Se tem uma imagem do 11 de setembro que não me sai da retina, não é a dos aviões atingindo o World Trade Center em Manhattan, nem a das pessoas se atirando das janelas em desespero para a morte, nem a das Torres Gêmeas desabando em meio a um inferno de fogo, poeira e escombros. Todas essas imagens, terríveis e espetaculares como são, não superam outra, bem mais prosaica. É a foto de um grupo de jovens modernosos, provavelmente americanos ou europeus, assistindo a tudo de camarote, do outro lado do Rio Hudson, como se estivessem vendo um show de TV, com ar blasé. Despreocupados. Impassíveis. Indiferentes.
Essa imagem, realmente surreal, me marcou profundamente. A meu ver, ela sintetiza e define com precisão a maneira como muita gente, dentro e fora dos EUA, encarou e encara até hoje o que ocorreu em Nova York e Washington, naquela manhã ensolarada, oito anos atrás. Como se estivessem falando sobre a balada da noite anterior, o grupo moderninho, muito à vontade, conversa despreocupadamente. O país está sendo atacado, diante de seus olhos, mas parece que eles não estão nem aí: é como se o que estivesse ocorrendo há apenas alguns quilômetros de distância não lhes dissesse respeito em absoluto. Creio que um deles, olhando-se bem a foto, parece até estar sorrindo, fazendo graça com o ocorrido. É a imagem perfeita da acomodação em meio à catástrofe, do tédio em meio ao caos. A indiferença em relação à dor dos outros, como dizia Susan Sontag - ironicamente, uma das estrelas do esquerdismo chique nova-iorquino. Indiferença ainda mais absurda e surrealista, pelo fato de o "outro", no caso, ser americano.
Centenas de livros foram escritos e dezenas de filmes foram feitos sobre o maior atentado terrorista da História, mas pouco se falou, até agora, sobre aquilo que considero um dos motores, senão o principal motor, da tragédia. Refiro-me à maneira absolutamente negligente - eu diria mesmo criminosa - como o tema do terrorismo foi tratado durante anos, e que deu ensejo ao que os terroristas fizeram naquela terça-feira. A foto do grupinho conversando despreocupadamente enquanto, do outro lado do rio, milhares de pessoas morriam uma morte horrível ilustra isso perfeitamente.
Pouca gente se dá conta, mas o ovo da serpente terrorista contra os EUA - contra a civilização, na verdade - foi chocado bem antes, durante anos. O governo de Bill Clinton (1992-2000), enrolado em charutos eróticos e estagiárias fogosas, desprezou a ameaça que se gestava no Oriente Médio, na forma da Al-Qaeda e de Bin Laden. Quando os aviões se espatifaram contra as Torres Gêmeas, Bin Laden já havia declarado guerra contra "os judeus e os cruzados" havia cinco anos, e sua rede terrorista já havia atacado alvos norte-americanos antes (as embaixadas no Quênia e na Tanzânia, em 1998, e o navio USS Cole, em 2000), com centenas de vítimas fatais. Mas a resposta do governo democrata se limitara a algumas declarações inócuas e a alguns mísseis atirados contra alvos no deserto no Afeganistão e no Sudão - no caso deste último, até isso foi bastante condenado à época, pois os mísseis americanos teriam atingido supostamente uma fábrica de remédios mantida pelo governo islamita de Cartum. O FBI e a CIA, ao que consta, já haviam tido a oportunidade de capturar Bin Laden, mas o plano fora abortado, ao que parece, porque as autoridades norte-americanas consideravam o milionário saudita uma figura menor, um peixe pequeno no mar do terrorismo internacional. Não era, enfim, politicamente correto, nem conveniente, caçar e eliminar fanáticos muçulmanos escondidos em algum cafundó do Afeganistão. Era mais importante, para Clinton e a quinta-coluna democrata infiltrada na Casa Branca, prosseguir na autoflagelação simpática aos outros países do que enfrentar para valer assassinos de turbante. Ao mesmo tempo, Clinton e sua secretária de Estado, Madeleine Albright, esforçavam-se para reaproximar-se de governos como o da Coréia do Norte.
Por isso, não fiquei exatamente surpreendido quando os EUA foram, finalmente, atacados - pela dimensão e método do ataque, certamente, mas não pelo atentado em si. Do mesmo modo, não me surpreendi quando vi as manifestações de júbilo na internet - inclusive por e-mail - pelo sucedido nos EUA naquele dia fatídico. Não estranhei, principalmente, as inúmeras teorias conspiratórias que pulularam naqueles dias, sempre na mesma toada - os ataques teriam sido forjados pelos próprios EUA, para deflagar uma guerra contra o Islã e se apoderar do petróleo do Oriente Médio etc. etc. -, que tinham em comum o fato de apresentarem os EUA sempre como o lado agressor, jamais como vítima (é incrível o que o antiamericanismo faz na cabeça das pessoas). Nada disso me surpreendeu, embora me cause asco até hoje lembrar a forma calhorda como muita gente considerada inteligente comemorou (sem aspas) a morte de quase três mil pessoas. Durante oito anos, pelo menos, o governo dos EUA fez vista grossa ao avanço do terrorismo islamita, baixando a guarda para seus inimigos. Era questão de tempo até que um ataque daqueles fosse lançado contra a maior potência do mundo. Quando finalmente ocorreu, todos foram pegos desprevenidos, e, desconhecendo o inimigo, apontaram o dedo para os próprios EUA.
O 11 de setembro demonstrou da pior maneira possível que a negligência em relação ao terrorismo islamita e o antiamericanismo andam lado a lado. Uma nota insistentemente tocada naqueles dias dizia que, com os atentados, os EUA estavam "colhendo o que plantaram", isto é, estavam sendo alvos de uma reação legítima por causa da política de Washington no Oriente Médio etc. Ninguém pareceu muito preocupado com a fragilidade intrínseca a esse tipo de argumento (o que tem a ver a política exterior norte-americana com a recompensa de 72 virgens no paraíso, por exemplo?), nem com o fato de que isso significa justificar o terrorismo, colocar-se no mesmo patamar moral de Bin Laden. Mas uma coisa é preciso admitir: tendo em vista a omissão escandalosa do governo Clinton no tocante ao combate ao terrorismo, assim como o primado da visão politicamente correta, os EUA realmente "colheram o que plantaram" em 11 de setembro de 2001.
Durante algum tempo, após os ataques nos EUA, pareceu que o mundo havia finalmente acordado para o perigo do terrorismo islamita, a maior ameaça à civilização desde a queda do comunismo. A forma como todo o povo norte-americano se uniu, deixando de lado diferenças e picuinhas partidárias (inclusive esquecendo-se, momentaneamente, da leviandade democrata, que propiciou os atentados), foi algo que, até hoje, me causa arrepios de admiração. (A escritora italiana Oriana Fallacci escreveu que, se os atentados tivessem ocorrido na Itália, os políticos de lá teriam aproveitado a ocasião para se devorarem entre si - acredito que no Brasil não seria diferente). Mas isso, infelizmente, durou pouco. Logo o velho antiamericanismo deu o ar de sua graça (ou desgraça), manifestando-se já no momento em que os EUA decidiram caçar Bin Laden e derrubar os fanáticos do Talibã no Afeganistão. A partir daí, a união e a solidariedade demonstradas nos primeiros dias após os ataques deram lugar, cada vez mais, à demonização de Jorjibúxi, algo que a invasão do Iraque e a derrubada de Saddam Hussein em 2003, em vez de ajudarem a diminuir, só atiçaram. E isso malgrado o fato de que nunca mais os EUA sofreram nenhum atentado terrorista semelhante, embora tentativas não tenham faltado. É que solidariedade com o gigante atacado, tudo bem. Já punir os responsáveis pelo ataque... Isso, não: isso é "imperialismo".
Desde então, os dias de reação enérgica contra o terrorismo parecem cada vez mais distantes. A luta contra o terrorismo islamita deixou de ser uma prioridade, voltando aos níveis do governo Clinton. A "guerra ao terror de Bush" - sempre entre aspas, sempre acrescida do nome do ex-presidente norte-americano, como se de uma causa da civilização não se tratasse - passou a ser vista com cada vez mais descrença e sarcasmo, e hoje questões como o status de Guantánamo ou a prática do waterboarding para arrancar informações dos terroristas presos tomaram o lugar da luta contra o terrorismo islamita nas manchetes. De certa forma, voltou-se aos tempos pré-11 de setembro, com o ressurgimento do mais nefasto antiamericanismo, que agora se apresenta com o rótulo de "respeito às diferenças", com o qual se tenta disfarçar a tolerância com o terror islamita, visto como uma forma de "resistência" contra a "opressão do imperialismo ocidental". Com a ascensão de Babaca Obama e de Hillary Clinton ao poder, esse retrocesso se completou.
Quase nada se sabe sobre as pessoas na foto que ilustra esse texto. Mas uma coisa é certa: poucas imagens simbolizam melhor a falta de consciência do perigo, a negligência e a indiferença em relação à ameaça terrorista. Isso custou milhares de vidas em 11 de setembro de 2001. Custará muitas outras vidas mais, se depender de quem está atualmente na Casa Branca.
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