terça-feira, janeiro 18, 2011

SOBRE A ESCRAVIDÃO - UMA PEQUENA LIÇÃO DE HISTÓRIA


Nem todo comentário crítico ao que escrevo vem de mentes perturbadas e infantilizadas. De vez em quando - infelizmente, bem menos do que eu gostaria -, alguém consegue discordar do blog sem mandar o idioma e as normas da civilização às favas nem descer ao nível dos quadrúpedes ou dos protozoários. Um leitor, o Rafael Dias, está nessa categoria. Rafael não é um energúmeno - e isso, dada a situação geral da inteligência no Brasil de hoje, já é alguma coisa. Ele está apenas equivocado. Por essa razão, e por acreditar que ele quer aprender, respondo seu post. Ele escreveu, a respeito de meu texto ZUMBI, O ESCRAVOCRATA (os grifos são meus):

Concordo quando se diz que a unianimidade é burra. É importante ouvir os vários atores envolvidos no processo social. Realmente foi uma grande supresa para mim saber (se, de fato é verdade) que Zumbi era dono de escravos. Contudo, a visão que você expôs no seu texto é muito parcial, pois parte de casos isolados (mesmo que um exemplo seja o próprio Zumbi dos Palmares) e tenta criar a idéia de que era normal um negro escravizar o outro. Acho possível que isso tenha acontecido. Porém, você esqueceu citar em seu texto o critério fundamental para se decidir que seria escravo: a cor da pele, que tinha que, necessariamente ser negra. Não conheço registros na História do Brasil de brancos sendo escravizados. Não entenda o meu comentário como uma contra reação ideológica. Quando abordamos uma questão e temos a sincera intenção de tratá-la com transparência, não podemos esquecer de tocar em determinados pontos cruciais para que as nossas críticas não pareçam a defesa de um ponto de vista só nosso que queremos disseminar e que nem sempre dá conta de representar a realidade. Você escreve muito bem. Um texto limpo e claro. Mas peca no trato com o conteúdo, pois deixa de criticar o sitema segregador que existia formalmente, para tentar justificá-lo, alegando que os ditos segregados também eram praticantes das mesmas injustiças que sofriam. Foi um período tão nefasto da nossa história, que, até hoje irradia efeitos em nossa sociedade.
O que se pode inferir do seu texto é que a escravidão era válida, tendo em vista que alguns negros também a praticavam. É isso?

Caro Rafael,

Antes de tudo, obrigado por não ofender minha mãe nem usar adjetivos como "reacionário" ou "fascista" para se referir à minha pessoa. Nisso você já se diferencia da maioria dos que vêm aqui dizendo discordar do que escrevo. Vamos a seu comentário.

Você diz que a visão de meu texto é "muito parcial, pois parte de casos isolados" etc. Sobre ser ou não parcial, já tratei disso em outros textos, e não quero me repetir aqui. Digo apenas que, se você está se referindo ao exemplo de Zumbi dos Palmares como um "caso isolado", então só posso concluir que vivemos em mundos diferentes. Assim como Zumbi, houve muitos outros casos de ex-escravos que, uma vez alforriados, tornaram-se, eles mesmos, negociantes de escravos (alguns deles prosperaram bastante nesse negócio). Além do mais, como se pode chamar de "caso isolado" o fato de um líder escravo, não um líder qualquer, mas simplesmente o símbolo maior da luta anti-escravista no Brasil, ter sido, ele também, proprietário de escravos? É o mesmo que descobrir que Gandhi, por exemplo, era um belicista ou que Madre Teresa de Calcutá era uma devassa que mantinha secretamente um prostíbulo. Você diria que esses seriam "casos isolados" também?
.
Depois disso, o mínimo que se espera é que toda instituição que leva o nome de Zumbi troque de nome imediatamente, ou que o dia 20 de novembro - dia da "consciência negra", em homenagem também a esse personagem - deixe de existir.

Rafael, não sei de onde você tirou a conclusão de que eu tento "criar a idéia de que era normal um negro escravizar outro". Primeiro, porque não se trata de uma idéia, muito menos criada por mim: é um fato histórico. Já escrevi e repito: a escravidão existia na África séculos antes de os portugueses lá chegarem no século XV, e continuou muito tempo depois, praticada pelos próprios africanos. Isso acontece, inclusive, ainda hoje, em países como o Sudão e a Arábia Saudita. Um príncipe saudita, aliás, foi preso em Londres no fim do ano passado acusado de ter espancado até a morte seu escravo de estimação... Isso é fato, não fui eu que inventei. (Aliás, gostaria de saber quando é que os descendentes dos faraós e sobas africanos irão pagar sua dívida histórica pela escravização de milhões de seres humanos...)

O que está aí em cima, Rafael, é suficiente para desmontar, como absurda, sua afirmação de que eu teria esquecido o "critério fundamental para se definir quem seria escravo: a cor da pele, que tinha que ser, necessariamente, negra". Isso porque a cor da pele, negra ou não, JAMAIS foi critério para se definir quem era e quem não era escravo, pelo menos no caso da África. Durante séculos, negros escravizaram negros, e inclusive brancos - desde a época dos faraós -, e quando os portugueses começaram a traficar escravos no Atlântico, os compravam em grande parte de tribos locais, que também praticavam a escravidão (e que eram, também, negros). Foram os europeus, não africanos ou asiáticos, que aprenderam com estes a escravizar outros povos, e não o inverso. Além disso, os portugueses, um povo muito pouco "puro" racialmente, jamais usaram o conceito de "raça" (muito menos a "cor da pele"), para escravizar quem quer que seja, até porque, como diz Gilberto Freyre, a consciência de raça era-lhes algo inteiramente estranho - o que havia era uma consciência de cultura, o que é uma coisa muito diferente. Se havia algo que definia quem seria escravo ou não, pelo menos no caso dos portugueses, não era a "raça" ou a "cor de pele": era a religião (se não fosse cristão, por exemplo; e, nas terras muçulmanas, se não fosse muçulmano etc.).

Aliás, se não me engano foi também Gilberto Freyre - leia Casa-Grande & Senzala, eu recomendo - que chamou a atenção para o fato de que o racismo moderno é uma invenção tipicamente anglo-saxônica, surgida com a Reforma Protestante a partir dos séculos XVI-XVII. Essa visão se consolida no século XIX, com as teorias científicas e pseudo-científicas então em voga, que foram instrumentalizadas para justificar o colonialismo (darwinismo, evolucionismo etc - inclusive, é bom que se diga, o marxismo). Nada que tivesse a ver, por mínimo que fosse, com o escravismo colonial português, de base essencialmente - na verdade, exclusivamente - católica e renascentista. É por esse motivo que a segregação racial foi imposta em países como os EUA ou a África do Sul, mas nunca, jamais, no Brasil, onde imperou, desde o início da colonização, a mistura racial, a miscigenação. (Quer dizer, pelo menos até agora nunca houve segregação racial no Brasil, porque, se depender dos "militantes negros", esta vai virar uma realidade por estas bandas - aliás, graças a absurdos como o sistema de cotas raciais, já está virando.)

Já escrevi o que está acima, com outras palavras, em outros textos. Se quiser, dê uma olhada nos posts O CLUBE DOS RESSENTIDOS e O FIM DE UM MITO. Você perceberá que já respondi suas questões.

Não é difícil, portanto, perceber que sua conclusão de que eu estaria "justificando" a escravidão, dizendo que ela teria sido "válida" etc. não tem nenhum sentido. Não justifico nem considero válida a escravidão, apenas chamo a atenção para o fato esquecido de que ela não foi praticada apenas por europeus de cabelos loiros e de olhos azuis. E que qualquer tentativa de se confundir escravidão com "raça" - ou, simplesmente, usar esse conceito biologicamente falso para propor "reparações" ou o que seja - não passa de grossa falsificação histórica e desonestidade intelectual.

Espero ter-lhe ajudado. Se precisar de mais algum esclarecimento, é só escrever. Ou, então, procure uma biblioteca.

8 comentários:

Anônimo disse...

COMO QUE NÃO HOUVE ESCRAVIDÃO BRANCA?
POXA, ESTE CARA DEVE LER MAIS SOBRE HISTÓRIA MUNDIAL

Bruno disse...

Venho aqui em paz! Não vim te xingar, falar-te coisas ruins ou desmerecer teu blog. Por isso te peço o mesmo em troca.

Supondo que aparecesse um gênio, superior aos demais em inteligência, ele deveria ser um governante ou deveríamos ignorá-lo e tratá-lo como um outro qualquer?

Lembre-se que isto é uma suposição e em momento algum estou dizendo que tal gênio existe.

Novaes disse...

Muito bom blog. Certamente ainda passarei muito por aquí para dar uma conferida.

Jurema Cappelletti disse...

O livro A Revolução dos Bichos (não prova nada, é apenas ficção) conta uma história bem de acordo com o comportamento humano. Como o poder deteriora o caráter, como uns sentem necessidade de pisar em cima dos outros para se 'engrandecer'. Não importa que sejam brancos ou negros, o fato é a covardia em se aproveitar dos mais frágeis.

Conheci uma negra riqúíssima, que morava num cassarão em Santa Teresa. Quando fui à sua casa, a vi humilhando os empregados.

Não vale como desculpa os possíveis maus tratos ou preconceitos que ela tenha sofrido antes. O caráter se forma até os sete de idade e 'não precisa de tratamento psicólógico'. Além disso, existem muitos que não sofreram com a arrogância alheia, mas são tão arrogantes quanto eles.

NÃO CONSEGUI ME CADASTRAR COMO SEGUIDORA DO BLOG!

Jurema Cappelletti

Rafael Dias disse...

Caro Gustavo
Em primeiro lugar,gostaria de agradecer por me excluir do conjunto universo das mentes perturbadas e infantilizadas, como também da classe dos enegúmenos.
Confesso a você que não tenho tanta leitura quanto gostaria de ter, mas as informações que você postou no seu texto-resposta não são novidade para mim. É notório para todo homem de cultura média que o instituto da escravidão não foi privativo do Brasil Colônial e de algumas tribos africanas que que tinham o o comércio de escravos como atividade econômica. Na Antiguidade a escravidão foi largamente utilizada como principal força de trabalho de povos ditos civilizados e berço da cultura ocidental, como a Grécia e a Roma antigas, sem contar as magníficas egípcias edificadas com o suor de escravos.
Acontece que não ficou claro no meu comentário que eu me referia somente à escravidão no Brasil. Como fiz somente um comentário desprentencioso, sem obejtivos maiores senão uma mera observação a um ponto de vista que me chamou a atenção, não me senti na obrigação de estabelecer um marco teórico ou demarcação temática. Por esse motivo creio que o meu comentário não foi interpretado em sua essência (ou seja, a idéia de que, embora tenham existido negros que escravizaram outros negros, a herança histórica dessa prática no Brasil, repercute até os dias atuais).
Tampouco me propus a discutir o conceito de raça. Até porquê, na minha humilde opinião, a análise de conceitos se restringe à um jogo de palavras, um instrumento retórico, se não carrega em si relação com a praxis, com o mundo da vida. É uma forma dos intelectuais se divertirem...

Rafael Dias disse...

... Na formação da sociedade brasileira, é inegável que aos negros sempre foi reservado um papel secundário. Quando houve a suposta libertação formal do regime escravista, os homens que tinham poder decisório no campo político e econômico, preferiram criar condições para que imigrantes europeus veiessem para nosso país trabalhar recebendo salários. Basta olhar as estatísticas sociais para se ter uma noção quantitativa de que não é um bom negócio ser negro em um país como o nosso: quantidade de negros matriculados em universidades, percentual de negros ocupando cargos de chefia, quantidade negros advogados, médicos, protagonistas de novelas, políticos, etc., só para citar alguns exemplos. Inversamente, quando analisamos as estatísticas negativas, percebemos que as vítimas de assassinatos são em sua maioria negros do sexo masculino, a população carcerária também é composta de negros em sua maioria. Poderia-se concluir que os indivíduos de origem negra, no Brasil, estão em condições sociais inferiores que os brancos. Para refutar esta idéia,utilizando-se de recursos da lógica, bastaria apresentar um exemplar da população carcerária que não é negro, ou negros que são bem sucedidos, como Péle. Eu não quis ser leviano quando disse que que podia-se concluir a partir do seu texto que a escravidão era válida. Quando utilizamos proposições universais, (ou seja, quando utilizamos "todos" ou "nenhum") para sustentar nossas teses, basta que apresentemos só um exemplo que contarie essa regra para a colocarmos abaixo. Sendo assim, concluí que você queria por abaixo a regra de que os brancos europeus e seus descendentes foram os responsáveis pela escravidão de uma população negra no Brasil colonial. Foi isso que eu quis dizer. Não sei se fui claro o suficiente para me fazer entender agora.
Outro ponto de vista que sustento é que, quando vamos tecer uma crítica, temos que nos ater ao conteúdo e não contra a pessoa, como você bem frisou sobre as costumeiras acusações de "reacionário" e "fascista" recebidas por sua pessoa. É famoso "Argumentum ad hominem", onde se prefere atacar ou desqualificar as pessoas no lugar de apresentar idéias num debate. Foi o que fez o nosso amigo "anônimo" no comentário dele, demonstrou ter tanto conhecimento sobre a história mundial, que resumiu todo o seu saber sobre o assunto em duas linhas e com todas as letras maiúsculas para fazer ainda mais volume.

A você Gustavo um abraço, obrigado pela aula e pelo conselho . Vou perguntar a minha esposa como eu posso aproveitar melhor o conteúdo de de uma biblioteca, tendo em conta qua a mesma é bibliotecária. Rsss...

Marco disse...

Eu entrei aqui no seu blog à alguns minutos e tenho algumas inconsistências para te questionar, primeiro: Como pode ser a favor da livre expressão se tem uma moderação nos comentários? É para impedir os palavrões, acredito, E outra coisa, que me fez me sentir meio acuado.. como você consegue dizer ser racional e liberal considerando que não acredita no pluripartidalismo e acusa todo esquerdita de uma idiotice (perdoe a palavra) extrema, e ainda colocando a seguinte frase em negrito: "A humanidade só será feliz quando o último intelectual de esquerda for enforcado nas tripas do último petralha" Dessa forma você me assusta sériamente... Sou petista sim, admito, sei que vou ser atacado.. mas colocar enquetes envolvendo nazistas para comparar com esquerdistas. Eu acredito que já sabe que Hitler e seus seguidores eram de extrema direita. A esquerda (intelectual, pelo menos) sabe que um governo de direita cria mais crescimento, mas também há muita exploração, porque hoje, não se ganha pela responsabilidade do trabalho mais a dificuldade, ou você acha que um pedreiro trabalha menos que um executivo? A diferença entre os dois é que um tem uma empresa sob sua responsabilidade e o outro as nossas casas, fábricas e edifícios em geral. E sim, o governo Lula fez muita coisa, não no crescimento do país, pois nosso país não é pobre. É desigual. Provavelmente meus dados estão atualizado, mas o Brasil é o 5º país mais desigual do mundo, atrás apenas de países africanos. Também acredito que esquerda não é o mesmo que comunismo, socialismo não é o mesmo que comunismo e marxismo não é igual a socialismo. Seus argumentos não tem muito estudo político, apenas se valem de estatísticas."Há três espécies de mentiras: mentiras, mentiras deslavadas e estatísticas." como disse um estadista inglês que não vem ao caso. Existem muitas farsas e mentiras que podem ser criadas usando estatísticas como: "33% do acidentes de trânsito envolvem pessoas embriagadas. Portanto 67% estão completamente sóbrias, a conclusão é que devemos dirigir totalmente bêbados." Ah, e provas que Lula diminuiu a desigualdade: dez anos atrás eu viajei para maceió e haviam MUITAS favelas. essas féria fui para lá de novo e não há tantas. Agora aqui em Curitiba, com governador e prefeito tucanos, as favelas só aumentaram, as ruas são um lixo, e os PSDBistas ignoram tudo isso e vão acreditar nas estatísticas. Porque eu não crio meu própio blog? porque não tem graça discutir com quem concorda com você. Eu gosto de discutir. Sério. Então por favor permite esse meu comentário porque eu adoro debates. Um aviso: já converti a todos os meus parentes e amigos para o PT, e olha que eu moro numa "zona" do PSDB. Se você deletar esse comentário eu saberei que é um facista contra a liberdade de expressão hehe...

O cara de cima disse...

Ahh, o cara das duas linhas... Como eu realmente sou do contra, eu vou defender o anônimo. Provavelmente era uma pessoa que esqueceu o caps lock ligado e ele só disse que o Rafael se enganou, e existiram sim escravos brancos. Deixa o menino...