quinta-feira, março 20, 2008

O PARADOXO ANTIAMERICANO - II

Tenho mantido, aqui e no site de meu conterrâneo Pablo Capistrano (http://www.pablocapistrano.com.br/ - ver "comentários") um estimulante debate, que começou quando escrevi, neste blog, um texto comentando artigo dele sobre a ditadura de Fidel Castro em Cuba. Argumento vai, argumento vem, e o debate, que antes era sobre o tiranossauro cubano, passou a ser sobre os EUA e sua política externa. Uma coisa puxa a outra, e não me furto à oportunidade de esclarecer alguns pontos importantes também nessa matéria, embora não ache que uma coisa tenha necessariamente a ver com a outra.
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Respondendo a um comentário meu postado em seu site sobre seu texto "O paradoxo EUA", Pablo escreve o que vai a seguir, o que pedi licença a ele para transcrever aqui (ele vai em vermelho, eu vou em preto):
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Certo Gustavo, mas e o que você tem a dizer sobre o pactriot act? aprovado após 11 de setembro?
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violação de correspondência, prisões sumárias sem o devido processo legal, tortura, abu graib, guantanamo...
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Tenho a dizer o seguinte: os EUA foram atacados. Desde então, estão em guerra. E não uma guerra convencional, do tipo exército contra exército, mas uma guerra de novo tipo, em que o inimigo, sem rosto, se esconde entre a população, aproveitando-se das facilidades e garantias da democracia para atacar. Foi assim que agiram os 19 terroristas em 11 de setembro de 2001.
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Não aprovo o Patriot Act, assim como não aprovo as violações de correspondência, prisões sumárias sem o devido processo legal, tortura, Abu Ghraib, Guantánamo... (quanto a isso, inclusive, já escrevi aqui). Mas nem por isso concordo em utilizar tais abusos como um biombo para justificar o imobilismo. Nem tampouco vou deixar por isso de considerar o terrorismo islamita como uma ameaça que deve ser combatida. De preferência, dentro das normas legais de uma democracia. Não é preciso ser americanólfilo para compreender isso.
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Sei que às vezes é difícil conciliar segurança e democracia, principalmente num país como os EUA, onde qualquer ameaça às liberdades individuais em nome da segurança coletiva é imediatamente - e corretamente, aliás - classificada como um ato arbitrário e antidemocrático, gerando debate e dissensão. E é isso que difere os EUA das ditaduras: o debate, a liberdade de discordar. É por isso que os EUA são uma democracia, ao contrário de seus inimigos. E é por isso que os EUA, desde pelo menos a II Guerra Mundial, estão na vanguarda da luta pela liberdade.
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é preciso distinguir o discurso dos poetas e dos filosófos norte americanos que contribuiram de form a significativa para a humanidade com suas idéias de liberdade e democracia da política real dos regime Repúblicano .
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Concordo plenamente. É preciso ter em mente sempre os postulados democráticos lançados por homens como George Washington, Thomas Paine e Thomas Jefferson contra qualquer um que queira destruí-los, inclusive sob o pretexto de defendê-los. Daí a necessidade imperiosa, a meu ver, de seguir de perto a política externa norte-americana, de modo a que ela siga esses princípios. Deixando de apoiar ditaduras, por exemplo.
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Aliás, é curioso: historicamente, o discurso dos republicanos sempre tendeu para o isolamento, não para a exportação da democracia. Esse tipo de postura, que alguns chamam de "intervencionismo messiânico", sempre esteve muito mais associado aos democratas, desde a época de Woodrow Wilson e dos 14 Pontos. Por isso que é uma mudança tão significativa, a meu ver, a nova política externa posta em prática pelo governo Bush, no que diz respeito às ditaduras. Pela primeira vez em muito tempo vemos os EUA se mexerem efetivamente para derrubar, e não apoiar, regimes tirânicos, em nome da democracia. É algo para se comemorar, em minha opinião. Não me importo de ser chamado de pró-EUA ou neoconservative por causa disso.
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no mundo da política real o pragmatismo geopolítico faz com que o discurso desapareça.não há direitos humanos em assunto de Estado e essa história de implantar democracia no Afeganistão e No Iraque não faz sentido...
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Aqui temos uma discordância. Primeiro, o pragmatismo geopolítico, a meu ver, não significa falta de princípios. A realpolitk deve estar a serviço de uma causa, seja ela qual for. No tempo do Nixon e do Kissinger, essa "causa" era a estabilidade da ordem internacional, o que levou os EUA a apoiarem ditaduras. Hoje, essa atitude mudou radicalmente, como escrevi acima. A garantia da segurança, hoje, passa necessariamente pela expansão e consolidação da democracia, algo desconhecido no Oriente Médio - com a exceção, geralmente esquecida, de Israel. Isso significa um compromisso programático com a segurança e os direitos humanos, transformado em política de Estado.
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Ainda espero ser convencido de que a idéia de implantar a democracia no Afeganistão e no Iraque, ou no Nepal e nas Ilhas Salomão, "não faz sentido". Em outro post escrevi que não acredito sinceramente que os árabes e muçulmanos sejam imunes à democracia parlamentar e aos direitos humanos, e que o discurso relativista serve apenas para garantir a opressão das elites locais, elites que em geral olham o Ocidente com um misto de inveja e admiração. Essa idéia - de que os muçulmanos são infensos à democracia - não seria, ela mesma, um preconceito ocidental?
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como apoiar democracia no Iraque se os Repúblicanos construiram e armaram Sadam Hussein e forneceram o material químico para a guerra dele contra os Curdos?
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como apoiar a democradcia no Afeganistão se o Talibã foi financiado pelos repúblianos na era Reagan? Lembra do Rambo III e dos Guerreiros da Liberdade?
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Sem entrar nos pormenores das razões que levaram o governo Reagan a apoiar Saddam contra o Irã nos anos 80, e os mujahedin afegãos (nem todos membros da Al Qaeda, é bom lembrar) contra a URSS no mesmo período, creio ser necessário repor as coisas no lugar. A idéia dos EUA "colhendo o que plantaram", exaustivamente repetida após o 11 de setembro, já foi por mim analisada em post anterior. Trata-se de uma tentativa de justificar ações antiamericanas retroativamente. "Ah, os EUA estiveram do mesmo lado de Saddam e de Bin Laden um dia? Então, sua luta contra a ditadura e o terrorismo é uma farsa". Certo? Errado. Os EUA também estiveram do mesmo lado da URSS e do Partido Comunista Chinês de Mao Tsé-Tung durante a Segunda Guerra Mundial, e nem por isso se viu ninguém repetindo por aí que a Guerra Fria era uma pantomima para inglês ver. O fato de antigos aliados se terem tornado inimigos não pode ser utilizado como desculpa para justificar o terrorismo e a permanência de tiranias.
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Como dar suporte a um discurso de direitos humanos no oriente médio se a principal base norte americana se situa em um país teocrático, fundamentalista como a Arabia Saudita?
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Essa é uma boa questão. Aliás, é importante lembrar: foi justamente a presença de forças ocidentais na Arábia Saudita após a primeira Guerra do Golfo, em 1991, que inflamou o ódio de Osama Bin Laden contra os EUA (as raízes desse ódio, claro, são bem mais profundas, e devem ser buscadas mais na psicologia do que na política). Uma das coisas que o terrorista saudita não pôde suportar foi - blasfêmia! - mulheres militares, vestidas com uniformes e sem o véu muçulmano, dirigindo carros. É verdade, a Arábia Saudita é uma monarquia teocrática e fundamentalista. Daí a importância da presença ocidental, até como forma de pressão. Pergunto: se os EUA resolvessem fazer na Arábia Saudita o mesmo que fizeram no Iraque, qual seria a reação da opinião pública mundial? Certamente, os opositores dos EUA fariam marchas e mais marchas no mundo todo, protestando contra mais essa "intervenção imperialista"... O que mostra que o discurso democrático, na boca dos antiamericanos, vale apenas para criticar os EUA, não importa o que façam - ou não façam, dá na mesma.
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veja bem...
é preciso separar a herença cultural norte americana e os conceitos herdados do iluminismo da prática dos regimes políticos e da política real que não tem valores nem conceitos.
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no mundo da geopolítca liberdade, igualdade e fraternidade são marcas ideologicas para pontuar eleições.
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quanto ao modelo norte americano concordo em parte com você, ele é bom políticamente mas péssimo economicamente.
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prefiro a saida européia, liberalismo polítco e socialismo econômico.
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Não gosto do modelo europeu, sobretudo francês, com sua burocracia estatal inchada e protecionismo exacerbado, que engessam o país. Prefiro o modelo norte-americano mesmo. Discordo que ele seja "péssimo economicamente" - pelo menos nos últimos duzentos anos, esse modelo, baseado na fórmula "menos governo (ou seja: menos impostos), mais iniciativa" rendeu alguns frutos interessantes. Transformou um país que há dois séculos era um aglomerado disperso de comunidades rurais autônomas na maior potência econômica da história da humanidade. Enquanto a velha Europa, com sua rica História e tradição milenar, afundou em chauvinismo e em guerras idiotas. A ponto de países como a França e a Alemanha deverem tudo que são hoje a ninguém menos do que os... EUA, que acudiram o velho continente duas vezes com suas tropas e dinheiro.
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por enquanto... até que finalmente, a bandeira negra triunfe e o Estado e o mercado, com sua civilização possa finalmente passar para a história como uma experiência curiosa, com começo, meio e fim.
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Pelo que entendi, Pablo, você é um anarquista. A referência à "bandeira negra" triunfando sobre o Estado e o mercado não deixam dúvida sobre isso. Bom, não sou anarquista, nem admirador de Bakunin, Kropotkin e Proudhon. Sou um democrata, alguém que ainda acredita em coisas fora de moda como direitos humanos e responsabilidade individual. Isso significa que acredito que coisas como Estado e mercado não são meras curiosidades históricas, mas fatores indispensáveis à civilização. Ao contrário do antiamericanismo, da ditadura e do terrorismo, que, como o comunismo, há muito tempo já deveriam estar na lata de lixo da História.

Um comentário:

Augusto Araújo disse...

Olá Gustavo. Postei os textos q havia falado. Se possivel gostaria q vc desse uma olhada. está no meu blog.

Abs!