terça-feira, fevereiro 19, 2008

A RENÚNCIA DO DITADOR NÃO É O FIM DA TIRANIA


Está em todos os jornais de hoje. Nesta terça-feira, 19 de fevereiro, Fidel Castro renunciou ao cargo de Presidente da República e de Presidente do Conselho de Estado de Cuba. De seu leito de morte, o "Coma Andante", na brilhante e hilariante definição de Reinaldo Azevedo, mandou avisar que não quer mais comandar formalmente o Estado e o governo cubanos. Em todo o mundo, milhares de exilados cubanos exultaram com a notícia histórica. A imprensa, nacional e estrangeira - isto é, a parte que não se acostumou a babar feito um adolescente deslumbrado e a entoar loas ao ditador caribenho -, não perdeu tempo: já começa a anunciar o início de uma "nova era" na História de Cuba, antecipando a inevitável sucessão e transição política.

Então Cuba finalmente está caminhando rumo à democracia, certo? Nada disso, infelizmente. Fidel Castro renunciou aos cargos que ocupava, mas não renunciou à tirania. Desde 31 de julho de 2006, quando decidiu afastar-se, pela primeira vez em 47 anos, do comando sobre a vida de 11 milhões de cubanos, por motivo de doença - desde então objeto de incontáveis especulações na imprensa mundial -, o tiranossauro do Caribe passou as rédeas do poder a seu hermanito Raúl, que comanda as Forças Armadas da ilha há mais de quatro décadas. Ao lado de Fidel e de Che Guevara, Raúl Castro compôs a famosa "santa trindade" da Revolução Cubana, tendo comandado muitos fuzilamentos. Raulito é tão ou mais déspota que seu irmão maior, como demonstra seu passado de fiel militante do Partido Comunista Cubano, antes mesmo da tomada do poder pelos barbudos (alguns dizem até que foi ele quem levou Fidel e Cuba para o lado da defunta URSS). Desde que ele assumiu a direção do Estado, a ilha não avançou um milímetro no respeito às liberdades fundamentais. Pelo contrário. A ditadura comunista cubana, sob Raúl Castro, mostra-se apenas uma continuação da tirania fidelista. Mais de 200 presos políticos continuam a mofar nas prisões. Não há liberdade de imprensa. As eleições são uma fraude para legitimar a tirania - 614 candidatos para 614 vagas na Assembléia Nacional, que não passa de uma correia de transmissão da vontade do Partido único, capitaneado por Fidel e sua súcia. Enfim, nada mudou. Arrisco-me a dizer que, com a saída - aparente - de cena de Fidel, nada ou muito pouco mudará.

Para quem está chegando agora, não é a primeira vez que o ditador barbudo renuncia a um cargo político. Em julho de 1959, quando a ilha ainda não era uma ditadura comunista, ele renunciou ao cargo de primeiro-ministro, "em protesto" contra o então presidente da República nomeado por ele próprio, o juiz liberal Manuel Urrutia, que teve a ousadia de opor-se publicamente às medidas comunizantes do regime e à centralização do poder. Exatamente como Jânio Quadros tentou fazer no Brasil dois anos depois, com sua renúncia intempestiva, Fidel Castro quis, com isso, provocar uma crise política, forçando o povo cubano a tomar uma decisão do tipo "ou ele ou eu". O golpe deu certo. Ao saber da renúncia inesperada de Fidel, o povo foi às ruas, pedindo seu retorno ao poder e a saída de Urrutia, que então abandonou o cargo, fugindo do país e indo engrossar a lista de exilados políticos do regime. Isso dá uma idéia do grau de manipulação e de farsa que existe por trás de cada ação do líder revolucionário.

Também não se deve superestimar o significado dos cargos aos quais o ditador acabou de renunciar. Em regimes totalitários como o de Cuba e o da ex-URSS, funções como o de presidente da República ou primeiro-ministro são apenas meras formalidades. Quem comanda mesmo é o Partido, que, em Cuba, está nas mãos dos irmãos Castro. De 1959 a 1976, por exemplo, o presidente de Cuba atendia pelo nome de Oswaldo Dorticós. Alguém sabe quem foi? Stálin, na ex-URSS, só se auto-indicaria presidente da República em 1940, mais de dez anos depois de ter imposto seu poder absoluto, e depois de exterminados todos os seus adversários, reais ou imaginários, na estrutura do Partido e do Estado soviéticos. Logo, não há razão para otimismo exagerado, nem para achar que o "Coma Andante" vai deixar de dar as cartas na ilha-prisão, sua fazenda particular.

Outro motivo, porém, me parece o mais forte a desaconselhar qualquer euforia desmedida. Além da repressão e do terror policial, o que sustenta o regime comunista cubano é a simpatia e a leniência com que ele é encarado por vários governos ocidentais. Entre os quais, o de Lula da Silva no Brasil. Enquanto tais governos continuarem a fazer vista grossa ou a justificar abertamente a ausência de liberdade na ilha, não haverá motivo algum para acreditar que Cuba se tornará, gradualmente, uma democracia. Sabe-se que regimes totalitários não podem ser reformados, pelo menos no que diz respeito ao monopólio do poder político: ou são derrubados ou sucumbem por seu próprio peso e ineficiência. Ou, então, se eternizam. Sendo um regime totalitário, é muito pouco provável que Cuba venha a se transformar numa democracia pela vontade da elite castrista no poder, que tem tudo a ganhar com a manutenção do regime, e tudo a perder com qualquer abertura. E, enquanto houver governos como o brasileiro, dispostos a fechar os olhos para as atrocidades da ditadura, a nomenklatura cubana não terá motivo nenhum para liberalizar o regime. Como já disse antes, Cuba é uma ditadura sustentada por democracias, para eterna vergonha destas e sofrimento dos cubanos.

Como não poderia deixar de ser em se tratando de um ditador, o cubano, com laços tão fortes com o atual governo do Brasil, não faltou ao episódio um toque brasileiro. Na carta que fez publicar no jornal oficial Granma, em que anuncia sua decisão de não mais ser o presidente da República e primeiro-ministro da ilha, Fidel Castro cita o arquiteto brasileiro e gênio oficial Oscar Niemeyer, seu amigo de longa data. Fidel diz que é preciso ser conseqüente até o fim. Se isso é verdade, podem esquecer, pois o regime não vai recuar um centímetro em seu caráter totalitário. Com ou sem Fidel, não importa: se depender de seus amigos, como Lula e Hugo Chávez, o povo cubano continuará a olhar para o mar em busca de esperança.

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