sexta-feira, dezembro 11, 2009

DIPLOMACIA LULISTA: ENTRE O ENIGMA E A VERGONHA - UMA ENTREVISTA COM ANDRES OPPENHEIMER

Pouco a pouco, as pessoas começam a acordar para a grande farsa que é a diplomacia megalonanica lulista. Vejam o que diz o colunista Andres Oppenheimer, em entrevista para a Folha de S. Paulo, em 9/12.
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Vejam que Oppenheimer se refere ao que aconteceu em Honduras em 28/06 - a deposição legal do golpista bolivariano Manuel Zelaya - como "golpe", posição da qual discordo totalmente, como já demonstrei aqui neste blog várias vezes, com argumentos legais que ainda não vi serem desmentidos. Mas isso não o impede de acertar em cheio ao mostrar que a política do governo Lula para Honduras, assim como o Irã, não tem pé nem cabeça: ainda que a gritaria sobre golpe estivesse correta (e não está), a decisão brasileira de não reconhecer as eleições presidenciais hondurenhas é um contra-senso: as eleições foram convocadas antes da queda de Zelaya, logo não há qualquer razão lógica ou legal para não reconhecê-las. Notem também o que ele diz sobre a confusão reinante no governo Obama durante a crise hondurenha, especialmente sobre a ignorância de Obama a respeito da América Latina.
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Há outras pontos da entrevista que devem ser vistos cum granu salis, com um grão de sal: por exemplo, os elogios às "políticas sociais" de Lula, que mais parecem coisa de gringo deslumbrado com o país das mulatas e do carnaval. Mas, no geral, a entrevista é bastante interessante por mostrar um ponto de vista que destoa frontalmente da propaganda oficial lulista. É mais uma chinelada na retórica lulo-bolivariana que, nestes dias tenebrosos, apossou-se do Itaramarty. Os grifos são meus.
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Política externa brasileira varia entre enigma e vergonha, diz colunista; leia entrevista
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SÉRGIO DÁVILA
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da Folha de S.Paulo, em Washington
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A política externa brasileira, em seus melhores momentos, é um enigma; nos piores, uma vergonha. Nesse campo, o Brasil frequentemente se parece com um país de quarto mundo. Ambas as afirmações são do mais respeitado colunista de assuntos latino-americanos da imprensa norte-americana, Andres Oppenheimer, cujos textos são publicados no jornal "Miami Herald" e em 60 outros pelo mundo.
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O jornalista norte-americano de origem argentina, autor do recém-lançado "Los Estados Desunidos de Latinoamérica" (editora Debate), ainda inédito no Brasil, e de "Contos-do-Vigário" (editora Record, 2007), entre outros livros, falou à Folha de S.Paulo anteontem, por telefone de Miami, sobre a crise hondurenha, a relação do governo Barack Obama com a América Latina e a recente visita do iraniano Mahmoud Ahmadinejad ao Brasil.
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Leia a íntegra abaixo:
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FOLHA - Em sua coluna mais recente, o Sr. escreveu que Brasil, EUA e OEA erraram no caso de Honduras. O que poderia ter sido feito e não foi?
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ANDRES OPPENHEIMER - O Brasil deveria ter sido mais cauteloso antes de começar a grita de que não reconheceria as eleições em Honduras. É uma posição ridícula: por um lado, o país pede a suspensão do embargo dos EUA a Cuba, país que não tem eleição multipartidária há 50 anos; por outro, quer impor sanções econômicas a Honduras, que realizou eleições multilaterais. Não faz o menor sentido.
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Além disso, Porfirio Lobo, o vencedor das eleições hondurenhas, não teve nada a ver com o golpe. Em terceiro lugar, a eleição em Honduras foi convocada antes do golpe. Então, denunciar as eleições e dizer que não é aceitável foi uma ação mal estudada por Lula. Há um quarto motivo pelo qual a posição do Brasil não é tão séria: a maior parte das democracias latino-americanas é resultado de eleições convocadas sob ditaduras ou regimes de facto, a começar pelas de 1989, no Chile, que começaram o ciclo democrático, nascido após o referendo convocado pelo regime do [ditador Augusto] Pinochet.
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O Brasil agiu corretamente no começo da crise, ao denunciar o golpe. Concordo que Roberto Micheletti desrespeitou a lei ao não se restringir a prender Manuel Zelaya, mas colocá-lo num avião e mandá-lo para fora do país. Ele tinha a decisão da Suprema Corte para prendê-lo, mas deveria tê-lo dado um julgamento justo em Honduras. Mas quando o país declarou que não aceitaria os resultados das eleições, adotou um padrão totalmente contraditório a sua política em Cuba, por exemplo, mas também amarrou as próprias mãos e agora vai ter de retroceder, porque todo o resto vai reconhecer as eleições e o Brasil vai ficar isolado.
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Os EUA adotaram posição oposta, Colômbia, Peru, Costa Rica, Panamá adotaram a mesma posição, os 27 países da União Europeia estão indo em direção à posição norte-americana e, após 27 de janeiro, depois que Porfirio Lobo assumir o poder, mais e mais países o vão reconhecer.
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Já os EUA nos deixaram coçando a cabeça, porque o que eles fizeram foi bastante confuso. Começaram condenando o golpe como todos os outros, depois disseram "sim, mas não", com vozes diferentes vindas do Departamento de Estado e da Casa Branca, pelo menos com graus diferentes de reprovação, com a Casa Branca muito mais forte em condenar o golpe do que a chancelaria. O que eles deveriam ter feito diferente no começo era condenar o golpe, como fizeram, mas marcar posição de que havia dois culpados aqui, Micheletti e Zelaya, que estava orquestrando seu próprio golpe constitucional à la Hugo Chávez. E ter uma mensagem mais clara.
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Por fim, a OEA foi a primeira a vir com uma posição unilateral condenando o golpe, o que foi certo, também, mas não lidava com o que Zelaya vinha tentando fazer, que era passar por cima de algumas instituições e convocar um referendo constitucional e se reeleger. Diplomatas são conhecidos por adotar a atitude de esperar para ver, mas nesse caso nenhum deles fez isso.
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FOLHA - O Sr. mencionou a posição dúbia norte-americana. Seria fruto de a política dos EUA para a região estar sempre refém das divisões políticas internas do país?
OPPENHEIMER - Acho que tem mais a ver com quem está no comando dessa política. Não esqueçamos que, durante toda a crise hondurenha e até o mês passado, ninguém estava à frente do setor para a América Latina no Departamento de Estado. Então, quase toda a política foi comandada da Casa Branca, por Dan Restrepo. Eu gosto da política em geral da administração de Obama, mas infelizmente ela não é muito focada na América Latina.
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Primeiro, porque eles têm problemas maiores, como Iraque, Afeganistão e outras partes do mundo. Mas também porque ninguém ali tem interesse pessoal na região. Eu entrevistei Obama duas vezes. Na primeira, em 2007, perguntei quais eram os três presidentes latino-americanos que mais respeitava e ele não conseguiu mencionar nenhum. Disse que tinha muito interesse pela presidente do Chile, lembrava-se de que era uma mulher, mas não o seu nome. Da segunda vez, em 2008, já tinha se preparado, assim que sentou citou cinco nomes de presidentes. [Risos]
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Mas ele nunca tinha estado na região até virar presidente e não tem um histórico de conexão com a região. Clinton e Bush foram governadores de Estados fronteiriços [ou quase, no caso do democrata], que pelo menos têm muitos negócios com o México; Obama vem de Illinois. Então não é coincidência que sua primeira viagem como presidente tenha sido ao Canadá e depois ao México, quando Bush fez o oposto. Obama é um presidente melhor do que Bush foi, mas infelizmente não tem histórico de interesse pessoal pela região.
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FOLHA - Agora ele tem o seu time mais ou menos constituído, com Arturo Valenzuela, Dan Restrepo, Thomas Shannon. O que acha deles?
OPPENHEIMER - Os três que você mencionou conhecem muito sobre a América Latina, têm muita experiência na região, falam espanhol fluente, alguns até português, e são inteligentes. A questão é se eles têm peso dentro do governo. Porque proximidade é poder, como me disse uma vez um ex-assessor de Clinton. Você pode ser secretário-assistente para a América Latina, mas se tem acesso direto ao presidente, poderá ser mais poderoso que seu chefe imediato.
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Na gestão Clinton, havia Mack McLarty como enviado especial às Américas, e ele tinha sido aluno na mesma classe de jardim de infância de Clinton, então quando ele pegava o telefone e dizia que o presidente do Brasil tinha um problema urgente para resolver, Clinton atendia. Obama vai atender quando Shannon ou Valenzuela ou Dan Restrepo ligarem para ele? Provavelmente não. Não por falha deles, mas, por mais inteligentes e eficientes que sejam, não estão no círculo íntimo de Obama.
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FOLHA - O Sr. vê o presidente cumprindo a promessa de campanha de ter um enviado especial à região?
OPPENHEIMER - Já passou um ano, eu perguntei sobre isso a um alto funcionário da administração na sexta passada e ele me disse que eles ainda não decidiram e não me parece que vão. Obama me disse na campanha que organizaria um encontro anual das Américas, em vez de um a cada três, quatro anos, e até agora nada.
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FOLHA - Esse argumento de que os EUA têm assuntos mais importantes tem sido usado por uma década já. Como mudar as prioridades?
OPPENHEIMER - Um enviado especial à região com proximidade ao presidente seria um passo, outro seria o encontro anual das Américas, porque ele força o presidente a prestar atenção à região e ter algo a dizer a ela. Sem reunião anual, não há motivo para ele se concentrar nas Américas por três ou quatro anos.
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Uma vez eu perguntei a Madeleine Albright quanto tempo ela se dedicava à América Latina por dia, ela pensou e me disse cerca de 20 minutos. Seus assessores riram quando eu contei a eles, me disseram que era muito menos. Se a secretária de Estado, que é a responsável pela política externa dos EUA, passa menos de vinte minutos pensando na região, imagine o presidente, que cuida também da política externa, doméstica, militar, ambiental etc. Talvez uma vez a cada vários dias.
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FOLHA - O Sr. vê alguma grande mudança no futuro próximo em relação a Cuba?OPPENHEIMER - Obama fez as coisas certas, ele deveria ir um pouco além e cancelar mais sanções, se não todas, em relação a viagens, porque comunicação e contato pessoal não vão derrubar o regime, mas podem ajudar a romper o isolamento de Cuba do mundo. Não acho que muito vá mudar no país até que Fidel morra, mas, diferentemente de outros estudiosos, acho que as coisas vão mudar no minuto seguinte à morte dele.
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FOLHA - O Sr. vê os EUA suspendendo o embargo econômico em curto prazo?
OPPENHEIMER - Não. Não há pressão nem muito apoio para isso. Há apoio nos Estados do Meio Oeste que querem exportar mais alimento para Cuba, mas há muito mais eleitores na Flórida e em Nova Jersey que votam baseados na questão cubana do que no Meio Oeste. O apoio para o embargo está enfraquecendo nos EUA e também entre os cubano-americanos, mas no futuro próximo ainda há uma porção considerável da comunidade que quer essa medida e essas pessoas votam e eu não acho que a administração de Obama queira jogar fora esses votos.
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FOLHA - Nem num eventual segundo mandato, quando ele não terá mais tanto a perder?
OPPENHEIMER - Ele ainda vai precisar do Congresso, do maior número possível de democratas eleitos e, como demonstrado nas últimas eleições, muitos cubano-americanos votaram em Obama, mas votaram em senadores e congressistas republicanos pró-embargo ao mesmo tempo. Acho que o mais factível no futuro próximo é a suspensão da proibição das viagens
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FOLHA - Um ponto de atrito entre a região e o governo Obama foi a ampliação da presença nas bases militares da Colômbia. Como avalia o episódio?
OPPENHEIMER - Havia uma base americana no Equador e ninguém disse nada. Então, os EUA negociaram algo que já existia na Colômbia, mas tiveram de colocar no papel por conta do orçamento no Congresso. E eles lidaram mal com a questão, em vez de dizer que era uma continuação do que já havia, não disseram nada, aí vazou para a mídia e então Chávez entrou no assunto.
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Só não entendo por que não chamaram pelo nome, extensão de acordo que já havia. Entrevistei o chanceler colombiano, que me disse que não haverá um soldado americano a mais do que já existe. Esse deveria ser estudado como um caso exemplar de como lidar mal com relações públicas... Fizeram uma grande besteira.
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FOLHA - Outra questão é o aumento da presença iraniana na região.
OPPENHEIMER - Você viu o discurso do [promotor público de Nova York] Robert Morgenthau em Washington, quando ele disse que o Irã pode usar a Venezuela como um lugar para esconder armas nucleares. É uma denúncia muito grave. Suspeita-se em Washington que as declarações do [vice-presidente brasileiro] José Alencar de que o Brasil tem direito a ter armas nucleares tenha sido resposta direta ao temor de que a Venezuela possa vir a ter essas armas.
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O acordo nuclear entre Irã e Venezuela deixa as pessoas nervosas. Não necessariamente na Casa Branca --ainda. Perguntei a altos funcionários há um mês e eles me disseram que Chávez e Ahmadinejad falam muito, mas que não há evidência de que nada disso seja serio ainda. Mas outros, em outras partes do governo, estão mais preocupados.
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FOLHA - Nesse contexto, como o Sr. avalia a visita de Ahmadinejad ao Brasil?
OPPENHEIMER - Foi um dos piores erros da história recente da América Latina, especialmente do Brasil, um país que cada vez mais pessoas, e eu me incluo entre elas, vê como um modelo para a região em vários sentidos. Foi um erro terrível, mandou uma mensagem terrível, a de que, num momento em que toda a comunidade internacional, incluindo Rússia, China e Índia, estão criticando o Irã e votando na ONU para criticar o Irã e seu programa nuclear, o Brasil o apoia. No momento em que todo o mundo está tentando mandar uma mensagem ao Irã de que eles não podem desenvolver armas nucleares fora das convenções da ONU, o Brasil dá a legitimidade que eles buscam domesticamente.
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Em segundo lugar, dá a Ahmadinejad uma injeção de relações públicas logo após ele ter sido eleito em um pleito muito dúbio, que a oposição iraniana diz que ele roubou, e exatamente quando as cortes iranianas estão condenando à morte nove pessoas por protestar pacificamente contra as fraudes eleitorais. A política externa brasileira, em seus melhores momentos, é um enigma; nos piores, uma vergonha.
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FOLHA - O Sr. acha que o Brasil está pronto para o papel que deseja ter ou que se espera que tenha na arena internacional?
OPPENHEIMER - O país é um modelo em muitos sentidos para o resto da América Latina. Mostrou que se pode ter mudança política com estabilidade econômica, que se pode ter um governo de esquerda que não assusta investidores e ao mesmo tempo tem programas sociais muito eficientes para ajudar os pobres
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É um modelo em participação de ONGs em políticas públicas, tem vários grupos não governamentais como o Todos pela Educação, que está fazendo coisas muito interessantes para melhorar o setor. Nisso e em muitas outras coisas é um país crescentemente de Primeiro Mundo. Em sua política externa, frequentemente se parece com um país de quarto mundo.

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