sexta-feira, janeiro 15, 2010

HAITI: OS QUE LUCRAM COM A DESGRAÇA ALHEIA


O que vai a seguir é algo desagradável e poderá afetar alguns espíritos mais sensíveis, sei bem. Mas nem por isso é menos necessário. Quem acredita que a verdade é cor-de-rosa errou de blog.

Que a tragédia inominável que atingiu o Haiti - já se fala em 120 mil mortos, dos quais 15 brasileiros - é uma das maiores da História, já é um fato inquestionável. Que as dimensões humanas e materiais do terremoto seriam certamente bem menores se o país contasse com um mínimo de infra-estrutura - logo, não foi um simples desastre natural, mas teve, também, o dedo da ação (ou omissão) humana -, é algo que também parece líquido e certo. Ninguém discute isso. Assim como ninguém discute que nunca o Haiti precisou tanto de ajuda internacional, e que toda ajuda, venha de onde vier, é bem-vinda e necessária. Tudo isso está fora de questão, e não é hora de politicagens de qualquer tipo.

Pois é. O que incomoda e causa repulsa na catástrofe haitiana é que, desgraçadamente, mesmo tragédias naturais como o terremoto que devastou Porto Príncipe não estão livres da manipulação política. Se têm alguma dúvida, dêem uma olhada mais de perto na atuação do governo Lula no episódio.

A reação do governo brasileiro ao desastre haitiano foi pronta e imediata, como deveria mesmo ser. Já foram anunciados R$ 15 milhões em ajuda humanitária, batalhões de equipes de ajuda estão sendo despachados, ministros de Estado interromperam suas férias para viajar ao local etc. Tudo isso é, repito, necessário e louvável. Nem por isso deixa de aumentar em mim as suspeitas de manipulação política da desgraça alheia, com objetivos bem pouco nobres ou humanitários.

Há algumas semanas, o litoral do Rio de Janeiro foi assolado por chuvas que provocaram deslizamentos em Angra dos Reis, responsáveis por mais de 50 mortes. Pouco mais de um ano atrás, o estado de Santa Catarina foi varrido por fortes chuvas que deixaram centenas de mortos e milhares de desabrigados. Dia desses, o Nordeste também sofreu com inundações, que deixaram um rastro de morte e destruição. E não vi nenhuma reação tão rápida e pronta do governo federal em nenhum desses casos. Não vi nenhuma mobilização tão efetiva. Nenhum ministro interrompeu suas férias e foi verificar in loco os estragos e prestar solidariedade às vítimas. Enfim, nada que se possa comparar ao que se assiste hoje no Haiti.

Antes que digam: não, não estou comparando as tragédias. Ao contrário de muita gente, não perdi ainda o senso das proporções: o terremoto no Haiti é pior, muito pior. Mas uma tragédia é uma tragédia, não importa se morrem um, mil ou cem mil. Ainda mais uma ocorrida em território nacional. Daí minha suspeita de que há algo mais na reação do governo Lula à tragédia no Haiti do que piedade cristã e desejo de ajudar o próximo.

O que explica a rápida reação do governo Lula no caso do Haiti e a - coloquemos de maneira suave - leniência do mesmo nos demais casos citados acima? A resposta, basta ter olhos para ver, é que o terremoto no Haiti, por ter ocorrido no exterior e galvanizado a atenção internacional, é, também, uma excelente vitrine, uma oportunidade de ouro para que um governo que se gaba de seu "protagonismo" internacional exercite sua "liderança". Ainda mais para um governo que há cinco anos mantém uma força de paz no Haiti, como parte de sua busca obsessiva por uma cadeira permanente no Conselho de Segurança da ONU - o Santo Graal da diplomacia brasileira.

Para o governo Lula, aparecer como beneficiário de uma população miserável e desabrigada é uma forma de reafirmar essa credencial. Além de poder exercitar, no plano interno, o discurso conciliador, unificador, pregando a "união de todos" e o "fim das diferenças" (ou seja: o fim da oposição, que já quase não existe). Com isso, o personagem Lula pode desempenhar seu papel favorito, pedindo que todos se dêem as mãos. E isso mesmo dizendo, até em momentos como esse, mais uma de suas luladas, como afirmar que o terremoto foi uma "injustiça" (tivesse sido nos EUA ou no Japão, então seria um ato de justiça divina?)

Lulices à parte, é triste dizer, mas tragédias como a haitiana, por suas dimensões catastróficas, dão muito mais visibilidade internacional do que uma enchente em algum rincão do Brasil. O que está em jogo, aí, muito mais do que preocupações humanitárias, é a imitação terceiro-mundista da realpolitik. Nesse sentido, a tragédia no Haiti foi uma bênção para o governo Lula.

Estou sendo leviano? Então respondam: qual tragédia teve uma resposta mais rápida do governo Lula: a do Haiti ou qualquer uma que atingiu o Brasil nos últimos anos? Se não quiserem responder, atentem para a seguinte história que vou contar.

Há quase dois anos, estive na China, aonde fui para fazer um curso. Naquele momento, começo de 2008, o regime comunista chinês estava sendo alvo de fortes protestos internacionais, por causa das denúncias de violações de direitos humanos e da brutal repressão aos distúrbios no Tibete. Pois bem. No período em que lá estive, ocorreu um forte tremor de terra na província de Sichuan, no centro do país, que matou 75 mil pessoas. Adivinhem o que aconteceu então: da noite para o dia - não estou exagerando - as manchetes sobre a falta de liberdades e o desrespeito aos direitos humanos que ameaçavam mesmo a realização das Olimpiadas no país, sumiram do noticiário. Subitamente, criticar o regime de Pequim ou falar em coisas como democracia e direitos humanos na China virou um tabu, falta de respeito com os mortos, para dizer o mínimo. A ditadura comunista, claro, deitou e rolou com essa situação, conclamando à "união de todos" e ao "fim das diferenças".

Também para Lula, o terremoto no Haiti foi providencial. Com a tragédia, ele espera reforçar o protagonismo megalonanico da potência imaginária e, de quebra, ganhar pontos rumo ao Conselho de Segurança das Nações Unidas, que é o único motivo de o Brasil ter-se metido no atoleiro do Haiti, no que já se vão cinco anos. E isso mesmo às custas de 120 mil haitianos e 15 brasileiros, dos quais 14 militares, mortos. Mas, para quem corteja o apoio de terroristas e ditadores como Mahmoud Ahmadinejad tendo em vista o mesmo objetivo, convenhamos, até que o preço não é tão alto assim. Nem terremoto em terras alheias escapa da politicagem lulista. É triste, mas é a realidade.

Um comentário:

Anônimo disse...

Desculpe, Gustavo, mas eu é que não quero que o MEU dinheiro suado seja gasto fora do país. EU NÃO TENHO NENHUMA responsabilidade com o que acontece lá fora. Esta ajuda ao Haiti pelo governo brasileiro não passa de um jogo de vitrine.
Preferiria que o dinheiro estivesse sendo gasto aqui....