Uma das vantagens de minha profissão, senão a maior vantagem, é viajar muito. Já tive a oportunidade de conhecer, a trabalho, alguns países. Meu passaporte tem carimbos da França, da Venezuela, da Colômbia, do Chile, da Tailândia, da Austrália, da Coréia do Sul - até de Timor-Leste, lugar que a maioria das pessoas, certamente, nem sabe onde fica (a metade dos brasileiros não é capaz sequer de identificar o próprio Brasil no mapa, que vergonha...). Mas ainda não estive nos Estados Unidos. Nunca fui, nem - e confesso uma pontinha de orgulho ao dizer isso - jamais sonhei, quando criança, em passear na Disneyworld, o que me diferenciava um pouco da maioria dos meus coleguinhas de escola, que achavam isso o must. Minha idéia de diversão, quando moleque, não era viajar para a Flórida e tirar foto ao lado do Mickey, mas nadar no rio ou andar em lombo de jegue no sítio de meu avô. Na verdade, só fui aprender inglês já adolescente, e sempre preferi uma tapioca a um Big Mac. Também sempre tive uma aversão instintiva, uma espécie de proto-nacionalismo irracional e rastaqüera, a quem se deixa deslumbrar demasiadamente pelas "coisas de fora". Dito isso, sou o que menos se poderia assemelhar a um americanófilo, quase o oposto exato de um fã de tudo que vem da terra do Tio Sam.
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Por que digo isso? Porque entre as dezenas de adjetivos que já foram, e que certamente serão, assacados contra mim está o de americanófilo, de entreguista, de vende-pátria e lacaio do imperialismo ianque. Já estou acostumado com esses epítetos. É algo que me acompanha há tempos, e que me acompanhará, provavelmente, pelo resto de minha vida. Desde, pelo menos, que descobri o óbvio: que, com todos os seus defeitos - e quem não os tiver que atire o primeiro homem-bomba -, os EUA são a vanguarda da defesa da democracia e da liberdade no mundo.
A cada dia que passa, isso fica mais claro para mim. A última oportunidade que tive de reforçar essa convicção ocorreu quando da "renúncia" de mentirinha do tiranossauro Fidel Castro, o maior inimigo dos EUA no continente há quase cinqüenta anos e ídolo de várias gerações de antiamericanos. Desde então, escrevi vários textos denunciando - alguns diriam "satanizando" - o ditador caribenho, responsável pela destruição física e moral da ilha de Cuba, hoje transformada num misto de resort para turistas estrangeiros e prisão para seus habitantes. Bastou isso para que me chamassem de pró-Bush e pró-EUA, para citar apenas os apelidos mais amenos. Um conhecido e conterrâneo meu, inclusive, escreveu um texto defendendo uma atitude "neutra" e "equilibrada" em relação ao serial killer do Caribe, e quando eu reafirmei a impossibilidade moral de manter-se "neutro" e "equilibrado" diante do assassinato de 95 mil pessoas - a neutralidade, aqui, é apenas uma forma de cumplicidade com a ditadura -, ele me lembrou os crimes dos EUA, passados e presentes. Lembrou das violações aos direitos humanos que ocorrem na base norte-americana de Guantánamo. Lembrou do legado racista da escravidão negra no país e das perseguições do macarthismo. Lembrou também que o modelo de democracia norte-americana não pode ser "exportado", e citou, como exemplo de "fracasso" dessa iniciativa, o Iraque de hoje. Lembrou, enfim, que a pátria da democracia, a terra de George Washington, de Thomas Jefferson e de Abraham Lincoln, é o mesmo país que deu apoio a ditaduras brutais de direita na América Latina durante a Guerra Fria, como a de Pinochet no Chile. A isso, meu conterrâneo chamou de "paradoxo EUA". De uma hora para outra, o debate, que era sobre Fidel Castro, passou a ser sobre os EUA.
Não questiono algumas acusações que são feitas ao atual governo dos EUA, como os abusos cometidos em Guantánamo ou Abu Ghraib (embora não se tenha notícia, até agora, de nenhum preso árabe ou afegão morto sob tortura em Guantánamo, e Abu Ghraib fosse, sob Saddam, um açougue humano). Também não ponho em dúvida os vários pactos faustianos que os sucessivos governos estadunidenses fizeram em sua luta contra a URSS (embora esta última, ao contrário dos EUA, não precisasse de nenhum pacto faustiano para impor e manter sua dominação nos países da cortina de ferro). Aliás, já escrevi sobre isso. O que questiono e ponho em dúvida é o modo como se utilizam essas acusações - como um álibi e uma justificativa para todo tipo de crime e atrocidade praticado pelos inimigos dos EUA. É isso que fazem, há décadas, tiranos como Fidel Castro e seus apoiadores da esquerda. Trata-se de uma tática bastante recorrente - e eficiente -, que visa a desviar a atenção de violações gravíssimas, usando os EUA como pretexto.
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Esse tipo de propaganda está tão arraigado em nossos corações e mentes que muitos nem sequer se dão conta disso, e repetem-na sem o saber, de forma quase automática. Sua eficiência reside, em grande parte, no fato de estar baseada numa idéia extremamente simples, que qualquer criança pode apreender: os EUA são sempre os culpados, jamais são inocentes. São sempre os agressores, o "lado mal", nunca as vítimas. Quando ocorreram os atentados de 11 de setembro de 2001, lembro-me bem, a primeira conclusão de muita gente foi que aquilo só poderia ser obra do próprio governo dos EUA para provocar uma guerra no Oriente Médio etc. Quando as evidências apontaram para Osama Bin Laden, lá estava de novo o Blame America first: era a "criatura" se voltando contra o "criador", os EUA estavam "colhendo o que plantaram" etc. etc.... (pela mesma lógica, todos aqueles que um dia receberam ajuda dos EUA para lutar contra a URSS, como os generais latino-americanos, deveriam atirar aviões cheios de civis contra prédios em Manhattan...). Cobriu-se com ares de verdade irrefutável o que é, na verdade, pura paranóia conspiracionista ou arremedo de geopolítica vagabunda, embalada no antiamericanismo mais tosco e vulgar. Enquanto isso, ditadores como Fidel Castro e outros canalhas da mesma laia continuam a escravizar povos inteiros e a matar inocentes, pois sabem que, não importa o que os EUA fizerem - ou não fizerem, dá na mesma -, sempre haverá quem se disponha a olhar para o outro lado, justificando seus crimes. É essa a lógica dos terroristas e tiranos - inimigos não apenas dos EUA, mas da humanidade. Nesse trabalho, eles sabem que podem contar com a ajuda de muita gente que, ingenuamente ou não, advoga uma posição "neutra" e "equlibrada" em relação a ditaduras como a de Cuba ou do Irã. Estranhamente, não vejo quase ninguém defendendo a mesma atitude "neutra" e "equilibrada" quando se trata do governo Bush e dos EUA...
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Para além da instrumentalização desse "paradoxo EUA" pelos inimigos da humanidade como Fidel Castro e os terroristas islamitas, é preciso admitir também que algumas das acusações feitas aos EUA são, na verdade, frutos de mero recalque ou ressentimento contra um vizinho que deu certo, ou, então, de uma análise deturpada da História. O problema do racismo, por exemplo. Não se pode negar que esta foi uma questão bastante séria nos EUA, principalmente nos estados do sul do país (o Deep South, da Virgínia até o Mississipi), onde linchamentos de negros eram freqüentes e a segregação racial nos bares e escolas continuou oficialmente, após a Guerra de Secessão, até a década de 60. Mas é também inegável que os norte-americanos souberam enfrentar essa questão, de maneira poucas vezes vista em outros países. Durante os governos de John Kennedy e Lyndon Johnson, por exemplo, o FBI foi acionado para caçar e prender militantes da Ku Klux Klan nos estados sulistas, com a mesma vigilância e eficiência com que caçou, nos anos 40 e 50, espiões nazistas e comunistas, e gângsteres nos anos 20 e 30. Enquanto isso, em nosso Brasil varonil, um país de mestiços, onde ser "negro" ou "branco" é menos uma questão de cor da pele do que de conta bancária, e onde a escravidão perdurou até 1888, atualmente um grupo bastante barulhento de militantes "negros" tenta a todo custo importar dos EUA um sistema de cotas raciais, querendo mimetizar por essas plagas, com apoio oficial, uma solução típica de países onde a miscigenação foi mínima ou inexistente - um exemplo clássico do que, a meu ver, NÃO deve ser importado dos EUA.
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Outra questão que é geralmente utilizada, e pouco compreendida, pelos que acham que os EUA são o lado mal da humanidade, é a chamada "caça às bruxas" do período macarthista (1950-1954). Aqui, também, revela-se uma grande dose de má-fé ou incompreensão histórica. De fato, em seu furor anticomunista, intensificado pelo início da Guerra Fria contra o bloco soviético, o Comitê presidido pelo Senador Joseph McCarthy cometeu uma série de abusos, e inclusive atentados contra a Constituição norte-americana. O que é geralmente esquecido é que esses abusos levaram o próprio governo Eisenhower a enquadrar McCarthy e seu Comitê de Atividades Não-Americanas, encerrando definitivamente, assim, esse período, que é lembrado hoje apenas como uma mancha negra na história dos EUA (McCarthy, destronado e com a carreira política destruída, afundou na bebida, morrendo de forma melancólica, esquecido e abandonado, em 1957 - ao contrário de Fidel Castro, por exemplo, que vai ficar no poder o tempo em que houver quem o apóie ou lave as mãos para seus desmandos). Além disso, foi comprovado recentemente que alguns acusados pelo Comitê do Senador McCarthy, como o funcionário do Departamento de Estado Alger Hiss e o casal Rosenberg, eram mesmo espiões comunistas a serviço de Moscou, o que demonstra que o sujeito não estava caçando fantasmas, como muita gente ainda hoje pensa. É assim que ocorre nas democracias: o sujeito extrapolou, Lei nele!
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Quanto ao modelo de democracia americana, não sei se ele é ou não exportável. Sei apenas que a democracia - made in USA ou não - é um sistema infinitamente superior a todos os demais, como dizia Winston Churchill. Fico pensando o que seria da Alemanha ou do Japão hoje, sem falar no Brasil e no restante da América Latina, com nossa herança ibérica, se não fosse essa importação estrangeira, e se hoje seríamos uma democracia por uma, digamos, evolução natural... Com relação ao Iraque pós-Saddam, reafirmo aqui o que já disse antes. Discordo da visão segundo a qual a intervenção anglo-americana foi um fracasso. O Iraque, hoje, tem pelo menos uma pequena chance de dar certo. Na época do Saddam, não tinha chance nenhuma. Nada. Zero. Sem falar que o regime de Saddam era oficialmente laico e socialista, com elementos retirados do marxismo - uma importação ocidental, portanto. Logo, não creio que cabe aqui o argumento do relativismo cultural, assim como não vale para Cuba, a China ou a Coréia do Norte. Além disso, sempre desconfiei de análises que utilizam o argumento relativista ou multiculturalista para justificar regimes criminosos e práticas bárbaras como a decapitação de opositores políticos ou a tortura de dissidentes. Será que os povos dos países muçulmanos são infensos a coisas como direitos humanos e democracia parlamentar? Ou será que esse é um discurso feito sob medida pelas elites locais para justificarem sua opressão? Diante da forma como esse discurso é empregado - sempre para justificar práticas cruéis -, inclino-me a concordar com essa segunda conclusão, até porque não acredito na existência de direitos humanos "ocidentais" e direitos humanos "orientais" - somente em direitos humanos. É por essas e outras que não sou multiculturalista, nem antiamericano.
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Enfim, por maiores que sejam as zonas de sombra na história dos EUA, uma coisa é certa: o tal "paradoxo EUA" começa a ser rompido. No Afeganistão e no Iraque, os EUA derrubaram duas ditaduras. E mesmo assim os EUA são atacados por isso. Em outras palavras: antes eram atacados por apoiar ditaduras; hoje, por as derrubarem. Esse é, a meu ver, o grande paradoxo antiamericano. O antiamericanismo é mesmo o radicalismo dos tolos, a doença infantil do esquerdismo.
Um comentário:
Parabéns por mais este artigo sensacional, já estava na hora de alguém manifestar se contra este antiamericanismo estúpido que assola o mundo
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