
Por Marcelo Ninio, na Folha:
Este é um blog assumidamente do contra. Contra a burrice, a acomodação, o conformismo, o infantilismo, a ingenuidade, a abobalhação e a estupidez que ameaçam tomar conta do País e do Mundo. Seja livre. Seja do contra. - "A ingenuidade é uma forma de insanidade" (Graham Greene)
Acabo de ler, por exemplo, um texto de um conhecido meu, dos tempos da faculdade, o Pablo Capistrano, publicado no Jornal de Hoje, de minha cidade, Natal-RN, de 23/02. O texto, bem escrito como tudo o mais que ele produz, não pode ser considerado exatamente uma apologia da ditadura castrista, nem uma crítica. A meu ver, ele exemplifica uma visão que se tornou corrente em muitas análises e reportagens, que parecem estar pisando em ovos quando tratam da ditadura cubana e de seus crimes. O autor - espero que ele não se chateie comigo por citar seu nome neste blog, mas isso é internet - busca a todo momento uma atitude "equilibrada" diante do fenômeno Fidel, longe do que chama de "trivialidades ideológicas que embotam uma visão mais transparente do papel da revolução cubana no cenário da política latino americana". Já escrevi neste blog que não acredito na possibilidade de ter uma atitude "equilibrada" e "isenta" diante de tiranos homicidas como Fidel Castro. Assim como não sei a que trivialidades ideológicas o autor se refere. Sei apenas que, se está se referindo aos 17 mil fuzilamentos e 78 mil afogados tentando fugir da ilha desde 1959, é forçoso admitir que isso constitui bem mais do que uma mera trivialidade.
A relação estreita entre os EUA e a revolução castrista, seja lá o que isso seja, é algo claro e inegável. Como claro e inegável é o fato de que a tese, amplamente difundida, de que Cuba se voltou para o lado da ex-URSS e do comunismo porque foi a isso empurrada pela política hostil e desastrada dos EUA é uma das maiores mentiras que já surgiram em todos os tempos (não sei se é isso que o autor quer dizer; espero que não). Como mentirosa é a idéia, também repetida ad nauseam, de que Cuba se tornou uma espécie de éden da saúde e da educação após a subida de Fidel ao poder (novamente, espero que não seja a isso que o autor se refere, quando fala em "grandes avanços sociais" supostamente alcançados pela ditadura cubana). Pelo contrário: Cuba era, e isso já escrevi antes, um dos países mais prósperos e desenvolvidos das Américas até os anos 50, inclusive na área social. Tinha, então, a 3a renda per capita da América Latina. Hoje, está em 29. lugar, na frente apenas do Haiti.
É impressionante como a propaganda castrista é eficiente. Mesmo quando acreditamos que não estamos fazendo o jogo de Fidel, acabamos reproduzindo, sem saber, suas mentiras e manipulações. Vejam a questão dos direitos humanos. A tirania castrista tem sempre pronta a resposta quando é cobrada pelos fuzilamentos e prisões de dissidentes: "Olhem os EUA" etc., etc. Desse modo, alegam - e muitos entre nós assinam embaixo - que o argumento dos direitos humanos, quando usado pelos EUA, não passa de uma conveniênia política. Não nos damos conta de que o mesmo poderia ser dito pelos defensores de ditaduras de direita em relação a seus acusadores, isto é, que estariam agindo de acordo com as conveniências da URSS etc., etc. É estranho, para dizer o mínimo, que não se veja ninguém dizendo que os defensores da anistia e das Diretas Já no Brasil nos anos 70 e 80 eram um bando de agentes de Moscou (e olha que muitos eram mesmo). Mas quando se trata dos exilados e dissidentes cubanos pedindo democracia e eleições livres na ilha-cárcere, ah!, são todos lacaios do imperialiamo ianque e mercenários a soldo da CIA... E ainda há quem queira criticar os "double standards" dos EUA nessa questão.
Que Fidel Castro é uma figura-chave da História latino-americana no século XX, e que não se pode analisar a trajetória do continente sem levá-lo em conta, é um fato, não há o que se discutir. Ele é, sem dúvida, uma personagem histórica da mais alta importância, goste-se ou não dele. Exatamente como foram grandes figuras históricas Hitler, Stálin, Mao Tsé-Tung e o Aiatolá Khomeini. No entanto, não vejo ninguém - pelo menos ninguém em seu juízo perfeito - tentando de algum modo relativizar os crimes monstruosos que esses senhores cometeram, enaltecendo o "bom legado" que eles deixaram para a posteridade. Não vejo ninguém, por exemplo, dizer que há Hitlers e Stálins, assim como Francos e Pinochets, "para todos os gostos". Fidel Castro é um tirano e assassino. Isso não é uma questão de "imagem". É um fato. Eu me recuso a cultivar essa posição ambígua em relação ao ditador cubano e a seu regime criminoso.
Perceberam o paradoxo? Fidel Castro, o líder do antiimperialismo na América Latina (como disse Oscar Niemeyer), o herói da luta contra a opressão e a arrogância imperial norte-americana, é um ardente seguidor do imperialismo ianque. Isso mesmo. Você leu certo. Fidel é um agente da Casa Branca, um americanófilo, um lacaio de Wall Street.
Onde isso mais se verifica é na forma como o tirano caribenho manipula a questão do "bloqueio" norte-americano à ilha (na verdade, um embargo). Há mais de 40 anos Fidel repete sem cessar que o tal "bloqueio" é a causa de todos os males de Cuba, da falta de sabão em pó até o caráter ditatorial do regime. Tal "bloqueio", como já disse antes, é uma farsa, uma ilusão, pois Cuba mantém relações comerciais normais com a maior parte dos países do mundo, e inclusive com os EUA, que enviam US$ 1 bilhão à ilha todo ano por meio dos exilados anticastristas. Mas isso não importa para os apoiadores do ditador. O "bloqueio" é um bode expiatório, o álibi perfeito. Se o ambargo não existisse, Fidel o faria existir.
Mas e os slogans do regime? E os quase cinqüenta anos de propaganda oficial cubana? E os discursos longuíssimos do "líder máximo" esbravejando contra o "bloqueio" dos EUA à ilha? Encenação, pura encenação. Farsa para inglês - ou brasileiro - ver. Fidel Castro é tão antiamericano quanto foi, um dia, anti-soviético ou anti-torcida do Fluminense. Trocando em miúdos: o antiamericanismo, em seu regime farsesco, não passa de um instrumento ideológico da ditadura, uma forma de garantir seu controle absoluto sobre a população.
A dependência castrista dos EUA revela-se em praticamente toda ação, toda iniciativa do regime cubano. A lógica do confronto, do enfrentamento, foi o caminho escolhido por ele, Fidel, e agora repetido por seu pupilo Hugo Chávez, para se estabelecer e se eternizar no poder. Afinal, a invenção do inimigo externo, para um ditador, é algo essencial. Com base nesse discurso, ele pode aparecer como "defensor da pátria" e, ao mesmo tempo, meter na cadeia todos aqueles que possam constituir um obstáculo à ditadura, juntando a paranóia à ânsia pelo poder. É provável que, se os EUA não tivessem patrocinado a tentativa de invasão da Baía dos Porcos, em 1961, e a CIA não tivesse tentado matá-lo 636 vezes nos anos 60, ele teria forjado a invasão e os atentados apenas para ter a quem culpar por seus desmandos.
Assim, sempre que é defrontado com o imperativo moral de acabar com a censura e permitir eleições livres e plurais, o tirano trata imediatamente de condicionar qualquer abertura na ilha-prisão à medida semelhante nos EUA. Alguém pediu liberdade na ilha para os presos políticos? Os EUA devem libertar os "cinco heróis" detidos há alguns anos nos EUA por espionagem. Falou-se em liberdade de imprensa em Cuba? A imprensa norte-americana é dominada por uma "ditadura do dinheiro". Defendem a realização de eleições livres e plurais? Os EUA são uma democracia "de fachada". Fim das violações aos direitos humanos e das perseguições aos dissidentes políticos? Fechem a base militar de Guantánamo, gritam os castristas (enquanto isso, há umas duzentas Guantánamos em Cuba, mas ninguém liga). E assim por diante.
Fidel deve tudo aos EUA. Inclusive o poder. Quando estava em Sierra Maestra, contou com o apoio mais ou menos velado da CIA e do Departamento de Estado, que desconfiavam do ditador Fulgencio Batista e viam o jovem líder guerrilheiro barbudo como uma alternativa democrática para a ilha. Um correspondente do The New York Times, Herbert L. Matthews, subiu a serra para encontrar-se com Fidel, então dado como morto após o desembarque do Granma, e voltou alardeando que o guerrilheiro era um líder democrata e não-comunista. Quando as forças rebeldes entraram em Havana, em janeiro de 1959, contavam com o apoio e a simpatia não só da população cubana, mas da opinião pública norte-americana, que, trabalhada pelas reportagens de Matthews, via Fidel como um herói romântico e dirigente democrático. Logo veriam quão democrático ele era, com os milhares de fuzilamentos e a anulação de todas as liberdades na ilha, que então se transformaria num Estado marxista sustentado pela URSS.
Os auto-proclamados antiamericanismo e antiimperialismo de Fidel são tão falsos e oportunistas quanto suas arengas por "mudança" nos EUA. Muita gente acredita que, após a "renúncia" fajuta do tirano, o caminho estaria aberto para que Hillary ou Obama, se eleitos, finalmente iniciem algum tipo de diálogo com Cuba, e que isso levaria à restauração da democracia na ilha. Tola ilusão. Se houvesse uma revolução nos EUA e o país se tornasse, hipoteticamente, uma república comunista, o Coma Andante daria um jeito de continuar a espinafrá-lo, apenas para desviar a atenção do que ocorre em sua ilha particular, transformada em verdadeira prisão para seus habitantes, há quase meio século. O curioso é que Fidel sempre foi um ardente admirador dos EUA. Seu primeiro contato com a política foi aos 13 anos de idade, quando enviou uma carta, em inglês cheio de erros, ao presidente Franklin Roosevelt, dos EUA, na qual pedia que este lhe enviasse uma nota de 10 dólares (já se antevia aí o futuro espertalhão). Na juventude, era um astro do beisebol, seu esporte favorito. Lia Hemingway. Adorava Coca-Cola e filmes de faroeste. Que tanta gente ainda se deixe levar por sua lábia é algo que desafia a compreensão humana.
Não é só Fidel que é dependente, política e psicologicamente, dos EUA. Os bocós esquerdóides que o idolatram, os Chicos Buarques e Luís Fernandos Veríssimos, também são. Assim como o ditador cubano, eles são fascinados pelo país do Mickey Mouse. E, assim como ele, falta-lhes um mínimo de honestidade intelectual para que o confessem.
"Acho que é assim que vamos ajudar Cuba: sem nenhuma ingerência política, e sim com muita vontade de ajudar os cubanos a fazer o que precisam que seja feito", concluiu. Esse Lula é demais. Primeiro, corrobora a versão oficial castrista da História de Cuba pré-Fidel, e manifesta todo seu apoio e admiração ao tirano do Caribe. Depois, diz ser contra qualquer ingerência política... É, ele realmente sabe "fazer o que precisa que seja feito". Impressionante.
Se antes eu tinha certeza de que o Apedeuta era um completo ignorante em Gramática e em História do Brasil, agora me convenço de que é também um parvo em História de Cuba. Deve ser porque seu conhecimento sobre o assunto é retirado de alguma cartilha de Frei Betto ou Emir Sader. Nunca na história deste país tivemos um presidente tão ignorante, tão farsante e tão amigo de um ditador.
A notícia é excelente. Finalmente nos livramos de um fantasma que assombrou gerações. A minha, por exemplo, que está na faixa dos trinta e poucos anos, cresceu ouvindo que a tal dívida era o maior entrave ao desenvolvimento do País. Acostumamo-nos a achar que ela era impagável. Lembro que, quando eu comecei a despertar para as coisas do mundo, lá pelos meados dos anos 80, havia poucas certezas na vida. Uma delas era que jamais veríamos o dia em que a dita dívida seria, enfim, coisa do passado. Era algo, se tanto, para os nossos netos ou bisnetos. Até que enfim nos livramos de um fardo. No entanto...
O fim do problema da dívida externa não é uma vitória do governo Lula, nem dos lulo-petistas. É uma vitória da ortodoxia econômica. Quem tem memória lembra bem: os lulo-petistas sempre foram contra as políticas ortodoxas ("neoliberais") que permitiram o equilíbrio das contas públicas. Clamaram contra elas, quando estas começaram a ser aplicadas, durante o governo de seu rival FHC, treze anos atrás. Alegavam, demagogicamente, que tais políticas seriam "uma submissão aos ditames do FMI e do capital internacional". Uma vez no poder, porém, mudaram de discurso, mantendo a mesma política econômica que condenavam com tanto fervor na véspera. Sem confissão, nem arrependimento. Não por convicção, mas por puro oportunismo. Por pura demagogia.
Nesse trabalho de enganar a todos, os lulo-petistas contaram também com uma boa dose de sorte. De fato, a sorte de Lula é impressionante. Durante seu governo, ele se beneficiou de uma maré extremamente favorável da economia mundial. Assim como Hugo Chávez, que se beneficia da alta dos preços do petróleo no mercado internacional para impor seu "socialismo do século XXI". Assim como seu colega venezuelano, Lula usa o capitalismo e a democracia para miná-los. E, assim como Chávez, ele não pode dizer que foi o criador dessa situação favorável.
Não há como negar também que as boas notícias na área econômica têm um lado negativo para os lulo-petistas. Até agora, por exemplo, não os vi comemorarem tanto assim a notícia de que o País é, enfim, dono de seu destino. Deve ser porque, com o problema da dívida enfim solucionado, não poderão mais botar a culpa pelos males do Brasil no FMI ou em outro agente externo. Não poderão mais defender a realização de um plebiscito em defesa do calote da dívida externa, como já fizeram antes. Terão que procurar outro bode expiatório. As elites ou a mídia golpista, quem sabe.
A História demonstra que encher os bolsos da burguesia é a melhor maneira de seus inimigos prepararem o golpe que a varrerá do mapa e lhes permitirá a conquista do poder. Foi assim na Rússia czarista, com a ajuda do Kaiser alemão a Lênin para derrubar o governo provisório de Kerensky. Foi assim na Alemanha, com parte da burguesia alemã apoiando os nazistas de Hitler. E é assim hoje, no Brasil, com o governo de Lula e dos petralhas. Enquanto esses burgueses estúpidos continuarem pensando com seus bolsos e suas barrigas, e não com suas cabeças, o triunfo definitivo dos inimigos da liberdade será só uma questão de tempo.