quarta-feira, março 19, 2008

CHUTANDO CACHORROS


Desde que resolvi expor minhas opiniões sobre as esquerdas e os esquerdistas, já recebi muitas críticas. Algumas me divertem, por seu primarismo. Outras me aborrecem. Uma das mais irritantes, devo admitir, é aquela segundo a qual eu estaria batendo num adversário que há muito já não representa qualquer perigo. "Cara, pára com isso. Você está chutando cachorro morto", é o mantra geralmente dito nessas horas, repetido de forma quase mecânica e com aquele ar de superioridade típico de quem acredita ser dono de uma verdade e de uma sabedoria irrefutáveis. O mesmo tipo de argumento zoológico foi-me repetido por ocasião da recente "renúncia" do tirano e assassino em massa Fidel Castro em Cuba. Este seria um - literalmente falando - cadáver ambulante, disseram-me. Logo, não valeria a pena criticá-lo. Tendo em vista seu estado de saúde, seria até covardia.

Não sou o primeiro a receber esse tipo de crítica. Outros, mais competentes do que eu, têm de conviver quase diariamente com observações do tipo. Tem sido assim, pelo menos, desde que foi anunciada, com pompa e fanfarra, a "morte do comunismo", em fins dos anos 80. Essa idéia, repetida ad nauseam nas últimas duas décadas - "o comunismo morreu" - tem tido um efeito narcotizante sobre os cérebros bem-pensantes, que, tomados de um irresistível triunfalismo, confundem a análise com o próprio objeto de análise, acreditando que a crítica a um anacronismo é, ela também, um anacronismo. Para que chutar cachorro morto?, dizem. Para que insistir nessa paranóia?

Insisto em incomodar e em revirar esse cadáver. Por um motivo bem simples: ele não está morto coisa nenhuma! Como certas serpentes, que se fingem de mortas para iludir seus predadores e abocanhar suas presas, ele está apenas esperando dar o bote. Mas o comunismo não morreu? Como realidade estatal na ex-URSS e nos países do Leste Europeu - e tirando resquícios como Cuba ou a Coréia do Norte -, certamente que sim. Mas não como movimento político. Pelo contrário: este continua firme e forte, com intensidade redobrada na América Latina nos últimos dezoito anos. Acabou a URSS? Caiu o Muro de Berlim? Pois aí está o Foro de São Paulo, criado para "restabelecer no continente o que se perdeu no Leste Europeu".

Costuma-se esquecer que, como movimento político, o comunismo permanece vivo, sendo na verdade anterior à própria Revolução de 1917 e à URSS. Como ideologia, está mais vivo do que nunca, assumindo novas formas e novos slogans. Antes, era a luta de classes e a ditadura do proletariado. Hoje, são as chamadas causas "politicamente corretas", como o ecologismo e os movimentos negro e gay, feministas e outros, que levantam bem alto a bandeira da mudança comportamental, de acordo com o padrão gramsciano de conquistar espaços na superestrutura da sociedade - as artes, a música, o cinema, a mídia, a literatura, a TV, a universidade - para conquistar a "hegemonia". E, enquanto muitos liberais se deleitam na fantasia de que o comunismo está morto e enterrado, os companheiros continuam sua labuta revolucionária, aproveitando-se da circunstância de que ninguém mais os leva a sério e que se encontram atualmente no governo no Brasil.

Quem pode afirmar que a quase totalidade dos professores universitários, para não falar dos jornalistas, artistas, cineastas e outros formadores de opinião no Brasil, não é de defensores e militantes de causas de esquerda? Para onde quer que se olhe no Brasil, lá está a marca, ou a mancha, das idéias esquerdistas. De caso pensado ou não, consciente ou inconscientemente, o fato é que a maioria de nossa intelectualidade é, ou já foi, pró-comunista. E, assim como na época da Guerra Fria a URSS se utilizava dos intelectuais ocidentais e de bandeiras aparentemente inofensivas, como "paz" e "democracia", para fazer propaganda do comunismo, hoje em dia a mesma estratégia se repete no caso dos chamados "movimentos sociais" e, inclusive, nas áreas do comportamento e da cultura. A mesma tática solerte, verdadeiramente pavloviana, de controle mental e conquista de cérebros repete-se hoje, com o agravante de que quase ninguém a percebe. Mudaram os slogans, não os objetivos.

A idéia de que o comunismo é página virada na História só se justifica por uma auto-imposta inconsciência, ou por excesso de triunfalismo. Na América Latina, nos últimos quinze anos, governos francamente pró-comunistas, como os de Hugo Chávez na Venezuela e de Rafael Correa no Equador, sem falar em movimentos narcoguerrlheiros como as FARC, avançam a passos largos, contando com a cumplicidade de governos esquerdistas "moderados", dos quais são parceiros no Foro de São Paulo, como o de Lula da Silva. Por falar neste último, vale lembrar o que diziam dele três anos atrás, em 2005, no auge do escândalo do mensalão. Naquela ocasião, todos se lembram, a oposição apostou todas as suas fichas que, com tamanha ladroeira, Lula estava acabado: era, enfim, um lame duck, um pato manco, que deveria ser mantido vivo para sangrar até a morte. Lembro bem, não faltou quem dissesse que bater em Lula e no petismo era precisamente - vejam só - chutar cachorro morto... Confiante nessa estratégia, a oposição renunciou conscientemente à oportunidade de derrubá-lo por impeachment, esperando derrotá-lo em 2006. O resultado todo mundo sabe qual foi.

Não se pode negligenciar a capacidade de sobrevivência e de transmutação das esquerdas. Esta é a lição que a história do século XX nos ensinou. A dissimulação, o fingimento, é uma de suas características principais. Fechar os olhos para essa realidade e confortar-se na doce ilusão de que o comunismo morreu porque a URSS deixou de existir é um caminho certo para o suicídio. Tal como um cão hidrófobo, o comunismo nunca deve deixar de ser tratado a pontapés.

Um comentário:

Paulo Cremonesi disse...

Encontrei por acaso e adorei seu blog...e suas idéias.
Com sua permissão, vou adicioná-lo aos meus favoritos.Abraços