sábado, janeiro 01, 2011

MATANDO O DOENTE PARA ACABAR COM A DOENÇA

Começo o ano de 2011 respondendo a dois leitores. O primeiro, Alberto, parece ter entendido bem meu texto "O CLUBE DOS RESSENTIDOS", e faz algumas observações pertinentes. Tenho com ele apenas uma pequena divergência pontual (na verdade, semântica), que aproveito para esclarecer aqui. O segundo, que se assina apenas como "Anônimo", é o típico leitor em que penso quando escrevo textos como o acima referido - alguém cheio de ilusões sobre um problema que não entende, ou que não quer entender. Como acredito tratar-se de alguém bem-intencionado e sinceramente interessado no debate, respondo a ele também.

Vamos aos comentários. Respondo-os em seguida, separadamente. Primeiro o Alberto:

Concordo com o texto. Já a algum tempo percebo uma certa inversão de valores na nossa sociedade, além de um excesso de puritanismo. Hoje tudo é politicamente incorreto. Palavras ganham novos significados, tornando-se proibidas.
Um dia desses assisti um episódio dos Trapalhões com o Mussum. Nesse episódio, como quase sempre, ele fazia piada com sua fixação por álcool/cachaça/"mé". Na época todos assistíamos em família, e ríamos bastante. Fiquei imaginando como seria se algum humorista ousasse criar algo parecido hoje em dia. Porque hoje tudo é proibido, de forma que ser politicamente correto tem se tornado missão impossível, exceto se você escolhe não expressar mais nenhuma opinião.

Quanto à política de cotas, vejo como um paliativo, que mascara o cerne do problema: O acesso a um ensino básico de qualidade, que permita a todos, independente de raça, crescer por mérito próprio.
E quando essas pessoas - que não tiveram acesso a um bom ensino básico - concluírem a graduação de forma sofrível e forem preteridas no mercado de trabalho em favor de outras mais preparadas, o governo vai criar cotas de vagas nas empresas também?
No fim, na ânsia de se estabelecer a igualdade, mascara-se a desigualdade.

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RESPOSTA AO ALBERTO
Estamos de total acordo quanto à ditadura do politicamente correto, que nada mais é do que a castração do pensamento crítico em nome de conveniências ideológicas. Seu exemplo do Mussum é perfeito. Não tenho nada a acrescentar.

Faço apenas uma observação: cota racial não é paliativo. Um paliativo é uma tentativa, ainda que inútil, de resolver um problema. Tentar estancar uma hemorragia com um band-aid, por exemplo. As cotas, ao contrário, não minimizam o problema que dizem combater - o racismo. Pelo contrário, o oficializam, instituindo um sistema de tribunais de pureza racial. Em outras palavras, não são parte da solução, mas do problema. São, aliás, o próprio problema.

Para que as cotas pudessem ser consideradas um paliativo - ou seja: para que fossem consideradas algo "válido, embora insuficiente" -, uma forma equivocada de tentar diminuir a desigualdade e garantir a "inclusão social" ou o que seja, o Brasil deveria ser um país em que os pobres fossem TODOS, ou em sua maioria, "negros". E em que essa condição - a raça - fosse o fator a impedir o acesso de camadas da sociedade à educação.

Nenhum desses fatores existe no Brasil. Primeiro, porque "pobre" e "negro", pelo menos aqui, são coisas distintas - é comum dizer-se que, no Brasil, as pessoas mudam de cor de acordo com a posição social: se ficam ricas, "embranquecem"; se, ao contrário, ficam pobres, "acobream-se". Segundo, ainda espero alguém me mostrar uma prova cabal e definitiva do que seria ser "negro" no Brasil, um país majoritariamente mestiço (eu mesmo, descendente de portugueses e de índios do sertão nordestino, passaria por indiano na Suécia...). Terceiro, porque raça é um conceito ideológico, não biológico - a única raça reconhecida pela Ciência é a do Homo Sapiens Sapiens. Como disse o João Ubaldo Ribeiro: "quem tem raça é cachorro".

Enfim, nem de paliativo é possível chamar as cotas raciais. Trata-se de uma medida estranha ao Brasil, contrária à nossa formação histórica e cultural. É algo problemático até nos EUA, onde a segregação há muito acabou e onde as diferenças (econômicas, sociais, culturais) entre "negros" e "não-negros" vem diminuindo nas últimas décadas, de forma acelerada (basta olhar o Obama). Seria a importação de um problema, um dos poucos que NÃO temos.

Agora, o "Anônimo":

Gustavo, você jamais poderá afirmar que " no Brasil não há racismo" e sabe por que ?, Por que você não é negro.
E não escrevo isso com ressentimento ou qualquer tipo de rancor, apenas aponto os fatos.
As pessoas que me olham diferente, vendedores de loja que me ignoram, seguranças de banco que me barram ( sem eu ter algo metálico no corpo), atendentes que me destratam por acaso estão ligando para o fato de o Brasil ser um país de miscigenados ? claro que não.

A mídia que em geral usa 2% de negros nos castings de novelas e seriados também não, então em termos práticos isso não vale de nada.

Eu acredito que enquanto não tivermos um sistema educacional que permita a todos competirem em pé de igualdade o sistema de cotas é sim válido. Eu reconheço que é um paliativo ,mas enquanto não evoluirmos em educação é a arma que nos resta para uma sociedade mais justa.


RESPOSTA AO ANÔNIMO
Discordo completamente. Não é preciso ser "negro" para constatar que o racismo é um fenômeno pouco comum - eu jamais diria "inexistente", mas é próximo disso - no Brasil, do mesmo modo que não é preciso ser judeu para saber que existe antissemitismo. Também não é preciso ser nascido nos EUA para constatar que o antiamericanismo é uma realidade. Esse tipo de raciocínio "de gueto" não vale um tostão furado.

Outra coisa: acho que não conheço nenhum "negro" de verdade no Brasil. Acredito que devam existir uns dois ou três brasileiros que possam ser considerados "negros puros". Mais do que isso, só se for imigrante africano (geralmente casado com uma loira ou uma mulata). Isso por causa - mais uma vez - da miscigenação. Quanto por cento de "sangue negro", ou de melanina alguém deve ter para ser considerado "negro" no Brasil? Ainda mais se formos levar em conta o critério "científico" adotado nos programas de cotas raciais - a auto-declaração (a pessoa "se declara negro", e pronto!). Então ser "negro" no Brasil é uma questão de opinião pessoal (própria)? Partindo desse pressuposto, e do fato de que opiniões podem mudar, qualquer um poderia se dizer negro hoje e mudar de idéia amanhã, ou vice-versa.

Não sei se o fato de alguém ser olhado diferente, ou ignorado por vendedores de loja, ou barrado em bancos, ou destratado por um atendente, caracteriza "racismo". Teríamos aí uma outra definição de racismo: "Sou negro e vítima de preconceito porque me olharam de maneira estranha na rua" etc. Já me olharam de forma diferente uma vez, e nem por
isso achei que fui vítima de preconceito ou de discriminação (talvez pelo fato de eu ser gordinho... hehe). A pessoa que lhe olhou "diferente" proferiu algum insulto referente à cor de sua pele ou a seu cabelo? Havia alguma placa na loja ou no banco indicando que só atenderiam caucasianos? Se não havia nada disso, qualquer acusação de racismo fica dependendo da subjetividade de quem a faz. Convenhamos, isso é muito pouco para embasar uma acusação, ainda mais uma tão séria (e eu acho seriíssima). Se a única prova de racismo é ter sido olhado de esguela ou destratado numa loja, ou barrado num banco, isso prova apenas que o Brasil não é a África do Sul do apartheid, concorda comigo?

Mais uma coisa: qual o critério usado para dizer que 2% (ou 1%, ou 10%, ou 60%...) do "casting" de telenovelas e seriados da "mídia" é de "negros" (ainda mais num país de miscigenados)? Seria o mesmo critério "científico" das cotas raciais, ou seja, a auto-declaração? Ainda que exista tal coisa, como é que se faria para determinar quem é e quem não é "negro"? E se o comercial ou o seriado exigir, ao contrário, atores e figurantes "negros" (um seriado sobre a escravidão no século XIX, por exemplo)? Poder-se-ia falar, nesse caso, de racismo contra "brancos", "pardos" ou "amarelos"?

Quanto ao resto do comentário, sobre as cotas serem ou não um paliativo, creio que já respondi ao Alberto sobre o mesmo assunto. Acrescento apenas que qualquer solução que não leve em conta o princípio da igualdade juridica dos cidadãos não pode ser considerada válida. Além de serem inconstitucionais, as cotas oficializam a desigualdade, não a igualdade (e pelo pior critério que existe: o da "raça"). Não têm nada a ver com justiça, mas com privilégios. É o mesmo que matar o doente para acabar com a doença.

Por isso que está aí em cima, aproveito para reafirmar o que disse: não somos racistas. Os militantes racialistas, que querem instalar a divisão da sociedade em raças, sim.

Um comentário:

João Marcelo Zinn Hensel disse...

“Eu não me refiro à volta do camarada Stalin. O comunismo do século XX foi uma das maiores tragédias da história. Eu apenas afirmo que nós estamos enfrentando problemas para os quais o capitalismo não é suficiente. Estou preparado para ser parte desse legado histórico da esquerda que se move um passo adiante da democracia” Zizek