Uma das coisas que mais irritam no discurso do Apedeuta, além dos erros de português e das metáforas futebolísticas, é sua mania de revestir tudo o que diz, mesmo os maiores absurdos, com ares de absoluto ineditismo histórico ("nunca antes neztepaís") ou de suprema manifestação de bom-senso e de racionalidade iluminista ("Do ponto de vista da racionalidade humana"...). Apesar de tosca, reconheçamos, é uma tática eficiente. É uma maneira de desqualificar qualquer objeção, por mais bem fundamentada que seja, como inerentemente irracional - se o ponto de vista da racionalidade humana é que não há nada que impeça o reatamento entre Washington e Havana, então o ponto de vista contrário, isto é, contra essa aproximação, só pode ser, portanto, o da irracionalidade animal... Além do mais, é um jeito de dizer: "olha como somos modernos, ao contrário deles, que insistem em enxergar as coisas com as lentes da Guerra Fria; nós, sim, vivemos no século 21..." etc. etc.
Analisemos a afirmação do Apedeuta. Há nela duas ideias subjacentes: 1) Cuba só é o que é hoje por causa da intransigência da política dos EUA - ou seja, por causa do embargo econômico norte-americano à ilha (o tal "bloqueio"); e 2) logo, o fim do embargo e o reatamento de relações são as condições necessárias para a democracia na ilha.
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Ao contrário do que ainda pensam muitas boas almas empedernidamente otimistas, não há qualquer sinal de que a ditadura cubana está avançando rumo à democracia e ao respeito aos direitos humanos. Desde que assumiu o controle do Estado no lugar do irmão, Raúl Castro vem implementando algumas pequenas reformas cosméticas - os cubanos já podem frequentar hotéis antes reservados aos turistas estrangeiros e já podem comprar celulares -, mas, no plano das liberdades políticas, a situação não se moveu um só milímetro. Pelo contrário: há alguns dias, Raúl Castro promoveu um expurgo nas altas fileiras do regime cubano, destituindo algumas figuras políticas que certamente representavam uma ameaça a seu poder pessoal, como o ex-presidente do Conselho de Ministros, Carlos Lage, e o ex-ministro das relações exteriores, Felipe Pérez Roque, apontados por muitos como prováveis sucessores de Fidel e vistos por alguns como uma esperança de abertura do regime. Lage e Roque foram obrigados a se degradarem em público, em sessões humilhantes de "autocrítica", no pior estilo stalinista. É com esse mesmo tipo de regime político que Lula acha que não há nada na racionalidade humana que impeça os EUA de se reconciliarem.
O fim do embargo dos EUA a Cuba é uma ideia cara a Lula. Foi a primeira coisa que ele pediu a Obama, assim que este foi eleito. O mesmo não pode ser dito de qualquer pedido por democracia na ilha. Se Lula se empenhasse em pedir o fim da censura e a liberdade para os presos políticos na ilha com o mesmo entusiasmo com que pede a Obama para levantar o embargo norte-americano à ilha, podem ter certeza: Cuba hoje já seria uma democracia.
Se depender de Lula, porém, isso não irá acontecer. Também, pudera: Lula e os irmãos Castro são velhos companheiros, participando juntos da mesma organização semiclandestina, semilegal, o FORO DE SÃO PAULO. Ambos os governos demonstraram toda sua sintonia em dezembro passado, na Costa do Sauípe, quando o governo Lula patrocinou a entrada de Cuba no Grupo do Rio sem mencionar, em momento algum, a palavra democracia. Daí a conclusão: as gestões de Lula junto a Obama em favor do restabelecimento EUA-Cuba não têm outra finalidade senão garantir a sobrevivência da tirania mais antiga do Hemisfério Ocidental. Nada mais do que isso.
É curioso como Lula adora falar contra o embargo dos EUA a Cuba e a favor do reatamento entre os dois países, mas nunca disse uma palavra sobre democracia ou direitos humanos na ilha caribenha. Talvez porque ele saiba, lá no íntimo, que enquanto os irmãos Castro estiverem dando as cartas na ilha-presídio, as esperanças de que Cuba se torne um dia uma democracia são mais do que remotas. Do ponto de vista da racionalidade humana, a probabilidade de isso acontecer é a mesma de um elefante voar tocando trombone.
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