É assim que a esquerda vê o que houve em Honduras.
Só faltou combinar com os fatos.
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Chile, setembro de 1973. O presidente civil e democraticamente eleito, Salvador Allende, decide implantar no país o socialismo por meios legais. Diante disso, e para salvaguardar as liberdades democráticas, o Congresso Nacional e a Suprema Corte, amparados na Constituição do país e no apoio da maioria da população chilena, decidem pela ilegalidade do governo socialista. Um grupo de militares, liderados pelo general Augusto Pinochet, recebe dos Altos Poderes da República a missão de depor o presidente, que é preso e deportado para Cuba. Nenhum tiro é disparado. Os militares, cumprindo ordem legal do Judiciário, mantêm o calendário eleitoral e as liberdades democráticas. A presidência é assumida pelo presidente do Parlamento, conforme determina a Constituição. Pouco tempo depois, ocorrem eleições presidenciais, conforme previsto. Um novo presidente, civil e democraticamente eleito, assume o cargo. O país volta ao normal.
Brasil, março de 1964. O presidente civil, João Goulart, encabeça um governo esquerdista que caminha célere para uma forma de ditadura sindicalista, apoiando-se cada vez mais nos comunistas e nos setores subalternos das Forças Armadas. O Congresso Nacional e o STF declaram então o governo ilegal e inconstitucional. O alto comando militar é incumbido pelo Legislativo e pelo Judiciário da tarefa de depor o presidente. Este é destituído do cargo, detido e enxotado para o Uruguai. Assumindo o poder interinamente, o presidente do Congresso exerce a presidência até o fim de seu mandato, entregando-a ao sucessor escolhido nas eleições presidenciais realizadas em 1965. Os militares retornam aos quartéis. A vida volta à normalidade.
Honduras, junho de 2009. Uma claque de militares, sob orientação da CIA e de mercenários israelenses que usam como arma potentes raios de alta freqüência que invadem o cérebro e embaralham o pensamento, agem na calada da noite e derrubam num sangrento golpe de Estado o presidente democraticamente eleito Manuel Zelaya, que é preso em casa de pijamas e despachado para a Costa Rica. Fazem-no sem qualquer respaldo legal, à revelia dos demais poderes da República e da maioria da população do país, que exige a volta imediata e incondicional do democrata Zelaya ao poder. Os milicos suspendem a Constituição, fecham o Congresso, prendem e cassam centenas de parlamentares. Tomam o poder, impõem uma junta militar e barbarizam: as prisões ficam lotadas de estudantes e trabalhadores, os soldados se divertem praticando tiro-ao-alvo em quem descumprir o toque de recolher. A censura é imposta, as eleições canceladas, os casos de tortura e assassinato se multiplicam. O país vira um imenso quartel.
Qualquer pessoa com um mínimo de discernimento e com um QI acima de 50 já deve ter percebido que nenhum dos quadros mostrados acima corresponde à realidade dos fatos. Já deve ter chegado à conclusão, se ainda tem um cérebro que funciona, que a História foi bem diferente do que está descrito acima. Nem os militares chilenos tomaram o poder de forma legal e incruenta, nem seus colegas brasileiros preservaram a legalidade após a queda de Goulart, nem Manuel Zelaya foi derrubado num golpe militar, muito menos sangrento. Nada disso é verdade.
Nada disso é verdade, exceto para o governo Lula da Silva, cuja diplomacia reduziu-se, nos últimos seis meses, à condição de escada para o retorno de Zelaya ao poder em Honduras, de onde foi defenestrado por tentar, seguindo o figurino chavista, reformar a Constituição do país a despeito da própria Constituição, que proíbe isso terminantemente. Para o governo brasileiro, assim como para o venezuelano e o nicaragüense, e, até há pouco, o norte-americano, Zelaya foi vítima de golpe militar, não tentou estuprar a Constituição hondurenha, as liberdades constitucionais não foram mantidas e asseguradas e eleições presidenciais limpas e democráticas - do tipo que não ocorre há cinqüenta anos em Cuba e há trinta no Irã, país cujos pleitos o governo Lula não hesita em reconhecer e em aplaudir com entusiasmo - não foram realizadas. Só falta apontar para os incontáveis cadáveres insepultos nas ruas de Tegucigalpa abatidos a tiros pelos militares hondurenhos para dizer que lá houve golpe.
O descolamento da diplomacia lulista da realidade no caso de Honduras já atingiu niveis de verdadeira paranóia, uma mistura de filme de ficção com comédia pastelão. Há umas duas semanas vi uma entrevista do capa-preta Marco Aurélio Top, Top Garcia na Band. Ao responder a pergunta sobre Honduras, o assessor especial da Presidência da República para encrencas cucarachas disse lamentar que o compañero chapeludo Manuel Zelaya, que há meses ocupa o prédio que um dia foi a embaixada brasileira, não tenha passado a noite de Natal na cadeira de presidente. E repetiu a cantilena de que o sucedido em Honduras desde 28/06 passado evoca os golpes militares da História recente latino-americana etc. Mais não consegui ver. Faltou-me estômago.
No próximo dia 27 de janeiro, a chanchada lulista-bolivariana em Honduras atingirá seu ápice, quando Porfirio Lobo receber das mãos de Roberto Micheletti a faixa de presidente da República. O "hóspede" brasileiro Manuel Zelaya, reduzido à insignificância política, tentará, quem sabe, um último gesto ousado contra os "gorilas" que o destituíram, teletransportando-se junto com a ex-primeira dama Xiomara e seus minguantes partidários para o palácio presidencial. Enquanto isso, o Itamaraty lançará nota desconhecendo a posse do novo presidente e, num gesto de profunda galhardia e patriotismo, em nome dos mais elevados princípios democráticos e à altura do papel cada vez mais protagônico desempenhado pelo Brasil no cenário internacional, declarará guerra à pequenina Honduras. Após duros combates, em que a capital hondurenha será bombardeada pelos novos caças Rafale entregues por Nicolas Sarkozy, e nos quais as tropas brasileiras lutarão bravamente ao lado das milícias bolivarianas arregimentadas por Hugo Chávez, os golpistas hondurenhos serão derrotados. Então, Dom Manuel Zelaya, com seu chapelão e bigode, cavalgando garboso pangaré branco, sairá da embaixada brasileira para adentrar triunfalmente o palácio do governo, tendo ao lado, como seus conselheiros, Celso Amorim e Marco Aurélio Garcia. Suas primeiras medidas serão declarar-se presidende perpétuo e mudar o nome do país para República Bolivariana de Honduras, anexando-o, em seguida, à Grande Venezuela. A política externa brasileira do governo Lula terá, enfim, alcançado seu momento de glória.
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