quinta-feira, dezembro 03, 2009

ESTE É MEU CREDO

Um leitor me mandou um link que me deixou intrigado. Junto, um comentário: "Abre o olho. Os caras mais inteligentes já estão pulando fora".

Por curiosidade, abri o link. Queria saber quem estava "pulando fora" e de quê. Fui parar num blog, de um tal Andrew Sullivan. Confesso que nunca tinha ouvido falar nele. Andrew Sullivan, pelo que eu li, é um liberal inglês - liberal no sentido clássico do termo, não no norte-americano (onde "liberal" quer dizer o mesmo que "esquerdista"), nem no brasileiro (onde significa algo como "filho do tinhoso, crápula, canalha" etc). O texto em questão chama-se "Leaving the Right" (Abandonando a Direita) e, pelo que eu entendi, é uma crítica de um liberal desencantado com os conservadores norte-americanos.
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Como eu disse, fiquei intrigado. Por que o leitor me remeteu a um artigo de um liberal que discorda dos "neocons" americanos? Imagino que ele deva achar que eu sou um "neocon" também, do tipo que abomina o "casamento gay", defende o criacionismo nas escolas e se opõe às pesquisas científicas com células-tronco. Se for esse o caso, sinto desapontá-lo: não sou, não.
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Aliás, faço questão de dizer: não me enquadro em nenhum "movimento". A última vez em que fiz parte de um eu ainda tinha espinhas no rosto, e acreditava que o marxismo iria mudar o mundo para melhor. Felizmente, abri os olhos a tempo, e pulei fora dessa canoa furada.
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Hoje, chamam-me de direitista e outras coisas que tais porque minhas opiniões batem com as da "direita" em vários pontos importantes. Houve um tempo em que isso me incomodava um pouco - será que a verdade é de direita?, eu pensava. Hoje, não me incomoda mais. Podem me chamar de direitista que eu nem vou ligar. Não tenho receio em dizer o que penso, por exemplo, sobre terrorismo e ditaduras, para não ser associado a um Donald Rumsfeld ou a um Paul Wolfowitz. Se minhas opiniões coincidem com a deles sobre esses assuntos, fazer o quê? Não vou deixar de dizer o que penso para não ser tachado de "direitista" ou "reacionário". Esse medo infantil das patrulhas ideológicas, esse receio idiota em desagradar a fulano ou beltrano, eu perdi faz tempo, juntamente com as espinhas e minha devoção a Marx e Trotsky.
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Se há uma coisa que distingue os liberais e conservadores dos esquerdistas, aliás, é a pluralidade de opiniões. Ou melhor: a capacidade de debater sem cair no rótulo fácil, na esparrela de chamar o outro disso ou daquilo. Nos EUA, por exemplo, muitos conservadores sangue-puro se distanciaram do governo Bush, que consideravam e consideram, pasmem, estatista demais, logo traidor das causas liberais e conservadoras. Os liberais, pelo menos os de verdade, não hesitam em discordar do que discordam e em concordar com o que concordam, defendendo um debate livre de amarras ideológicas. Defendem mesmo o direito de os inimigos da liberdade e da democracia, como os comunistas, defenderem em público suas teses totalitárias. É que uma das características essenciais do pensamento conservador, desde Burke e Voltaire, é a tolerância. Pode-se dizer o mesmo dos radicais, ou mesmo "moderados", de esquerda?
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Mas voltemos ao artigo de Sullivan. No final, ele faz uma espécie de manifesto político, explicando porque está "abandonando a direita" (pelo menos, a direita atual norte-americana). Como todo liberal clássico, ele começa com questões relativas ao tamanho do Estado (fiz uma tradução meio literal):
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"Não posso apoiar um movimento que alega acreditar em governo limitado mas apoiou uma política presidencial externa e doméstica ilimitada que adotou poderes ilegais e extra-constitucionais até ser forçado pelo sistema a retornar ao império da lei.
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Não posso apoiar um movimento que estourou os gastos e empréstimos e culpa seu sucessor pela dívida.
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Não posso apoiar um movimento que abandonou o papel mínimo e vital do governo de policiar os mercados e gerenciar desastres naturais que nos deu o Katrina e o colapso financeiro de 2008."
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Notem que, no primeiro de seus "não posso", Sullivan diz que o tal "movimento" a que ele alude (que, imagino, foi o governo Bush) foi "forçado pelo sistema" a retornar ao império da lei. Pois bem: é esse sistema, e não o governo Bush (ou Obama, ou Clinton, ou Reagan...) que eu defendo! Alguém consegue vislumbrar algo parecido acontecendo na Venezuela ou em Cuba, por exemplo? (Nem falo do Irã e da Coréia do Norte, pois aí já seria covardia.)
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No segundo "não posso", proponho um exercício: troque sucessor por "antecessor" e você terá um retrato perfeito do governo... Lula!
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Sobre o terceiro ponto, acho justo e correto que parte da direita norte-americana esteja fula da vida com Bush por causa da resposta insuficiente do governo ao furacão Katrina. Se o governo não agiu direito, deve levar pau. Mas isso deve ser creditado a que "movimento" em particular? Deve-se dizer que a culpa pelos mortos em Nova Orleans foi, sei lá, do "neoconservadorismo"? As vítimas das enchentes no Sul do Brasil e no Nordeste algum tempo atrás foram, então, vítimas do petismo? Quanto ao papel do Estado, concordo que o governo deve policiar os mercados, não mandar neles. Até porque o único jeito de evitar crises no capitalismo é extinguindo o capitalismo. Coisa que já tentaram fazer, e todos sabem no que deu.
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Em seguida, Sullivan passa a questões políticas propriamente ditas:
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"Não posso apoiar um movimento que considera a tortura um valor essencial.
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Não posso apoiar um movimento que considera que uma doutrina puramente religiosa deve governar as decisões políticas civis e que usa a santidade da fé religiosa para buscar o poder mundial.
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Não posso apoiar um movimento que é profundamente homofóbico e cinicamente propaga o medo de homossexuais ganharem eleições [...].
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Não posso apoiar um movimento que não tem respeito de verdade pelas instituições do governo e está preparado para usar qualquer tática e quaisquer meios para travar a guerra política em vez de conduzir uma conversação política.
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Não posso apoiar um movimento que vê a guerra permanente como compatível com as normas democráticas liberais e o governo limitado."
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Responda rápido: em que governo você pensou ao ler o que está acima? Não sei quanto a quem lê estas linhas, mas eu pensei no... Irã (ou em Cuba, ou na Coréia do Norte...).
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Pois são os governos desses países - apoiados pelo governo Lula - que 1) consideram a tortura um valor essencial, e a praticam sistematicamente contra os opositores políticos; 2) têm na religião (ou no marxismo, o que dá quase no mesmo) a base do governo e da busca pelo poder mundial; 3) são profundamente homofóbicos; 4) desrespeitam qualquer lei e convenção que se anteponha a seus planos; e 5) mantêm suas populações em estado de guerra permanente, incompatível com as normas democráticas liberais.
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Sullivan diz ainda, em seu "manifesto":
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"Não posso apoiar um movimento que criminaliza o comportamento particular na guerra às drogas."
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Sullivan é um liberal, e deve rezar nessa questão das drogas pela cartilha de John Stuart Mill, que considerava essa uma questão de foro íntimo e de liberdade individual, como o suicídio. Já vi alguns auto-proclamados liberais repetirem essa tese, e confesso que já acreditei nela um dia. Só tem um probleminha: à época de John Stuart Mill, o consumo de drogas poderia até ser uma questão individual, sem implicações para o resto da sociedade. Mas na época de J.S. Mill não havia tráfico internacional de drogas, pelo menos não como existe hoje, nem a violência e criminalidade que o acompanham. Logo, fumar um baseado ou cheirar uma carreira de pó não tem nada a ver com "liberdade individual". É alimentar o narcotráfico, logo cumplicidade com o crime. Ponto.
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Sullivan deve achar, como muitos liberais, que a liberdade individual em questões como as drogas deve ser ilimitada. Eu penso um pouco diferente: acho que a liberdade deve harmonizar-se com a sociedade. Acredito que isso não faz de mim um inimigo da liberdade e defensor da ditadura do proletariado, faz?
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"Não posso apoiar um movimento que considera os gays ameaças a suas próprias famílias."
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Também não posso apoiar esse tipo de coisa. É por isso que apoiar governos como o iraniano, em que os homossexuais são perseguidos e assassinados, é um absurdo.
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"Não posso apoiar um movimento que não aceita a evolução como um fato."
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Não somente a "direita" norte-americana se recusa a aceitar a evolução como um fato, como em certos setores "progressistas" o chamado "criacionismo" vem ganhando força. Se tem dúvidas, pergunte o que a ex-ministra e candidata à presidência em 2010 Marina Silva acha a respeito.
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Mas, aceitando ou não a evolução darwiniana, uma coisa é certa: discordar dela, apegando-se a uma leitura literal da Bíblia ou do Corão, é, numa sociedade democrática, um direito. Podemos discordar totalmente do criacionismo (como eu discordo, deixo claro), mas pode-se, em nome da ciência, proibir quem nele acredita de professar sua fé? Desde que essa crença não se torne oficial, ou seja, desde que não seja imposta à sociedade como obrigatória, permanecendo na esfera puramente particular, não vejo problema algum em que haja quem creia que a o universo foi criado em seis dias e que a humanidade descende de Adão e Eva no Paraíso (até porque, se fôssemos adotar o princípio da racionalidade em questões religiosas, teríamos que proibir todas as religiões). Enfim, acho que a religião é uma questão individual. Creio que não sou um fanático religioso por causa disso. Ou sou?
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"Não posso apoiar um movimento que vê a mudança climática como uma farsa e oferece a exploração doméstica de petróleo como a base da política energética."
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Sobre a mudança climática, até agora não vi nenhum intelectual conservador ou cientista dizer que ela não existe: vi apenas um grande debate inconcluso sobre se - vejam bem: se - ela é causada pela ação humana, e uma tentativa obviamente ideológica de transformar essa tese num "consenso científico". Quanto à exploração do petróleo como a base da política de energia, estou curioso para saber o que Hugo Chávez ou Lula têm a dizer sobre esse absurdo ataque ao meio ambiente - no caso do último, principalmente depois do "pré-sal"...
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"Não posso apoiar um movimento que se recusa a aumentar impostos, enquanto não propõe nenhuma redução significativa nos gastos governamentais."
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Bom, pelo menos o Bush se recusava a aumentar impostos... Por aqui, o governo Lula não só aumenta impostos, como a famigerada CPMF, como aumentou os gastos públicos, em grande parte para acomodar sua corriola.
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E assim segue a coisa. Sullivan afirma ainda:
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"Não posso apoiar um movimento que acredita que os Estados Unidos devem ser a única potência global, sustentar uma máquina de guerra permanente para policiar todo o planeta, e considerar a violência como o instrumento essencial para as relações internacionais."
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OK, os EUA não devem ser a única potência global. Nesse caso, pergunto a Sullivan: que outro país deveria ser elevado à condição de potência global - a China? a Rússia? o Irã?
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Estimulado pelo texto de Sullivan, também escrevi meu próprio manifesto, ou credo político. Aí vai:
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Não posso apoiar um movimento que flerta com o terrorismo, declarando-se "neutro" em relação aos narcobandoleiros das FARC, enquanto participa, ao lado destes, das reuniões do Foro de São Paulo.
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Não posso apoiar um movimento que justifica a acolhida com tapete vermelho a genocidas financiadores do terrorismo e negadores do Holocausto como Mahmoud Ahmadinejad, e que defende inclusive seu programa nuclear secreto.
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Não posso apoiar um movimento que, "para aproximar-se dos países árabes", fecha os olhos para o genocídio em Darfur.
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Não posso apoiar um movimento que dá seu aval ao antissemitismo e à intolerância, apoiando um antissemita e queimador de livros para a direção da UNESCO.
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Não posso apoiar um movimento que nega a Israel o direito de se defender e ignora o terrorismo do Hamas e do Hezbollah.
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Não posso apoiar um movimento que se diz moderado, mas aplaude ditaduras como a dos irmãos Castro em Cuba e justifica os ataques de Hugo Chávez à liberdade de imprensa na Venezuela e suas investidas em outros países.
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Não posso apoiar um movimento que vê golpe de Estado em Honduras e acolhe em sua embaixada o golpista bolivariano Manuel Zelaya, intervindo diretamente na situação interna de outro país, ignorando suas instituições.
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Não posso apoiar um movimento que substituiu o realismo em política externa pela megalomania e pelo terceiro-mundismo.
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Não posso apoiar um movimento que, em nome dos direitos humanos, defende o refúgio político a assassinos e terroristas de esquerda condenados em seus próprios países, zombando de suas vítimas e das instituições democráticas.
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Não posso apoiar um movimento que defende a revisão de uma Lei de Anistia para punir apenas um dos lados dos "anos de chumbo" da ditadura militar, isentando os terroristas de esquerda de qualquer culpa ou responsabilidade.
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Não posso apoiar um movimento que falsifica despudoradamente a História, e que usa até livros didáticos e exame de estudantes para fazer propaganda oficial.
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Não posso apoiar um movimento que instituiu o coitadismo e o culto da ignorância, uma ofensa aos pobres que estudam.
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Não posso apoiar um movimento que transformou o marketing e o cinismo em supremas virtudes políticas.
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Não posso apoiar um movimento que usa a máquina do Estado para fazer propaganda eleitoral antecipada e para aparelhá-la com critérios partidários e ideológicos.
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Não posso apoiar um movimento que age como se tudo o que veio antes não tivesse existido, apropriando-se de políticas que antes condenava e apresentando-se como fundador da Nação.
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Não posso apoiar um movimento que transformou o assistencialismo, o clientelismo e o fisiologismo em sinônimos de "política social", aplicando na prática o que antes condenava com veemência.
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Não posso apoiar um movimento que se diz convertido às regras do mercado, mas não se confessa nem se arrepende do discurso socialista do passado (passado?).
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Não posso apoiar um movimento que se diz democrata, mas investe quase diariamente contra a liberdade de imprensa, dizendo que "a imprensa existe para informar, não fiscalizar".
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Não posso apoiar um movimento que promove o culto à personalidade do presidente da República, inclusive com um filme financiado por empresas com contratos com o governo.
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Não posso apoiar um movimento que aceita tranqüilamente, e até justifica, o assassinato de cem milhões de pessoas pelo comunismo no século XX.
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Não posso apoiar um movimento que idolatra assassinos seriais e psicopatas como Che Guevara, Fidel Castro, Mao Tsé-Tung e Stálin.
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Não posso apoiar um movimento que, a pretexto de combater a discriminação e o preconceito, cria tribunais de pureza racial e institui oficialmente a divisão por raça, instaurando o racismo no País.
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Não posso apoiar um movimento que, em nome da tolerância e dos direitos das minorias como os gays, pretende criminalizar o pensamento e a liberdade religiosa, enquanto ignora a perseguição aos homossexuais em países como o Irã.
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Não posso apoiar um movimento que se diz defensor dos direitos das mulheres e das minorias, mas não diz uma palavra sobre a repressão às mulheres e às minorias religiosas nos países islâmicos.
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Não posso apoiar um movimento que se enche de indignação diante de qualquer manifestação de "intolerância" do papa contra os muçulmanos, mas ignora as passagens claramente intolerantes do Corão e justifica o terrorismo islamita como uma forma de "resistência contra o imperialismo".
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Não posso apoiar um movimento que considera a democracia e os direitos humanos valores relativos, e não universais, e que, em nome do "multiculturalismo", justifica a perpetuação de formas despóticas de governo - enquanto desfruta de todas as facilidades da democracia.
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Não posso apoiar um movimento que prega a "descriminalização das drogas" como uma forma eficiente de combater o narcotráfico.
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Não posso apoiar um movimento que defende o fim do direito legal a portar armas como a solução do problema da criminalidade.
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Não posso apoiar um movimento que considera a responsabiliade penal de menores de 18 anos, vigente em países como Inglaterra e Suiça, uma medida "fascista".
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Não posso apoiar um movimento que não perde a oportunidade de atacar a violência policial, mas enxerga a criminalidade como o resultado automático da "injustiça social" e os bandidos como "vítimas da sociedade".
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Não posso apoiar um movimento que aperta o cerco contra o cigarro e o álcool, ao mesmo tempo em que defende a liberalização de "drogas leves" como a maconha.
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Não posso apoiar um movimento que transformou o ambientalismo e o "aquecimento global", um tema sobre o qual não há consenso entre os cientistas, em discurso dogmático e escatológico.
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Não posso apoiar um movimento que considera o aborto um direito maior do que o de livre expressão religiosa.
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Não posso apoiar um movimento que se diz favorável a todas as religiões, menos à católica apostólica romana.
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Não posso apoiar um movimento que, dizendo-se cumpridor das leis e defensor do estado de direito democrático, financia com dinheiro público e fecha os olhos para as depredações e violências do MST, um movimento revolucionário comunista.
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Não posso apoiar um movimento que se recusa a se distanciar de um demagogo como João Pedro Stédile e de um bestalhão como Marco Aurélio Garcia.
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Não posso apoiar um movimento que passou décadas batendo-se pela "ética na política" e terminou aliando-se ao que há de mais podre na política brasileira em nome do "realismo".
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Não posso apoiar um movimento que, diante de revelações assustadoras de corrupção, limita-se a dizer que foi tudo uma "conspiração" e aposta na corrupção alheia para "zerar o jogo".
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Não posso apoiar um movimento que rejeita o livre debate de idéias e considera qualquer crítica a ele dirigida como coisa de reacionários, vendidos, imperialistas, impatriotas, preconceituosos, racistas, homofóbicos ou fascistas.
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No final de seu texto, Andrew Sullivan pergunta, retoricamente: "Isso faz de mim um esquerdista radical?". Ao que ele mesmo responde: "De forma enfática, não. Mas certamente me afasta da atual direita norte-americana".
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Do mesmo modo, parafraseando Andrew Sullivan, eu pergunto: o que escrevi aí em cima me torna um extremista de direita? Certamente não. Mas me afasta dos que estão no poder no Brasil atualmente.
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Finalmente: eu posso falar mal de Bush e de Ahmadinejad, assim como posso falar mal de Pinochet e de Fidel Castro, ou de Hitler e Stálin.
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E os esquerdistas, podem?
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Um comentário:

Anônimo disse...

Um dos seus melhores textos...onde eu estava que ainda não o tinha lido? parabéns!