sábado, setembro 26, 2009

O QUE ESTÁ EM JOGO EM HONDURAS


Desculpem se o texto a seguir parecer muito sério e mal-humorado. Mas o assunto exige. Trata-se de algo sério, muito sério mesmo. Sério demais para ser tratado com uma linguagem amena ou em tom de blague ou de ironia.

Há mais coisas em jogo na atual crise política em que o Brasil se meteu em Honduras do que supõem nossas vãs diplomacia e filosofia de botequim.

A coisa é grave. Muito grave. Gravíssima. Eu diria mesmo que é a situação mais grave e perigosa envolvendo o Brasil em décadas.

O que está verdadeiramente em jogo não é somente o destino da pequenina e pobre Honduras. É o destino de toda a América Latina. Melhor dizendo: é se o continente deve sucumbir à maré chavista-bolivariana ou se deve resistir e preservar as instituições e a forma democrática de governo. Mais: é o próprio conceito de democracia como governo das leis, e não dos homens, que está sendo colocado em questão.

Se Manuel Zelaya retomar o poder em Honduras, tal como querem Lula e Hugo Chávez, isso significará o seguinte:

- um presidente da República - em Honduras ou em qualquer país -, a pretexto de que foi eleito pelo povo e de forma democrática, terá carta-branca para convocar um plebiscito declarado ilegal e inconstitucional pelos demais poderes do país para reeleger-se e substituir a vontade de povo pela sua própria, rasgando, assim, a Constituição e desfechando, portanto, um golpe civil;

- um movimento cívico para deter essa tentativa de violar a ordem constitucional e preservar a Carta Magna, que proíbe terminantemente qualquer tentativa de reeleição, levado adiante pelo Legislativo e pelo Judiciário, com o apoio da maioria da população, será considerado não uma mobilização a favor da democracia, mas um "golpe de Estado";

- para reinstalar no poder o presidente golpista deposto, declarado traidor da pátria segundo a Constituição, um governo estrangeiro poderá intervir abertamente nos assuntos internos do país, mediante ameaças de uso da força militar, e inclusive planejando um banho de sangue, violando seu espaço aéreo e enviando militantes armados para promover a insurreição;

- um governo estrangeiro também poderá patrocinar a volta clandestina do golpista deposto, abrigá-lo junto com uma multidão de militantes em sua embaixada, e permitir a transformação desta em quartel-general de onde ele possa insuflar a guerra civil no país - uma clara violação da soberania nacional e da não-intervenção, princípios que devem reger as relações entre os Estados e que ficarão reduzidos, assim, a palavras vazias;

e, finalmente,

- estará provado que violar a Lei Máxima do país, em nome da "revolução bolivariana" ou do que seja, NÃO é golpe, e que defender a Constituição (e, portanto, a democracia) é "golpismo" e "extremismo de direita".

Entenderam a gravidade da situação? Ou será que fui muito sutil?

O bolivarianismo já se apoderou de Venezuela, Bolívia, Equador, Cuba, Paraguai, Argentina, Nicarágua e El Salvador. E também do Brasil, onde a máscara de bom-mocismo de esquerda light ou "vegetariana" do governo Lula caiu por terra diante da militância ativa pró-Chávez e, agora, pró-Zelaya, do Itamaraty. Essa onda populista e autoritária ameaça vários outros países da região, como Peru e Colômbia (onde está representada pelos narcoterroristas das FARC, que contam com o apoio de Chávez e Correa e com a "neutralidade" de Lula), e tentou apossar-se de Honduras. Mas lá os bolivarianos esbarraram num problema: Zelaya tem o apoio de menos de 30% da população e, ao contrário do que ocorreu em outros países, não conseguiu botar no bolso o Congresso e a Suprema Corte, além dos militares, que mantiveram sua independência em relação ao Executivo. Daí que o país tenha podido se mobilizar e expulsá-lo do poder, onde pretendia - e pretende, com a ajuda do Brasil - eternizar-se. E isso os governos da região aliados de Chávez, como o de Lula, simplesmente não podem perdoar: daí porque trataram imediatamente de tentar esmagar Honduras, não reconhecendo o novo governo e cortando qualquer ajuda ao país. Mas Honduras resiste bravamente, tal qual aldeia gaulesa, a esse ataque à sua soberania.

Enquanto isso, enquanto Lula e Chávez intervêm abertamente e violam a soberania de Honduras, com o apoio de Barack Hussein Obama (parece que o bolivarianismo chegou ao "império", finalmente), esses mesmos governantes, em nome dos mesmos princípios de "respeito à soberania" e "não-intervenção", são capazes de juntar no mesmo parágrafo num discurso na ONU, como fez Lula, a "volta à democracia" em Honduras e a defesa do fim do embargo norte-americano a Cuba, onde vigora há cinqüenta anos uma das tiranias mais opressivas do planeta. Fazem mais, e preparam o caminho para o retorno da ditadura castrista à Organização dos Estados Americanos. Alguém aí pensou em duplo padrão moral e em hipocrisia?

Na crise de Honduras, a diplomacia brasileira está desempenhando um dos papéis mais vergonhosos de sua História, papel este que macula a tradição de Rio Branco. Como se não bastasse ter dado abrigo a um gólpista, ao que tudo indica tendo participado do plano secreto que o reintroduziu no país, o governo Lula permitiu que sua representação diplomática em Tegucigalpa se convertesse num escritório político e num palanque para que Zelaya incite a rebelião e o confronto no país. Desse modo, interveio diretamente na realidade política de um Estado soberano, um delito seríissimo à luz do Direito Internacional, além de ter colocado em risco a integridade física da comunidade brasileira residente naquele país, que se tornou alvo de hostilidade por causa disso. Mais: o governo brasileiro tornou-se responsável por todo o sangue que for derramado em Honduras.

Apesar disso, e como sempre resta uma esperança, ainda há uma chance de o Brasil se redimir e sair com alguma dignidade do imbróglio que ajudou a agravar em Honduras: basta entregar ao governo constitucional hondurenho - o governo de Roberto Micheletti - o golpista Manuel Zelaya, para que ele responda perante a Justiça pelos crimes que cometeu, conforme a Lei que ele tão despudoradamente tentou violar, ao convocar uma consulta ilegal e inconstitucional. Mais precisamente, Zelaya deve responder pela violação dos Artigos 42, 237 e 239 da Constituição da República de Honduras, que punem com a perda automática do mandato e da própria cidadania hondurenha qualquer um que tente mexer na Lei para mudar as regras das eleilções e propor a reeleição. Até o Jornal Nacional parece ter acordado para esse detalhe, que passou até aqui praticamente despercebido, tendo mudado, aparentemente, o tratamento dispensado ao "governo de fato" de Roberto Micheletti (de "governo golpista", este passou a ser chamado de "governo interino"; menos mal, mas não é o bastante: trata-se do governo de facto e de jure de Honduras). Feito isso, ou seja, uma vez entregue Zelaya para julgamento, Lula e Celso Amorim deveriam humildemente pedir desculpas ao povo hondurenho por terem se imuscuído num assunto interno de seu país, além do mais apoiando um golpista como se este fosse um democrata.

Essa é a única maneira de o Brasil preservar um mínimo de respeitabilidade na questão, perante o povo de Honduras e perante a História. Mas sei que, infelizmente, isso não vai acontecer. Lula está comprometido demais com os bolivarianos para realizar esse gesto de grandeza. Quem já inventou a desculpa de que não sabia de nada nos casos do mensalão e dos aloprados, para não falar dos mais recentes (Sarney etc.), certamente não vai se dar ao trabalho de desculpar-se por mentir também no plano internacional.

Tenho uma aversão quase instintiva à linguagem panfletária, tão apreciada pelos esquerdistas. Considero o estilo dos manifestos políticos, além de estilisticamente pobre, um insulto à inteligência. Mas, acredito, não há método mais adequado para reverter a lavagem cerebral que se fez nos últimos meses sobre a questão de Honduras senão repetir alguns slogans. Creio que essa é a melhor maneira de fixar em algumas mentes alguns fatos básicos, sistematicamente ignorados ou distorcidos. Por isso, sugiro as seguintes palavras de ordem, caso alguém esteja pensando em fazer alguma manifestação:

- NÃO HOUVE GOLPE DE ESTADO EM HONDURAS!

- EM DEFESA DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA DE HONDURAS!

- VIVA A RESISTÊNCIA DEMOCRÁTICA HONDURENHA!

- PELO FIM DO BLOQUEIO E DO CERCO INTERNACIONAIS A HONDURAS!

- LULA, CHÁVEZ, ORTEGA, OBAMA, ONU, OEA ETC.: RESPEITEM A SOBERANIA DO POVO HONDURENHO!

- ABAIXO O GOLPISMO BOLIVARIANO!

- NÃO AO CAUDILHISMO! NÃO AO TOTALITARISMO!

- VIVA A DEMOCRACIA! VIVA O GOVERNO DA LEI, E NÃO DOS HOMENS!

- TIREM AS MÃOS DE HONDURAS!
.
- FORA ZELAYA! FORA CHÁVEZ! FORA LULA!

Um comentário:

Zan disse...

Olá, tenho acompanhado seu blogue já há algum tempo, o qual me tem sido muito elucidativo.
Gostaria de lhe enviar um email, mas não encontrei seu endereço.
Peço que "filtre" esta mensagem e, se possível me responda por email.
daniel.nt@gmail.com

Minha dúvida é: Por quê o Obama está a favor da manutenção ou volta do Zelaya ao poder?
Que interesse teriam os Estados Unidos em apoiar um governo que é aliado do Chavez?
Minha cabeça trava em algumas questões, principalmente porque acabo não entendendo muito bem onde está a esquerda e onde está a direita... parecem duas faces da mesma moeda - Deus e Demônio, tudo a mesma coisa.

Aproveitando que você citou o Sarney no texto, gostaria de saber:
Se o Sarney era da ARENA e do PDS, - direita - como pode ser apoiado pelo governo Lula - PT esquerda - agora?

Desde já lhe agradeço.

Um abraço.

P.S - Você comenta que o Lula deveria voltar atrás com relação ao conflito em Honduras: só pra ilustrar, né? Você não admite essa hipótese de fato. O Lula não é tão doido assim...