Um leitor, o Zan, me escreve solicitando que eu esclareça alguns pontos confusos na confusa e, ao mesmo tempo, claríssima situação em que o governo Lula se envolveu em Honduras. Respondo com prazer, pois percebo que suas dúvidas são pertinentes e ele parece estar sinceramente em busca de respostas que o permitam pensar com a própria cabeça e ver a realidade, turvada pela lavagem cerebral sistematicamente realizada pela imprensa dita "séria" sobre a questão nos últimos meses. Creio que suas dúvidas são as de muitas pessoas, nesses dias sombrios.
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Zan me pergunta por que Obama está a favor da retomada do poder pelo golpista bolivariano Manuel Zelaya em Honduras. Que interesse, enfim, teria o governo dos EUA em apoiar um sujeito que é aliado de Chávez etc.
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Caro Zan, suas dúvidas já foram por mim respondidas. Escrevi um texto aqui no dia 7 de julho, pouco mais de uma semana após o "golpe" que expulsou Zelaya do poder em Honduras, que acredito as respondem plenamente. Basta acessar o link: http://gustavo-livrexpressao.blogspot.com/2009/07/nova-doutrina-monroe-segundo-barack.html. Você perceberá, ao ler o post, que o antiamericanismo, essa doença infantil do esquerdismo, chegou à Casa Branca.
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Zan também diz estar confuso, pois não sabe dizer onde fica a direita e onde fica a esquerda no imbróglio hondurenho. Quanto a isso, tenho a dizer o seguinte: se você considera ser de "esquerda" defender o solapamento das instituições democráticas por meio de plebiscitos, mudando a seu bel-prazer cláusulas pétreas da Constituição a fim de se perpetuar no poder e instaurar uma ditadura caudilhesca e personalista, com um discurso vigarista de "justiça social" e um antiamericanismo tosco, então Manuel Zelaya, assim como Hugo Chávez e Barack Obama, que apóia essa palhaçada, são inegavelmente de esquerda. Se, ao contrário, você considera ser "de direita" colocar-se intransigentemente em defesa da Democracia e das liberdades públicas e individuais, a favor da Constituição e do governo das leis, e não dos homens, contra a maré chavista-bolivariana que quer transformar a América Latina numa fazendona de Hugo Chávez, então, não há dúvida, você é de direita. Eu já fiz minha escolha.
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Zan tem a mesma dúvida em relação ao apoio do esquerdista Lula ao "direitista" José Sarney. Ele me pergunta: se Sarney era da ARENA e do PDS, partidos de sustentação do regime militar, como pode hoje ser um dos principais aliados de Lula da Silva, o herói da classe operária?
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Também já respondi a essa questão em vários outros posts. Mas a retomo, para fins didáticos. A primeira coisa a ter em mente é que Lula e o PT - a esquerda, portanto - têm um único compromisso, um único, digamos, ideal: o PODER, custe o que custar, da maneira como for. Durante umas duas décadas, o caminho para o poder foi construído com um discurso ideológico, contra a "direita". Depois, a partir dos anos 90, assumiu outra forma: a defesa da "ética", antes desprezada como um discurso "moralista burguês". Com isso, enganaram muita gente, conquistando eleitores. Finalmente, hoje, Lula e o PT, uma vez no poder, deixaram cair a máscara, admitindo que tudo que disseram antes era apenas bravata, governando com base em alianças com quem antes chamavam de ladrão e outras coisas mais, como Sarney e Collor. Ou seja: era tudo - a defesa da democracia e da ética etc. - um discurso puramente instrumental, importante porque útil, não porque acreditavam nele.
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Trocando em miúdos: não importa, para os lulistas, se o sujeito foi aliado dos militares, se é coronel, bandido, bispo da Igreja Universal do Reino de Deus, bicheiro ou traficante de drogas: o importante é o "pudê", e só. O único critério para definir o caráter de alguém, para essa gente, é o seguinte: é meu aliado? então pode tudo; não é meu aliado? então, tome porrada!... Ou seja: se antes Lula e o PT jogavam lama em seus adversários, apresentando-se como os únicos "puros" em meio a tantos políticos safados, hoje fazem questão de dizer que são iguais a todos, redimindo quem antes esculhambavam. Desse modo, garantem a maior base de apoio possível ao governo, ao mesmo tempo em que podem dizer que fazem isso "pelo bem de todos". Não foi por acaso que alguém disse que o PT é a maior lavanderia de reputações já surgida no Brasil.
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À primeira vista, isso parece simples desonestidade e cafajestagem, mero oportunismo e falta de princípios políticos. Desonestidade, além de cafajestagem e oportunismo (os lulistas preferem dizer "pragmatismo"), é claro que é, mas não devemos nos deixar levar pelas aparências. Há, na verdade, uma coerência lógica e diabólica nessas idas-e-vindas todas. É a mesma coerência que fez Zelaya, um latifundiário e "direitista", aderir ao discurso bolivarianiano, tido como de esquerda. É, na verdade, uma tática: não se trata tão-somente de mentir e enganar o público, mas de mentir e enganar tendo em visto um supremo ideal - o poder. É por esse motivo que Lula se identifica tanto com Chávez e Fidel Castro, assim como com Collor e Renan Calheiros.
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Finalmente, Zan: é claro que, quando eu disse que Lula deveria entregar Zelaya à Justiça hondurenha, fiz isso apenas para ilustrar a situação. É óbvio que o Apedeuta não fará isso. Lula e Zelaya fazem parte do mesmo plano, assim como Chávez e, me convenço cada vez, Obama. Ele entregaria Zelaya, ou pelo menos lhe concederia o status de asilado político (nem isso ele é), se tivesse algum compromisso com a Democracia e com a vergonha na cara. Em vez disso, prefere transformar a embaixada do Brasil em Honduras em escritório político de Zelaya, para que o bigodudo insufle a guerra civil no país. Espera, na verdade, que o governo hondurenho invada a embaixada, para ter assim uma desculpa e gritar contra esse "ataque à soberania" brasileira - fazendo todos esquecerem a agressão brasileira à soberania de Honduras. (Aliás, é engraçado: se o Brasil não reconhece o governo hondurenho, por que "exige" que ele não invada a embaixada?)
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É isso. Espero que tenha ajudado a esclarecer essas questões.
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