segunda-feira, janeiro 03, 2011

E AGORA, LULA?


Na manhã de 2 de janeiro de 2011, Luiz Inácio Lula da Silva acordou com uma sensação estranha. Ainda de ressaca pela festa do dia anterior, quando entregou, às pressas e contendo as lágrimas, a faixa presidencial à sua pupila, ele subitamente descobriu que não estava mais no Palácio da Alvorada. Abriu os olhos e procurou pelo mordomo, o sujeito que todas os dias espiava em seu quarto para saber se tudo ia bem com o chefe, se ele não tinha tido uma síncope ou coisa parecida. Olhou em volta e procurou, também em vão, pelos seguranças, o batalhão de guarda-costas que o acompanhara, até a véspera, em todos os lugares. Pôs os chinelos, vestiu o pijama e esperou o desfile diário dos áulicos, a romaria de políticos mendigando uma verba, um cargo público, a direção de uma estatal. Ou simplesmente uma foto, um sorriso, um tapinha nas costas. Esperou, esperou, mas ninguém veio, nenhuma alma veio beijar-lhe a mão.

Não havia mais ninguém, naquele apartamento em S. Bernardo do Campo, que viesse massagear-lhe o ego inflado, dizer-lhe pela enésima vez o quanto ele era genial e importante, o quanto ele fizera e ainda faria certamente para refundar o Brasil e reformar o mundo. Ainda meio aparvalhado, ele vai à sacada e vê, sob a chuva, uma meia-dúzia de gatos-pingados, devotos petistas ou meros turistas curiosos, esperando sua aparição na janela do prédio. Com um sorriso forçado, acena para eles. Pergunta pela agenda do dia. Não há agenda do dia. Nenhuma reunião com governadores ou com membros da base alugada do governo. Nenhum congresso de "blogueiros progressistas" pagos com o dinheiro dos contribuintes. Nenhum telefonema para o Hugo Chávez ou para o Ahmadinejad. Nenhum cortejo de carros oficiais, nenhum tapete vermelho, nenhuma guarda de honra. Pior: nenhuma viagem no AeroLula. Ninguém para aplaudir cada passo seu, ninguém para rir de suas piadas. Nada. Nesse dia, não vai dar para mudar o mundo, pensa consigo mesmo. Vai à cozinha e, em vez do enxame de cozinheiros, encontra Marisa Letícia de avental, fritando uma omelete. Liga a televisão, mas logo se aborrece. Não estão falando dele, apenas como algo do passado. Agora, todos os olhos estão em sua criatura. Logo percebe que alguma coisa aconteceu. Por que ele não está mais nas manchetes? Entediado, pede uma caninha e liga no jogo do Corinthians. Pensa em Dilma, na criatura que pariu para governar em seu lugar. De agora em diante, terá de se contentar em comandar dos bastidores, coisa a que não está acostumado. Onde está a imprensa? Onde estão os holofotes? E Obama, com seu "esse é o Cara"? Também ele há muito perdeu o brilho. Súbito, invade-lhe um sentimento de tédio e de horror indescritíveis. Um vazio total.

"Sinceramente, eu queria que este dia nunca tivesse chegado", dissera ao cortar o bolo em seu último aniversário como presidente da República. Estava se referindo não à idade, mas ao fato de que, dali a algumas semanas, teria de deixar o Alvorada. Nenhum outro político brasileiro mostrou tamanho apego ao poder, e ao mesmo tempo tamanho desprezo pela liturgia do cargo, quanto Lula. Sob Lula, a mosca azul, o deslumbramento com o poder, atingiu níveis jamais igualados antes e que, acredito, jamais o serão um dia. (Mais tarde, ele tentou se desdizer, afirmando que a alternância de poder é importante para a democracia etc., mas todos sabem quando ele estava sendo sincero.) Conta-se que, na antiga República Romana, os cônsules que assumiam a direção do Estado não eram nada invejados; pelo contrário, o cargo era visto como um fardo, e aqueles que o cumpriam não recebiam nada em troca, apenas a gratidão da História. O apego desmesurado às glórias do poder só surgiria mais tarde, no Império. Lula não ficaria mal no papel de Nero ou de Calígula num filme de Cecil B. De Mille.

Lula é um ator, como afirmou, deslumbrado, o deslumbradíssimo José Celso Martinez Correia. E um ator só existe se existe platéia. Desde que surgiu para a política, há uns 30 anos, Lula não tem feito outra coisa senão representar. O espetáculo varia, conforme o gosto do público: vai do filme de terror (como nas questões de Cuba e do Irã) à opera-bufa (como em Honduras), passando pela pantomima (como no mensalão). Agora que as luzes se apagaram e a cortina desceu sobre o palco, o ator principal deve estar se sentindo desarvorado. O show era dele, e subitamente alguém – mesmo que seja alguém que ele mesmo retirou da obscuridade – tomou seu lugar. Ele não consegue adaptar-se ao papel de coadjuvante, ou de diretor de palco. Seu lugar é na ribalta, sapateando e fazendo malabarismo, equilibrando uma bola no nariz, como uma foca de circo. Sem o aplauso, sem monopolizar as atenções, ele simplesmente se anula.

"Estou saindo da Presidência, mas não da política", ameaçou o chefe do governo mais corrupto da História do Brasil. Mesmo assim, serão anos difíceis para o ex-Guia Genial. Por circunstâncias que ele certamentre gostaria que fossem outras, não será o nome dele que será diariamente repetido no noticiário, não será dele o rosto que irá estampar as manchetes de jornais e capas de revistas pelos próximos quatro anos. Para quem acostumou-se a ser bajulado e adulado continuamente, todos os dias, há decadas, ao ponto da adoração, ser promovido a cidadão é algo insuportável. Ele já prepara seu retorno para 2014. Diz-se que um estadista pensa na próxima geração, enquanto um político pensa na próxima eleição. Se isso é verdade, Lula é um político, não um estadista.

2 comentários:

Anônimo disse...

Não concordo contigo Gustavo, fato é que Lula ainda está mais em evidencia do que nunca, prova disso é que seu blog está falando dele e duvido muito que isso mudo nos proximos anos, até porque a oposição acredito que tema sua volta, coisa que acredito que acontecerá, você pode querer negar, mas Lula é o maior presidente da historia do Brasil, pode ter certeza que daqui alguns anos a historia sera dividida entre antes e depois do Lula.
Lula fez com que o Brasil fosse umas das economias emergentes mais sólidas do mundo, isso em tempos de crise.
Eu cresci ouvindo falar na dívida externa e no governo Lula o Brasil se tornou credor do FMI, coisa impensavel na era FHC.
Um dos únicos governos a olhar para os mais pobres, a criar programas nos quais a população pudesse melhorar de vida ( escola da familia, bolsa familia etc).
Lula consegue inclusive ser lembrado por seus adversários ( covardes o bastante para não o enfrentar.
Lula merece meu aplauso e sua lembrança.

Anônimo disse...

Me lembrei deste texto dias atras e resolvi comentar por aqui.

E agora Lula ? , acho que seu texto pode ser respondido pelos recentes acontecimentos.

Além do titulo Honoris Causa veja o que o texto abaixo fala sobre Lula.

Acho que os bastidores da historia foram pouco para ele.



Lula, o ímã da esquerda europeia
LUISA BELCHIOR
DE MADRI


Foi um afago que só o tratamento que os líderes socialistas da Europa deram ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva durante sua visita a Madri, de onde ele foi embora nesta quinta-feira. Lula passou quatro dias aqui cumprindo uma agenda “padrão” de suas visitas à Europa: dar palestras e encontrar políticos.

Com o Brasil bem contado pelas bandas de cá, Lula incluidíssimo, o ex-presidente sempre sai aplaudido de pé de qualquer palestra que faz por aqui, não importa o público --representantes da banca em Londres, empregados da Telefônica em Madri, políticos de um povoado no sul da Espanha.

Desta vez, porém, os ouvintes se comportaram como tietes de Lula. E entre os “fãs” estavam os candidatos socialistas à presidência da França, François Hollande, e da Espanha, Alfredo Pérez Rubalcaba, além do ex-premiês Gordon Brown, do Reino Unido, e Felipe González, da Espanha.

É que, com eleições à vista, os socialistas viram em Lula a companhia perfeita para uma foto, na esperança de lhes garantir mais votos.

Para o francês Hollande, grudar em Lula era uma maneira de mostrar ainda mais distanciamento do impopular conservadorismo de seu rival, o atual premiê Nicolas Sarkozy – de que, segundo pesquisas de opinião do país, ele ganhará nas próximas eleições.

Já para o espanhol Rubalcaba, candidato do atual premiê José Luis Rodríguez Zapatero, viu na foto com o brasileiro uma das últimas tentativas de mudar o vergonhoso “placar” que seu partido socialista ostenta contra o conservador Partido Popular. Pelas últimas pesquisas daqui, os populares ganham de lavada nas próximas eleições gerais, que acontecem em um mês e devem eleger seu líder, Mariano Rajoy.

Quem, aliás, mesmo longe do socialismo, conseguiu no último minuto uma reunião com Lula, que já havia se encontrado a sós com François Hollande, Alfredo Pérez Rubalcaba e o ex-premiê Felipe González.

E quando não estava em reunião, Lula era ciceroneado até dizer chega --o que ele fez, literalmente, ao fim de sua palestra, quando não conseguia andar pelo bolo de pessoas que se formou ao seu redor -- no encontro da Fundación Ideas para el Progreso, grupo progressista presidido por Zapatero.

No evento, em que participaram outro líderes e ex-lideres socialistas europeus como Antonio Seguro, de Portugal, Massimo D´Alema, da Itália, Victor Ponta, da Romênia, Alfred Gusenbauer, da Áustria, e Paul Rasmussen, presidente do Partido Socialista Europeu, todos aplaudiram, com brilho nos olhos, o discurso de Lula.

E olha que ele nem falou nada de novo. O modelo de suas palestras por aqui é quase sempre mesmo: critica os líderes do primeiro mundo e fala sobre como o Brasil deu um “balão” na crise estimulando o consumo e permitindo a elevação da renda dos mais pobres, o crescimento de classe média, etc.

A plateia, seja qual for, sai boquiaberta e num mimo só com o brasileiro. Da última vez em que esteve aqui em Madri, depois de um bate papo com funcionários brasileiros da Telefônica, teve até anti-petista que saiu de lá dizendo-se em dúvida se deveria ter votado em Lula.

Os europeus não têm qualquer dúvida.