sexta-feira, junho 10, 2011

ELOGIO DA IGNORÂNCIA

Ainda sobre o livro do MEC que ensina que falar e escrever de acordo com a gramática é uma questão de escolha – dizer que dois mais dois são quatro ou não também seria –, deparei com o seguinte texto, que achei num site esquerdista. (O dono do site, para vocês verem, disse que resolveu espalhar o texto, recebido de um amigo, para “contextualizar” a questão... Sei.) A autora, uma tal Marlene Carvalho, apresenta-se como professora aposentada de várias universidades etc. e tal.

O texto, como se tornou praxe nesses casos, está sendo divulgado em uma “nota pública” por um conglomerado de sindicatos e de associações de professores, certamente receosos de perderem a boquinha que conseguiram no governo dos companheiros após a reação da parte da sociedade que pensa contra mais esse absurdo da era lulopetista (nessas horas, eles se apóiam, assinam manifestos, tudo em nome da "classe"). Tendo isso em mente, fica mais fácil explicar o que segue. Vai em vermelho. Comento em seguida.

A fala dos pobres: muito barulho por nada

Trabalho há mais de 20 anos com formação inicial e continuada de professores do ensino fundamental e tenho procurado discutir com eles sobre a legitimidade dos falares populares, a necessidade de reconhecer que a língua dos pobres tem regras próprias, expressividade e economia de recursos.

Notem que o texto começa com um argumento de autoridade (“Trabalho há mais de 20 anos na área” etc.). A idéia é dizer “eu sou especialista, você não; logo, eu sei mais do que você" - algo que poderia valer para alunos do jardim-de-infância, que desconhecem ainda a diferença entre um nome e um verbo. A questão não é sobre a legitimidade dos falares populares (seja lá o que isso significa), mas sobre gramática. Desconheço a existência de uma “língua dos pobres” - conheço apenas a língua portuguesa. Falar “nóis pega os peixe” não é “língua de pobre” - é língua de quem nunca ouviu falar em regras gramaticais. Pobre não é sinônimo de ignorante. Assim como rico não é o mesmo que intelectual. Preciso explicar por quê?


Repito: não existe língua de pobre. Existe pobreza de língua. E muita demagogia.

Não é prestigiada socialmente, não tem valor no mercado de empregos de colarinho branco, não é admitida na Academia, mas, do ponto de vista linguístico, é tão boa quanto o dialeto chamado padrão.

Essa é a base da teoria do “nóis pega os peixe”: a norma culta e a língua chamada popular estariam no mesmo nivel, têm o mesmo valor, e corrigir alguém por não concordar sujeito com verbo é “preconceito linguístico”. Só tem um problema: “tão boa” para quem? Só se for para professores de sociolinguística acometidos de delírio populista, que acham que Camões e Tiririca estão no mesmo patamar de igualdade.

A diferença maior é que os falantes do dialeto padrão têm o poder político, social e econômico que falta aos pobres.

Ah bom! Agora entendi tudo. A gramática é uma forma de dominação das elites... Só falta dizer que a Matemática e a Geometria são instrumentos da exploração da burguesia.

Só não entendi uma coisa: se a língua é um instrumento da dominação do homem pelo homem, como dizia Stálin, então qual o sentido de se ensinar Português nas escolas? Se falar errado é certo, para quê corrigir? Em vez de Machado de Assis, o modelo de bom uso do idioma deveria ser o Lula.

Não cabe à escola ignorar, ou censurar as variantes populares, mas sim respeitar a fala dos alunos e, ao mesmo tempo, ensinar a todos a empregar também a norma culta em ocasiões sociais que exigem um registro formal da língua e, principalmente, como usá-la na escrita.

Cabe às escolas ensinar, mostrar a diferença entre o certo e o errado, em primeiro lugar – coisa que as escolas brasileiras fazem mal e porcamente, diga-se –, e não deixar de fazê-lo sob o pretexto de que é “preconceito linguístico”. Respeitar a variedade linguistica é diferente de decretar a não-validade da gramática em certos casos. A variedade linguística não deve ser confundida com ausência de regras. Se não, teremos um preconceito... contra a gramática!

Sobre isso é que interessa discutir agora, e não dar continuidade a esta polêmica estéril sobre um livro destinado a jovens e adultos que reconhece a existência e a legitimidade de formas verbais típicas dos dialetos populares.

Repito: reconhecer a existência e a legitimidade de uma forma verbal “popular” não tem nada a ver com abolir a gramática. Dizer que existe uma língua de pobre (ou proletária) contra outra de rico (ou burguesa), então, não passa da mais pura demagogia. Isso não é Português: é propaganda ideológica. Ponto.

As pessoas que criticaram o livro em questão – que provavelmente não leram – devem ler o capítulo “Escrever é diferente de falar”, para constatar que a autora assume uma posição equilibrada e academicamente justificada em relação às variações dialetais. Além disso, o capítulo contém numerosos exercícios de concordância nominal e verbal e pontuação, rigorosamente de acordo com a gramática da norma culta. Uma ou duas frases, fora do contexto do capítulo, estão sendo utilizadas para condenar um livro e a posição da autora em favor da língua dos pobres.

Eu li a parte do livro que ensina que não há qualquer diferença entre dizer "nós pegamos" e "nós pega" (detalhe: não na fazenda ou na rua, mas na escola). Acredito também que muitos leram. Se ainda não o fizeram, vejam por si mesmos e tirem suas proprias conclusões (cliquem para ampliar):


Agora me digam, com toda franqueza: é ou não é apologia do erro?

Não se trata, como está claríssimo aí em cima, de uma ou duas frases, retiradas do contexto (argumento típico de quem não assina o que escreve). Isso aumenta ainda mais a estranheza: se o objetivo do livro é mostrar que as diferentes formas dialetais têm todas o mesmo valor, então por que fazer exercícios de concordância nominal e verbal e pontuação? Não faz o menor sentido.

Marlene Carvalho se diz professora. Professora de quê? Só se for de sociolinguística. Quanto à disciplina Língua Portuguesa, melhor não deixar que ela chegue perto de crianças.

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