quarta-feira, janeiro 28, 2009

Um diálogo sobre discursos (ou: da necessidade de recolocar frases no contexto)

Criança palestina vestida de terrorista em manifestação do Hamas:
Isso, Israel não faz

(É necessário ler primeiro meu texto "Escudos humanos, um problema da humanidade")
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Escreveu-me Pablo Capistrano, um conterrâneo filósofo com quem troco umas ideias de vez em quando. Ele em vermelho. Comento em preto.

Oi Gustavo, mais uma vez eu agradeço a repercusso do meu artigo no seu Blog e queia escarecer apenas alguns pontos:

1. A infrmação sobre o Olmet foi retirada da TV, acho que a fonte não estava bem informada, mas não importa posto que veio de uma autoridade israelense.
Tudo bem, Pablo, erros acontecem. Ainda mais quando a fonte em que nos baseamos é a TV. Normal.

2. A questão dos atentados me referia aos homens bomba e não as miseis do Hammas ou Hezbolah, voce tem razão em relação aos miseis mas deve concordar comigo que após a construção do muro na cijordânia e as medidas de segurnça do estado de israel os atentados com homen bomba diminuiram significativamente.
Que bom que você concorda que o muro cumpriu e cumpre uma importante função de segurança. É bom lembrar que, quando ele começou a ser construído, se não me engano durante o governo de Ariel Sharon, não faltou quem criticasse a decisão de Israel de erguê-lo, comparando-o, inclusive, com o Muro de Berlim, o que é um absurdo em todos os sentidos. Finalmente, parece que reconheceram que o muro é uma necessidade!... Isso vai direto à essência da questão - Israel é um Estado sitiado e diariamente ameaçado de destruição, e tem o direito de defender-se. Algo com o que você concorda, como está escrito mais adiante.

3. o que eu crítico no meu artigo não é a política militar israelense nem a existência do estado de israel. O que eu fiz no meu artigo foi algo que não se reduz a análise política das ações militares, eu analisei o discurso, algo que para mim, como filósofo me parece mais problmático no momento.
Perdão, Pablo, mas não vejo como separar a crítica do discurso da crítica da ação israelense em Gaza. A frase que você criticou - "nós cuidamos de nossas crianças" - não pode ser retirada do contexto em que foi pronunciada. E o contexto foi a guerra de Israel contra o Hamas em Gaza. Peres estava se referindo a uma prática do Hamas que foi sistematicamente omitida pela imprensa: a de usar os civis palestinos (principalmente, crianças) como escudos humanos, a fim de provocar mortes entre a própria população e assim indispor a opinião pública mundial contra Israel. Nesse contexto, convenhamos, não é preciso ser antissemita para concluir que Israel não tem o direito de se defender - ou de existir.
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Infelizmente, a sua interpretação da frase como tendo algo de "racista" e "etnocêntrico" vai nesse sentido. Vou lembrar aqui o que você escreveu: "Quando a autoridade israelense fala "nós cuidamos de nossas crianças" ele acaba se aproximando de um discurso de tipo (1). Um discurso de exclusão, cisão, separação. O problema não é meu, porque aquelas não são "minhas crianças". As crianças dos outros são um problema dos outros, das minhas cuido eu. Curiosamente esse é o discurso do Hamas, que obviamente não vai se preocupar com as crianças israelenses, porque eles pensam que estão defendendo as crianças palestinas (apesar de enchê-las de bombas, usa-las como escudo ou lançá-las em um martírio suicida e inútil). O sinistro é justamente que, com essa declaração o discurso da autoridade israelense e dos grupos que eles tentam combater se torna o mesmo".
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Em outras palavras: segundo sua interpretação do discurso, Peres estava dizendo algo assim: "Estou me lixando para as crianças palestinas; não é problema meu etc." Não é preciso ser especialista no conflito israelo-palestino para perceber que esta é uma interpretação truncada e retirada do contexto. Isso porque a questão subjacente ao discurso de Peres, e que não foi levada em conta, foi a dos ESCUDOS HUMANOS, que Peres estava denunciando. Mas o que ficou foi a suposta "arrogância racista e etnocêntrica" da autoridade israelense.
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O curioso é que, mesmo que sua interpretação da frase de Peres fosse verdadeira, Pablo, este não seria ainda o discurso do Hamas, porque o Hamas, ao contrário de Israel, não dá a mínima para as crianças dos dois lados - israelense ou palestino.
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4. Acho que mesmo no contexto que você situou a resposta do Peres (ou Olmet) foi equivocada. Ela não condiz com os princípios étcos do judaismo nem com os preceitos morais da religião de Moisés, principalmente quando dito por um lider de governo. acho que ele poderia ter sido mais feliz na resposta.
Já escrevi sobre o verdadeiro significado da frase de Peres, e deixo claro que não se tratou de nenhuma afirmação "racista" ou "etnocêntrica". Francamente, não sei se isso condiz ou não com os princípios éticos e morais da religião de Moisés, até porque, ao contrário do que pensam os terroristas do Hamas, a questão não é religiosa: é, isso sim, uma questão de civilização versus barbárie. A superioridade moral de Israel em relação ao Hamas é um fato irrefutável. É por isso que eu, mesmo não sendo judeu, me perfilo ao lado de Israel contra os que querem destruí-lo. Creio que não preciso dizer aqui que lado representa a civilização, e qual lado, a barbárie. Ver "racismo" e "etnocentrismo" na frase de Peres, mesmo truncada como foi pela imprensa, como se fosse um sinal verde para as tropas israelenses "massacrarem" as criancinhas palestinas, francamente, é algo que não pode ser levado a sério.

5. acho que você não conseguiu entender o que Kant disse, e o fato de você apoiar a causa de Israel contra o Hamas (o que para mim é plenamente legitimo e que de certa forma eu também apoio) acabou fazendo com que você perdesse a dimensão de que há, nos dois lados do conflito, uma perigosa semelhança. A ideia de uma "terra sem povo para um povo sem terra" é mais semelhante a retórica do Hammas do que você percebeu.
Sobre Kant, não vou falar, pois você certamente sabe mais do assunto do que eu. Apenas me ative ao que você escreveu, citando o grande filósofo, que era contra qualquer tentativa de compartimentalizar a humanidade, para expressar que considero a defesa de Israel uma causa não de uma nação ou de uma tribo, mas da humanidade. Você diz que minha postura, de apoio a Israel contra o Hamas, é plenamente legítima e que "de certa forma" também a apóia, pelo que eu o felicito (a maioria dos comentaristas, infelizmente, acha normal manter-se "neutro" entre Israel e o Hamas, como se fosse possível a neutralidade entre a corda e o pescoço). Mais uma vez: parabéns por essa sua posição! Só não concordo quando você diz que colocar-se ao lado de Israel contra o Hamas me faz perder de vista a existência de uma "perigosa semelhança" entre os dois lados do conflito. Primeiro, porque, ao menos que Israel queira abertamente riscar o Estado palestino do mapa e exterminar sua população, não há semelhança alguma entre os dois lados. Segundo, porque o lema "uma terra sem povo para um povo sem terra" não corresponde, em hipótese alguma, à política de Israel em relação aos palestinos na atualidade, tendo sido empregado nos primeiros anos do movimento sionista para justificar a emigração de judeus para a região, a partir do final do século XIX. Terceiro, mesmo esse lema equivocado e historicamente datado não condiz com os objetivos e métodos de grupos como o Hamas: ao contrário dos sionistas de cem anos atrás, seus membros sabem muito bem que o Estado que eles querem destruir é habitado, e não fazem segredo de sua intenção de varrê-lo do mapa. Enfim, afirmar qualquer semelhança ou equivalência moral entre Israel e o Hamas é - insisto - uma rematada falsidade, que só beneficia o lado dos que querem destruir Israel.
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6. Isarel tem o direito de existir e ele não pode ser destruido, o estado de Isarael é uma realidade asim como a existência do povo palestino. Mas Israel precisa do discurso correto para legilitimar-se moralmente e se manter do lado da justiça.
Novamente, Pablo, meus parabéns por você reconhecer o direito de Israel existir. Com isso, você está se diferenciando de nove em cada dez analistas "sérios" que, nos últimos dias, não cansaram de repetir na TV, até a exaustão, o mantra da "reação desproporcional" de Israel contra o Hamas (como se Israel devesse, em nome da proporcionalidade, provocar um genocídio em Gaza). Alguns chegaram mesmo, no auge da demência, a fazer comparações completamente descabidas entre a luta de Israel contra o Hamas e o... nazismo! Isso demonstra até que ponto o antissemitismo, velado ou não, já tomou conta da cobertura do conflito no Oriente Médio. Felizmente, ao que parece, você não compactua com esse discurso imoral e calhorda. Faço apenas um adendo: mesmo que o discurso do Shimon Peres fosse incorreto (o que não foi o caso), isso não iria mudar muita coisa: independentemente do discurso que tenham as autoridades israelenses, e até de quais sejam suas ações (basta ver a história da região nos últimos nove anos), os atentados terroristas do Hamas e do Hezbollah, assim como a mentalidade antissemita de parte da opinião mundial, continuariam do mesmo jeito. Infelizmente, para os inimigos de Israel, não importa o que seus líderes digam ou façam, a legitimação moral do Estado de Israel jamais será por eles reconhecida. Diante disso, resta a Israel apenas defender-se. É uma pena que tanta gente considere isso uma atitude "racista" e "etnocêntrica".
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Enfim, aí vai um resumo da questão:

- Israel é um Estado democrático e tem o direito de existir e de se proteger;

- Os inimigos de Israel, como o Hamas, juraram destruí-lo e exterminar sua população;

- A ação militar israelense em Gaza foi defensiva e visou a eliminar ou debilitar essa ameaça;

- No decorrer da ação de Israel em Gaza, o Hamas não hesitou em usar a população palestina, inclusive crianças, como escudos humanos;

- A maior parte da opinião pública mundial mordeu a isca e se colocou contra Israel, acusando-o inclusive de promover um "massacre" em Gaza;

- Diante das acusações, Shimon Peres tratou de colocar os pingos nos is, ao dizer que, ao contrário do Hamas, Israel cuida de suas crianças;

- A frase foi interpretada por muitos como uma demonstração de arrogância de Israel, e não como a constatação de uma realidade óbvia: Israel, ao contrário do Hamas, não usa crianças como escudos humanos para ganhar pontos na guerra de propaganda.

Tudo isso apenas comprova uma coisa: há uma campanha sistemática anti-Israel, e quase ninguém se dispõe a defendê-lo dos verdadeiros racistas e genocidas.

Cada vez mais concordo com a frase de Golda Meir: "Prefiro receber protestos a receber condolências".

O resto é conversa pra boi dormir.

Um comentário:

Anônimo disse...

Gustavo,

Se for capaz, peço que responda sinceramente estas questões:

1) Por que é justo Israel defender seu país atacando os Palestinos, mas é injusto os Palestinos defenderem seu povo atacando os israelenses?

2) Por que é justo os judeus terem um país próprio, mas injusto os palestinos terem um país para eles?

3) Por fim, a mais importante, por que é justo que Israel invada e tome a terra dos palestinos (que nela já estavam antes dos judeus), mas é injusto que os palestinos retomem dos judeus a terra que é deles por direito e usufruto?