terça-feira, janeiro 19, 2010

ELES NÃO MUDARAM. SÓ TROCARAM DE PELE. E DE MÁSCARA.


Segue um pouco de "fogo amigo". A VEJA desta semana traz um texto do economista Maílson da Nóbrega, intitulado "O PT mudou o Brasil? Ou foi o contrário?". Por trás da denúncia acertada da desfaçatez dos petistas ao se apropriarem de feitos como a estabilização econômica, apresentando-se como "fundadores do Brasil", há uma tese que considero equivocada, e que já rebati aqui: a de que o PT, o partido de Lula, teria se rendido à realidade e mudado programaticamente. Que teria mudado, enfim.

Considero Maílson da Nóbrega um economista brilhante, e um analista arguto da cena econômica nacional e internacional. Concordo com muitos de seus juízos, inclusive sobre o governo Lula e o PT, como este: O PT pretendia mudar o Brasil, mas para pior. O título de seu programa para as eleições de 2002 era "a ruptura necessária". Prometia "uma ruptura com o atual modelo econômico, fundado na abertura e na desregulação radicais da economia nacional e na consequente subordinação de sua dinâmica aos interesses e humores do capital financeiro globalizado". Soa ridículo hoje, não?. Mas nem por isso vou deixar de discordar quando acho que ele erra. E ele comete um erro crasso, a meu ver, quando atribui um peso, a meu ver, exagerado à "conversão" do PT às regras do mercado, mediante a "Carta ao Povo Brasileiro", de 2002.

Ao contrário do que ele, Maílson, diz, a tal Carta não foi o começo do fim das idéias que o PT sempre defendeu - estatistas, hostis ao capital estrangeiro etc. Foi, isso sim, uma manobra tática, necessária à tomada e manutenção do poder político. Lula e o PT se renderam ao mercado não porque tenham feito uma opção clara e insofismável pelo capitalismo liberal, mas por falta absoluta de opção: ou era isso, ou era contentar-se com o eterno papel de oposição. Basta atentar para um fato freqüentemente ignorado: a "conversão" dos petistas ao mercado não veio acompanhada de seu complemento necessário, a confissão e o arrependimento. O partido simplesmente trocou um discurso por outro, quando viu que o anterior não estava ajudando a ganhar as eleições. Fez isso por um motivo puramente instrumental, utilitário. Por puro oportunismo político. É isso que Lula quis dizer quando se definiu como uma metamorfose ambulante (e nauseante).

Tampouco é verdade que as visões econômicas do PT morreram de vez com Lula na Presidência. Elas estão, no máximo, hibernando. Se Lula nomeou um banqueiro para presidir o Banco Central, elevou a taxa de juros no primeiro mês de governo e a meta de superávit primário, não é porque tenha se convertido ao neoliberalismo. Muito menos a aliança com partidos e figuras que antes abominava significa uma mudança radical na forma como o partido e Lula sempre encararam o poder: como o objetivo máximo a ser alcançado, em nome do qual tudo é permitido - até engavetar o discurso anterior de décadas sobre capitalismo e ética.

A preservação da política econômica e da plataforma construída pelos antecessores não significa o reconhecimento de que essas políticas estavam certas quando foram implementadas e que o PT, então na oposição, estava errado. Pelo contrário. Significa uma chance de, tendo agarrado o poder nas mãos para não mais soltar, exercitar a falácia do "nunca antes neste país" e aparecer como "pai dos pobres". Para isso não é preciso coragem, nem mesmo inteligência: basta ser esperto e ter muita cara-de-pau.

O trecho mais problemático do texto de Maílson da Nóbrega é o seguinte:

Muito se deve à intuição política do presidente e ao trabalho de seu primeiro ministro da Fazenda, Antonio Palocci. Lula percebeu que a preservação de sua popularidade dependia do controle da inflação e por isso reforçou a autonomia do Banco Central. Ele cresceu aos olhos do mundo em razão de sua simpatia, de seu carisma e por ser um líder de esquerda moderado, defensor da democracia e da economia de mercado.

Até um observador lúcido do Brasil como Maílson da Nóbrega, ex-ministro de Estado, caiu na esparrela do Lula esquerdista "moderado, defensor da democracia e da economia de mercado". Isso mostra como foi eficiente a lavagem cerebral petista. É a teoria das duas esquerdas, a "carnívora", representada por tipinhos ridículos como Hugo Chávez e Evo Morales, e a "vegetariana", responsável e moderada, a qual Lula pertenceria. Nada mais falso. A política externa do Itamaraty sob Lula não tem feito outra coisa senão comprovar que a esquerda latino-americana, longe de estar dividida entre "carnívoros" e "vegetarianos", está bem unida, desenvolvendo uma ação coordenada em lugares como Honduras, sempre no sentido de destruir a democracia e substituí-la por governos populistas e autoritários. A economia - insisto nesse ponto - é um instrumento dessa política maior, e não um fim em si mesmo para os petistas.

O erro dos economistas está em não enxergar além dos números da economia, alguém já disse. Para eles, basta que o governo adote uma política econômica responsável e atraia investimentos, que tudo o mais lhe será perdoado. É assim que pensa a maioria das pessoas, aliás, para quem democracia e ética, por exemplo, são simples conceitos abstratos, muito bonitos mas sem peso efetivo na vida cotidiana. O problema é que a economia não é tudo. A China é atualmente uma das economias mais dinâmicas do planeta, graças a reformas liberais que abriram o país para o capitalismo, mas segue sendo uma tirania comunista no plano político. Para os economistas, e sobretudo os economistas liberais, isso não tem qualquer importância. Desde que o governo mantenha a economia funcionando, pode censurar, prender, fuzilar e corromper à vontade. É aí que mora o perigo.

No final de seu texto, Maílson da Nóbrega afirma que Lula curvou-se às imposições da nova realidade do país, herdada de FHC, e termina dizendo: "O Brasil mudou o PT, que agora é, em todos os sentidos, um partido como os outros." Não poderia estar mais errado. O governo Lula se sustenta unicamente numa combinação de sorte (pela situação econômica mundial favorável em 2003-2008), oportunismo e hipocrisia. Assim como o PT não mudou o Brasil para melhor, o Brasil não mudou o PT. Este continua a ser o que sempre foi, um partido esquerdista a serviço de uma visão totalitária e personalista, sem nenhum compromisso filosófico com a democracia e a sociedade livre. Apenas soube trocar o discurso camaleonicamente quando lhe foi conveniente, para melhor agarrar-se ao poder e enganar os incautos. De nenhuma maneira é um partido como os outros.

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