Vamos rir um pouquinho? Depois de tantos dias de intensa propaganda antiisraelense na mídia, em que fomos bombardeados com todo tipo de crítica ao "massacre" das forças israelenses contra os palestinos enquanto quase não se fez menção ao caráter terrorista-genocida do Hamas e à maneira cínica como utiliza as crianças palestinas como escudos humanos, sem falar nas declarações bucéfalas de Marco Aurélio Garcia sobre o conflito em Gaza, acho que é hora de desopilar o fígado.
Oscar Niemeyer publicou um texto hoje, dia 9, na Folha de S. Paulo. O que diz o nosso gênio oficial? Ele fala de um livro, "uma obra fantástica do historiador inglês Simon Sebag Montefiore, sobre a juventude de Stálin, que tem alcançado enorme sucesso na Europa, reabilitando a figura do grande líder soviético, tão deturpada e injustamente combatida pelo mundo capitalista".
O venerável Oscar vai mais além. Ao analisar a obra que supostamente leu, ele enaltece "a figura de Stálin ainda muito jovem, sua paixão pela leitura, o seu interesse nos problemas da cultura, das artes e da filosofia, sempre a cantar e a dançar alegremente com seus amigos".
Há mais:
"E o livro relata as prisões sucessivas que ocorreram em plena juventude, as torturas que presenciou, enfim, tudo que marcou a sua atuação heroica na luta contra o capitalismo".
E mais (quando Niemeyer se refere ao autor do livro):
"É bom lembrar que não se trata de autor de esquerda, mas de alguém que, pondo de lado suas posições político-ideológicas, soube interpretar uma juventude diferente, marcada pela inquietação cultural, que levou Stálin à posição de revolucionário e líder supremo da resistência contra o nazismo".
O livro que Niemeyer menciona com tanto entusiasmo e que diz ter emprestado a um amigo seu é O Jovem Stálin, de Simon Sebag Montefiore. Até aí, tudo bem. Acontece que o livro não reabilita Stálin coisa nenhuma. Pelo contrário: trata-se de um compêndio, fartamente documentado, de atrocidades, crimes e loucuras cometidas pelo futuro ditador soviético. Traz, inclusive, revelações surpreendentes, como sua verdadeira data de nascimento e seu papel como líder de uma gangue terrorista orientada por Lênin no Cáucaso antes da Revolução de 1917. Não por acaso, o livro começa com uma descrição bastante gráfica de um assalto a banco comandado por Stálin ("Sossó" ou "Koba"), em que morreram cerca de cinqüenta pessoas. Como eu sei disso? Simples: eu li o livro.
O autor do livro-denúncia que Niemeyer transformou em louvação a seu ídolo-deus Stálin, Simon Sebag Montefiore, escreveu ainda outro livro, Stálin - A Corte do Czar Vermelho, em que demole por completo qualquer resquício que ainda pudesse existir de culto da personalidade do tirano soviético e de sua camarilha, mostrando, com base em documentos recentemente publicados, o que eles realmente foram: uma gangue de assassinos, dedicada 24 horas por dia a matar, torturar e exterminar qualquer um que passasse por inimigo - inclusive entre eles mesmos. Há, inclusive, revelações interessantes de como Stálin via com bons olhos outro ditador da época - Hitler - e de como os dois genocidas foram, na prática, aliados durante um período e desfecharam juntos a Segunda Guerra Mundial. Como eu sei disso? Simples também: fiz aquilo que Niemeyer não fez - eu li o livro.
O artigo de Niemeyer é uma das coisas mais engraçadas que eu li nos últimos tempos. Não resisti a tanta sabedoria e mandei uma cópia do artigo para um amigo meu que, por acaso, está lendo o livro. Até agora, não consegui parar de rir.
O fato de desconhecer totalmente o assunto de que fala, a ponto de escrever um artigo de jornal elogiando um livro que obviamente não leu, como se fosse um panegírico, e não uma crítica demolidora, a um personagem que admira, deveria ser o suficiente para desmoralizar o grande arquiteto para sempre. Mas a senilidade ideológica de Niemeyer vai mais além. No final do texto, ao afirmar que mandou uma cópia a um seu amigo editor, nosso gênio relata que este, muito animado, disse-lhe que "esse vai ser um dos livros que com o maior interesse irá publicar". Não sei se Niemeyer emprestou a seu amigo uma cópia francesa ou inglesa do referido livro, pois o mesmo já é facilmente encontrado em qualquer livraria brasileira há mais de um ano, em excelente tradução, em uma edição da Companhia das Letras.
Eu já sabia que Niemeyer era um gênio da arquitetura, e já sabia que era um comunista e admirador de Stálin. Sabia também que ele é visto como uma espécie de totem inatacável, um verdadeiro semideus. Só não sabia ainda que ele era autor de textos cômicos. Um verdadeiro humorista, o velho Niemeyer.
Algumas almas piedosas ou excessivamente indulgentes poderiam dizer que estou sendo duro demais com um ancião de 101 anos, que esse tropeço do grande arquiteto se deve à sua idade avançada, e que, diante disso, é até covardia zombar do bom velhinho. Seria, certamente, se não fosse um detalhe: Niemeyer já repetia essas sandices quando tinha 30 ou 40 anos. Seu descompasso com a realidade não é, portanto, de hoje. A senilidade de Niemeyer não é de idade: é ideológica. Na verdade, ele é a prova viva de que nem sempre a idade traz sabedoria. Pelo contrário: em alguns casos, pode-se ficar ainda mais burro com o passar dos anos. Se você for stalinista, então, a probabilidade de piorar com o tempo é bem maior.
Ah, sabem qual o título do texto de Niemeyer? "Quando a verdade se impõe". Pois é. Nessas horas eu me lembro da frase do Paulo Francis: "Se você quiser ver um comunista se desmoralizar, basta deixá-lo falar".
Stálin foi um tirano sanguinário que deixou atrás de si um rastro de opressão e morte, contabilizando cerca de 30 milhões de mortos, dos mais de 100 milhões que o comunismo produziu no século XX. Sob sua ditadura, milhões foram torturados até a morte, e as artes e a cultura se tornaram um apêndice do Partido Comunista. E isso tudo ele fez com seus amigos, a cantar e a dançar alegremente, como diz Niemeyer.
Um comentário:
Prezado Gustavo,
Excelente texto. Todos aqueles que se interessarem em ler o livro verão o grau de desinformação de Niemayer.
Montefiore limita-se a explicitar os fatores que levaram Stálin a se sentir confortável, cômodo, com assassinatos e ações terroristas.
O mesmo Stálin que "dançava" e "cantava" com os amigos era o mesmo que soltava bombas e encomendava mortes na Geórgia tzarista.
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