sexta-feira, janeiro 28, 2011

RECORDANDO HONDURAS: UM LEITOR ME FAZ UM DESAFIO. EU TOPO!



Deixando os caçadores de vírgulas e apostos de lado, recebo um comentário de um leitor sobre Honduras. Como o assunto me interessa de perto - basta ler quantos posts escrevi a respeito -, transcrevo-o a seguir. E como o leitor me fez um desafio, respondo. Ficou um pouco longo, mas acho que assim fica mais claro.

Carinha..
Tomara você nao seja tão extrema direita para entender isto: O golpe do 2009 em Honduras foi ilegal.. o Zelaya sem duvida é um otario, porem ele foi deposto de maneira errada e enviado ao exilio, de maneira anti-constitucional. Independentemente se ele ia violar a consitucão o não, ele nunca legalmente fiz nada..ele foi deposto sem julgamento e enviado em um avião para Costa Rica, pela força. Eu te desafio a voce ler o wikileak do embaixador de USA em Honduras, Hugo Llorens quem relata citando CORRETAMENTE nossa constitução (não como você) tudo o que aconteceu no 28 de Junho... (não o 29 como você erradamente falou).
Zelaya é um idiota corrupto (que nem Lula) como o presidente que temos hoje e todos os Presidentes que ja passaram por Honduras, porem ele foi eleito pela gente, e se a gente errou, devemos utilizar os mecanismos DENTRO da constituição para tirar ele do poder, e nunca, mais NUNCA pela força que foi o que aconteceu no 28 de Junho de 2009.
-UM HONDURENHO


RESPONDO

Minha opinião sobre o que aconteceu - e, principalmente, sobre o que NÃO aconteceu - em Honduras já é sobejamente conhecida. Quem tiver curiosidade que busque no blog, e encontrará vários textos sobre o tema. Não vou cansar o leitor repetindo aqui os mesmos fatos e argumentos que escrevi a respeito. Se quiserem encurtar caminho, estou de total acordo com a resposta do Reinaldo Azevedo ao representante brasileiro na OEA publicada aqui: http://veja.abril.com.br/blog/reinaldo/geral/29781/

Muito bem. Se eu já era de "extrema direita", como diz o leitor acima, antes da chanchada hondurenha - uma das maiores palhaçadas em que se meteu a diplomacia megalonanica da dupla Lula-Amorim -, depois dela eu me tornei um verdadeiro reaça, mais à direita do que Átila, o Huno... Vocês verão por quê.

O leitor me desafia a ler o telegrama que o embaixador dos EUA em Honduras, Hugo Llorens, escreveu sobre a situação política no país, telegrama este vazado pelo Wikileaks. Deve ter pensado: "Viu? Olha só o que o embaixador dos gringos escreveu sobre o golpe que derrubou o zé laia. Ele prova que houve golpe. E aí, vai manter sua opinião?".

Tenho uma notícia que, acho, não será muito do agrado do caro leitor. Eu topo seu desafio. Li o telegrama. E ele não "prova" coisa nenhuma. Pelo contrário, só CONFIRMA E REFORÇA TUDO O QUE EU DISSE AQUI. Ou seja: somente confirma e reforça que NÃO HOUVE GOLPE NENHUM EM HONDURAS, A NÃO SER O TENTADO POR MANUEL ZELAYA E SUA CORRIOLA BOLIVARIANA.

Antes de analisar o que está lá escrito, acho que vale a pena fazer um parêntese: quem está familiarizado com comunicações diplomáticas sabe que telegramas de embaixadas estão longe, mas muito longe, de significar "a verdade". Quando se trata de informação factual, sim, mas telegramas, ainda mais de análise política, estarão sempre sob a influência de fatores como a conjuntura do país, os interesses em jogo etc. Há, inclusive, a possibilidade de informação truncada ou de contra-informação (o que parece ser o caso). O conteúdo de telegramas dessa natureza, em geral, varia do extraordinariamente importante ao absolutamente irrelevante. Depende muito do momento e, principalmente, de quem o escreve. Pode captar uma certa visão a respeito de um fato, a interpretação de um ator; não é necessariamente (aliás, dificilmente é) o que "realmente aconteceu".

Pois bem. Quando Hugo Llorens escreveu seu telegrama a Washington, era o início do governo Obama, a política externa da nova administração democrata ainda não estava definida e o Departamento de América Latina do Departamento de Estado estava acéfalo - o cargo, ao que consta, estava vago há meses. Era a época em que Barack Obama se deixava fotografar recebendo o livro As VÉIAS Abertas da América Latina das mãos de um sorridente Hugo Chávez, que o chamava de "ignorante" (espera-se que ele, Obama, não se preste mais a esse papel grotesco...). Junte-se a isso a pressão internacional sobre o governo Micheletti, capitaneada pelo fanfarrão venezuelano Hugo Chávez, e a incompreensão geral do que se passara no país e você terá uma boa explicação de por que os EUA mergulharam, durante meses, na confusão total em relação a Honduras, só recobrando a razão depois que ficou claro que o lado golpista era outro.

O telegrama citado - número 09TEGUCIGALPA645, criado em 24/07/2009, classificado como "Confidencial" - reflete essa confusão. O que ele diz? Basicamente, o seguinte:

- Os argumentos legais dos defensores do "golpe" contra Zelaya não se sustentam (errado; eles se sustentam);

- Como a Constituição de Honduras não prevê o impeachment, o processo para afastar ("to impeach") Zelaya teria de ser judicial (errado novamente; a Constituição não estabelece qualquer procedimento judicial para afastar o presidente, apenas o artigo 239, como veremos adiante);

- Nenhuma das violações da Constituição hondurenha feitas por Zelaya - como propor um referendo constitucional considerado ilegal pela Corte Suprema e pelo Legislativo - justificam sua derrubada, pois ele foi deposto antes de poder fazê-lo (informação equivocada - o simples fato de propor o referendo constituiu violação da Carta Magna);

- Em outras palavras: "Zelaya na verdade nunca tentou mudar os assim chamados artigos 'pétreos' ("carved in stone")"; apenas foi "interpretado" que ele o faria (falso: ele violou um princípio fundamental da Constituição);

- Por conseguinte, ocorreu em Honduras em 28/06/2009 um "golpe de estado do poder legislativo, com o apoio do poder judiciário e dos militares" (!), pois "Não importam quais os méritos do caso contra Zelaya, sua remoção forçada pelos militares foi claramente ilegal, e a ascensão de Micheletti como 'presidente interino' foi totalmente ilegítima" etc. (Totalmente falso; havia motivos legais de sobra para depô-lo. Além do mais, se "não importam os méritos do caso", então por que o telegrama se debruça sobre eles?)

E assim por diante.

A interpretação acima está cheia de furos, além dos que já foram apontados. Eis alguns deles:

- Zelaya de fato violou a Constituição do país ao convocar, ao arrepio da Lei e do Congresso, um referendo ilegal e inconstitucional. O Artigo 239 da Constituição estipula que quem o propuser perderá DE IMEDIATO o cargo que ocupa e ficará inelegível por dez anos (o Telegrama cita de passagem o Artigo 239, mas em nenhum momento o transcreve);

- Zelaya demitiu o comandante das forças armadas, por este se negar a levar adiante o referendo ilegal. Embora a Constituição (Artigo 280) estabeleça que é direito do presidente nomear e demitir o comandante das forças armadas, a Corte Suprema determinou em 25 de junho que ele estava incorrendo em violação da Constituição ao demitir o comandante. Isso porque a demissão ocorreu devido à recusa do comandante em implementar uma decisão ilegal (o referendo). Logo, a demissão - assim como o referendo - foi, sim, ilegal;

- Embora o Artigo 239 da Constituição não especifique quem exatamente teria a incumbência de afastar o presidente - de fato, sua redação é confusa, para dizer o mínimo -, uma coisa é clara: quem tentar fazer o que Zelaya tentou perde imediatamente o cargo;

- Portanto, no momento em que foi preso e expulso do país, Zelaya já não era mais presidente da nação, segundo o Artigo 239 da Constituição de Honduras ("perde de imediato o cargo...");

- O fato de a prisão ter sido irregular, e inclusive ilegal (segundo o Artigo 102 da Constituição, que proíbe a extradição de cidadãos hondurenhos) não muda em absolutamente nada o que está no Artigo 239; Zelaya poderia ter sido preso, expulso e até fuzilado, e isso seria certamente ilegal, um crime, mas não seria "golpe de estado" (não é o Artigo 102, mas o 239, que o determina);

- Ou seja: a conclusão da embaixada dos EUA de que houve um "golpe legislativo-judicial-militar" é completamente absurda, só se sustentando por uma interpretação enviesada da Constituição de Honduras, em especial de seu Artigo 239, que deixa claro, apesar da redação esquisita, que quem propuser a prorrogação do mandato perde de imediato (ou seja: na hora, imediatamente) o cargo que ocupa. Só é possível dizer que Manuel Zelaya foi vítima de golpe ignorando totalmente esse fato.

Outros fatos que o telegrama de Hugo Llorens não menciona (até porque lhe são posteriores):

- Depois do "golpe", o governo "de facto" de Honduras manteve as eleições presidenciais, que foram realizadas livremente em novembro de 2009, inclusive com a participação de candidatos zelaystas;

- As liberdades e garantias democráticas foram preservadas e asseguradas, apesar da invasão da embaixada do Brasil e das ameaças dos partidários de Zelaya;

- Nenhum cidadão hondurenho, ao que eu saiba, foi torturado ou morto (se tiver havido algum caso, a lei do país - mesma lei que Zelaya quis jogar no lixo - dele tratará); passados quase dois anos, o país segue em paz e em ordem, e a vida continua.

Mas a maior prova de que em 28 (ou 29, tanto faz) de junho de 2009 Honduras fez uma opção pela legalidade e pela democracia foi dada pelo próprio governo a que o embaixador Llorens servia: algum tempo depois do telegrama que afirmava ter sido "ilegal" a deposição de Zelaya, o governo Obama voltou atrás e reconheceu o resultado das eleições realizadas pelo novo governo hondurenho. Ou seja: reconheceu-o como o governo DE DIREITO do país. Poucas vezes existiu confissão de erro maior do que essa.

Desde então, vários outros governos também reconheceram a legalidade do governo de Tegucigalpa, e Honduras caminha para ser readmitida na OEA (se não for, também não fará muita diferença). Cada vez mais países se dão conta de que em Honduras o lado golpista foi o deposto, não o que aplicou a Constituição. (O governo Lula, ao contrário, continuou com sua atitude caudatária a Hugo Chávez, condenando o "golpe" que não houve e exigindo o retorno IMEDIATO e INCONDICIONAL do chapeleiro maluco, juntando-se a um cerco internacional que condena no caso de ditaduras como a de Cuba.)

Então, ficou claro quem era o golpista na história?

Isso tudo à parte, é curioso como o Wikileaks se tornou o Novo Evangelho para muita gente. Não é de admirar, visto que seu criador, Julian Assange, é visto por muitos como uma espécie de mártir e messias... Sobre esse sujeito, e sobre o desserviço que ele está prestando ao mundo em nome da "liberdade de expressão" (na verdade, o vazamento irresponsável de informações secretas e confidenciais, muitas das quais um prato cheio para terroristas), já escrevi aqui alguns textos. Vou me limitar a dizer que entre o Wikileaks (ou a embaixada dos EUA) e a Constituição de Honduras, fico com a última, mesmo com seus defeitos.

Mas é claro que nem tudo que está no Wikileaks é falso ou equivocado. No mesmo arquivo referente a Honduras, existe um telegrama de outro embaixador norte-americano naquele país, Charles A. Ford. Trata-se do telegrama Secreto 08TEGUCIGALPA459, de 14/05/2008 (mais de um ano antes do "golpe"). Nele, o embaixador dos EUA traça um perfil psicológico dos mais interessantes sobre Manuel Zelaya. Ele afirma, por exemplo, o seguinte (a tradução fui eu que fiz, os grifos também são meus):

- "O Presidente hondurenho José Manuel 'Mel' Zelaya Rosales é um retrocesso [a throwback] em direção a uma era anterior centro-americana, quase uma caricatura de um 'caudilho' dono de terras em termos de seu estilo de liderança e tom. Sempre o adolescente rebelde, o principal objetivo de Zelaya no cargo é enriquecer a si mesmo e a sua família [...] se ressente da própria existência do Congresso, do Procurador-Geral e da Corte Suprema. Em seus dois anos e meio no cargo, ele se cercou de forma crescente de gente envolvida em atividades do crime organizado". (Isso é só o sumário)

- "Pessoalmente, achei Zelaya engraçado e charmoso, tendendo bastante a me dizer o que quer que ele ache que eu queria ouvir naquele momento. [...] Foi interessante ver como suas explicações diferiam de encontro para encontro, quase como se ele não tivesse qualquer lembrança de sua conversa de apenas alguns dias antes."

- "Em resumo, num período de quase três anos tornou-se claríssimo para mim que as opiniões de Zelaya mudam dia a dia ou em alguns casos hora a hora, dependendo de seu humor e de quem ele viu por último."

Ainda falando do "comportamento errático" de Zelaya, Ford observa:

- "Zelaya permanece muito como um adolescente rebelde, ansioso para mostrar sua falta de respeito por figuras de autoridade. [...] O problema é que Mel tem agido dessa maneira juvenil e rebelde durante toda sua vida e conseguiu chegar ao posto mais alto do país. [...] Ele vai continuar a levar uma vida privada caótica e altamente desorganizada."

- "Também existe um Zelaya sinistro, cercado por alguns conselheiros próximos com laços tanto com a Venezuela e Cuba quanto com o crime organizado. A defesa desesperada por Zelaya do ex-chefe de telecomunicações Marcelo Chimirri (que se acredita amplamente ser um assassino, estuprador e ladrão) sugere que Chimirri mantém muita influência sobre o próprio Zelaya. Zelaya quase certamente toma fortes medicamentos contra um problema severo nas costas e talvez outras drogas também. [...] A inabilidade de Zelaya em nomear um Vice-Ministro para Segurança empresta credibilidade àqueles que sugerem que narcotraficantes o têm pressionado para nomear um deles mesmos para essa posição. Devido à sua íntima associação com pessoas que acredita-se estejam envolvidas com o crime organizado internacional, a motivação por trás de muitas de suas decisões políticas pode certamente ser questionada. Sou incapaz de relatar a Zelaya ações sensíveis de cumprimento da lei e contra-narcóticos, devido à minha preocupação de que isso poderia pôr a vida de funcionários dos EUA em perigo."

Tem mais. Sempre nessa mesma linha. Quem quiser ler o telegrama completo, é só acessar o Wikileaks.

No final, o embaixador Ford faz uma observação que só pode ser considerada profética:

- "O último ano e meio da administração Zelaya será, a meu ver, extraordinariamente difícil para nosso relacionamento bilateral. Sua busca de imunidade para numerosas atividades do crime organizado levadas a efeito em seu governo o levará a ameaçar o império da lei e a estabilidade institucional."

Na mosca.

O leitor cujo comentário reproduzi acima e que me fez o desafio assina como "um hondurenho". Suponho que ele seja mesmo o que diz ser (e pelo nível do português, não duvido que isso seja verdade). Nesse caso, devo imaginar como ele deve ter se sentido, com um demagogo de botas e chapéu de vaqueiro invadindo uma embaixada estrangeira na capital de seu país e, juntamente com dezenas de arruaceiros, passando a usá-la para incitar a violência e a guerra civil. Imagino como ele se sentiu ao ver pela televisão cenas lamentáveis de uma embaixada transformada em palanque e quartel-general para um doido que acreditava estar sendo monitorado mentalmente por espiões israelenses arengar a seus seguidores e pregar o caos.

Certamente, como cerca de 70% da população hondurenha que queria ver o tal Zelaya fora do poder, o leitor deve ter ficado nauseado e revoltado diante de tamanha interferência em um assunto interno de seu país, patrocinada por gente como Hugo Chávez. Não sei quanto a você, caro leitor, mas eu, como brasileiro, senti uma profunda vergonha. A ponto de querer esconder minha nacionalidade.

Um comentário:

Lucas disse...

Diz você no primeiro post: "Democracia e direitos humanos são valores inegociáveis".

Nossa! É um blog de um democrata, não?!

E, agora, uns artigos abaixo, vejo uma defesa do golpe em Honduras. Golpe que até mesmo os embaixadores dos EUA reconheceram ser ilegal.

Deixa eu ver se eu entendi. Um presidente legitimamente eleito é sequestrado e este presidente na tentativa de recuperar o que a Democracia lhe outorgou torna-se um "incitador de uma guerra civil"? rs

Realmente, neste blog, a defesa da democracia é inegociável... rsrs