... Sabem por que o site está hospedado fora da ilha? Porque não é possível acessá-lo em Cuba. Coisas de tiranias totalitárias.
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Então, estão convencidos de que Yoani é uma agente do serviço de espionagem cubano? (ATENÇÃO: é ironia. Não me façam acionar a tecla SAP.)
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(É preciso dizer: há mal-entendidos de todos os tipos. Alguém que me escreveu se dizendo leitor do blog de Yoani defendeu, pasmem, uma visão "equilibrada" sobre a tirania castrista, com base na tese da "ditadura benigna" - aquela que prende, tortura e mata, mas que "pelo menos" dá saúde e educação ao povo... Como se ficar à míngua em um hospital em que falta de tudo e sofrer lavagem cerebral em alguma escola do regime fosse sinônimo de saúde e boa educação.... Há delírios para todos os gostos.)
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Nessa questão da Yoani Sánchez eu jogo no mesmo time do Reinaldo Azevedo e do Demétrio Magnoli, dois autores que estão muito longe de serem considerados "de esquerda": não há qualquer prova de que Yoani seja agente do castrismo. Nada mesmo. Mostrem-me qualquer prova, qualquer evidência factual irrefutável, de que Yoani trabalha para a ditadura cubana, e eu engulo minhas palavras. Por enquanto, há apenas ilações, elucubrações, rumores, fofocas - enfim, nada suficiente para sustentar uma acusação, o que me dá o direito de dizer que isso não passa de CALÚNIA contra Yoani Sánchez.

É incrível, mas ninguém pensou ainda que esse tipo de insinuação pode ter sido plantada pelos mesmos setores para os quais dizem que Yoani trabalha: os serviços de espionagem da ditadura castrista. Motivos não faltariam, haja visto o que ela escreve no blog, para que a castradura cubana tentasse desmoralizá-la desse jeito, atirando-lhe a pecha de "infiltrada". Prefiro acreditar nessa hipótese a dar crédito a quem diz, sem prova alguma, que Yoani é agente da tirania. Até porque considero a acusação das mais graves que se possa fazer a alguém - daí o cuidado em mostrar provas sólidas, e não meras conjecturas. Foi por desconfiar de teorias conspiratórias que me descobri anti-esquerdista.

Se o que se está dizendo de Yoani Sánchez é verdade, então é obrigação dos que estão falando PROVAR o que dizem. Simples assim. Qual a "prova" existente até agora de que ela é agente do castrismo? A casa? O acesso à internet? O notebook? A "liberdade incomum" na ilha? As roupas bonitas? Francamente, é preciso mais do que isso para me convencer que alguém é um agente a soldo de uma ditadura, e uma das piores do mundo.

Se Yoani Sánchez é uma espiã do castrismo, com a missão de mostrar, por vias tortas, que afinal "não é tão ruim viver em Cuba", porque lá é possível ser "oposição consentida" ao regime, então é necessário PROVAR também que tudo que ela escreve em seu blog e tudo o que ela diz em entrevistas é FALSO. É preciso provar que, quando ela escreve, por exemplo, sobre a falta de carne e de frango no mercado ou sobre os slogans pró-Castro que seu filho é obrigado a repetir na escola, ou que só enaltece Cuba quem nunca viveu lá, ela está na verdade elogiando o regime. É preciso provar tudo isso. Quem se habilita?

Boatos e falsas acusações sobre dissidentes de regimes totalitários que seriam agentes desses regimes não são nenhuma novidade. Eles eram comuns nos países do antigo bloco comunista, como uma forma de desmoralizar e dividir a oposição. Um dos maiores dissidentes da antiga URSS, o físico Andrei Sakharov, por exemplo, teve de enfrentar esse tipo de acusação jamais provada. O mais famoso de todos, Alexandr Solzhenitsin, era visto com desconfiança por alguns círculos anticomunistas, pois ganhou o Prêmio Nobel de Literatura e recebeu permissão, inclusive, de morar no exterior (na verdade, permissão é eufemismo: ele foi expulso mesmo). De qualquer maneira, ele tinha uma liberdade de ir-e-vir bem maior do que a de Yoani Sánchez hoje em Cuba. Yoani, aliás, é a versão cubana dos samizdat da época soviética - assim como Solzhenitsin e outros escritores dissidentes, ela contrabandeia seus textos para fora do país, com seu notebook doado por uma ONG espanhola e um pen-drive. Sua "liberdade" suspeita nada mais é do que a liberdade propiciada pela internet, a maior inimiga das ditaduras.

"Quem a banca? Quem banca o blog dela?" etc. Francamente, são perguntas descabidas. É o mesmo tipo de pergunta feito pelos testas-de-ferro da ditadura castrista, que insistem em apresentar Yoani como "mercenária a soldo do imperialismo ianque". Pelo visto, há malucos em todos os quadrantes do leque ideológico.

Seria surpreendente, para dizer o mínimo, que os irmãos Castro patrocinassem um blog que fala a verdade sobre a penúria e a falta de liberdade na ilha-presídio, e que ainda por cima ganhou tanta notoriedade internacional justamente por causa disso. Não subestimo a capacidade da propaganda castrista de enganar e iludir, como já afirmei aqui, mas essa seria a primeira vez que uma ditadura patrocina uma blogueira para dizer a verdade e esculhambar o próprio regime. Basta ler qualquer post de Yoani para sentir pena de quem vegeta em Cuba.

O chato nisso tudo é que, com teorias conspiratórias, não se pode dialogar. Elas simplesmente não podem ser provadas, nem refutadas. Isso porque se baseiam no lado irracional do ser humano: de nada adianta mostrar provas de que o homem foi à Lua, por exemplo, que sempre haverá quem ache que foi tudo uma encenação em estúdio, assim como há quem jure de pés juntos que foi a CIA ou o Mossad israelense que derrubaram as Torres Gêmeas. Não duvido que os que estão repetindo, sem provar, que Yoani é assalariada da DGI cubana vão começar a afirmar que ela encenou a tentativa de seqüestro da semana passada. Ainda que ela aparecesse com as duas pernas quebradas, diriam que foi ela mesma que se infligiu tais ferimentos para afastar as suspeitas de ser uma "infiltrada"... O estoque de conspirações, para os que nelas acreditam, é ilimitado. A inteligência, infelizmente, não.
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Mas o mais triste é que, no caso das insinuações contra Yoani, quem sai manchada é a "direita", os conservadores que, de boa-fé e por amor à liberdade, querem ver o fim da tirania comunista de Cuba. Ao dar respaldo a idéias descabeladas como essa, apenas dão munição aos inimigos da sociedade aberta. Isso é lamentável, até porque conspirações existem, como eu venho apontando neste blog (o Foro de São Paulo, por exemplo, está longe de ser uma fantasia). É esse tipo de conspiração, a conspiração da esquerda contra a democracia, que deve ser constantemente denunciada.

Repito: mesmo que Yoani Sánchez morasse numa cobertura com piscina e tivesse acesso total à internet com banda larga, eu continuaria exigindo provas sólidas de seu papel de dedo-duro a serviço do totalitarismo castrista. Enfim, mostrem-me uma PROVA, qualquer que seja, de que Yoani Sánchez é o que estão dizendo que é. Enquanto não o fizerem, enquanto não for apresentado nada mais do que boatos, eu me reservo o direito de continuar a considerá-la uma voz da liberdade contra a opressão.


P.S.: Para arejar um pouco o ambiente escurecido pela sombra conspiracionista, deixo aqui um pedaço de uma crônica de Yoani Sánchez em seu blog, Generación Y. Ela escreve sobre a acusação de que falo acima, e um pouco sobre sua vida. Vejam o "vidão" que a "infiltrada" tem em Cuba. Está em espanhol, mas acho que não haverá problema para compreender. (OBS.: G2 é o nome da polícia política em Cuba.)

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Muchos de los que me conocen creen que tengo “guayabitos en la azotea”, “me falta un tornillo” o “estoy ida del coco”. Todo lo que he hecho en esta vidita (meterme en problemas, escribir una tesis sobre la literatura de la dictadura en Latinoamérica, unir mi vida a un periodista en desgracia, regresar a mi país y postear en este Blog) bien podría ser visto por un especialista como manifestaciones de un desorden psiquiátrico. Todo es posible…

A los que afirman –bajo la impunidad de un seudónimo- que soy del G2, quiero aclararles que muy pocos en Cuba lo siguen llamando así. Ahora le decimos “la seguridá”, “el Aparato”, “la maquinaria”, “el Armagedón”, “la trituradora”, “los muchachos” o solamente “ellos”. Si alguien le preguntara a un joven “Oye ¿tú sabes qué cosa es el G2?” quizás respondería que se trata de un grupo de Rock o de una marca de zapatos.
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No pienso dar ninguna prueba que niegue esas acusaciones de “infiltrada”. A los que les alivia y les quita la culpa creer que “me atrevo porque estoy protegida o que me han mandado a decir todo esto”, pues adelante. Cada cual –al menos en el pequeño espacio de este Blog- puede pensar y comentar lo que quiera.

En relación con el dinero, la base material o el salario, me gusta citar a mi marido cuando dice que tengo “alma de fakir”. Me visto con lo que aparezca, hace años que no tengo más que un par de zapatos y como una vez al día. Una sola obsesión de “consumo” recorre ahora mi vida: postear. El dinero que me gano traduciendo del alemán, enseñándole la Habana a un par de turistas o vendiendo mis viejos libros de la universidad, lo invierto –cuando puedo- en pagar media hora de Internet. Por eso mis apariciones en “Generación Y” son a saltos y no con la frecuencia de una bitácora.
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¿Por qué yo tengo un Blog y otros no? Porque soy de una generación que ha aprendido a moverse en el mundo de la tecnología, incluso teniendo que armar su propio PC con piezas compradas en el mercado negro. Una de las contradicciones que se está dando en la Cuba de hoy, es que los que tienen cosas más interesantes que contar, son en su mayoría analfabetos informáticos. O sea, que los asiduos lectores de blogs tienen que conformarse con gente como yo, sin pedigree, pero para quien el mouse es una prolongación del propio cuerpo.

Um comentário:

davidbor disse...

Achei ótimo este seu post. Acabei de ler o livro dela e muitas dúvidas me assaltaram, pois ouvi dizer justamente todas essas coisas sobre ela. Realmente há algumas contradições nos relatos da Yoani, se pensarmos bem no que achamos deva ser a ditadura fidelista. Mas prova mesmo não vejo (nem poderia, pois se é agente secreta, como poderia?).O que acho estranho é como ela pode ter tanta notoriedade e não ter sido jamais detida, e isso ninguém explica...Você saberia?