terça-feira, março 17, 2009

LULA, LOBISTA DE DITADORES

Todas as manhãs, ao chegar ao trabalho, abro minha caixa de e-mail. Por razões profissionais, sou obrigado a fazê-lo. Uma das mensagens, recebida diariamente, é uma página editada pela Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República (leia-se Franklin Martins), que canta as maravilhas do governo Lula.

Em geral, nem me dou ao trabalho de ler esse tipo de propaganda governista, de tão previsível e maçante que é. Mas acabei abrindo uma exceção. O assunto de hoje, dia 17, era a viagem de Lula a Washington, onde se encontrou com seu colega americano, Barack Obama. Sob o título "Presidente defende um novo olhar para [a] América Latina", a newsletter chapa-branca enumerou os diversos pontos discutidos entre Lula e Obama. No último ponto, intitulado "Cuba", o filho de Dona Lindu afirma o seguinte:

"Do ponto de vista da racionalidade humana, [não há] nada mais que impeça o restabelecimento das relações dos Estados Unidos com Cuba. Não é possível que a gente continue fazendo no século 21 políticas com o olhar do que aconteceu no século 20."

Uma das coisas que mais irritam no discurso do Apedeuta, além dos erros de português e das metáforas futebolísticas, é sua mania de revestir tudo o que diz, mesmo os maiores absurdos, com ares de absoluto ineditismo histórico ("nunca antes neztepaís") ou de suprema manifestação de bom-senso e de racionalidade iluminista ("Do ponto de vista da racionalidade humana"...). Apesar de tosca, reconheçamos, é uma tática eficiente. É uma maneira de desqualificar qualquer objeção, por mais bem fundamentada que seja, como inerentemente irracional - se o ponto de vista da racionalidade humana é que não há nada que impeça o reatamento entre Washington e Havana, então o ponto de vista contrário, isto é, contra essa aproximação, só pode ser, portanto, o da irracionalidade animal... Além do mais, é um jeito de dizer: "olha como somos modernos, ao contrário deles, que insistem em enxergar as coisas com as lentes da Guerra Fria; nós, sim, vivemos no século 21..." etc. etc.

Analisemos a afirmação do Apedeuta. Há nela duas ideias subjacentes: 1) Cuba só é o que é hoje por causa da intransigência da política dos EUA - ou seja, por causa do embargo econômico norte-americano à ilha (o tal "bloqueio"); e 2) logo, o fim do embargo e o reatamento de relações são as condições necessárias para a democracia na ilha.

Ambas as ideias, é claro, são falsas como quase todas as declarações do Apedeuta. Já tratei, aliás, desse assunto, como se pode ver aqui:
Vou apenas tentar resumir o que já disse a respeito.
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Em primeiro lugar, não foi por falta de diálogo por parte de Washington que Cuba se voltou para o lado da antiga URSS e se transformou numa ditadura comunista. Sabe aquele seu livro de História da oitava série que dizia que foi a política "agressiva" e "imperialista" dos EUA que "empurrou" o governo de Fidel Castro para o lado da ex-URSS e do comunismo? Pois é: pode jogar no lixo.

A ideia de que a ditadura castrista em Cuba é, de algum modo, o produto da ação dos EUA é uma daquelas mentiras que, de tão repetidas, acabam virando verdade, como dizia o Dr. Goebbels. Quando Fidel Castro tomou o poder, em 1959, foi com o apoio dos EUA e da CIA - que o viam, e ele se apresentava como, um líder democrata e anticomunista. Ao contrário do que diz a lenda esquerdista, o barbudo foi saudado pelo governo norte-americano, que lhe ofereceu inclusive ajuda econômica. Mas isso para Fidel não era suficiente: para ele, era o poder absoluto, ou nada. E qual melhor caminho para assegurar sua ditadura pessoal senão traindo os ideais democráticos pelos quais jurara lutar e se aliando aos comunistas? O próprio Fidel Castro, em entrevista a um jornalista brasileiro em 1985, admitiu, com toda a candura, que os EUA não tiveram nada a ver com a implantação do socialismo em Cuba, "pois do contrário teríamos que agradecer a eles", disse o Coma Andante, com aquele seu jeito meigo. Em resumo: A transformação de Cuba num Estado marxista e num satélite da ex-URSS teve a ver, isso sim, com a ambição política e a megalomania de Fidel Castro, que não hesitou em mandar seus ex-companheiros de luta contra Batista para o exílio ou o paredón e em instaurar sua própria ditadura pessoal, aliando-se à URSS. Isso tudo é História; se quiserem, estudem (mas não os livros de Emir Sader e Frei Betto, por favor...).
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Finalmente, por esse mesmo motivo, é uma balela dizer que Cuba é uma ditadura por causa do embargo. Ninguém é ditador por vontade alheia. A situação de penúria em que padece a população da ilha também não tem nada a ver com qualquer embargo - é o resultado, única e tão-somente, da falência do regime. Cuba já era um desastre econômico na época da mesada soviética.
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Já disse antes o que vai em seguida, mas não custa nada repetir: imaginem que Obama aceite acabar com o embargo e entregar a base de Guantánamo, cujo fechamento ele já anunciou, a Cuba. Em troca, o governo de Raúl Castro se comprometeria a liberar os presos políticos e realizar eleições livres, com vários partidos. Alguém consegue vislumbrar essa possibilidade?

Ao contrário do que ainda pensam muitas boas almas empedernidamente otimistas, não há qualquer sinal de que a ditadura cubana está avançando rumo à democracia e ao respeito aos direitos humanos. Desde que assumiu o controle do Estado no lugar do irmão, Raúl Castro vem implementando algumas pequenas reformas cosméticas - os cubanos já podem frequentar hotéis antes reservados aos turistas estrangeiros e já podem comprar celulares -, mas, no plano das liberdades políticas, a situação não se moveu um só milímetro. Pelo contrário: há alguns dias, Raúl Castro promoveu um expurgo nas altas fileiras do regime cubano, destituindo algumas figuras políticas que certamente representavam uma ameaça a seu poder pessoal, como o ex-presidente do Conselho de Ministros, Carlos Lage, e o ex-ministro das relações exteriores, Felipe Pérez Roque, apontados por muitos como prováveis sucessores de Fidel e vistos por alguns como uma esperança de abertura do regime. Lage e Roque foram obrigados a se degradarem em público, em sessões humilhantes de "autocrítica", no pior estilo stalinista. É com esse mesmo tipo de regime político que Lula acha que não há nada na racionalidade humana que impeça os EUA de se reconciliarem.

O fim do embargo dos EUA a Cuba é uma ideia cara a Lula. Foi a primeira coisa que ele pediu a Obama, assim que este foi eleito. O mesmo não pode ser dito de qualquer pedido por democracia na ilha. Se Lula se empenhasse em pedir o fim da censura e a liberdade para os presos políticos na ilha com o mesmo entusiasmo com que pede a Obama para levantar o embargo norte-americano à ilha, podem ter certeza: Cuba hoje já seria uma democracia.

Se depender de Lula, porém, isso não irá acontecer. Também, pudera: Lula e os irmãos Castro são velhos companheiros, participando juntos da mesma organização semiclandestina, semilegal, o FORO DE SÃO PAULO. Ambos os governos demonstraram toda sua sintonia em dezembro passado, na Costa do Sauípe, quando o governo Lula patrocinou a entrada de Cuba no Grupo do Rio sem mencionar, em momento algum, a palavra democracia. Daí a conclusão: as gestões de Lula junto a Obama em favor do restabelecimento EUA-Cuba não têm outra finalidade senão garantir a sobrevivência da tirania mais antiga do Hemisfério Ocidental. Nada mais do que isso.

É curioso como Lula adora falar contra o embargo dos EUA a Cuba e a favor do reatamento entre os dois países, mas nunca disse uma palavra sobre democracia ou direitos humanos na ilha caribenha. Talvez porque ele saiba, lá no íntimo, que enquanto os irmãos Castro estiverem dando as cartas na ilha-presídio, as esperanças de que Cuba se torne um dia uma democracia são mais do que remotas. Do ponto de vista da racionalidade humana, a probabilidade de isso acontecer é a mesma de um elefante voar tocando trombone.

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