O presidente Lula, que já disse, todo sério, que, "com democracia não se brinca" e que costuma se gabar de sua "resistência à ditadura" em terras tupiniquins, irá receber, com honras oficiais, batedores, tapete vermelho, salamaleques e tapinhas nas costas, o presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad. Os estrategistas da diplomacia lulista irão apresentar a decisão de convidar Ahmadinejad - ele foi convidado, ao contrário do presidente de Israel, Shimon Peres, que praticamente se convidou, e já esnobou um outro convite do Itamaraty em cima da hora - como mais uma mostra do "pragmatismo" do governo Lula, de sua infinita sabedoria e ausência de preconceitos ideológicos etc. Irão dizer também que o encontro será entre dois Estados, que será importante para o comércio bilateral, para o multilateralismo etc. Enfim, o de sempre.
É, pode ser. O comércio internacional, ou, como se diz, a realidade do poder, tem seus próprios critérios. Certamente, por exemplo, um acordo comercial ou de troca de tecnologia com a Alemanha de Hitler seria proveitoso para o Brasil. Mas isso justificaria uma visita de Hitler ao País? Mais: justificaria declarações do presidente da República minimizando os horrores do nazismo? É isso que se chama realidade do poder?
Uma coisa é certa como o nascer do sol no dia seguinte: durante a visita do iraniano, Lula não falará com ele sobre democracia, direitos humanos, liberdade para presos políticos, tolerância religiosa, reconhecimento do direito de Israel à existência, combate ao terrorismo etc. - essas coisas chatas que atrapalham o comércio entre os países. Ou, se falará, será para que Lula, usando todo seu charme e sapiência diplomática, aprendida na escola da vida e no sindicato, tente atrair o líder iraniano, como ele disse, a boas causas, convencendo-o, por exemplo, a não mais enforcar opositores, ou a reconhecer Israel, ou a desistir de seu programa nuclear... Lula já disse que é preciso negociar a paz até com quem se opõe à paz. Que só assim se pode atrair quem não quer negociar para as boas causas. Eis aí uma oportunidade de colocar isso em prática. Será que vai dar certo?
Sei que ninguém no Itamaraty, nesses tempos de apagão energético, mental e moral, vai dar a menor bola para este post, e ele não vai mudar um milímetro a política externa do Aiatolula, que comparou a repressão aos opositores no Irã a uma partida de futebol e reconheceu a vitória fraudulenta de Ahmadinejad nas urnas antes mesmo dos aiatolás iranianos. Mas não posso deixar de transcrever, aqui, um discurso que considero um dos melhores dos últimos tempos.
Em 24 de setembro de 2007, Ahmadinejad falou na Universidade de Columbia, nos Estados Unidos, num evento organizado pela Escola de Assuntos Públicos e Internacionais da instituição, como parte da programação acadêmica daquele ano, que foi dedicado às questões iranianas. Antes do discurso de Ahmadinejad, o reitor da universidade, Lee Bollinger, fez algumas considerações introdutórias. E passou uma descompostura histórica no delinqüente de Teerã.
No discurso, cujo vídeo pode ser encontrado no Youtube, ao agradecer os esforços dos coordenadores do evento, Bollinger lembra: “Ouvir idéias que nós deploramos não implica endossá-las nem é sinal de fraqueza ou ingenuidade diante dos perigos reais inerentes a essas idéias”. Em seguida, disse: “Uma das premissas cruciais da liberdade de expressão é que não tornamos honrada a desonra quando abrimos o debate para que ela se manifeste”. Ele afirmou compreender os motivos dos que se opuseram à presença de Ahmadinejad em Columbia e pede desculpas em nome da instituição àqueles que se sentiram ofendidos pela presença do genocida e negador do Holocausto. E afirma, enfaticamente: “Que fique claro de uma vez por todas: este evento não tem absolutamente nada a ver com o ‘direito’ de quem fala, mas apenas com o nosso direito de ouvir e falar. Fazemos isso por nós”.
“Essas e outras execuções coincidiram com a selvagem repressão contra ativistas estudantis e professores, acusados de fomentar a chamada ‘revolução suave’ (…) Como disse a doutora Esfrandiari numa entrevista, ela ficou presa numa solitária por 105 dias porque o governo acreditava que os EUA planejavam uma “Revolução de Veludo” no Irã. Nesta mesma sala, no ano passado, nós aprendemos alguma coisa sobre a Revolução de Veludo de Vaclav Havel. E ouviremos algo semelhante de Michelle Bachelet, presidente do Chile. Estas duas histórias extraordinárias lembram-nos de que não há prisões suficientes para impedir uma sociedade que queira ser livre de ser livre.
Nós, nesta universidade, não temos receio de protestar contra o nosso governo e de contestá-lo em nome desses valores. E não temos receio de criticar o seu governo.
Enquanto o governo que o precedeu colaborou com os EUA na campanha contra o Taliban, em 2001, o seu governo está atacando sorrateiramente as tropas americanas no Iraque, financiando, armando e garantindo livre trânsito para líderes insurgentes como Muqtada al-Sadr e suas forças.
Há inúmeros relatos que ligam o seu governo com os esforços da Síria para desestabilizar o frágil governo do Líbano por meio da violência e do assassinato político.
Minha questão é esta: por que o senhor apóia organizações terroristas que continuam a golpear a paz e a democracia no Oriente Médio, destruindo vidas e a sociedade civil na região?
Deixe-me encerrar com este comentário. Francamente, com toda sinceridade, senhor presidente, eu duvido que o senhor tenha coragem intelectual de responder essas questões.(…)"
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