Ai, ai... (suspiro longo). Confesso que o tema já cansou. Mas não adianta: sempre vai aparecer alguém que me dá mais argumentos, enxergando golpismo onde há defesa da democracia e da Constituição, e negando-se a ver golpismo onde ele realmente existe, sempre que isso convenha a um certo viés ideológico. Refiro-me, claro, à questão de Honduras.
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Talvez um dia alguém escreva um livro, ou uma biblioteca inteira, com todas as mentiras, falácias, engodos, asneiras e cretinices que a turma zelaysta ou pró-zelaysta, inclusive alguns supostos "juristas", disseram sobre o famoso "golpe de Estado" desfechado em 28/06 para preservar a Carta Magna do país de um caudilho que queria atirá-la no ralo. Enquanto isso, sou obrigado a rebater os, digamos assim, "argumentos" dessa patota.
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Vamos lá. Respondo a um leitor que, por motivos que posso deduzir, prefere o anonimato (deve estar tão certo da justeza de seus argumentos que não quer aparecer...). Ele em vermelho, cor dos que acham que constituições são uma mera formalidade burguesa ou simples escadas para a "revolução":
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De alguém que se acha especialista em leis e em golpes de Estado para um verdadeiro especialista:
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Antes de mais nada: não sou especialista em leis e em golpes de Estado. Aliás, não sou especialista em coisa nenhuma: entendo tanto de leis, sobretudo estrangeiras, quanto Lula entende de gramática ou Al Gore entende de aquecimento global (a diferença deste é que não finjo entender). Sou apenas alguém que, embora não esconda de ninguém suas preferências ideológicas, não deixa que elas o ceguem para a realidade e a boa e velha lógica. Ao contrário de muita gente "neutra" ou "imparcial" que coonesta o golpismo bolivariano. Adiante.
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Eu disse “Bem ou mal” porque não interessa a correção ou erro da decisão. O importante é que foi (ou, ia ser, antes que fosse dada a ordem preventiva) descumprida.Agora:
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Ah, bom, que alívio! Estava pensando que o autor escreveu "bem ou mal" quando falou de uma decisão de uma Suprema Corte ("bem ou mal, ela decidiu que...") porque desconhece o que diz a Constituição de Honduras, especialmente seu Artigo 239. Mas, pelo visto, o autor, que insiste em ignorar esse detalhe, sabe tudo da Constituição de Honduras, como se verá mais à frente...
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Pois é, meu caro: Lei é Lei, é algo que se cumpre, não se discute. E o mané zé laia descumpriu uma cláusula pétrea da Constituição de seu país (lá vamos nós de novo...), tendo sido seu governo declarado ILEGAL e INCONSTITUCIONAL pela Suprema Corte do país. Isso é golpe?
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1- Por favor, me esclareça sobre essa história de devido processo legal para alterar cláusula pétrea. Não consigo imaginar uma cláusula pétrea que preveja o modo de sua própria modificação.
.O distinto leitor não sabe como se dá o "devido processo legal" para alterar uma cláusula pétrea da Constituição? Tudo bem, eu esclareço. Já ouviu falar em Assembléia Constituinte?
.2- Se o devido processo legal (que você erroneamente exige para a alteração de cláusula pétrea) é irrelevante para depor o presidente, uma vez que o Zelaya descumpriu a constituição, você deve considerar correta a execução sumária, se o sujeito for criminoso mesmo, não? Eu discordo disso, acho que, mesmo tendo praticado o ato, o tipo deveria ter a possibilidade de expor suas razões e o órgão competente deveria avaliar a pena adequada a aplicar. Essas coisas às quais você não dá importância. Quanto ao Collor, devido processo legal houve e foi o próprio processo de impeachment (um juízo político, com defesa, advogado e tudo, o que não houve com o Zelaya).
.Já respondi sobre o devido processo legal para mudar cláusula pétrea. Mesmo assim, repito para que fique claro: não, não acho que o devido processo legal é "irrelevante" para "depor o presidente". Aponte onde eu falo isso. O que disse, e repito porque o leitor parece que não entendeu, é que, no caso hondurenho, o que se fez de Zelaya após sua deposição é irrelevante para caracterizar golpe de Estado (lembremos: quando ele foi expulso, ele já não era mais presidente, segundo o Artigo 239 da Constituição). Quando foi detido e embarcado para a Costa Rica, ele, Zelaya, poderia até ser fuzilado, e isso seria qualquer outra coisa (assassinato etc.), menos GOLPE DE ESTADO. Creio que deixei isso muito claro em meu último post.
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Também já respondi sobre o fato de a deposição de Zelaya ter sido legal. Só não entendi o que tem a ver isso que eu escrevi com a idéia de ser a favor de execução sumária de criminosos... (!!??) De onde o leitor tirou esse raciocínio brilhante? Deve ter sido do mesmo balaio de idéias desconexas de onde tirou a tese do "golpe" dado para preservar a Lei em Honduras...
.Não, meu amigo, não sou a favor da execução sumária, nem se o sujeito for pego em flagrante matando ou estuprando minha avó. Sou a favor de que todos tenham direito a se defenderem, assim como sou a favor de todas as coisas boas, belas e puras criadas pela humanidade. Enfim, para mim, ao contrário do que você diz, essas coisas têm importância, sim, tanto que não canso de denunciar o que se passa em lugares como Cuba e a Coréia do Norte, países da predileção de muitos que condenaram o "golpe" em Honduras. Só não consigo entender como é que se pode chamar de golpe de Estado (ou, pior, de "golpe militar") um movimento que cumpriu o que está na Lei para depor um governante que tentou rasgar a Constituição. Assim como não vejo como um erro de procedimento (a expulsão extralegal) pode anular o motivo mesmo da deposição (o Artigo 239). A menos que se considere o que está no Artigo 102 uma cláusula pétrea, ou algo mais importante do que o que está no artigo 239. Zelaya "deveria ter tido a possibilidade de expor suas razões e o órgão competente deveria avaliar a pena adequada a aplicar"? Claro que sim, concordo plenamente. Aliás, era isso que Micheletti queria que tivesse ocorrido, como ele disse em entrevista recentemente. Mas o fato de isso não ter acontecido invalida o que diz o Artigo 239 da Constituição de Honduras? Sim ou não?
.Quanto ao Collor, chegamos aqui a uma questão interessante. O leitor deve admitir que impeachment é um juízo político, como ele mesmo disse. "Devido processo legal", por sua vez, é como o nome diz: um julgamento jurídico, não político. Isso começou, efetivamente, DEPOIS do impeachment, e não antes ou durante. E Collor foi absolvido, pois juridicamente (não politicamente) o STF decidiu que não havia provas contra ele. E a legalidade do impeachment não ficou comprometida por causa disso. Ou ficou?
.Mais uma coisa: presumo que o caro leitor esteja sugerindo que em Honduras houve golpe porque, ao contrário do impeachment de Collor, o "devido processo legal" não foi seguido. Nesse caso, o "devido processo legal" seria o próprio impeachment, tal como o Celso Amorim disse em entrevista. Perfeito. Só tem um probleminha: o impeachment não existe na Constituição de Honduras...
.3- No mais, se a sua solução é que a primeira ilegalidade, inconstitucionalidade ou golpe (o nome que você desejar) abre espaço para um vale tudo institucional, você deveria dizer isso com todas as letras. E aplicar em outros casos também. Por exemplo, segundo essa tese, tudo que o Chavez fez depois de 2002, está plenamente justificado pela tentativa de deposição dele.
.Não, um golpe contra as instituições como o que Zelaya tentou dar não abre espaço para um "vale-tudo institucional". Essa conclusão só pode sair de mentes incapazes de distinguir o que é legal do que não é. Nem eu, nem, quero crer, o atual governo CONSTITUCIONAL de Honduras defenderia esse absurdo. Tanto que o que se viu em seguida à deposição legal de Zelaya não foi qualquer "vale-tudo" por parte do novo governo, muito pelo contrário: as instituições foram preservadas, a Constituição defendida, as eleições previstas realizadas normalmente (apesar das ameaças dos zelaystas). O único "vale-tudo" que se verificou foi o de Zelaya e sua turma (ou seja: Chávez, Ortega e o Itamaraty lulista, entre outros), que ignoraram solenemente a Constituição de Honduras e tentaram levá-lo ao poder na marra. A analogia com Chávez após 2002 não faz qualquer sentido, até porque, até o momento, apenas a versão chavista sobre o que aconteceu é que foi ouvida. A única coisa certa é que Honduras, ao enxotar o golpista Zelaya, se recusou a se tornar uma nova Venezuela.
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Assim, talvez provaria o seu ponto, que sua posição serve tanto para condenar a esquerda como a direita.O que não dá é ficar falando em “erro” do regime e “golpe” do zelaya, fingindo que essa manipulação de qualificações constitui uma argumentação decente, quando na verdade tudo é uma questão de preferência pessoal: você acha que um descumprimento de ordem judicial por um governo, justifica sua deposição, na lei ou na marra. Mas pensa assim, somente porque o governo deposto era (ou tendia a ser) aliado do Chavez.
.O leitor parece ter certa dificuldade em interpretar textos corretamente. Eu não disse que minha posição sobre Honduras "serve tanto para condenar a esquerda como a direita". Disse que serve para saber quem tentou violar a Lei e quem agiu para defendê-la. E quem tentou rasgar a Constituição e foi impedido legalmente de fazê-lo foi Manuel Zelaya. Ponto.
.Quanto a "erro" e "golpe", se o distinto leitor não sabe a diferença entre uma coisa e outra, entre descumprir uma norma legal e tentar abolir à força uma cláusula pétrea da Constituição, só posso lamentar sua falta de senso de proporções. É algo normal em quem coloca a ideologia, disfarçada ou não, acima da realidade. É só isso que explica, por exemplo, enxergar golpe num movimento respaldado pela Constituição, ou uma diplomacia que se recusa a reconhecer as eleições em Honduras mas as reconhece em Cuba ou no Irã.
.Gostaria que me explicasse uma coisa: como eu posso achar que o descumprimento de uma ordem judicial por um governo justifica sua deposição "na lei ou na marra"? Se não cumpriu a Lei, e existe uma ordem legal da Suprema Corte determinando a ilegalidade do governo, como isso pode ser "na marra"? Afinal, a Suprema Corte determinou que a consulta que Zelaya tentou fazer era ilegal ou não?
.Como se vê, não penso assim ou assado "somente porque o governo deposto era (ou tendia a ser) aliado de Chávez" (aliás, "tendia a ser", não: ERA aliado - Chávez violou inclusive a soberania de Honduras, planejando um banho de sangue e invadindo seu espaço aéreo para restabelecer o golpista bigodudo no muque). Mas de nada adianta dizer isso a quem já botou na cachola que golpismo é apanágio da "direita" e que os esquerdistas, sejam de que tipo forem, são sempre democratas. Para quem acredita que a expulsão extralegal de um presidente deposto invalida uma decisão da Suprema Corte determinando a ilegalidade de seu governo, isso é mais que natural.
.Finalmente, se o distinto leitor quiser responder a este post e não quiser lê-lo na íntegra, como não deve ter lido a Constituição de Honduras, vou poupá-lo desse sacrifício. Basta que me responda a seguinte pergunta, que já fiz neste post e repito aqui em termos jurídicos:
.O ARTIGO 102 DA CONSTITUIÇÃO DE HONDURAS, QUE PROÍBE A EXPULSÃO DE CIDADÃOS HONDURENHOS, INVALIDA, ANULA OU TORNA SEM EFEITO O ARTIGO 239, QUE PUNE COM A PERDA IMEDIATA DO MANDATO QUEM PROPUSER A REELEIÇÃO DO PRESIDENTE?
.Ou, em português mais claro:
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O FATO DE ZELAYA TER SIDO EXPULSO DO PAÍS, EM VEZ DE PRESO E LEVADO A JULGAMENTO, INVALIDA, ANULA OU TORNA SEM EFEITO O QUE ELE, ZELAYA, TENTOU FAZER EM HONDURAS?
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SIM OU NÃO?
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