quinta-feira, janeiro 15, 2009

ESCUDOS HUMANOS, UM PROBLEMA DA HUMANIDADE

Vou pedir licença a meu conterrâneo, o filósofo Pablo Capistrano, para comentar um artigo dele aqui em meu blog. Já fiz isso antes, e acho que ele vai entender. O artigo em questão se chama "Todas as crianças da humanidade" e foi publicado no Jornal de Hoje, de Natal/RN, no último dia 10 de janeiro. O assunto é o conflito em Gaza. Pablo se detém sobre um aspecto específico - o aspecto mais visível do conflito, como o de quase todas as guerras, infelizmente -: a morte de crianças. Ele lembra o drama dos "pais de Goradze, enclave bósnio-mulçumano, em pleno território Sérvio durante a guerra dos balcãs. Milhares de crianças foram degoladas por Chetniks (guerrilheiros Sérvios) ou queimadas por bombas enquanto a comunidade internacional e a opinião pública cuidava da vida. Mas também penso nas crianças alemães de Dresden, incineradas pelas bombas dos aliados durante os bombardeios de 1944 (que mataram 200 mil), as crianças de Nagasaki e Hiroshima, as crianças judias nos campos de extermínio, as vietnamitas correndo nuas com napalm arrancando a pele." etc.
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Até aí, estou inteiramente de acordo com Pablo Capistrano. O problema começa aqui: "Mas o grave esses dias, foi mesmo a declaração de Ehud Olmert, primeiro ministro de Israel. Quando perguntado porque havia tantas crianças palestinas mortas no conflito de Gaza e tão poucas crianças israelenses, ele teria respondido: "nós cuidamos de nossas crianças".
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Qual o problema com essa afirmação de Pablo? Bom, eu poderia dizer que o problema é que a frase não foi dita por Ehud Olmert, mas por Shimon Peres, presidente de Israel e Prêmio Nobel da Paz. Alguém que, já tendo lutado em várias guerras desde 1948 e tendo sido um dos principais articuladores do frustrado acordo de paz com a OLP de Yasser Arafat em 1993, deduzo que saiba um pouco do que está falando. Mas o problema não é esse. O problema é que a frase de Peres, que precisa ser reposta em seu devido contexto ("texto sem contexto é pretexto", não me lembro quem disse isso, mas é verdade), significa algo totalmente diverso do que diz Pablo em seu artigo.
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Vejamos o que diz Pablo, quando se refere à frase de Peres: "Isso [o fato de Israel cuidar de suas crianças] é verdade. Após anos sofrendo atentados quase que diários, em 2009 Israel sofreu apenas um". Vamos aos números: somente nos últimos anos, mais de 3 mil foguetes do Hamas atingiram a região sul de Israel. Desde que a ofensiva israelense começou, já foram dezenas, que fizeram mais de dez vítimas fatais. Não vou entrar aqui no debate de se isso é "proporcional" ou não (já discuti isso exaustivamente em outros textos). Vou me limitar a citar apenas o que está dito aí em cima: em 2009, Israel sofreu bem mais do que um atentado. O problema é que ninguém parece estar dando a mínima para isso. Como parece não estar dando a mínima também para o fato de que, não fosse a pronta e enérgica ação militar israelense, já teríamos tido bem mais do que um ou dezenas de ataques terroristas.
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Pablo parece reconhecer isso, pois afirma "que do ponto de vista da segurança de Israel, a política dos últimos governos é, ao menos temporariamente, eficaz". Mas, logo em seguida, comete um deslize: "e que a retórica apocalíptica de grupos como Hamas e Hezbolah é de um primarismo político digno da mais profunda piedade".
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Aqui há mais alguns pontos a serem esclarecidos. Primeiro, não é somente a retórica do Hamas e do Hezbollah que é apocalíptica: suas ações assassinas e indiscriminadas contra a população civil isralense (e também contra os palestinos, como se verá mais adiante) também são. Tais grupos, é bom lembrar, juraram varrer Israel do mapa, com toda sua população - crianças inclusive. Segundo, isso não é digno de piedade: é digno de ação enérgica para deter esses criminosos. Piedade eu reservo para as crianças, tanto israelenses quanto palestinas, as maiores vítimas do... Hamas! Aliás, onde está a ONU que ainda não começou uma investigação sobre a prática do Hamas de utilizar suas instalações em Gaza para disparar mísseis contra Israel?
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Prossegue Pablo: "Agora, há uma dimensão sinistra no discurso da autoridade israelense. Existem ao menos três formas retóricas de você se escandalizar com o massacre de crianças em Gaza. (1) você se escandaliza porque israelenses estão matando crianças palestinas; (2) você se escandaliza porque judeus (apoiados por cristãos ocidentais) estão matando crianças muçulmanas; (3) você se escandaliza porque estão matando crianças."
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Da minha parte, fico com a opção 3: a morte de uma criança, seja palestina, israelense ou em Darfur, é a morte de uma criança. Não há nada mais terrível e repugnante. Ponto. Acrescento apenas que faltou Pablo falar de outra dimensão, a mais perversa de todas: você se escandaliza (deve se escandalizar) porque um grupo terrorista e genocida está usando crianças como escudos humanos para serem propositalmente mortas e assim servir de carne barata para fazer propaganda contra o inimigo, que está lutando para se defender. Deve se escandalizar ainda mais, a meu ver, se, diante de tamanha barbaridade, a mídia e a opinião pública mundial estiverem sendo manipuladas de maneira tão grotesca pelos terroristas, a ponto de ignorarem isso por completo e comprarem, mesmo sem o saber, suas teses genocidas.
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Pablo: "Quando a autoridade israelense fala "nós cuidamos de nossas crianças" ele acaba se aproximando de um discurso de tipo (1). Um discurso de exclusão, cisão, separação. O problema não é meu, porque aquelas não são "minhas crianças". As crianças dos outros são um problema dos outros, das minhas cuido eu. Curiosamente esse é o discurso do Hamas, que obviamente não vai se preocupar com as crianças israelenses, porque eles pensam que estão defendendo as crianças palestinas (apesar de enchê-las de bombas, usa-las como escudo ou lançá-las em um martírio suicida e inútil). O sinistro é justamente que, com essa declaração o discurso da autoridade israelense e dos grupos que eles tentam combater se torna o mesmo".
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Aqui está o cerne de minha discordância com o texto de Pablo. Quando mencionou as crianças palestinas, Shimon Peres estava se referindo à maneira diferente como cada lado cuida dos seus. Evidentemente, ele estava se referindo ao hábito do Hamas de utilizá-las como escudos humanos, coisa que Israel, mesmo o mais ferrenho antissionista teria de admitir, não faz. Em outras palavras, eles estava dizendo: "NÓS CUIDAMOS DE NOSSAS CRIANÇAS; AO CONTRÁRIO DO HAMAS, QUE AS USA COMO ESCUDOS HUMANOS, COM A INTENÇÃO DELIBERADA DE GERAR MORTES ENTRE AS CRIANÇAS PALESTINAS E COM ISSO LEVAR TODOS A SE INDIGNAREM CONTRA ISRAEL". Dizer que "esse é o discurso do Hamas" é algo que não pode ser levado a sério: Israel não só cuida de suas crianças, como cuida para que os bombardeios em Gaza causem o menor número possível de vítimas entre as crianças palestinas - é uma pena que o Hamas não tenha os mesmos escrúpulos de humanidade, nem em relação às crianças israelenses, nem em relação às crianças palestinas. O texto inteiro dá a impressão de que Israel está matando indiscriminadamente e por pura maldade ("ah, esses judeus malvados"...), como se não existisse Hamas nem escudos humanos. Eu me recuso a colocar Israel no mesmo saco dos que querem destruí-lo, assim como me recuso a colocar no mesmo saco os Aliados e os nazistas.
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"O fato é que, a partir dessa lógica, ao se escandalizar porque israelenses matam crianças palestinas você pode, ao mesmo tempo, não se escandalizar se palestinos matassem crianças israelenses".
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Não, Pablo. Mil vezes não! A partir desse raciocínio, que tenta equiparar Israel ao terrorismo do Hamas, você pode, facilmente, justificar este último, encarando-o como uma "legítima retaliação" (há quem defenda isso, e não são poucos). Não é preciso ser pró-Israel para perceber que há algo de intrinsecamente pró-terrorista, logo perverso, nesse raciocínio. Já demonstrei que as mortes de crianças palestinas se devem mais ao Hamas, que as usa como escudos - uma prática covarde e criminosa - do que às bombas de Israel, que visam, primordalmente, alvos do Hamas. O que distingue Israel do Hamas é que este último atira suas próprias crianças na fogueira da guerra, explorando a dor e o sofrimento de inocentes para daí auferir ganhos na guerra de propaganda (que está ganhando, como o texto de Pablo parece demonstrar).
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"Há algo de racista ou de etnocêntrico nesse discurso. Um leve odor aristocrático que acostumou a decompor a humanidade em setores. Se você opta pelo discurso 2: "eu me escandalizo porque judeus (apoiados por cristãos ocidentais) estão matando mulçumanos"; parabéns, você subiu de nível no videogame ideológico do ódio. Abandonou o estágio de um mundo baseado em laços sanguíneos, familiares, raciais, nacionais ou étnicos e entrou no mundo da religião. O problema é que esse discurso, apesar de ter bases diversas, tem, miseravelmente, as mesmas conseqüências: ódio, rancor, vingança, retaliação. Elementos centrais na construção dos massacres. Ele é um mesmo discurso de exclusão que hoje, serve para alimentar a ideologia fundamentalista de grupos que exploram o fanatismo e ignorância das massas, para reter um naco qualquer de poder."
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Insisto: não se pode igualar o direito de Israel defender-se de seus inimigos e as intenções e práticas genocidas do Hamas (inclusive contra seu próprio povo e suas próprias crianças). Não há nada de "racista" ou "etnocêntrico" nisso, ao contrário do discurso do Hamas, este sim, racista e etnocêntrico, além de genocida. No final desse parágrafo, Pablo reproduz um dos clichês mais repetidos de todos os tempos: o discurso israelense serviria como combustível para o terrorismo genocida do Hamas e assemelhados. Isso, além de ser falso - basta estudar um pouco a História do conflito nos últimos anos para perceber que não importa o que Israel faça ou deixe de fazer, o terrorismo se alimenta de uma fonte de ódio muito mais profunda e irracional -, se esquece de um fato fundamental: grupos como o Hamas não querem "reter um naco qualquer de poder": querem, isso sim, destruir Israel e islamizar o mundo à força.
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"Kant escreveu certa vez que não se pode tratar a humanidade em si mesmo e no outro como um meio. A grande utopia do esclarecimento é a da não decomposição da humanidade. A da possibilidade que esses discursos de exclusão e de separação sejam um dia substituídos por um discurso que aponte, sobre a superfície das distinções, aquilo que nos une. Porque eu diminuo em mim toda humanidade, quando não perco a capacidade de sofrer pelas crianças do inimigo".
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Concordo plenamente com as palavras de Pablo. Daí porque apóio a causa de Israel contra o Hamas. Esta é uma causa pertencente não a um grupo específico, a um país ou a uma tribo, mas a toda a humanidade.
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É uma pena que o discurso anti-Israel tenha tantos matizes, enquanto o direito de um Estado democrático defender-se de um bando de facínoras genocidas é visto como uma atitude belicista e mesmo nazista (ou "racista" e "etnocêntrica"). Mas, como dizia Golda Meir: "prefiro receber protestos a receber condolências". Inclusive pelas crianças palestinas, exploradas pelo Hamas como carne de canhão para atacar Israel, sob o olhar complacente da comunidade internacional.

4 comentários:

Anônimo disse...

Parabéns pelo blog. Sou anti-petista, detesto os IRMãOS em Castro!

Anônimo disse...

Gustavo,

Eu realmente me divirto muito com o teu blog. Simplesmente porque ele é falso e ridículo como qualquer outro blog existente. Tem meses que sou os mais variados tipos de pessoas, sejam esquerdistas, direitistas, anti-imperalistas, americanista, nordestina homossessual, pró e contra Fidel... São infinitos os meus pseudônimos. A verdade como você coloca, e principalmente no meio que você coloca, não existe. Tudo aqui é falso... eu, as pessoas que aqui escrevem, você e, principalmente, o blog em si.

No momento eu desapareço, mas futuramente volto a aparecer, de maneira diferente, de qualquer forma possível, para te apoiar ou te refutar, não importa. O que interessa é brincar neste blog imaginário que você criou... hehehe

Anônimo disse...

Oi Gustavo, mais uma vez eu agradeço a repercusso do meu artigo no seu Blog e queia escarecer apenas alguns pontos:

1. A infrmação sobre o Olmet foi retirada da TV, acho que a fonte não estava bem informada, mas não importa posto que veio de uma autoridade israelense.

2. A questão dos atentados me referia aos homens bomba e não as miseis do Hammas ou Hezbolah, voce tem razão em relação aos miseis mas deve concordar comigo que após a construção do muro na cijordânia e as medidas de segurnça do estado de israel os atentados com homen bomba diminuiram significativamente.

3. o que eu crítico no meu artigo não é a política militar israelense nem a existência do estado de israel. O que eu fiz no meu artigo foi algo que não se reduz a análise política das ações militares, eu analisei o discurso, algo que para mim, como filósofo me parece mais problmático no momento.

4. Acho que mesmo no contexto que você situou a resposta do Peres (ou Olmet) foi equivocada. Ela não condiz com os princípios étcos do judaismo nem com os preceitos morais da religião de Moisés, principalmente quando dito por um lider de governo. acho que ele poderia ter sido mais feliz na resposta.

5. acho que você não conseguiu entender o que Kant disse, e o fato de você apoiar a causa de Israel contra o Hamas (o que para mim é plenamente legitimo e que de certa forma eu também apoio) acabou fazendo com que você perdesse a dimensão de que há, nos dois lados do conflito, uma perigosa semelhança. A ideia de uma "terra sem povo para um povo sem terra" é mais semelhante a retórica do Hammas do que você percebeu.

6. Isarel tem o direito de existir e ele não pode ser destruido, o estado de Isarael é uma realidade asim como a existência do povo palestino. Mas Israel precisa do discurso correto para legilitimar-se moralmente e se manter do lado da justiça.

Anônimo disse...

Pablo,
Se é uma análise de discurso, a frase de Peres quando diz que ele cuida de suas crianças nao quer necessariamente dizer: "nao estou nem ai para as outras" (palestinas)
Essa análise de frases, sem o contexto em que está inserido, sem fatos da realidade, sem se entender o que se quis realmente passar, isto sim é fazer mau uso do discurso.
Eu entendi o que Peres quis dizer.
Lamento que vc e a maioria dos jornalistas coletivistas nao o tenham.
Na.