sábado, junho 04, 2011

PARA QUEM NÃO TEM UM PÉ DE MACONHA EM LUGAR DO CÉREBRO (OU: POR QUE NÃO SOU MACONHISTA)

Sei que é difícil exigir objetividade de alguém que defende a sério a legalização da maconha (e da cocaína, e da heroína, e do crack...). Mas vamos lá.

Um anônimo resolveu postar sua opinião sobre meu texto UMA IDÉIA VIAJANDONA. Ele começa tentando fazer uma graça:

Nossa!, fundamentar teu argumento com "Tropa de Elite" realmente é espetacular. Capitão Nacimento [sic] realmente é um gênio, a mais suprema inteligência do país!!!

Não gostou do diálogo do filme? Tudo bem, tenho outros exemplos. Do mesmo filme, pelo mesmo personagem:

"Quando eu vejo neguinho fazendo passeata 'pela paz', me dá vontade de sair na porrada".

Durante décadas o cinema brasileiro tratou bandidos como vítimas ou heróis, e não como bandidos. Aí veio Tropa de Elite e mostrou, pela primeira vez, as coisas como realmente são. Isso sim, é quebrar um tabu. Entendo por que o leitor não gostou do filme.

POr favor, acorda! Teu argumento tem vários furos que não te faz realmente aprofundar a questão por um preconceito a priori de que legalizar as drogas é ruim.

OK, vamos ver então que "preconceito a priori" é esse de que fala o autor. Porque, até agora, o que afirmei e reafirmo é que legalizar as drogas (pelo menos ele não falou em "regulamentar"...) é o melhor caminho para premiar a irresponsabilidade e render-se, sim, ao crime.

Dizer que legalizar as drogas é o mesmo que legalizar o tráfico é um argumento incorreto. Se legalizadas, as drogas seriam vendidas da mesma maneira que outras drogas legalizadas são vendidas: passando por uma industrialização, depois comércio legal e consumidor. O governo passaria a cobrar impostos (como é feito com cigarro e bebida) e teria com isso uma boa arrecadação. Isso com certeza reduziri o poder do tráfico. Pra que comprar ilegalmente se agora já se pode comprar na legalidade?

Agora é a minha hora de ser irônico: Nossa! Então legalizar as drogas é diferente de legalizar o tráfico? E isso vai acabar com o problema do vício etc.? Jura?

Então quer dizer que basta o governo legalizar a maconha (e a cocaína, e a heróina, e o crack...), tornando possível que ela seja comercializada na loja da esquina, que o problema do tráfico e da criminalidade acaba? Que coisa genial! E de quebra o governo ainda criaria mais uma fonte de arrecadação de impostos? Não me diga! Por que eu nunca pensei nisso antes? Sério?

Puxa, como parece simples, não?

Na verdade, não. A solução não é assim tão simples. A menos que se deseje mandar às favas a razão e regredir ao pensamento mágico.

Vamos supor que o Congresso resolva descriminalizar o comércio de drogas no Brasil. Alguns traficantes, provavelmente, veriam nisso uma oportunidade de legalizar seu negócio, trocando o AR-15 pelo terno e gravata e virando respeitáveis executivos etc. Até aí, beleza, não duvido que isso possa acontecer um dia. Mas tem um problema nisso aí.

O Brasil não produz um grama sequer de cocaína, que vem quase totalmente de países vizinhos como a Colômbia e a Bolívia, assim como outras drogas. Supondo que o comércio de drogas se torne legal no Brasil, mas não nesses países (pelo menos na Colômbia, onde os narcoterroristas das FARC são os maiores produtores e distribuidores do mundo), que efeito isso teria na diminuição dos índices de criminalidade? Posso antecipar um possível efeito da legalização: os cartéis de narcotraficantes colombianos e bolivianos ficariam ainda mais poderosos. Estes teriam, a partir de então, um mercado gigantesco à sua disposição - e melhor: de forma totalmente legal. Conseguem imaginar o desastre que seria?

A verdadeira questão que envolve as drogas - e há outros posts em que escrevo sobre isso - não diz respeito à substância em si. Drogas ilicitas sempre existirão. O verdadeiro problema, o cerne da questão, é a ilegalidade. Comprar maconha ou cocaína é ilegal, ponto final. Pode ser que um dia deixe de ser, e adquirir uma trouxa de cannabis ou uns gramas de pó seja algo tão corriqueiro quanto comprar um litro de leite na padaria, mas até lá trata-se do respeito à lei o que está em jogo. E, numa democracia, a lei deve ser sagrada, vale para todos. Preciso ser mais explícito a esse respeito?

É por esse motivo que o que vem em seguida não faz o menor sentido:

Dizer que a legalização das drogas é o mesmo que legalizar o roubo e o assassinato só pode ser alguma piada de mal gosto. Você trata a substância (droga) como sendo em si criminosa, o que é um erro. Crime é o tráfico de drogas. Se as drogas forem legalizadas, estaremos vendendo legalmente uma substância (como muitas outras são vendidas de forma legal) por uma outra via que não será mais o narcotráfico. Quem ganharia com isso seriam os empresários que tivessem capital para investir nessa nova indústria, e não os traficantes.

Vamos lá, por partes.

1) Legalizar as drogas porque "a guerra às drogas fracassou", como está dizendo FHC, é o mesmo que proclamar a rendição da Lei ao narcotráfico. Pela mesma lógica, dever-se-ia legalizar o estupro e o assassinato, pois afinal de contas trata-se de duas práticas ilegais, que nem por isso deixam de ser cometidas. Afinal, a "guerra ao roubo" ou a "guerra ao homicídio" são perdidas todos os dias, sempre que se comete um desses delitos.

2) Exatamente, criminosa em si não é a droga, mas o tráfico. E crime é crime. Até que o tráfico deixe de ser um delito - e, por suas dimensões internacionais, isso teria que ser ao mesmo tempo no mundo inteiro -, comprar e consumir maconha (e cocaína, e heroína, e crack...) é abastecer o narcotráfico e compactuar com o crime. Essa é a verdadeira questão, como afirmei acima.

Essa é uma verdade tão óbvia, tão evidente, que o próprio FHC parece ter percebido a estupidez da idéia de legalizar as drogas - ele agora prefere dizer que não se trata de legalizar, mas de "não criminalizar o usuário", que deveria, segundo diz, ser submetido à tratamento médico em vez de preso (o que já ocorre na realidade, é bom que se diga). Enfim, até ele já percebeu que querer legalizar não é solução - é parte do problema.

Para ficar mais claro o que quero dizer, reproduzo a seguir o diálogo final do filme Os Intocáveis, de Brian de Palma (1987). O filme trata da guerra das autoridades norte-americanas contra a máfia de Al Capone em Chicago, durante os anos da "Lei Seca", que proibiu o comércio de bebidas alcoólicas nos EUA nos anos 20.

(Na saída de seu escritório, o inspetor do FBI Eliot Ness é abordado por um repórter, que lhe faz algumas perguntas.)

- Repórter: Dizem que vão revogar a Lei Seca. O que o senhor vai fazer a respeito?

- Eliot Ness (depois de alguns instantes): Acho que vou tomar um drinque.

Entenderam? É por essas e outras que acho uma idiotice e uma estupidez a idéia maconhista.

Um comentário:

Anônimo disse...

Novamente você atropela os argumentos para chegar logo a conclusão. No fim acaba por concluir indevidamente.

Se os EUA um dia tiveram uma lei seca que não permitia a venda de bebidas e hoje em dia possuem todo o suporte legal para a venda de bebidas, significa que etapas foram cumpridas.

Ao se permitir a venda de bebidas, se permite a compra e a venda de bebidas legalmente estabelecidas. Os EUA importam bebidas reconhecidamente dentro das normas da lei, assim como produzem da mesma maneira.

Se as drogas fossem legalizadas não seria diferente. Ao se criar uma indústria de maconha, por exemplo para citarmos uma das drogas. A indústria funcionaria com o plantio da erva em lugares regulamentados, a extração e a fabricação seriam feitas por empresas regulamentadas que pagariam impostos e receberiam um selo de permissão para venda. A compra do narcotráfico não seria permitida. Isso é fácil de conceber.

Concordo plenamente quando você diz que "numa democracia, a lei deve ser sagrada, vale para todos". E é por isso mesmo que falo em legalizar, tornar legal e passar a fazer parte da lei a permissão para a compra, venda e uso de drogas dentro de normas rigorosamente estabelecidas. Portanto, a legalização leva antes a uma rigorosa regulamentação determinando categoricamente como se deve fazer perante essa legalidade.

Agora, por favor, dizer que "Tropa de Elite" quebrou tabus é o fim. O filme até que não é dos piores, mas não inovou em nada. "Cidade de Deus" já mostrava tudo isso: badidagem, classe média comprando drogas, briga pelo poder, corrupção policial. "Tropa de Elite" nada mais é do que uma propaganda discarada do BOPE. Transformar "Capitão Nascimento" em heroi é demais!

Quanto aos "Intocáveis" isso sim foi uma escolha excelente!