Três declarações de Lula causaram comoção nos últimos meses. Leiam-nas. Comento em seguida.
Em 16/09/2009, numa inauguração pré-eleitoral qualquer:
“Pela primeira vez não vamos ter um candidato de direita na campanha. Não é fantástico isso? Querem conquista melhor do que em uma campanha a gente não ter nenhum candidato de direita? Porque antigamente como era a campanha? Era o de centro-esquerda ou de esquerda contra os trogloditas de direita. Era assim em toda campanha”.
Em 22/10/2009:
"Não acho que o papel da imprensa é fiscalizar. É informar. Para ser fiscal, tem o Tribunal de Contas da União, a Corregedoria Geral da República, tem um monte de coisas. A imprensa tem de ser o grande órgão informador da opinião pública."
Na mesma data, em entrevista à Folha de S. Paulo:
"Qualquer um que ganhar as eleições, pode ser o maior xiita deste país ou o maior direitista, não conseguirá montar o governo fora da realidade política. Entre o que se quer e o que se pode fazer tem uma diferença do tamanho do oceano Atlântico. Se Jesus Cristo viesse para cá, e Judas tivesse a votação num partido qualquer, Jesus teria de chamar Judas para fazer coalizão."
Leiam as frases de novo com atenção. Memorizem-nas. Todo o Lula - o verdadeiro, não a versão que estará em breve arrancando lágrimas nos cinemas - está contido nelas. Poucas vezes um presidente da República se mostrou de forma tão explícita, deixando cair a máscara cultivada durante tantos anos, em tão poucas e reveladoras palavras.
É um escândalo. Mais um da era Lula.
Vejamos a primeira declaração do Guia Genial. Ele está comemorando o fato de que, "pela primeira vez" teremos uma campanha presidencial sem um candidato da direita - sem os "trogloditas", como ele diz. "Querem conquista melhor do que essa?", pergunta Lula, todo pimpão.
A afirmação já seria boçal e estúpida - uma visão troglodita da democracia - se não fosse completamente falsa. Luiz Inácio deve estar esquecido da última campanha presidencial, em 2006, quando todos os candidatos não fizeram mais do que competir entre si para provar aos eleitores quem era o mais esquerdista, o mais estatizante e antiliberal. O principal candidato adversário, o picolé de chuchu Geraldo Alckmin, talvez assessorado pelo seu "guru" Gabriel Chalita, só faltou pedir desculpas pelas privatizações da época de FHC... Há tempos, aliás, as eleições no Brasil têm sido nada mais do que uma competição entre setores da esquerda, uns mais, outros menos esquerdistas. De que "direita" Lula está falando? Do PSDB?
A frase de Lula seria apenas mais uma gafe de um presidente que se esmera em vomitar boçalidades a torto e a direito (ou à esquerda), se não revelasse também um aspecto que os marqueteiros do governo tentam a todo custo disfarçar: uma concepção autoritária das eleições e da democracia. Para Luiz Inácio, assim como para seu partido, o PT, a "direita", seja lá o que isso significa, não deve ter lugar em uma verdadeira democracia. Aliás, democracia, para esse pessoal, deve ser como as "democracias populares" do Leste europeu na época pré-queda do Muro de Berlim: com somente uma visão política, de preferência um partido apenas. Não foi por acaso que Luiz Inácio já disse que na Venezuela "há democracia até demais".
A segunda declaração não é menos escandalosa. Ela está, aliás, intimamente ligada à primeira, sobre as eleições. Luiz Inácio acredita que eleições só são boas se todos os candidatos forem de esquerda, e que a democracia prescinde da direita. Nada mais lógico, portanto, que ele afirme que o dever da imprensa não é fiscalizar o governo, mas sim "informar". Ou seja: para ele, Luiz Inácio, imprensa boa é a que não fala mal do governo (o seu próprio, claro), que não cobra, não fiscaliza, apenas "informa", isto é, divulga o que o governo está fazendo para melhorar a vida dos trabalhadores e construir o melhor dos mundos. Em outras palavras: imprensa boa é imprensa oficial, chapa-branca, que só traz boas notícias - enfim, a não-imprensa, pois, como disse certa vez um veterano jornalista, "imprensa deve ser do contra; o resto é armazém de secos e molhados".
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Esse tipo de imprensa - meramente "informativa", servil, oficialista - já existe na Lulolândia: é a LulaNews, do comissário e ministro da Propaganda Franklin Martins. Lula está empenhado em aumentar essa rede de emissoras e jornais para cantar loas a seu governo e à sua figura, para criar, enfim, um "grande órgão informador da opinião pública". Nada de debate, nada de críticas, essas coisas de gente do contra e negativista, que só atrapalham. Para Lula, imprensa deve ser a favor. Ou seja: deve deixar de ser imprensa. E ponto final. Seu modelo de imparcialidade jornalística é o Granma.
Já vimos o que pensa Lula sobre como devem ser e funcionar as eleições e a imprensa. Agora vejamos a terceira declaração, aquela em que ele filosofa sobre alianças.
Lula gosta de se comparar a Jesus Cristo. Também gosta de dar aula de "realismo" político. Dessa vez, ele usou não uma metáfora futebolística, mas religiosa: se o Redentor fosse um político brasileiro (captaram a sutileza?), teria que se coligar com Judas para governar. Parece um poço de sabedoria, não? Um verdadeiro filósofo (ou teólogo) do poder... Nem de longe lembra o líder barbudo de quinze ou dez anos atrás, vociferando (melhor dizendo: bravateando, em suas próprias palavras) contra as "alianças espúrias" do governo FHC com o ex-PFL...
Lula não se contenta em superar seus antecessores em, como direi?, "pragmatismo": ele faz questão de prestar uma homenagem ao vício, cobrindo-o com o manto da virtude. Mais: faz questão de usar uma imagem religiosa, comparando-se a Cristo, que nem político era. Deve ter se aconselhado com seus novos amigos do peito, os "bispos" da Igreja Universal do Reino de Deus... Gente que entende bastante de Deus (e do Diabo) e também de poder.
Cristo se aliaria a Judas? Não sei, não entendo de teologia. Mas Lula, certamente, não só o fez, como elevou a traição ao status de suprema virtude republicana. Tanto que, como ele mesmo disse, está cercado de vários judas, mas não diz quem são. Quem sabe Edir Macedo saiba a resposta.
Certa vez, Winston Churchill assim justificou a aliança com a URSS de Stálin contra os nazistas na Segunda Guerra Mundial: "Se Hitler invadisse o inferno, eu teria pelo menos uma palavra boa a dizer sobre Satã na Câmara dos Lordes". Lula, claro, não é Churchill. Alianças políticas, para ele, são mais do que meramente táticas para derrotar um inimigo mais perigoso, ou para defender a civilização de um perigo imediato maior. Para ele, Lula, tanto faz aliar-se com Satã ou com Hitler - ou com Chávez, ou com Ahmadinejad -, desde que isso lhe seja favorável. Aliado é quem está do seu lado, não importa quem ou por quê. É isso que ele entende por pragmatismo.
Do que está aí em cima, pode-se chegar a algumas conclusões interessantes.
No país dos sonhos de Luiz Inácio, não há direita, nem oposição, e as eleições existem apenas para ratificar a orientação esquerdista do governo, ou para que setores de esquerda se alternem no poder.
No país dos sonhos de Luiz Inácio, a imprensa existe somente para "informar" o que faz o governo, não para fiscalizar ou criticar; trocando em miúdos: só há a imprensa oficial, o que significa imprensa nenhuma.
No país dos sonhos de Luiz Inácio, o presidente pode aliar-se com Judas ou com o Diabo e, como não há direita nem imprensa de verdade, isso passa não por cinismo, mas por uma suprema demonstração de "realismo" político.
Eleições de fancaria, falta de oposição, visão única esquerdista, imprensa estatizada e manietada... Peraí: o país dos sonhos de Luiz Inácio... é Cuba!
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