sexta-feira, novembro 06, 2009

UMA NOTA PATÉTICA


Vejam que gracinha a Nota que o Itamatary divulgou hoje, sobre a reunião de chanceleres do chamado Grupo do Rio a respeito da situação em Honduras, realizada na Jamaica. Deveria constar como exemplo negativo nas faculdades de relações internacionais, de como NÃO fazer uma Declaração. Como vocês verão, o Grupo do Rio e a "comunidade internacional" parecem empenhados cada vez mais, ao analisar a questão de Honduras, em se dissociarem da realidade.

Nem traduziram a Declaração do espanhol. Mas nem precisava: a estupidez é uma linguagem universal. Eu em preto.

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Ministério das Relações Exteriores
Assessoria de Imprensa do Gabinete

Nota à Imprensa nº 558
6 de novembro de 2009

XXVIII Reunión de Ministros de Relaciones Exteriores del Mecanismo Permanente de Consulta y Concertación Política, Grupo de Río -
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Montego Bay, Jamaica,
5 de noviembre de 2009

Declaración Especial sobre la situación en Honduras

Los Ministros de Relaciones Exteriores del Mecanismo Permanente de Consulta y Concertación Política reunidos en Montego Bay, Jamaica, ante los hechos condenables que han tenido lugar en la República de Honduras, recordaron que el 29 de junio, un día despues del golpe de Estado, los Mandatarios reunidos en Managua en la Segunda Cumbre Extraordinaria del Mecanismo, se pronunciaron en favor de la restitución inmediata e incondicional del Presidente José Manuel Zelaya en el cargo para el cual fue legítimamente electo en las urnas, el restablecimiento del orden constitucional, del Estado de Derecho y de las autoridades legalmente constituidas en la hermana República de Honduras.

Pois é, né? Os chanceleres do Grupo do Rio insistem em chamar o que ocorreu em Honduras em 28/06 de "golpe de Estado"... Creio que, a essa altura, não vai adiantar nada perguntar de novo, mas eu pergunto assim mesmo: "golpe de Estado" com base em quê, cara-pálida? Se depender do que diz a Constituição hondurenha, em especial seu Artigo 239 - do qual já perdi a conta de quantas vezes falei aqui -, vou ficar mais uma vez sem resposta. Ah, já sei: os sábios do Grupo do Rio devem ter decidido que houve golpe de Estado por causa de um... pijama! Será que foi por isso?

Vejam que os senhores chanceleres fizeram questão de reiterar que Manuel Zelaya deve ser restituído imediata e incondicionalmente. Já falarei disso mais adiante. Reafirmaram ainda que devem ser "restabelecidos" a ordem constitucional, o estado de direito e as autoridades legalmente constituídas. A conclusão lógica é que o governo "interino" de Roberto Micheletti - o governo CONSTITUCIONAL de Honduras, na verdade - não está de acordo com a ordem constitucional e o estado de direito, nem constitui a autoridade legalmente constituída do país. Esta, segundo se infere, seria Manuel Zelaya. Volto a perguntar: com base em quê? Será que esses senhores leram a Constituição de Honduras? Cada vez mais me convenço que não.

Los Cancilleres, al ratificar su declaración de Nueva York de 22 de septiembre, reiteraron la condena al golpe de Estado, la demanda al respeto de los derechos humanos del pueblo hondureño, e hicieron un enérgico llamado para que cese el hostigamiento a la sede diplomática de Brasil en Tegucigalpa y se garanticen su inviolabilidad, la de las personas bajo su protección, así como la libertad de movimiento de su personal y de todo el cuerpo diplomático acreditado en Honduras, en estricto apego a la Convención de Viena sobre Relaciones Diplomáticas.

Mais uma vez, a velha conversa-mole sobre condenar um "golpe de Estado" que só existiu na cabeça deles... Devem achar que, de tanto repetirem que foi golpe, a história vai dar marcha-à-ré e reescrever o que aconteceu para que tenha sido mesmo golpe. Agora, pedem "respeito aos direitos humanos do povo hondurenho". Um observador menos atento - quase todo mundo, nesses dias - poderia concluir que se está falando de outro país, de Cuba ou do Irã, talvez - menos de Honduras. Mostrem-me um caso de violação dos direitos humanos pelo governo constitucional de Honduras! Qualquer um! Mostrem-me um exemplo de tortura, ou de preso político, ou de execução de adversários do novo governo! Não há nada! Zero! E as medidas de exceção adotadas pelo governo Micheletti, como a censura a rádios e TVs e a proibição de manifestações públicas? Mais uma vez: leiam a Constituição, em seu Artigo 187, que prevê esse tipo de medida em caso de grave perturbação à ordem pública (Zelaya pregou abertamente a guerra civil no país). Aliás, a tal rádio que foi fechada temporariamente fazia até propaganda antissemita, e mesmo assim funcionava abertamente. Os bolivarianos gostariam que não, mas os direitos humanos estão sendo plenamente respeitados em Honduras. Será que os chanceleres que se reuniram na Jamaica podem dizer a mesma coisa do que se passa em Cuba ou na Venezuela, por exemplo?

Quanto ao "fustigamento da sede diplomática do Brasil em Tegucigalpa", que estaria em desacordo com a Convenção de Viena, é o caso de se dizer, mais uma vez: Vão estudar, cambada de ignorantes! Quem está fustigando, na verdade, a soberania de quem? O governo Lula permitiu que a embaixada brasileira fosse transformada em valhacouto e em palanque político de um golpista, Manuel Zelaya. Com isso, violou e segue violando a soberania de Honduras. Isso constitui uma aberta violação da Convenção de Viena de 1961 sobre Relações Diplomáticas, que em seu Artigo 43 prevê até mesmo a possibilidade de o país que fizer isso ter a imunidade diplomática de sua representação retirada. Não somente a Convenção de Viena foi rasgada, como também a Carta da OEA (Artigo 19) e a própria Constituição brasileira de 1988 (Artigo 4), que estabelecem o princípio da NÃO-INTERVENÇÃO como um pilar das relações internacionais. Bando de farsantes!
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Ou será que os ministros das relações exteriores do Grupo do Rio estão se referindo a outra coisa, quando falam em "fustigamento" da embaixada brasileira em Tegugicalpa? Seria aos tais "raios de alta freqüência" que "mercenários israelenses" estariam lançando para perturbar o juízo de Zelaya, segundo disse o próprio? Quem escreveu essa pérola é bem capaz de acreditar em coisas desse tipo.
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Demandaron el cumplimiento inmediato y en su integridad, sin dilación, del Acuerdo de Tegucigalpa - San Jose suscrito el 30 de octubre en la capital hondureña, como la fórmula para restaurar el orden constitucional en ese país. En ese contexto, subrayaron que resulta imperativa la restitución inmediata del Presidente Constitucional José Manuel Zelaya, que debe ser supervisada por la Comisión de Verificación encargada de asegurar el cumplimiento de dicho Acuerdo.

Aqui chegamos ao cerne da questão. Os chanceleres do Grupo do Rio exigem o cumprimento imediato e integral do Acordo de Tegucigalpa-San José assinado em 30 de outubro. Muito bem, o que diz o Acordo? Que caberá ao Congresso hondurenho, em primeiro lugar, decidir a composição do novo governo de coalizão do país, e se - vejam bem: SE - Manuel Zelaya deve retornar à presidência com poderes limitados (ele não teria mais o controle sobre as Forças Armadas, nem poderia convocar o tal plebiscito que ensejou sua queda em 28/06). Em nenhum momento - repito: em nenhum momento - foi acordado que Zelaya seria restabelecido na presidência da República, apenas que esta questão seria apreciada pelo Parlamento hondurenho. O próprio representante dos EUA nas negociações, Tom Shannon, deixou isso claro em entrevista. O governo de coalizão hondurenho será constituído e realizará as eleições presidenciais de 29/11 com ou sem Manuel Zelaya. Logo, de onde tiraram que a restituição do Bigodudo é "imperativa" para alguma coisa?

Notem que, no primeiro parágrafo, os chanceleres reafirmam que não aceitariam nada menos do que a restituição imediata e incondional de Zelaya ao poder. Esta tem sido, também, a posição do governo brasileiro desde 28/06. Pelo Acordo de Tegucigalpa-San José, nada disso é garantido; pelo contrário: se Zelaya retornar, será como uma espécie de Rainha da Inglaterra, um presidente simbólico, sem poder algum. E nem isso é garantido. Ou seja: já está claro para os principais atores do drama hondurenho que Zelaya não passa de um fator perturbador, não tem qualquer peso na solução da questão. Apenas a "comunidade internacional", representada aqui pelo Grupo do Rio, insiste em seu retorno. Como não conseguiram que ele retornasse com todos os poderes, agora tentam salvar as aparências.

Expresaron que para el Grupo de Río la restitución inmediata del Presidente José Manuel Zelaya en el cargo para el que fue electo por el pueblo hondureño, constituye un requisito indispensable para el restablecimiento del orden constitucional, del estado de derecho y de la vida democrática en Honduras, así como para la normalización de las relaciones de la República de Honduras con el Grupo de Río y para que sea posible el reconocimiento de los resultados de las elecciones previstas para tener lugar el 29 de noviembre próximo.

Novamente: de onde concluíram que a "restituição imediata" de Zelaya e de seus militantes bolivarianos é "um requisito indispensável" ao "restabelecimento da ordem constitucional", do "estado de direito" e da "vida democrática" em Honduras? Pois é exatamente o contrário! Primeiramente, a ordem constitucional não foi rompida - pelo contrário, foi mantida pela destituição de Zelaya. Basta ler a Constituição do país, que em momento nenhum os senhores chanceleres do Grupo do Rio mancionam na Nota. O mesmo vale para o estado de direito e para a democracia: quem tentou destruir a democracia em Honduras, meus senhores, foi Manuel Zelaya, não Roberto Micheletti. E, agora, ele tenta de novo, desta vez com o apoio do governo do Brasil e da "comunidade internacional", inclusive do Grupo do Rio, cujos membros certamente não se deram ao trabalho de ler o que está na Carta Magna de Honduras. Transformaram Zelaya num mártir da democracia! Francamente...

Mas o mais curioso na Nota vem no final, quando ela diz que a retorno de Zelaya ao poder é indispensável para que "seja possível o reconhecimento dos resultados das eleições previstas para 29 de novembro". Trocando em miúdos: sem a volta de Zelaya - não mais com poderes totais, como eles gostariam, mas sem ele de qualquer jeito -, o resultado das eleições não serão reconhecidos. Eleições que, é bom lembrar, até um dia desses os mesmos que subscreveram a Declaração acima diziam que não deveriam sequer ser realizadas, pois o governo que as realizaria era "ilegal"... Não há como não ver um progresso nisso aí. Mas notem bem: o Grupo do Rio está dizendo que só aceitará o resultado das urnas em 29/11 se Manuel Zelaya estiver no governo. Algo que em momento algum é dado como certo no Acordo de Tegucigalpa-San José. Mesmo Acordo que, segundo a mesma Nota, o Grupo do Rio quer ver implementado. Não é estranho?

Os bolivarianos já perceberam que perderam a parada em Honduras. Já se deram conta que o Bigodudo Zelaya não irá retomar o poder na marra, como gostariam que ele fizesse, e que caminha a passos largos para a irrelevância, para a lata de lixo da História. Agora tentam a todo custo salvar a face, falando em "retorno da ordem constitucional" e condicionando a volta de Zelaya ao reconhecimento das eleições de 29/11. Seria apenas ridículo, se não fosse uma grossa trapaça.

Ah, e antes que eu me esqueça: o Grupo do Rio é aquela associação de países que em dezembro do ano passado, na Costa do Sauípe, aplaudiu a entrada da tirania de Cuba na organização, sem ter exigido dela nada - nada mesmo! - em troca. Por aí se vê o compromisso dessa gente com a democracia, os direitos humanos e a ordem constitucional...

Patético.

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