Eu sei que é clichê, mas a frase resume bem o momento que estamos atravessando: o Brasil vive um apagão da inteligência. Eu diria mesmo que é um apagão maior do que o apagão moral resultante do mensalão, ou o apagão da energia mesmo, como aquele que deixou metade do País às escuras há três dias por causa, segundo Dilma Rousseff e Edison Lobão, de raios e ventos (tão fortes que fizeram Itaipu parar pela primeira vez na História, vejam vocês...).
Anteontem o presidente de Israel, Shimon Peres, esteve em Brasília, onde encontrou-se com Lula. Falaram, entre outras coisas, sobre a questão da guerra e da paz no Oriente Médio. Para ser franco, nem sei porque Peres veio ao Brasil. Principalmente depois de, em entrevista, nosso filósofo e Guia Genial ter dito a seguinte jóia da sabedoria universal:
Você não constrói a paz necessária no Oriente Médio se não conversar com todas as forças políticas e religiosas que querem a paz e com as que se opõem à paz. Senão, transforma o processo num clube de amigos, em que todos concordam com algo, e quem discorda fica de fora, tornando a paz impossível.
Vocês leram certo. Lula estava se referindo ao fato de que, dentro de alguns dias, irá receber em Brasília o presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad - aquele mesmo que nega o Holocausto e defendeu que Israel deveria ser varrido do mapa (aliás, não só defendeu, como trabalha ativamente para isso, dando armas e dinheiro aos terroristas genocidas do Hamas e do Hizbollah). É mais uma demonstração do "pragmatismo" do Itamaraty na era Lula: numa semana, encontro com o presidente de Israel; na outra, com o do Irã. Com isso, mantém-se o "equilíbrio" da diplomacia.
"Equilíbrio", né? Sei... Lula, em mais uma demonstração de sua "sabedoria filosófica", como escreveu o Zé Celso Martinez Corrêa, acredita ter achado a solução perfeita para a questão do Oriente Médio: basta conversar com todo mundo, com quem quer a paz e também - vejam só - "com quem se opõe à paz"... É isso mesmo: Lula acha que, para alcançar a paz, é preciso dialogar com quem não quer diálogo, conversar com quem não quer conversa. Ele acredita que a paz se alcança estendendo a mão a quem não a quer nem reconhece seu direito à existência. Ele agora deu de querer ensinar a Shimon Peres como lidar com o Irã... Onde estão os membros da Academia Sueca, que não deram ainda a esse gênio o Nobel da Paz?
Fico aqui pensando: o que se pode conversar com quem não está a fim de conversa? Que tipo de "paz" poderia advir de quem não reconhece o outro, em primeiro lugar? Certamente, só pode ser a paz dos cemitérios, a paz que vem logo após uma explosão de homem-bomba - ou nuclear. O que haveria para "conversar" com quem jurou fazer de seu país um monte de escombros? Uma troca de ossos, talvez? Não custa nada lembrar: em setembro de 1938, pessoas bem-intencionadas e pacifistas acreditaram ser possível alcançar a paz negociando com quem não queria a paz. Os primeiros-ministros britânico e francês, Neville Chamberlain e Edouard Daladier, entregaram de bandeja a Tchecoslováquia a Hitler em troca da promessa de que este não engoliria mais territórios. Voltaram felizes da vida para casa, acreditando ter alcançado uma paz duradoura. Um ano depois, o mundo estava mergulhado na guerra mais terrível de todos os tempos. O caso entrou para a História como o exemplo mais didático e infeliz do fracasso da política de apaziguamento.
Trazendo um pouco mais para perto de nossa realidade: segundo a Doutrina Lula para Alcançar a Paz Mundial, a polícia não deve buscar prender ou deter assaltantes, assassinos ou seqüestradores: basta conversar com eles. Diante de um estuprador, por exemplo, nada de resistir: tente conversar com ele. Garanto que ele botará a mão na consciência e desistirá de seus intentos vis, convertendo-se de imediato num cidadão exemplar. Quem se habilita a tentar esse método infalível?
Há quem acredite piamente que o Brasil poderia exercer algum papel mediador no Oriente Médio, e que a política "pragmática" do Itamaraty sob Lula e Celso Amorim seria o caminho perfeito para esse objetivo. Chamberlain e Daladier achavam a mesma coisa em relação a Hitler. Deu no que deu. Mas Lula não está nem aí para esse detalhe histórico: ele certamente nem sabe quem foram Chamberlain ou Daladier, nem o que foi a Conferência de Munique de 1938. Apaziguamento, para ele, deve ser nome de alguma marca de cachaça.
Ainda sobre Lula e Ahmadinejad, leiam o que Nosso Líder Iluminado disse em entrevista à Folha de S. Paulo em 22 de outubro. Selecionei o trecho mais interessante:
FOLHA - O sr. não teme a repercussão negativa entre os judeus do encontro com o presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad?
LULA - Muito pelo contrário. Não estou preocupado com judeus nem com árabes. Estou preocupado com a relação do estado brasileiro com o estado iraniano. Temos uma relação comercial, queremos ter uma relação política, e eu disse ao presidente Barack Obama (EUA), ao presidente Nicolas Sarkozy (França) e à primeira-ministra Angela Merkel (Alemanha) que a gente a não vai trazer o Irã para boas causas se a gente ficar encurralando ele na parede. É preciso criar espaços para conversar.
Traduzindo: Lula está se lixando para o Holocausto, que para ele deve ser o nome de alguma banda de forró no Ceará. Isso porque ele, "muito pelo contrário", não está preocupado "com judeus ou com árabes" (como se o Irã fosse um país árabe...). A pergunta em si já parte de uma premissa completamente equivocada, para não dizer estúpida: por que somente os judeus ficarão indignados com a visita de Ahmadinejad? O Holocausto não é uma questão dos judeus apenas, mas de toda a humanidade. Quem nega que ele tenha existido, como faz Ahmadinejad, não está insultando apenas os judeus, mas a qualquer pessoa, de qualquer raça ou religião, que tenha um mínimo de decência. Para se indignar com os 6 milhões de mortos em Auschwitz e em Dachau, não é preciso ser marrano: basta pertencer à espécie humana. Mas Lula está cantando e andando para a humanidade. Sua preocupação, como ele diz, é com o comércio entre os Estados. É em não encurralar o Irã na parede para que o país possa ser "atraído para boas causas". O Holocausto - ah, o Holocausto... - não passa de um detalhezinho sem importância. Entendo: afinal, eram somente judeus, não é mesmo? Eles que se importem com o Ahmadinejad ou com o Hamas. Em outras palavras: isso não é problema meu, é o que Lula está dizendo.
Como se dizia antigamente: o tempora, o mores... Cortejar criminosos e negociar com delinqüentes, segundo os sábios do Itamaraty, virou sinal de "pragmatismo" e de "falta de preconceitos". Se do outro lado está um fanático religioso que nega o Holocausto e ameaça destruir um país inteiro com a arma nuclear, isso não é motivo, segundo Lula, para alarde ou preocupação, muito pelo contrário. Ser maluco e se opor à paz, nesse caso, é até um motivo a mais para negociar com ele e trazê-lo para o bom caminho...
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Aí está a "sabedoria filosófica" de Lula - a "revolução cultural internacional" de que falou o Zé Celso -: negocie com quem não quer negociar e você terá a paz; ignore ou minimize a morte de milhões de pessoas e você atrairá quem nega ou defende esse genocídio para boas causas... Melhor parar por aqui, antes que meu cérebro, como Itaipu, pare de funcionar.
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